Rescisão unilateral do contrato administrativo e o princípio do devido processo legal

Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar a cláusula exorbitante conferida a Administração Pública consistente na possibilidade de rescindir o contrato administrativo de forma unilateral. Para tanto, será observado à aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal e a consagração dos direitos e garantias individuais como forma de releitura da verticalidade da Administração Pública em face do administrado.

Palavras-chave: Contrato administrativo; cláusula exorbitante; rescisão unilateral; principio do contraditório e da ampla defesa.

Sumário: 1. Introdução – 2. A figura do contrato administrativo e a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa na rescisão unilateral – 3. Conclusão.

1) Introdução

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Segundo a Lei Geral de Licitações e Contratos, a Administração Pública detém a prerrogativa de rescindir, unilateralmente, o contrato de prestação de serviço firmado com o particular.

A possibilidade de extinguir o contrato prematuramente advém da posição de verticalidade da Poder Público e a superioridade sobre o particular, através da incidência das cláusulas exorbitantes.

Contudo, para haver a rescisão unilateral do contrato pela Administração, mesmo com amparo no interesse público, deve-se obedecer ao postulado do contraditório e da ampla defesa, princípios corolários do devido processo legal.

2)  A figura do contrato administrativo e a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa na rescisão unilateral

O contrato administrativo se distingue do contrato privado pela posição privilegiada que a Administração Pública assume na relação bilateral, do que resulta a possibilidade de previsão das chamadas cláusulas exorbitantes, entre as quais a faculdade de modificá-lo ou rescindi-lo unilateralmente, seja em atenção ao interesse público, seja em virtude do descumprimento das cláusulas contratuais pelo particular contratado, nos termos da Lei n. 8.666/93.

Os artigos 78 e 79 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos autorizam a rescisão unilateral do contrato pelo não cumprimento de suas cláusulas, desde que precedida de processo administrativo, com a finalidade de assegurar o contraditório e a ampla defesa, conforme leitura do parágrafo único.

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: […]

Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser

I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello:

“A rescisão unilateral do contrato – pela Administração, como é evidente -, tal como a modificação unilateral, também, só pode ocorrer nos casos previstos em lei (cf. art. 58, II, c/c arts. 78 e 79 I) e deverá ser motivada e precedida de ampla defesa (art. 78, paragrafo único).” (MELLO, 2010, p. 629),

Ao conceituar a garantia do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal, Nelson Nery Junior afirma que:

“A garantia do contraditório compreende para o autor a possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência do conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir. Para tanto é preciso dar as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer em juízo os seus direitos. A ampla defesa constitui fundamento lógico do contraditório.” (NERY JÚNIOR; NERY, 2012, p. 229).

Já José Afonso da Silva define o devido processo legal como:

“[…] o princípio do devido processo legal entra agora no direito constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta Inglesa: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso a justiça (art. 5º, XXXV), o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo – e “quando se fala em ‘processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem duvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais”. (SILVA, 2011, p. 156-157)

É imperioso considerar que o devido processo significa que a rescisão devera ser precedida de um procedimento administrativo, garantindo que o administrado tenha amplo acesso e no qual possa deduzir sua defesa e produzir provas.

Conforme dito alhures, os artigos 78 c/c 79 da Lei nº 8.666/93, garantem à Administração Pública a prerrogativa de rescisão unilateral dos contratos em casos de inexecução, desde que devidamente motivada pela autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contrato e desde que sejam observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Este é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, senão vejamos:

“EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – DIREITO ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRATO ADMINISTRATIVO – RESCISÃO UNILATERAL – NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO – INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – CONCESSÃO DA SEGURANÇA – SENTENÇA CONFIRMADA. 1. A rescisão unilateral de contrato pela administração, por interesse do serviço público, afigura-se possível e legítima, desde que precedida de procedimento regular, com oportunidade de defesa. 2. É de se reconhecer a ilegalidade do ato administrativo que rescinde unilateralmente contrato administrativo de prestação de serviços – válido e vigente – por meio de simples comunicação, sem lastro em prévio procedimento administrativo. 3. Sentença confirmada, em reexame necessário.” (TJMG – Reexame Necessário-Cv 1.0132.13.001785-9/001, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/08/2014, publicação da súmula em 13/08/2014).

Nesse mesmo sentido, julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSOS ESPECIAIS. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FINANCEIROS E OUTRAS AVENÇAS. RESCISÃO DO CONTRATO POR INTERESSE PÚBLICO (ART. 78, INCISO XII, DA LEI N. 8.666/1993). DESNECESSIDADE DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CELEBRAÇÃO DE NOVO CONTRATO COM OUTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. – Independente de prévio procedimento administrativo a rescisão unilateral do contrato pela administração pública, vinculada, especificamente, a “razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato” (art. 78, inciso XII, da Lei n. 8.666/1993). Recursos especiais providos para denegar a segurança.” (REsp 1223306/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, rel. P/ acórdão ministro Cesar Asfor Rocha, segunda turma, julgado em 08/11/2011, DJe 02/12/2011)

Destarte, é notório que para operar a rescisão do contrato administrativo a Administração Pública deve observar os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois seu poder de autotutela não é absoluto e ilimitado, devendo respeitar direitos do administrado contratante, conforme leitura dos artigos. 5º, LV, da CF/88, e 78, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93.

A rescisão do contrato administrativo, por envolver hipótese de exercício de competências estatais de cunho sancionatório, exige, obrigatoriamente, a estrita observância do devido processo administrativo. É imperioso assegurar ao particular o direito de defesa prévia, com ampla defesa e garantia do contraditório (JUSTEN FILHO, 2012, p. 987).

Veja o julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

“EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO C/C INDENIZAÇÃO – CONTRATO ADMINISTRATIVO – RESCISÃO UNILATERAL PELA ADMINISTRAÇÃO – POSSIBILIDADE – ART. 78 DA LEI 8.666/93 – PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – INOBSERVÂNCIA – RESSARCIMENTO – DEVIDO – SENTENÇA CONFIRMADA. – É possível a rescisão unilateral de contrato administrativo pela Administração, desde que observados os princípios constitucionais da motivação, do contraditório e da ampla defesa, além das exigências dispostas no art. 78 da Lei 8.666/93, dentre as quais se inclui a prévia instauração de processo administrativo. – Deve ser mantida a sentença que condena a Administração a pagar ao autor a indenização decorrente dos prejuízos suportados em razão da rescisão unilateral do contrato, para a qual não concorreu”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – Reexame Necessário-Cv 1.0024.11.004977-2/001, Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2014, publicação da súmula em 04/09/2014).

Importante enfatizar que a instauração do procedimento administrativo deverá ocorrer formalmente, inclusive com a definição dos fatos que se pretendem apreciar. Deve-dar oportunidade ao particular para produzir uma defesa prévia e especificar as provas de que disponha.

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Sobre o tema, comenta o jurista Marçal Justen Filho:

“A instauração do procedimento administrativo deverá ocorrer formalmente, inclusive com a definição dos fatos que se pretendem apreciar. Deve-se dar oportunidade ao particular para produzir uma defesa prévia e especificar as provas de que disponha. Em seguimento, deverão produzir-se as provas, sempre com a participação do particular. Não se admite a realização de uma perícia sem que o particular possa indicar um representante e o vício não será suprido através de posterior comunicação ao interessado do conteúdo da perícia. Mas, muito pior do que isso, é a pura e simples rejeição da produção das provas. Após encerrada a instrução, deverá ser proferida decisão, da qual caberá recurso para a autoridade superior. Após exaurido o procedimento, será proferido o ato administrativo unilateral da rescisão” (JUSTEN FILHO, 2002, p. 551-553)

Ademais, impende esclarecer que o princípio da motivação deve estar presente no ato administrativo, uma vez que tal formalidade é condição sine qua non para viabilizar o controle de legalidade e da juridicidade de todo e qualquer ato exarado no exercício da função administrativa.

O ato de rescisão unilateral, previsto nos incisos do art. 78 da Lei n. 8.666/93, é estritamente vinculado a comprovação da presença de seus pressupostos. A Administração deverá motivá-lo e indicar o vinculo de nocividade entre a situação fática e a execução do contrato (JUSTEN FILHO, 2012, p. 990).

No âmbito do Estado de Minas Gerais, de acordo com os artigos 1º e 2º da Lei n. 14.184/2002 (lei que estabelece normas gerais sobre o processo administrativo do Estado), nos procedimentos administrativos o Poder Público Estadual observará, entre outros requisitos de validade, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, finalidade, motivação, razoabilidade, eficiência, ampla defesa, do contraditório e da transparência.

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Direta, das autarquias e das fundações do Estado, visando à proteção de direito das pessoas e ao atendimento do interesse público pela Administração.

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, finalidade, motivação, razoabilidade, eficiência, ampla defesa, do contraditório e da transparência.”

Logo, para atendimento dos princípios previstos na legislação, deverá ser assegurado ao administrado o direito de emitir manifestação, de oferecer provas e acompanhar sua produção, de obter vista e de recorrer.

Conforme dito alhures, a rescisão unilateral de contrato pela Administração afigura-se possível e legítima, desde que precedida de procedimento regular, com oportunidade de defesa, e sua ausência viola a disposição do art. 5º, LV, da Constituição Federal e o art. 78, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, que asseguram no âmbito do processo administrativo, o direito ao contraditório e a ampla defesa.

3) Conclusão

Os contratos administrativos, ao contrário dos contratos particulares, são caracterizados pela verticalidade e pelo desequilíbrio entre os contratantes, ante a presença das chamadas cláusulas exorbitantes, previstas no artigo 58 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

Estas cláusulas conferem inúmeras prerrogativas a Administração Pública e sujeições aos particulares que com ela contratam, em respeito ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

A rescisão unilateral por conveniência da Administração Pública, sem a necessidade de propositura de ação judicial, é decorrente da existência de cláusula exorbitante referente ao próprio regime jurídico administrativo.

Contudo, em que pese a discricionariedade do Poder Público, a rescisão unilateral deve ser motivada, e precedida de ampla defesa e contraditório, princípios corolários do devido processo legal, mormente quando afetam interesses de particulares.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Congresso Nacional. Diário Oficial da União, 191-A, 05 out. 1988, p. 1.
BRASIL. Lei 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm> Acesso em: 22 dez. 2015.
MINAS GERAIS. Lei n. 14.184, de 31 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual. Disponível em: < https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=140254> Acesso em: 22 dez. 2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Método, 2014.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Licitações e Contratos Administrativos Teoria e Prática. 3. ed. Método, 2014.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e legislação constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1223306/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, rel. P/ acórdão ministro Cesar Asfor Rocha, segunda turma, julgado em 08/11/2011, DJe 02/12/2011
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – Reexame Necessário-Cv 1.0024.11.004977-2/001, Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2014, publicação da súmula em 04/09/2014.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – Reexame Necessário-Cv 1.0132.13.001785-9/001, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/08/2014, publicação da súmula em 13/08/2014

Informações Sobre o Autor

Matheus Prates de Oliveira

Advogado. Pós Graduando em Direito Administrativo e Tributário pela Universidade Cndido Mendes UCAM RJ. Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT. Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM


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