Resumo: A presença de crianças nos “lixões” surge, principalmente, devido ao aumento da exclusão social, bem como pela falta de políticas públicas que assegurem a essas pessoas um mínimo de dignidade para sobreviver. Aliado a esse problema, os resíduos sólidos surgem como uma alternativa para geração de emprego e renda. O mais preocupante é que a inserção de crianças nessa atividade está cada vez mais crescente. O município de Campina Grande, PB enfrenta este problema, comum nos grandes e pequenos centros urbanos. Dessa forma, este artigo objetiva ressaltar a desigualdade social, aliada a crescente geração de resíduos e a presença de crianças nos “lixões”. Para realização deste, procedeu-se visitas a repartições públicas municipais, bem como ao ambiente de trabalho dessas crianças – “lixão” municipal, além do registro visual. Ressalta-se a necessidade de iniciativas por parte do poder público assegurando condições de sobrevivência para que estas crianças não mais precisem retornar aos “lixões”.
Palavras-chave: Exclusão social, resíduos sólidos urbanos, trabalho infantil.
Abstract: The presence of children in the “dumps” arises mainly due to increased social exclusion and lack of public policies that ensure these people a modicum of dignity to survive. Allied to this problem, solid waste emerge as an alternative to generate employment and income. Most worrisome is that the inclusion of children in this activity is increasingly growing. The city of Campina Grande, PB faces this problem, common in large and small urban centers. Therefore, this article aims to highlight social inequality, coupled with the increasing waste generation and the presence of children in the “dumps.” To achieve this, we proceeded to visit the municipal offices, as well as the working environment of these children – “dump” city, beyond the visual record. We stress the need for initiatives by the government ensuring living conditions for these children no longer need to return to the “dumps.”
Keywords: Social exclusion, municipal solid waste, child labour.
Sumário: 1. Introdução. 2. Exclusão social e aumento do trabalho informal: a atividade de “catação” de recicláveis. 2.1. Crianças vivendo no e do lixo no Brasil. 3. Instrumentos legais em defesa de crianças e adolescentes: não ao trabalho infantil. 4. A realidade das crianças do “lixão” de Campina Grande/PB. 4.1. Resíduos Sólidos no Município e o Ambiente do “Lixão”. 4.2. As Crianças do “Lixão”. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Diante da grave crise social que assola o Brasil, um dos países de maiores desigualdades do Planeta, observa-se, cada vez mais, a inserção de crianças e adolescentes no mercado informal e em subempregos como forma de complementar a renda familiar. Um dos exemplos mais atuais é a presença de crianças vivendo no e do lixo, abdicando do estudo e do lazer para catar materiais recicláveis encontrados, em sua maioria, nos “lixões”.
Tal realidade não é diferente na cidade de Campina Grande, PB, onde cerca de 40 (quarenta) crianças ocupam o lixão municipal, sobrevivendo do e no lixo, numa situação de extrema pobreza. Muitas abandonaram a escola para exercer a atividade de “catação”, outras, desempenham ambas as atividades, ora são crianças e ora trabalhadores.
Diante desse quadro, este trabalho tem como objetivo analisar a emergência de mais uma categoria de trabalho informal como produto da exclusão ocasionada pelo processo de globalização da economia; compreender a grave crise social que assola o Brasil, refletindo-se na ampliação do trabalho informal, sobretudo, em condições subumanas; analisar a produção do espaço no “Lixão” de Campina Grande, PB, avaliando a contribuição da atividade de “catação” sobre a sócioeconomia da comunidade local, elencando os problemas diários enfrentados pela população que reside ou sobrevive da supracitada atividade, além, de ressaltar a presença de crianças no interior do “lixão” municipal.
Além da consulta a literatura, para realização deste trabalho, foram realizadas visitas a repartições públicas municipais; aplicação de questionários com 20 (vinte) catadoras de materiais recicláveis, escolhidas aleatoriamente, com o objetivo de levantar o porquê do grande número de crianças no “lixão” municipal; além do registro visual, este feito no local de “trabalho” dessas crianças para, assim, evidenciar a problemática em questão e a necessidade de políticas públicas com inclusão social para esta população.
Para uma melhor compreensão da problemática ora levantada, o referido artigo foi organizado em tópico com a finalidade de abordar os eixos norteadores da pesquisa, de modo a subsidiar as informações necessárias para uma análise sistêmica das possíveis causas e conseqüências que envolvem a presença de crianças no exercício da atividade de catação de materiais recicláveis.
2. Exclusão social e aumento do trabalho informal: a atividade de “catação” de recicláveis
Por ser o Brasil um dos campeões de má distribuição de renda do mundo, a questão do desemprego ganha mais ênfase, pois se percebe que poucos encontram oportunidades de sobrevivência “digna” e de exercerem seus direitos de cidadãos. A introdução na atividade de “catação” acaba sendo o único meio de sobrevivência para milhares de famílias. De acordo com Calderoni (2003), as perspectivas dos catadores de rua e dos carrinheiros são limitadas pela situação de clandestinidade ou de semiclandestinidade em que eles se encontram, constituindo-se sua atividade em uma alternativa à marginalidade.
Devido à grande concorrência vivenciada no mercado de trabalho, conforme ressaltado por Santos (2006, p. 46) quando afirma que: “há, a todo custo que vencer o outro, esmagando-o, para tomar o seu lugar”, o mercado exige cada vez mais qualificação dos trabalhadores, o que acirra a competitividade e quem não consegue vencer esta “batalha” termina por ficar de fora do mercado de trabalho formal. Para Santos (2006, p. 48) esta concorrência e busca constante por status social, onde o valor econômico é maior que o valor humano, a compaixão e solidariedade faz aumentar a desigualdade social do País, conforme explicitado a seguir:
“Essa nova lei do valor – que é uma lei ideológica do valor – é uma filha dileta da competitividade e acaba por ser responsável também pelo abandono da noção e do fato da solidariedade. Daí as fragmentações resultantes. Daí a ampliação do desemprego. Daí o abandono da educação. Daí o desapreço a saúde como um bem individual e social inalienável. Daí todas as novas formas perversas de sociabilidade que já existem ou se estão preparando neste país, para fazer dele – inda mais – um país fragmentado, cujas diversas parcelas, de modo a assegurar sua sobrevivência imediata, serão jogadas umas as outras e convidadas a uma batalha sem quartel.”
Muitas dessas pessoas nunca tiveram oportunidade de se aperfeiçoar, tendo apenas uma escolha: ou estudam para se qualificar e ingressar no concorrido mercado de trabalho ou trabalham para garantir o sustento de sua família, não é muito difícil saber qual é a escolha da maioria dessas pessoas. Fato que pode ser justificado por Conceição (2005, p.17) ao afirmar que:
“A exclusão social em que se encontram bilhões de seres humanos, provocada pelo próprio sistema capitalista, concentrador e criador de uma reserva de mão-de-obra com o objetivo de controlar salários, têm levado à formação de um exercito de pessoas que trabalham e vivem do lixo urbano no mundo todo.”
Como forma de contornar toda esta problemática, o trabalho informal surge como alternativa de sobrevivência. Com isso, essas pessoas tentam retomar suas vidas de uma forma mais digna, mesmo que este trabalho, na maioria das vezes, seja de forma desumana, a exemplo dos catadores de material reciclável, que retiram seu sustento dos resíduos despejados nas centenas de “lixões” espalhados pelo Brasil, ou nas ruas das cidades. De acordo com Santos S. (2002, p. 375):
“A estas pessoas é atribuindo o status mais baixo entre os pobres urbanos e economicamente são os mais pobres entre os pobres. Muitos destes coletores e lixo são mulheres e crianças. Eles vagam pelas ruas a pé, procurando lixo, que colocam dentro de sacos que transportam. Deixam suas casas ao amanhecer, andando vários quilômetros todos os dias, completando ao fim da tarde. Seus instrumentos de trabalho são um saco para coleta e uma vara para espetar e remexer o lixo. No trabalho, correm vários riscos: ficam com cortes e ferimentos produzidos por objetos cortantes e pedaços de vidros ou contraem, no lixo, alergias de pele causadas por lixo químico. Depois de terminada a coleta do dia, os coletores separam os materiais, vendidos aos comerciantes. O que recebem como pagamento pela coleta é muito pouco, vivendo estas pessoas no limite da pobreza.”
Dessa forma, os “lixões” surgem como único meio de sobrevivência, onde separam os recicláveis e encontram seu alimento. São miseráveis, semi-analfabetos e, embora marginalizados, não são marginais. São pessoas que trabalham em condições extremamente adversas, num ambiente de alto risco.
O que é mais preocupante é que, cada vez mais, se percebe a inserção de crianças e adolescentes no exercício desta atividade, que é bastante sacrificante, inclusive para os adultos. Cabe ao poder público fiscalizar os “lixões” existentes em seus municípios para, dessa forma, garantir que o mínimo de crianças possível esteja exercendo tal atividade.
2.1. Crianças vivendo no e do lixo no Brasil
Muitas das crianças nascidas no lixão são filhas de pais que também nasceram ali. São meninas e meninos, de diferentes idades. Desde os primeiros dias de vida, são expostos aos perigos dos movimentos de caminhões e de máquinas, à poeira, ao fogo, aos objetos cortantes e contaminados, aos alimentos podres. Ajudam seus pais a catar pesados fardos, a alimentar porcos. Muitas dessas crianças estão desnutridas e doentes. Sofrem de pneumonia, doenças de pele, diarréia, dengue, leptospirose, febre tifóide, etc. (ABREU, 2001).
Ainda de acordo com a referida autora, para essas crianças, o lixo é a sua “sala de aula”, seu “parque de diversões”, sua “alimentação” e “fonte de renda”. Ganham de R$ 1.00 a R$ 6.00 por dia, mas o trabalho que fazem é fundamental para aumentar a renda de suas famílias. Vivem em condições de pobreza absoluta. Realizam um trabalho cruel. São crianças no lixo, uma situação dramática e comum no Brasil.
As pesquisas demonstram que existem crianças e adolescentes em lixões de cerca de 3.500 municípios brasileiros. Quase metade dessas crianças, 49% estão na Região Nordeste, 18% na Região Sudeste e 14% na Região Norte, a região Centro-Oeste é a que tem menos crianças em lixões, com 7% do total, seguida da Região Sul, com 12% (UNICEF, 2000). Os dados apresentados comprovam que, cada vez mais, crianças e adolescentes estão se submetendo a trabalhos pesados (como a “catação” de materiais recicláveis nos “lixões” ou aterros), deixando de lado seus estudos e seu lazer, para ajudar na complementação da renda familiar.
Fazendo uma análise dos dados acima apresentados, pode-se concluir que na Região Nordeste, por ser uma das Regiões que mais sofre com o problema do desemprego e da pobreza, onde a desigualdade social impera, este problema é mais evidente, uma vez que apenas uma pequena parcela da população é beneficiada com uma boa qualidade de vida. Cabe ressaltar que o número de crianças realizando tal atividade pode estar bem mais elevando atualmente, decorrente do tempo em que a pesquisa evidenciada foi realizada, o que demonstra a gravidade da situação aqui apresentada.
Os resíduos recolhidos por estas crianças, muitas vezes, acaba tendo duplo valor: de troca (venda propriamente ao sucateiro, a cooperativa ou atravessadores) e valor de uso, quando ela faz do resíduo sua alimentação básica do dia:
“Na tristeza do crepúsculo uma criança mistura-se ao lixeiro, onde o supermercado jogou o que apodrecera. E a sombra pequenina agarra faminta algo para seu estômago vazio. Morde sem apreciar o gosto já que está acostumada com o cheiro… Miséria criança-velha! Para ela é espada de dois gumes: ou come ou morre ou morre porque comeu. Não. Não morre. Continua semiviva vive semimorta. Os vermes não a matam, pois têm nela seu lixeiro vivo…!” (Sem Fronteiras, nº 228, 04/1995 in LAGASPE, 1996 apud CONCEIÇÃO, 2005, p. 34).
O Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, a partir da identificação, em especial, de crianças e adolescentes brasileiras cuja substância deriva de trabalho nos inúmeros “lixões” existentes em áreas urbanas do país, conforme observado anteriormente concebeu o “Programa Nacional Lixo e Cidadania”, lançado com a Campanha “Criança no Lixo Nunca Mais”, em junho de 1998, por um grupo constituído de 19 instituições. Entre suas metas destacam-se (INFORMATIVO DO FORUN LIXO E CIDADANIA, 2000):
– A erradicação do trabalho de crianças e adolescentes que sobrevivem como catadores de lixo em lixões e nas ruas, inserindo essas crianças na escola e em atividades sócio educativas complementares;
– A melhoria da situação socioeconômica das famílias que sobrevivem da reciclagem de resíduos sólidos, apoiando e fortalecendo o seu trabalho em programas de coleta seletiva, reutilização e reciclagem de resíduos;
– A redução do impacto ambiental produzido pelos lixões e aterros inadequados, erradicando os lixões, recuperando as áreas já degradadas e implantando aterros sanitários;
– A construção de conhecimento sobre o tema no intuito de subsidiar a formulação de políticas públicas.
O trabalho de crianças e adolescentes em “lixões”, apesar de até o momento não ter despertado maior interesse da sociedade, é bastante alarmante. É inadmissível que, em pleno século XXI, ainda existam crianças e adolescentes se alimentando de lixo, como o fato ocorrido no lixão de Aguazinha, em Olinda, em 1994, onde várias crianças foram hospitalizadas com intoxicação alimentar. Suspeitou-se que haviam ingerido carne humana do lixo hospitalar que era depositado no lixão municipal, juntamente com os demais resíduos coletados na cidade, tudo isso, por não possuírem o mínimo necessário para a obtenção de uma vida saudável, onde possam realmente viver como crianças que são, sem que exista a necessidade de se expor a um ambiente tão desumano, para ajudarem na renda familiar e, assim, sobreviverem.
De acordo com Monteiro (2001), “em qualquer hipótese, não deve ser permitida a presença de crianças na área do aterro e lixões, devendo o poder público criar, para elas, programas de permanência integral em escolas ou centros de esportes e lazer, além de um sistema de compensação de renda aos pais pela não participação dos seus filhos no trabalho infantil”. Para que assim, não mais ocorram exemplos como o de Aguazinha/PE.
3. Instrumentos legais em defesa de crianças e adolescentes: não ao trabalho infantil
As crianças e os adolescentes têm seus direitos reservados em declarações e leis, estas tanto de âmbito mundial como local, sempre ressaltando o direito a educação, moradia, alimentação saudável e uma boa qualidade de vida. Neste sentido, a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) apuld Dias & Salgado (1999), reitera o princípio da “Criança Antes de Tudo”, enfatizando o dever de respeito aos direitos de proteção, desenvolvimento e participação.
“DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA (1993):
II – 4. Dos Direitos da criança
45. A Conferencia Mundial sobre Direitos Humanos reitera o principio “Criança Antes de Tudo” e, nesse particular, enfatiza a importância de se intensificar os esforços nacionais e internacionais, principalmente no âmbito do Fundo das Nações Unidas para a Infância, para promover o respeito aos direitos da criança à sobrevivência, proteção, desenvolvimento e participação.
48. A Conferencia Mundial sobre Direitos Humanos insta todos os Estados a abordarem, com o apoio da cooperação internacional, o agudo problema das crianças que vivem em circunstâncias particularmente difíceis. A exploração e o abuso de crianças devem ser ativamente combatidos, atacando-se suas causas. Deve-se tomar medidas eficazes contra o infanticídio feminino, o emprego de crianças em trabalhos perigosos, a venda de crianças e de órgão, a prostituição infantil, a pornografia infantil e outras formas de abuso sexual.”
No mesmo sentido, disposições constantes do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) apuld Dias & Salgado (1999), estabelecem, respectivamente:
“PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS (1966):
Art. 10 – Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que:
Deve-se adotar medidas especiais de proteção e assistência em prol de todas as crianças e adolescentes, sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição. Deve-se proteger as crianças e adolescentes contra a exploração social e econômica. O emprego de crianças e adolescentes, em trabalho que lhes seja nocivo à moral e à saúde, ou que lhes faça correr perigo de vida, ou ainda que lhes venha prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado na mão-de-obra infantil.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA (1989):
Art. 3º – 1. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem estar social publicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração primordial os interesses superiores da criança.
Art. 24º – 1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados-partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.”
Em nível nacional, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) acolhe tais princípios e deixa clara a preocupação e obrigação dos órgãos estatais em reduzir as desigualdades e priorizar a infância, procurando soluções para problemas sociais, como este do trabalho de crianças e adolescentes nos “lixões”.
“Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, crueldade e opressão”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é a principal Lei existente no Brasil, quando o assunto é a criança e o adolescente, conforme o Artigo 3º descrito a seguir, sendo o mesmo tema, abordado em diversas outras leis, como se observou anteriormente, inclusive no Código Penal que, em alguns casos, estabelece punição para as pessoas que atentarem contra a criança.
“Art. 3º – as crianças e os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízos da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (DIAS e SALGADO, 1999).
Como se observa, a proteção à infância é uma prioridade mundial, existindo vários instrumentos legais internacionais e nacionais regulamentando o assunto. Contudo, estes instrumentos parecem não ser tão eficazes na proteção da infância existindo, ainda, em todo o Planeta, vários casos de violação desses direitos.
4. A realidade das crianças do “lixão” de Campina Grande/PB.
4.1. Resíduos Sólidos no Município e o Ambiente do “Lixão”
Segundo a Diretoria de Limpeza Urbana da Secretaria de Obras e Serviços Urbanos do município – SOSUR, a quantidade de resíduos coletados todos os dias no município é de, aproximadamente, 400 toneladas, deste total, mais da metade é de lixo hospitalar, limpeza de cemitérios e coletas especiais. Estima-se que algo entre 35 a 45% desses resíduos são materiais não degradáveis que ocupam grandes espaços e que poderiam ser reaproveitados. Todavia, apenas um pouco mais de 1% é catado e encaminhado para a reciclagem. Vale salientar que desse total, devido à precariedade das condições de catação, cerca de 30% é rejeito e volta para o lixo (PMCG, 2005).
Como o município de Campina Grande, PB, não dispõe de aterro sanitário, que seria a forma mais adequada para a destinação dos resíduos gerados na cidade, nem de outras formas de acondicionamento para estes resíduos, os mesmos são dispostos a céu aberto, no “Lixão”. Neste local, não existe nenhum tipo de controle prévio do que é descarregado, não havendo nenhuma preocupação no tocante à saúde pública, em principal, para com a população que termina se instalando no interior do próprio “lixão”. Essas pessoas todos os dias se misturam aos destroços em busca de alimentos para o seu sustento ou material reaproveitável com fins de revenda e, dessa forma, garantir alguma renda para a família. Conforme observado na Figura 1.
A área do “lixão” municipal foi ocupada desde 1996, à primeira ação impactante foi à erradicação da cobertura vegetal, provocando a degradação da paisagem natural, redução da produtividade, desvalorização econômica da área, tudo isso provocando danos à saúde humana e, conseqüentemente, à qualidade de vida da população. (LEITE et al, 2003).
Devido às más condições encontradas no lixão, é bastante comum encontrar pessoas com problemas respiratórios por causa da exposição diária ao sol e a chuva, bem como a poeira, o que em alguns casos, devido à falta de cuidados com a sua saúde (isto é justificado pelo fato de que os mesmos dependem do seu trabalho diário para a sua sobrevivência, ou seja, um dia de trabalho perdido, implica numa diminuição do orçamento que já é bastante sacrificado) acaba por transformar-se em pneumonia. Também podem ser encontrados casos de catadores com problemas de pele, vermes e até germes de cachorro, todos decorrentes do contado direto e diário com o lixo, apesar de muitos quando entrevistados ficarem constrangidos em afirmar tais mazelas.
4.2. As Crianças do “Lixão”
Em Campina Grande/PB, cerca de 40[i] crianças trabalham com a catação de materiais recicláveis no lixão municipal, estando expostas a precárias condições de “trabalho”, convivendo diariamente com os despejos lá descarregados, de baixo de sol e chuva, como forma de ajudarem na renda familiar, que já é tão comprometida, uma vez que esta depende do tipo e quantidade de material que é separado para posterior venda.
Um fator que contribui para a inserção de crianças nesta atividade insalubre é a constatação que, das mulheres que foram entrevistas no ambiente do “lixão”, a maioria ou são mães separadas (dez) ou mães solteiras (oito). Desse total, constatou-se que dezessete possuem filhos ou filhas desenvolvendo a atividade de catação de material reciclável, o que pode ser verificado na Figura 2.
Estas crianças, em sua maioria, encontram-se matriculados nas escolas, e recebem o benefício do PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil que, atualmente, corresponde ao valor de R$ 40,00 (quarenta reais) por criança. De acordo com a dirigentes da SEMAS – Secretaria de Assistência Social do Município, existe uma fiscalização por parte da prefeitura, para observar se estas crianças estão retornando ou não para o trabalho de catação de materiais recicláveis no “lixão” municipal. Mas, o que se observa é que, não existe nenhuma fiscalização na prática, ou esta não é realizada de modo eficiente pelo poder público municipal, (tendo em vista que é bastante comum a presença de crianças dentro do lixão, fato que acaba por atrair um número cada vez maior de crianças, já que a fiscalização é precária), para verificar se de fato estas crianças estão realmente fora do lixo, dedicando o seu tempo ao estudo, ao lazer, a obtenção de uma vida mais saudável e com menos responsabilidades. Afinal, elas são apenas crianças.
5. Considerações finais
Diante do exposto, este trabalho reafirma a necessidade de implementação de novas políticas públicas de inclusão social para as milhares de pessoas que vivem numa situação de extrema pobreza, devido à má distribuição de renda e ao processo cada vez mais excludente que se vivencia atualmente que é a globalização, que força uma grande parcela da população a buscar alternativas para sobrevivência, mesmo que estas sejam totalmente insalubres, conforme a realidade em pauta.
O fato de maior preocupação é que, juntamente com estes homens e mulheres, estão também seus filhos e filhas, os mesmos são levados a exercerem esta atividade como forma de complementação da renda familiar, já bastante castigada pelo sistema econômico vigente.
Dessa forma, se faz necessária a urgente intervenção do poder público local, para retirar essas crianças do ambiente que elas se encontram, proporcionando condições para que as mesmas não mais precisem exercer a atividade de “catação”, oferecendo assim, melhores condições e vida para elas e suas famílias. O lugar dessas crianças é na escola, desenvolvendo suas habilidades, se dedicando ao lazer, sendo felizes. Portanto, cabe ao poder público municipal fazer cumprir o que diversas Leis determinam: “não ao trabalho infantil.”.
Informações Sobre o Autor
Suellen Silva Pereira
Possui graduação em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba (2005). É Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, com Área de Concentração em Gerenciamento Ambiental e Sub-Área de Pesquisa em Tecnologia Ambiental pelo Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA UEPB/UFPB (2009). Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e do Programa de Pós-Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).