Responsabilidade civil do Estado por ato de vigilância e fiscalização nos grandes eventos envolvendo criança e adolescente

Resumo: O presente estudo terá por objetivo a apreciação de vários fatores sejam eles éticos sociais ou jurídicos para definir se háou não responsabilidade estatal in casu ou se trata de matéria meramente abstrata assegurada constitucionalmente.Em um período anterior ao de nossa Carta Magna de 1988 a preocupação estatal em relação ao menor referia-se somente à situações de orfandade e marginalidade. Mas com a chegada da Cidadã optou-se por uma proteção ampla ao menor.O tema em discussão só alcançará sua plenitude se partirmos de algumas premissas básicas: a proteção integral da criança e adolescente; princípio da autonomia da família e da intervenção subsidiária do Estado e o dever genérico de diligência que justifica a responsabilidade subjetiva no ordenamento jurídico. A proteção à criança e o adolescente não é mera obrigação estatal e familiar mas sim um dever social. O tema é de tamanha pertinência que nosso legislador preocupou-se em criar matéria específica sobre o tema reforçando as abstratas regras contidas na Constituição Federal o no próprio Código Civil.

Palavras-chave : Responsabilidade; Estado; Criança; Adolescente.

1 INTRODUÇÃO

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Responsabilidade civil é, em sentido abstrato, a obrigação de se reparar dano causado à outrem. A análise teórica do tema busca determinar em quais ocasiões alguém pode ser considerado responsável pelo dano sofrido por terceiro e em que medida será este obrigado a repará-lo.

O presente estudo terá por objetivo a apreciação de vários fatores, sejam eles éticos, sociais ou jurídicos, para definir se há,ou não, responsabilidade estatal in casu ou se trata de matéria meramente abstrata assegurada constitucionalmente.

Em um período anterior ao de nossa Carta Magna de 1988, a preocupação estatal em relação ao menor referia-se somente à situações de orfandade e marginalidade. Mas, com a chegada da Cidadã, optou-se por uma proteção ampla ao menor.

Tânia da Silva Pereira, ao analisar este novo paradigma, expõe:

''De acordo com esta Doutrina, a população infanto-juvenil, em qualquer situação, deve ser protegida e seus direitos garantidos, além de terem reconhecidas prerrogativas idênticas às dos adultos.

Por ela, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos universalmente conhecidos, não apenas de direitos comuns aos adultos, mas além desses, de direitos especiais, provenientes de sua condição peculiar em desenvolvimento, que devem ser assegurados pela família, Estado e sociedade.''[1]

O tema em discussão só alcançará sua plenitude se partirmos de algumas premissas básicas: a proteção integral da criança e adolescente; princípio da autonomia da família e da intervenção subsidiária do Estado e o dever genérico de diligência, que justifica a responsabilidade subjetiva no ordenamento jurídico.

A proteção à criança e o adolescente não é mera obrigação estatal e familiar mas sim, um dever social.

2. DA PROTEÇÃO LEGAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

O tema é de tamanha pertinência que nosso legislador preocupou-se em criar matéria específica sobre o tema, reforçando as abstratas regras contidas na Constituição Federal o no próprio Código Civil.

Estamos, então, diante do princípio da especialidade, que é disposto da seguinte forma: só se aplicará legislação abstrata, se não houver legislação específica para o tema em exame. Há situações em que a tutela de direitos foi garantida a nível constitucional mas não existe legislação específica para o tema, cabendo assim o mandado de injunção.

Nesse contexto, surge a Lei n° 8069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Estabelece em seu art. 5° que:

''Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.''[2]

Com o exame do referido artigo, extraímos que a responsabilidade para com o incapaz e o relativamente incapaz, no caso em questão devido à idade, pode ser ameaçada pela família, pelo Estado e pela própria sociedade, tendo estes o dever de zelar pelos interesses dos indivíduos em desenvolvimento.

No caso específico em estudo, temos que o Estado, para autorizar a presença de menores em grandes eventos, sejam eles shows, festas,etc, a concessão de alvará, para a entrada destes no ambiente, acompanhados de um responsável. No caso de casas noturnas, não há requisição específica para a presença de menores pois o próprio alvará de funcionamento do estabelecimento já engloba tal pedido, desde que observados os requisitos para à presença dos mesmos.

O ECA trata da matéria sobre a concessão de alvarás em seu artigo 149:

'' Art.149 – Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I – a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

a) estádio, ginásio e campo desportivo;
b) bailes ou promoções dançantes;
c) boate ou congêneres;
d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;
e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

II – a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.
''[3]

O grande problema, hoje, é o acesso facilitado à bebida alcoólica,seja pela produção em escala ou pelo seu baixo valor comercial,em geral, e a vinculação direta do aproveitar o evento com o álcool, talvez devemos essa situação à publicidade e a propaganda, que, tem como único objetivo, vender o produto anunciado sem preocupação alguma com princípios ou regras,. Este é o principal argumento da corrente que defende a proibição da presença de menores em ambientes dessa natureza. É de conhecimento de todos que a fiscalização é insuficiente, não sendo incomum, quando realizada busca pelo Juizado da Infância e da Juventude, o flagrante de violação expressa ao que está disposto no ECA.

O ECA  disciplina em seus artigos 81 e 243, sobre a venda e consumo de bebida alcoólica à menores:

''Art.81 – É proibida a venda à criança ou ao adolescente de:
II–bebidas alcoólicas;
III – produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida; ''[4]

''Art.243 -Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:

Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave''[5]

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Desta forma, podemos concluir que a presença de menores nos ambientes elencados no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, só será permitida quando esta estiver na presença de seu respectivo responsável, ou, no caso de ausência destes, mediante autorização judicial previamente competente.

Devemos ressaltar a figura do sempre presente Ministério Público nas ações em que se desrespeita a previsão legal, sendo-lhe incumbida a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como exposto no art.127 de nossa Constituição. O MP tem seu desenho institucional traçado em cima do binômio órgão agente  e órgão interveniente.Junto com o art.127 da CF, devemos nos lembrar,ainda, do artigo 82 do CPC, que em seu inciso I, impõe a presença do deste junto às causas em que há o interesse de incapazes.

O Prof. Antônio Cláudio da Costa Machado lembra citando a própria história do MP e seu romantizado papel:

"É justamente em meio a esta realidade que começam a florescer entre os juristas italianos, novas idéias acerca da intervenção ministerial que, posteriormente, desaguariam na instituição legal do duplo posicionamento do parquet no processo civil bem como na aparição da polêmica, que se eternizaria, tendo por objeto a qualidade jurídica do Ministério Público fiscal da lei".

Posicionam-se no sentido da argumentação acima exposta também, grande parte de nossa Jurisprudência, se não toda ela. Vamos à alguns julgados que fortalecem a tese:

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás assim se posicionou diante do tema:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MENORES EM PERMANÊNCIA DE MENOR DESACOMPANHADOS DOS RESPONSÁVEIS.LAN HOUSE. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 249, 258, LEI 8.069/90 E PORTARIA 03/2008 DO JUÍZO. IMPOSIÇÃO DE MULTA ECA. DECISÃO PROFERIDA COM BASE NO ART. 557, § 1º-A, DO CPC. AUSÊNCIA FATO NOVO. 1- As funções dos Conselheiros Tutelares são dotadas de fé pública e suas declarações têm presunção de veracidade (artigo 194 do ECA . 2- Cabe ao juízo da infância e juventude, como representante do Poder Público, expedir Portaria regulamentando o horário de frequência de menores a estabelecimentos que explorem jogos eletrônicos (Lan House), com o intuito de velar pelo bem-estar e desenvolvimento da criança e do adolescente, e em atenção ao ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente e uma vez, comprovada presença de menor em casa que explore comercialmente esse tipo de atividade, em horário não permitido, é de se aplicar a penalidade prevista em lei (art. 258 do ECA) ao proprietário do estabelecimento. 3- O relator, atento aos princípios da celeridade e da economia processual, deve valer-se da norma inserta no art. 557, do CPC, a fim de conceder a prestação jurisdicional equivalente a que seria concedida pelo Órgão colegiado. Assim, não trazendo o recorrente nenhum elemento novo capaz de sustentar a pleiteada reconsideração da decisão fustigada, deve ser desprovido o agravo interno. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. ACORDAM os componentes da Quarta Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade, em conhecer e desprover o Agravo Regimental na Apelação Cível, nos termos do voto do Relator.”

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo posicionou-se no sentido de responsabilizar, também, o dono do estabelecimento comercial que cometer a infração de vender ou permitir o consumo de bebidas alcoólicas, por menores. Vamos a decisão dos Excelentíssimos Desembargadores do TJ-SP:

“EMENTA: APELAÇÃO – Infração Administrativa – Menores desacompanhados dos pais ou responsável – Consumo de bebida alcoólica – Prova suficiente a confirmar a infração ao art.249,caput,do ECA c/c art.9°, § 2° e art.12 da Portaria do Juízo da Infância e da Juventude de Urânia, n°02/2003.

– Ingresso e permanência de menores desacompanhados dos pais ou responsáveis, em festa noturna dançante, sem alvará judicial e em desacordo com as normas estatuárias e diretrizes fixadas em Portaria ao Juízo.

– O empresário que promove o evento tem o dever de controlar o acesso de menores e de realizar eficaz fiscalização, a fim de evitar a ocorrência de infrações administrativas previstas no ECA. Recurso desprovido.”[6]

3. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA FAMÍLIA E PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ESTADO

O poder familiar assume, hoje em dia, a feição de um poder-dever, como já exposto acima, de um direito-função, situando-se numa posição intermediária entre poder e direito subjetivo. Trata-se de munus público dado ao interesse social envolvido, ao qual deve o  Estado manter-se atento, fixando seus limites de exercício.

A autonomia da família consiste em pensar, agir e decidir sem influência externa, impedindo intervenção estatal com o fito de proteção ao indivíduo.

Não podemos partir da premissa da imutabilidade de princípios, assim, é sim possível a intervenção do Estado, devendo sua atuação ser de caráter subsidiário, jamais, absoluta. Percebe-se a aplicação, para a discussão levantada, a aplicação direta dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, já consagrados em nosso Direito pátrio.

Existem situações em que a presença do Estado é extremamente necessária, como nos casos citados no art.1635 do Código Civil.Nesses casos, se o Estado abster-se do interesse de agir, estaríamos diante de uma situação de não mais ameaça à direitos fundamentais da Criança e do Adolescente, mas, sim, uma verdadeira ofensa a estes.

4. CONCLUSÕES

Diante de tudo que fora acima exposto, partimos para a parte final de nosso estudo.

A responsabilidade estatal por menores em grandes eventos existe, mas, esta, não é absoluta,e,sim,relativa. Com fito de evitar maiores transtornos ao protegido, cremos numa partilha de obrigações.

Pensemos num tripé, em que em cada canto consta um dos responsáveis, vamos a eles: os responsáveis pelo menor, os responsáveis pelo evento e o Estado. O sistema de tutela de direitos somente será efetivo se houver a cooperação dos três responsáveis, mesmo que temporariamente, pelos direitos da criança ou do adolescente, ressalvando-se os princípios e os dispositivos legais, como exposto durante toda a argumentação.

No Direito das Obrigações aprende-se que a Solidariedade(método através do qual todos os envolvidos são responsáveis, no todo, pela obrigação assumida) não é presumida. Cremos que para o caso em exame, a solidariedade seria o método mais eficaz para a tutela de direitos e garantias concedidas ao cidadão incapaz ou relativamente incapaz.

No momento de propositura da ação,no caso dos direitos resguardados por nossa Carta Magna e pelo ECA, devem eles estar relacionadas em Litisconsórcio, com o empresário ou sociedade empresária responsável pelo evento, os tutores do menor privado do livre exercício e gozo de suas prerrogativas cedidas pela legislação e o Estado, seja na pessoa da União, dos Estados ou dos Municípios.

Necessitamos, por fim, que enrijeçam-se os dispositivos legais, com medidas repressivas e preventivas como cassação de alvará de funcionamento, pena pecuniária elevada, a retirada da guarda dos tutores, como medida preventiva teríamos a orientação de funcionários, intensificação da fiscalização do Juizado da Infância e Juventude,pois, somente assim, será o texto normativo respeitado e os direito da criança e do adolescente respeitados.

 

Referências bibliográficas
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Notas:

Informações Sobre o Autor

Sergio Matheus Garcez

Doutor em D Civil pela USP. Professor Adjunto Doutor da Fac Direito e do Programa de Mestrado em Direito Agrário da Univ. Federal de Goiás-UFG


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