Resumo: O presente trabalho é resultado de diversos estudos da doutrina, de artigos científicos e de projetos de lei a respeito da reprodução assistida heteróloga, defendendo o direito ao conhecimento da origem genética, por parte do indivíduo gerado por essa técnica, tendo como parâmetro o princípio da dignidade da pessoa humana. Além de fazer uma análise dos possíveis remédios processuais que se propõem a satisfazer tal conhecimento. E, por fim, explana que a informação acerca da identidade genética tem sido impossibilitada na prática pela ausência de norma regulamentadora que preveja ação judicial cabível para essa pretensão.
Palavras-chave: reprodução. origem genética. ação cabível.
Abstract: This work is the result of several studies of the doctrine of scientific papers and bills concerning the heterologous assisted reproduction, defending the right to knowledge of genetic origin, by the individual generated by this technique, having as parameter the principle of human dignity. In addition to an analysis of the possible procedural remedies that purport to satisfy such knowledge. And, finally, explains that the information about the genetic identity has been unable in practice by the lack of a regulatory provision providing for judicial action applicable to this claim.
Keywords: reproduction. genetic origin. appropriate action.
Sumário: Introdução. 1. Direitos reprodutivos. 2. Filiação e reprodução assistida heteróloga. 3. Princípio da dignidade da pessoa humana e direito ao conhecimento da origem genética. 3.1 Direito à intimidade e o direito ao conhecimento da origem genética. 3.2 Confronto de direitos fundamentais. 3.3 Aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana frente ao conflito de direitos fundamentais. 4. Aspectos processuais pertinentes ao conhecimento da origem genética. 4.1 Tentativas de regulamentação legal. 4.2 Do conhecimento da identidade genética: remédio processual cabível. 4.3 Ausência de ação adequada e ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Conclusão. Referências.
Introdução
Com o avanço da Biotecnologia, os casais têm acesso às diversas técnicas de reprodução medicamente assistidas, como instrumentos para driblar a infertilidade. Dentre essas técnicas, enfatiza-se a reprodução assistida heteróloga, a qual faz uso de gametas doados por um terceiro anônimo para que o casal possa realizar o desejo de constituir uma prole.
No uso da técnica de reprodução assistida heteróloga duas posições antagônicas deverão ser consideradas, em uma tem-se o terceiro anônimo, doador dos gametas que viabilizará o projeto parental do casal ansioso por constituir uma família, no entanto não desejará vínculos, sejam afetivos ou patrimoniais, com o ser que venha a ser gerado.
De outro modo, tem-se a posição da criança, resultante da reprodução assistida heteróloga, de no futuro querer conhecer sua ascendência genética e estabelecer vínculos com esse doador anônimo. Frente a essas posições depara-se com um conflito de direitos fundamentais, quais sejam: o direito à intimidade do doador e o direito ao conhecimento da origem genética do indivíduo resultante da aplicação da técnica de reprodução heteróloga. Os quais representam a quarta dimensão dos direitos fundamentais, inseridos no Direito de Família do ordenamento jurídico pátrio.
Neste trabalho apresenta-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como meio de solucionar o conflito de direitos fundamentais existente na citada técnica de reprodução, além do que, analisa os aspectos processuais decorrentes da carência de uma ação apropriada para o conhecimento da origem genética, apontando a necessidade de norma regulamentadora para a abordagem do tema e defendendo que a ausência de lei específica para o conhecimento da origem genética ofende a dignidade da pessoa humana.
1 Direitos reprodutivos
A procriação é inerente ao ser humano, pois desde os tempos mais longínquos a paternidade e a maternidade são valorizadas pela sociedade. Essa é a regra, no entanto, por alguma adversidade nem sempre a vontade de procriar pode ser realizada de forma natural, sendo desilusório para o indivíduo querer e não ser capaz de ter um filho.
Com a inclusão dos direitos reprodutivos no rol dos direitos fundamentais, o tratamento para os casos de infertilidade passou a ser função também do Estado, como está determinado no parágrafo 7º, do artigo 226, da Carta Magna, in verbis:
“Art. 226 […]
§7º fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.
Como se observa no trecho acima, adota-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um dos norteadores do planejamento familiar, no qual insere-se as técnicas de reprodução assistida, restando assim, uma especial atenção a este princípio. O reconhecimento do valor distinto da pessoa humana tem como consequência a consolidação dos direitos específicos de cada homem, dotando-o de uma dignidade especial, pois ele não poderá ser um meio para os outros homens, mas um fim em si mesmo.
Se a Lei Maior afirma que a dignidade da pessoa humana é o fundamento da República Federativa do Brasil, conclui-se então que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Frente à disposição constitucional, homens e mulheres que se sentiam lesados em seus direitos reprodutivos, passaram a ter a assistência do Estado para colocar em prática o seu projeto parental, através de modernas técnicas de reprodução medicamente assistida.
Assim, um grande número de mulheres que não tinham esperanças de serem mães, por serem estéreis, ou por estarem em pós-menopausa, ou casadas com homens também estéreis, ou até mesmo, por não desejarem repartir o carinho de seus filhos com um pai conhecido; e os casais homoafetivos, passaram a recorrer aos diversos métodos científicos da reprodução humana medicamente assistida.
Tais técnicas de reprodução assistida podem ser realizadas tanto com os gametas daqueles que desejam a criança quanto com os gametas de doadores. No caso da reprodução assistida ser realizada com gametas do casal ela é chamada de homóloga, caso seja realizada com gametas de terceiros ela é chamada de heteróloga.
O surgimento das técnicas de reprodução assistida está acompanhado de inúmeros questionamentos de ordem psicológica, religiosa, moral, científica e jurídica. Como expõe Welter (2003, p. 209):
“[…] é preciso transnacionalizar a ética universal na reprodução humana medicamente assistida, que reclama o cumprimento de alguns princípios para garantir o bem estar das pessoas que são os destinatários ou os participantes das pesquisas genéticas: o princípio da beneficência, da autonomia, da justiça e da dignidade da pessoa humana”.
Assim, observa-se que o emprego da técnica de reprodução assistida heteróloga é polêmico e deve buscar, tanto na ordem jurídica como nos princípios, os meios que possibilitem a sua utilização.
2 Filiação e reprodução assistida heteróloga
Atualmente, o conceito de filiação não é mais de tão fácil definição. As mudanças que se sucederam no Direito de Família ao passar dos anos, principalmente diante dos avanços da biotecnologia, conferem novas maneiras de visualizar e entender as relações entre pais e filhos.
A filiação, como vínculo de parentesco do filho em relação aos pais, envolve a idéia de paternidade e maternidade, conforme dispõe Diniz (2006, p. 436), ao conceituar filiação como sendo: “O vínculo existente entre pais e filhos em linha reta de 1º grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo ainda ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga.”
Desde o Direito Romano, o casamento era a base da formação da família, representava a legalização das relações sexuais de onde surgia a prole, pois o que originava a filiação era a relação matrimonial, de modo que os filhos havidos fora do casamento, não faziam parte do núcleo familiar, não podiam nem mesmo serem registrados com o nome paterno se o genitor fosse casado.
A discriminação da filiação em legítima e ilegítima tinha como critério a situação dos progenitores. O parentesco legítimo, filiação legítima, existia quando o nascimento decorria do matrimônio legal, já o ilegítimo, podia ser de duas formas: o parentesco natural, que existia entre o gerado e os genitores quando estes não eram casados legalmente, embora não existissem impedimentos para tal ato, e o parentesco espúrio, este ocorrendo quando o ser gerado tinha como pais pessoas que não eram legitimamente casadas por estarem impedidas, por já terem contraído justas núpcias, ou seja, o filho seria adulterino.
Os conceitos de família, filiação, paternidade e maternidade que nortearam o Direito Romano chegaram praticamente ilesos ao Código Civil de 1916. Conforme preleciona Venosa (2007, p. 228), o código anterior dava importância à família legítima, derivada de justas núpcias, o legislador marginalizou a família não provinda do casamento e ignorou os direitos dos filhos que proviessem de relações não matrimoniais, pois conceituava como legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado ou mesmo nulo, se fosse contraído de boa-fé. Adotava-se o princípio segundo o qual pai é quem assim demonstram as justas núpcias, presumindo-se que o filho da mulher casada foi concebido pelo marido, como se aduzia da leitura do Código Civil de 1916, em seu artigo 338, in verbis:
“Art.338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:
I – os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação”.
Em meados do século XX, a legislação brasileira acompanhou a tendência universal, reconhecendo direitos familiares e sucessórios aos filhos advindos de relações extramatrimoniais, até que a Constituição de 1988 vedou qualquer qualificação relativa à filiação, fazendo com que a terminologia adotada pelo Código Civil de 1916, filiação legítima e ilegítima, passasse a ter um sentido meramente ilustrativo e não mais jurídico. Como se conclui na disposição constitucional do parágrafo 6º, do artigo 227: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
O atual Diploma Civil promoveu a transição do modelo clássico para o modelo contemporâneo de filiação, implementando a ideia de que a filiação pode decorrer de fontes diversas e não mais, exclusivamente biológicas, como era defendido anteriormente. Podendo agora derivar de laços sanguíneos (parentesco natural), da mera adoção, ou eleição (parentesco civil), como da pura afeição (parentesco resultante de procriações artificiais). Desta forma, disciplinou a presunção de paternidade em seu artigo 1.597, ao dispor que:
“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.
Nota-se assim, que no ordenamento jurídico atual, entendem-se os estados de filiação como sendo: a) filiação biológica em face de ambos os pais, havida da relação de casamento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental; b) filiação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regular; ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o filho; e c) filiação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga.
Na filiação decorrente da técnica de reprodução medicamente assistida heteróloga, existem duas formas de se determinar a paternidade e a maternidade: a primeira delas é a forma presumida, utilizada para os filhos nascidos na constância do casamento por força do inciso V, do artigo 1.597 do Código Civil, o qual dispõe que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Pois a vontade juntamente com a existência do vínculo conjugal e com o resultado bem sucedido da técnica de reprodução assistida heteróloga, formam os elementos fundamentais para a configuração da paternidade que se torna certa, e não sujeita à impugnação pelo marido.
A segunda forma refere-se à socioafetividade, onde os laços de amor importam mais que os laços de sangue, no caso de casais que não se encontram unidos pelo matrimônio, sendo que seus futuros filhos, não terão a filiação enquadrada nos casos de filiação presumida, mas acabam buscando tratamentos dispendiosos motivados pela vontade de ter um filho que não foi possível vir ao mundo pela maneira natural. Esses são considerados pais socioafetivos, tendo todos os direitos e deveres decorrentes do instituto, sem qualquer possibilidade da paternidade ou maternidade serem atribuídas levando-se em conta a origem genética do indivíduo, uma vez que os que doaram os gametas para concepção do embrião não são obrigatoriamente pais, afinal, o que é considerado nesses casos, é que os pais são aqueles que desejaram o filho, e se dispuseram a cuidar do seu bem-estar e propiciar-lhe uma família.
Como se vê, a reprodução assistida heteróloga suscita conflitos jurídicos não apenas em relação à filiação, mas em relação ao próprio direito à vida, além de se insurgir no direito à intimidade do doador dos gametas, conflitos estes que necessitam de uma análise à luz dos direitos fundamentais da pessoa humana.
3 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito ao conhecimento da origem genética
O tema em estudo, inevitavelmente, perturba e conflita-se com os direitos fundamentais, vez que a reprodução assistida heteróloga põe em contraposição direitos fundamentais, de um lado: protegendo o direito à vida, através do conhecimento da origem genética, e do outro, o direito à intimidade, resguardando-se o sigilo da identidade do doador dos gametas. De forma tal que diante deste confronto é primordial uma abordagem acerca dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais são direitos que visam à manutenção da vida humana de forma livre e digna. Pode-se afirmar que são um conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e de desenvolvimento da personalidade humana.
Tais prerrogativas são tuteladas pelas Constituições de diversos países, as quais têm como suporte a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Tais direitos, que garantem a dignidade da pessoa humana, não ficaram inertes ao longo do tempo e foram transformando-se de acordo com os anseios da sociedade. Eles são classificados em quatro gerações de acordo com o bem tutelado, assim os denominados direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade. Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais, concretas – acentuam o princípio da igualdade; os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Na verdade, atualmente entende-se que o correto não é classificá-los em gerações, o que dá uma idéia de algo ultrapassado e que posteriormente fora substituído, mas sim, em dimensões, pois os direitos não se esgotam, são dinâmicos e estão sempre presentes na vida dos indivíduos, nas relações destes com os demais e com o Estado.
A legislação brasileira, deficientemente, tem buscado tutelar os direitos de quarta dimensão, os quais salvaguardam as pessoas que se submetem aos procedimentos biotecnológicos como as técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga. Tendo como maior orientador o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado democrático de Direito e tem como fundamentos:[…]
III – a dignidade da pessoa humana”;
O referido princípio apresenta duas concepções: a primeira prevê como um direito individual protetivo, em relação ao Estado e em relação aos demais indivíduos; a segunda, estabelece um dever fundamental de tratamento igualitário aos próprios semelhantes, ou seja, respeitar a dignidade do seu semelhante como o texto constitucional exige que lhe respeite a própria. A idéia de dignidade da pessoa humana frente às disposições constitucionais ganhou aplicabilidade no tocante ao planejamento familiar, tratando a família como célula da sociedade, seja derivada de casamento ou de união estável, baseando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, sendo o planejamento familiar uma livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar os recursos para o exercício deste direito.
3.1 Direito à intimidade e o direito ao conhecimento da origem genética
O direito à intimidade e o direito ao conhecimento da ascendência genética são direitos fundamentais da personalidade protegidos pelo ordenamento jurídico pátrio. São fundamentais por serem direitos humanos recepcionados pela ordem jurídica, e são da personalidade porque são direitos subjetivos atribuídos ao homem independente de sua classe social.
O direito à intimidade é previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, X, que dispõe ser inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, sendo assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Também é abordado na Resolução nº. 1.957/10 do Conselho Federal de Medicina, que protege o anonimato do doador na reprodução assistida heteróloga, dispondo acerca da doação de gametas e pré-embriões, os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
Dessa forma, é garantido ao doador ou doadora de gametas o direito de guardar segredo quanto a este procedimento, mantendo-o na intimidade, fazendo com que os demais indivíduos não venham a tomar conhecimento. Assim, em uma posição encontra-se o direito ao anonimato do doador na aplicação de técnica de reprodução assistida heteróloga, em outra, defende-se o direito do indivíduo de conhecer sua precedência genética. No entanto, o direito ao anonimato do doador também é protegido, uma vez que o direito à intimidade é um desdobramento dos direitos fundamentais que existe justamente para garantir a dignidade da pessoa humana. De tal maneira que os interesses, tanto do doador quanto do indivíduo fruto da técnica de reprodução assistida heteróloga, são garantidos no texto constitucional verificando-se desta feita, um confronto de direitos fundamentais.
3.2 Confronto de direitos fundamentais
Os princípios são manifestações das normas de maneira mais genérica que as regras, não se prendem a um determinado acontecimento, apenas, diante de uma situação fática, mostram que valor deve ser levado em consideração. A distinção entre regras e princípios se mostra mais acentuada nas colisões de princípios e nos conflitos de regras. De modo que, os conflitos de regras se resolvem na dimensão da validez. Ou seja, somente podem ser solucionados introduzindo-se uma regra de exceção, retirando o seu caráter definitivo, ou declarando-se inválida, pelo menos, uma das regras. Com efeito, uma norma vale ou não vale juridicamente. E sendo válida é aplicável a um caso, significando que vale também sua consequência jurídica.
De outra forma, a colisão de princípios se resolve na dimensão de peso. Quando dois princípios entram em colisão, por exemplo: um diz que algo é proibido e outro, ao contrário, diz que é permitido, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos.
A abstração maior dos princípios em relação às regras é de grande utilidade para a solução de conflitos, pois existindo regras opostas, sana-se aplicando critérios como: especialidade, hierarquia, antiguidade, em que a opção por uma exclui a outra. Porém, coexistindo princípios diversos, não se utilizam tais critérios, pois estes são gerais e não se submetem a uma hierarquia, sendo que surgiram na mesma época, quando da atividade do constituinte originário. Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas "exigências" que devem ser realizadas, as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade de regras contrárias.
Quando a oposição for de direitos fundamentais, no caso o direito à origem genética do indivíduo como proteção ao direito a vida versus o direito à intimidade como forma de resguardar o sigilo do doador dos gametas, mesmo não sendo princípios, adota-se o mesmo meio para resolver o conflito. Os direitos fundamentais, por protegerem a vida humana com base em valores de liberdade e dignidade, atuam como fundamento ao princípio da dignidade da pessoa humana, não podendo, este ser excluído em caso de conflito. Os direitos fundamentais são normas genéricas como os princípios, e sua colisão não é caso de contrariedade, mas de oposição. Sendo os princípios usados para apresentar uma solução para o conflito ou colisão de normas, diante da abrangência dos direitos fundamentais e de outros valores constitucionais relevantes.
3.3 Aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana frente ao conflito de direitos fundamentais
A pessoa é o principal valor protegido no ordenamento jurídico, e sendo o valor da pessoa humana a razão de ser do ordenamento, conclui-se que as normas existam para proteger a pessoa e a sua dignidade. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é de grande importância para sanar conflitos de direitos fundamentais, por ser ele o apoio para os direitos fundamentais elencados no Titulo II da Carta Magna, dando unicidade e coerência a este rol.
Na compreensão do autor Canotilho (2001, p. 1.229):
“Considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um ‘choque’, um autêntico conflito de direitos”.
Essa colisão de direitos fundamentais surgida quando o âmbito da proteção de um invade o âmbito da proteção do outro, é solucionada fazendo-se opção pelo direito que mais proteja a dignidade da pessoa humana, os citados direitos são normas que inadmitem a exclusão, por serem cláusulas pétreas, como bem expõe a Lei Maior, em seu artigo 60, § 4º, inciso IV, no entanto, podem ser objetos de ponderação em caso de conflito. Pois no plano da eficácia dos direitos fundamentais, assume lugar de destaque o princípio da proporcionalidade e da harmonização dos interesses, sugerindo-se que o limite seja reconduzido ao princípio fundamental do respeito e da proteção da dignidade da pessoa humana, fio condutor de toda a ordem constitucional, sem o qual ela própria acabaria por renunciar a sua humanidade, perdendo até mesmo a sua razão de ser.
A colisão que ocorre com a aplicação da técnica de reprodução assistida heteróloga, para apontar se o interesse que deve prevalecer é o do indivíduo gerado ou do doador dos gametas, faz-se necessário analisar em cada situação, qual delas é apta a dar maior proteção à dignidade da pessoa humana. Levantam-se as seguintes razões para a criança conhecer sua origem genética: a) pela falta de um pai ou de uma mãe juridicamente estabelecidos quando a técnica foi utilizada somente por um indivíduo; b) para desconstituir a paternidade anteriormente estabelecida, seja por ambição material ou por desentendimentos com os pais socioafetivos; c) da necessidade de se analisar o material genético de seu ascendente para preservar a saúde do filho socioafetivo; d) pela preocupação de evitar vínculos parentais em desconformidade com a moral e os costumes; e) pela mera curiosidade em conhecer aqueles que permitiram a concretização do projeto parental daqueles que reconhece como pais.
Para Moreira Filho (2008), garantir ao filho o direito de conhecer a sua verdadeira identidade genética, é conceder-lhe o exercício pleno de um direito da personalidade e a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as mais variadas dúvidas e questionamentos que surgem em sua vida, como, por exemplo, as explicações acerca da característica fenotípica, da índole e do comportamento social.
Assim, compreende-se que a dignidade da pessoa humana só estará assegurada quando possibilitar uma existência que permita a fruição dos direitos fundamentais, através do pleno desenvolvimento da personalidade, desta forma, o direito da criança de conhecer suas origens torna-se superior ao direito à intimidade do doador. No caso de necessidade de se conhecer o ascendente para a preservação da vida, não resta dúvida quanto à superioridade do direito ao conhecimento da origem genética em face do direito à intimidade. A intimidade de uma pessoa não pode ser superior à vida de outra, pois a vida é o bem maior da pessoa, sem a qual os demais direitos fundamentais não poderão ser exercidos, necessitando esta de uma proteção mais abrangente a ser dada pelo ordenamento.
No ordenamento jurídico pátrio, o direito ao conhecimento da origem genética e o direito à intimidade, ambos gozando de uma mesma proteção por serem direitos fundamentais, contrapondo-se nos casos de reprodução assistida heteróloga, não dispõe a ordem jurídica de um tratamento efetivo na legislação. Vindo a necessitar de uma lei específica que regularize a situação de doadores e de receptores, bem como dos indivíduos havidos por meio dessas técnicas.
4 Aspectos processuais pertinentes ao conhecimento da identidade genética
Atualmente, para um tema tão relevante, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma lei que trate do assunto. A produção legislativa até o momento tem-se limitado a alguns projetos de lei que ainda tramitam no Congresso Nacional, não se obtendo nenhuma concretude. Tal omissão legislativa ofende o direto ao conhecimento da origem genética assegurado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, causando entraves aos processos que buscam tal conhecimento, gerando dúvidas quanto à ação adequada tanto para o autor no momento da propositura da ação quanto para o magistrado no julgamento da mesma.
4.1 Tentativas de regulamentação legal
Apesar da técnica de reprodução assistida heteróloga ser um recurso frequentemente utilizado pelos casais com problemas de infertilidade, a legislação brasileira não tem sido dinâmica para acompanhar a evolução no campo da engenharia genética. Prova disso é a oportunidade que o legislador do Código Civil teve de tratar da matéria e assim não o fez. De outro modo, deve-se levar em consideração a morosidade legislativa desde a feitura do projeto de lei deste código no ano de 1975, transcorrendo vinte e sete anos até sua publicação em 2002, fazendo com que o mesmo já surgisse falho.
Defende-se que tema de tamanha relevância deveria ser abordado em lei específica, o que até o presente momento não ocorreu. até dezembro de 2010 a norma que se empenhou em tratar da reprodução humana assistida heteróloga foi a resolução 1.358/92 do conselho federal de Medicina, que vigorou por 18 anos adotando normas éticas quanto à regulamentação dos procedimentos a serem observados pelas clínicas e médicos que utilizam técnicas de reprodução assistida.
Recentemente esta Resolução foi atualizada e substituída pela Resolução 1.957/2010 do CFM que ampliou os usuários das técnicas de Reprodução Assistida, que poderão ser utilizadas também pelos casais homossexuais, bem como acrescentou um dispositivo permitindo a Reprodução Assistida post mortem, no geral, manteve as disposições da antiga resolução.
No Congresso Nacional foram produzidos alguns projetos de lei com o objetivo de regulamentar a reprodução humana medicamente assistida, dos quais temos como exemplo o projeto do Senador Lúcio Alcântara, PL nº 90/99, o qual tramitou por oito anos desde o Senado até ser arquivado na Câmara dos Deputados em 28 de fevereiro de 2007. Porém, desde 2003 o citado senador propôs um novo projeto de lei para tratar da matéria, o Projeto de Lei nº 1.184/2003, o qual apesar de ter recebido prioridade no regime de tramitação ainda se prolonga no Congresso Nacional, encontrando-se atualmente na Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei nº 1.184/2003 dispõe em sua ementa definir normas para a realização de inseminação artificial e fertilização “in vitro”, proibindo a gestação de substituição – barriga de aluguel – e os experimentos de clonagem radical. Dada a relevância do tema, em 03 de julho de 2012 foi solicitada pelo Deputado João Campos a realização de audiência pública para debate da matéria com representantes do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina, dos médicos especialistas na área e demais interessados. Até o presente momento, a audiência não foi realizada para que a Câmara Federal emita um parecer e o projeto possa ter seguimento.
Interessante é reproduzir o que explana o capítulo VI desse projeto, ao tratar da filiação da criança:
“Art. 16 Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.
§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais biológicos.
§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo profissional e, sempre que possível, o anonimato. (grifo nosso)
§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 17 O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil”.
Percebe-se que o projeto reconhece o direito ao conhecimento da origem genética e trata o anonimato não como regra absoluta, mas podendo ser excepcionado para atender interesses maiores como o da necessidade de salvaguardar a vida do indivíduo, no entanto, não dispõe a forma como esse conhecimento seria feito, que tipo de ação judicial seria utilizada para o caso.
4.2 Do conhecimento da identidade genética: remédio processual cabível
Mesmo defendendo-se o direito ao conhecimento da origem genética no projeto de lei supra mencionado, não há consenso quanto ao remédio processual apropriado para tanto, existem posicionamentos de que seria a ação de investigação de paternidade, embora também sejam defendidos posicionamentos no sentido de se considerar o Habeas Data, previsto constitucionalmente, a ação competente para a busca da ascendência biológica e até mesmo o Mandado de Segurança.
Compreende a maior parte da doutrina que a ação adequada para conhecer a origem genética é a ação de investigação de paternidade prevista na Lei nº. 8.560/92, pois trata-se de uma ação declaratória que tem por objetivo declarar judicialmente que o investigante é filho do investigado. Para Venosa (2006), é a ação que cabe aos filhos contra os pais ou seus herdeiros, para demandar-lhes o reconhecimento da filiação.
O legitimado ativo para tal procedimento é o filho, conforme o disposto no artigo 1.606 do Código Civil: “a ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.” Venosa (2006) afirma que são legitimados para essa ação o investigante e o Ministério Público, podendo também, o nascituro investigar a paternidade de acordo com o parágrafo único do artigo 1.609 do Código Civil. Trata-se de legitimação extraordinária a conferida pela Lei nº. 8.560/92 ao Ministério Público que atuará quando, no procedimento de averiguação inoficiosa, o pai indicado não responder no prazo de 30 dias ou negar a paternidade. Assim, o órgão ministerial age como substituto processual.
Contra o entendimento da ação de investigação de paternidade ser apropriada para o conhecimento da identidade genética se opõe Lôbo (2008), para o qual garantir a efetivação do direito fundamental do conhecimento da origem genética, não é necessário investigar, pois para o referido autor toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de reivindicar sua origem biológica. Uma coisa é reivindicar a origem genética, outra é a investigação de paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independente de origem (biológica ou não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga, autorizada pelo marido. Nesse caso, o filho pode reivindicar os dados genéticos do doador anônimo de sêmen que conste nos arquivos da instituição que armazenou o material, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade. Consequentemente, considera inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fim.
Como já fora explicitado, o entendimento da filiação atualmente é diferente da origem biológica da pessoa, pois a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. Baseando-se nisto é que não se aceita a utilização da ação de investigação de paternidade como meio para o conhecimento da identidade genética, por se mostrarem como sendo institutos diferentes.
Para alguns doutrinadores conforme mencionado anteriormente, o Habeas Data, previsto constitucionalmente no artigo 5º, LXXII, da Carta Magna, é apontado como forma de se conhecer a origem genética. Pois por meio deste remédio constitucional, pode-se atingir entidades que mantenham bancos de dados de caráter público; o que abrange casas de saúde, bancos de sêmen e de embriões e, fundamentalmente, as pessoas dos profissionais que se responsabilizaram pelo procedimento médico referente à procriação assistida heteróloga. Todavia, assim como a investigação de paternidade, o Habeas Data também não deve ser apontado como ação própria para o conhecimento da origem genética por motivos extraídos da própria análise da sua previsão constitucional.
O primeiro fator apontado é quanto ao objeto do conhecimento, que são as informações relativas à pessoa do impetrante. Mesmo que as informações acerca da origem genética sejam relativas ao impetrante, mas a busca é por informações relativas à pessoa do doador, o que não pode ser fornecido através de Habeas Data. O segundo fator é a necessidade destes arquivos constarem de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. Se a aplicação da técnica de reprodução medicamente assistida ocorreu em hospital público é pacifico que existirá o caráter público e poderá servir-se de tal ação, o que não acontecerá se o procedimento se der em empresas particulares. Pois conforme explicação de Moraes (2002):
“Poderão ser sujeitos passivos do habeas data as entidades governamentais, de administração pública direta ou indireta, bem como as instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas que prestem serviços para o público ou de interesse público, e desde que detenham dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas.”
É, desta forma, inadequada à propositura do Habeas Data com objetivo de se encontrar a origem genética, por duas razões: pelo fato das informações buscadas serem relativas ao doador e não somente ao impetrante, e da não caracterização dos bancos de gametas e das empresas que utilizam as técnicas de reprodução assistida heteróloga como sendo de caráter público.
Aponta-se ainda, como meio para o conhecimento da ascendência genética, a utilização da ação constitucional de Mandado de Segurança, prevista no artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal. Como apreende-se da leitura do artigo, se o direito não foi amparado pelo Habeas Data, seria amparado pelo Mandado de Segurança a ser impetrado pelo indivíduo que deseje desvendar sua origem genética. A defesa da utilização do Mandado de Segurança esbarra no critério da legitimidade passiva para impetrar tal ação, pois tal como expõe Lenza (2006):
“O legitimado passivo, sujeito passivo, impetrado e a autoridade coatora responsável pela ilegitimidade ou abuso de poder, autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. A autoridade, portanto, é o agente público investido de poder de decisão para anular o ato ou para suprimir a omissão lesiva de direito líquido e certo do impetrante, não se confundindo, portanto, com o mero executor”.
Assim também se mostra inadequado o Mandado de Segurança, tendo em vista que as clínicas de reprodução assistida, em sua maioria, são de pessoas jurídicas de direito privado.
4.3 Ausência de ação adequada e ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana
A inexistência no ordenamento jurídico brasileiro de ação adequada para o conhecimento da ascendência genética ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, anteriormente exposto, pois se trata de direito da personalidade entendido como direito fundamental e que por isso necessita ser tutelado. Percebe-se uma necessidade premente de criação de ação própria que possibilite a efetivação desse direito constitucionalmente protegido, vindo a facilitar as demandas processuais que envolvam os citados interesses. E que, esta ação preveja limitações à possibilidade de sua propositura, sendo importante que limite o conhecimento da origem genética aos casos em que o direito fundamental ao conhecimento se sobreponha ao direito à intimidade do doador.
Acrescente- se que não há como debater questões processuais, ainda mais em um tema tão polêmico quanto este, sem se referir às atuais tendências dos tribunais brasileiros em decorrência do ativismo judicial. O Poder Judiciário tem um importante papel na concretização da efetividade das normas constitucionais exigindo dos magistrados não só o fiel cumprimento das leis, como também, a interpretação de preceitos constitucionais, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana apresentado neste estudo.
Faz-se necessário notar que em questões que envolvam a família, como nos casos de demandas judiciais que pretendam a busca do conhecimento da identidade genética, imperioso é o ativismo judicial, pois o magistrado não pode continuar na ultrapassada posição de equidistância das partes. Giorgis (2008), em artigo sobre o Ativismo Judicial no Direito de Família explana que:
“O juiz moderno não é expectador inerte ou convidado de pedra, como ensina a literatura, mas está munido de faculdades que permitem imiscuir-se no comando de diligências que favoreçam a persuasão, sem ficar refém da apatia dos litigantes (…).
A crescente publicização do processo, a instrumentalidade e efetividade constituem a tônica da nova ciência processual, que vislumbra o direito de ação como garantia cívica da justiça na missão de alcançar resultados práticos e eficientes, centrados no princípio do acesso à justiça. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça observa que na fase atual do Direito de Família não se justifica o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, tendo o julgador a iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como nas ações de estado; ou quando o juiz se encontre hesitante com o contexto produzido, ou haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre os demandantes.”
Desta forma, ao se propor o princípio da dignidade da pessoa humana como justificativa do direito ao conhecimento da origem genética pelo ser gerado e não havendo clareza quanto ao remédio processual para a demanda, o magistrado necessitará recorrer ao ativismo judicial para dar solução ao caso concreto.
Conclusão
A biotecnologia tem alcançado significativos avanços nos últimos anos, proporcionando uma eficácia cada vez maior das técnicas de reprodução humana o que, consequentemente, contribuiu para a crescente procura de tais meios pelos casais com problemas de fertilidade, inclusive fazendo uso da reprodução assistida heteróloga.
Diante desse cenário, conclui-se, mas não esgotando o tema, que a atividade legislativa brasileira precisa evoluir e atender a necessidade de se criar lei específica para tratar da matéria. Além de prever uma ação adequada ao conhecimento da identidade genética, na hipótese do indivíduo gerado querer conhecer o doador do material que viabilizou o sonho de seus pais, garantindo-se assim, a efetividade do princípio da dignidade humana.
Informações Sobre o Autor
Patrícia Diógenes de Melo
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG e especialista em Direito Processual Civil pela UFCG