Resumo: A responsabilidade civil, no direito brasileiro, se convenciona conforme os princípios da teoria clássica, ou seja, baseia-se em três pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e o nexo de causalidade ocorrido entre o fato culposo e este mesmo dano. A existência de previsão legal, a abrangência da ocorrência do dano nos riscos da exploração da atividade lesiva e a infringência ao princípio da equânime distribuição dos ônus e encargos públicos configura pressupostos de suma importância quanto à responsabilização do Estado pelos atos legislativos que edita. Para que ocorra a responsabilidade do estado, mister a efetiva violação de direitos juridicamente tutelados pelo mesmo. A obrigação de ressarcir economicamente os prejuízos causados independe de atos lícitos, ilícitos, comissivos, omissivos, materiais ou jurídicos. A responsabilidade civil do Estado Legislador está relacionada à obrigação estatal de compensar os danos causados ao patrimônio dos indivíduos pela atividade legislativa. Entretanto, mesmo diante da ausência de normas positivadas e das divergências doutrinárias há uma acentuada tendência favorável á aceitação do estado legislador responsável, intensificando, desta forma, os princípios da justiça e da equidade.[1]
Sumário: Introdução. 1. Teoria geral da responsabilidade civil. 1.1. Origem e conceito. 1.2. Responsabilidade civil subjetiva. 1.3. Responsabilidade civil objetiva. 1.4. Pressupostos da responsabilidade subjetiva e objetiva. 2. Responsabilidade civil do estado. 2.1. Teoria da irresponsabilidade. 2.2. Teorias civilistas. 2.2.1. Teoria dos atos de império e de gestão. 2.2.2. Teoria da culpa civil. 2.3. Teorias publicistas. 2.3.1. Teoria da responsabilidade subjetiva. 2.3.2. Teoria da responsabilidade objetiva. 2.4. Excludentes e atenuantes. 3. Responsabilidade civil do estado por atos legislativos. 3.1. A problemática e sua colocação doutrinária. 3.2. A função legislativa do estado. 3.2.1. A função legislativa. 3.2.2. O agente legislativo. 3.2.3. A lei. 3.3. A irresponsabilidade do estado por atos legislativos. 3.4. A responsabilidade civil do estado por atos legislativos no direito comparado. 3.4.1. No direito francês. 3.4.2. No direito português. 3.5. Hipóteses de responsabilização estatal pela edição de atos legislativos. 3.5.1. Pela edição de lei constitucional. 3.5.2. Em virtude de declaração da inconstitucionalidade do diploma legal. 3.5.3. Em razão de omissão legislativa. 3.6. Ação regressiva do estado. 3.6.1. Imunidade parlamanetar. 3.7. Reparação do dano legislativo. Conclusão. Referência bibliográfica.
A criação de normas disciplinadoras do funcionamento regular da organização social proporcionou, ao longo das épocas, inúmeras discussões no tocante a real proteção de todos aqueles que vivem dentro do Estado Democrático de Direito. Para que se estabelecesse verdadeira democracia, necessário de fez a elaboração de regras capazes de orientar as relações e punir aqueles que perturbassem a ordem e a paz social.
Destarte, o Direito manifestou-se como instituto imprescindível à formação e direção do Estado.
Na medida em que os indivíduos se viram amparados pelo resguardo jurídico, suas necessidades e obrigações tornaram-se cada vez mais evidentes.
Assim, a edição de atos legislativos tornou-se tarefa de suma importância no cenário político – social.
A complexidade do tema abordado tem proporcionado discussões fervorosas. Seria, de fato, o Estado responsável civilmente pelos danos causados por atos legislativos?
Num primeiro momento, evidenciando uma análise global do tema sub Studio, deparamo-nos com uma eminente evolução ocorrida no âmbito da responsabilidade civil do Estado.
Originariamente, tínhamos de maneira arcaica ou feudal, o princípio da irresponsabilidade do Estado. Este, em hipótese alguma poderia ser considerado culpado por qualquer ato atentatório ou prejudicial perante terceiros. Prevalecia o entendimento de que o Estado, sendo a personificação da nação não poderia, sob fundamento algum, ser demandável.
Dentro do progressivo desenvolvimento da responsabilidade estatal passou-se a admitir a responsabilidade pessoal do funcionário, introduzindo nos parâmetros jurídicos, o primeiro tipo de responsabilidade existente na época.
No rol das teorias subjetivistas, durante o século XIX, sendo a teoria da irresponsabilidade já superada, passou-se a adotar, primeiramente, os princípios do direito civil, afim de que o Estado pudesse responder de modo indireto, pelos atos de seus funcionários. Num segundo momento, observou-se que os princípios a serem obedecidos deveriam ser de direito Público e não de direito Privado, devendo, deste modo, integrar-se na área administrativa.
Desta forma, passa a responsabilidade do Estado a ser direta, atendidas as provas da existência do dano, da conduta culposa por parte de um funcionário determinado e do nexo de causalidade existente entre o dano e a conduta. Ocorre que, com o considerável crescimento do aparelhamento estatal, a identificação do servidor responsável tornou-se cada vez mais difícil. Diante de tal fato, pensou-se que para a reparação do dano sofrido bastaria a certeza de que o prejuízo adveio do serviço público, independentemente da conduta de qualquer funcionário.
Ainda noutra ocasião evolutiva da teoria da responsabilidade do Estado, passou-se a considerar a falta do serviço ou seu mau funcionamento, independentemente da intervenção de um servidor, capaz de dar ensejo a reparação estatal.
Acompanhando a evolução das teorias acerca da responsabilidade civil do Estado, defrontamo-nos com situações em que este, mesmo agindo licitamente, produz danos aos particulares. Desta forma, ante a tese objetiva, atualmente adotada por nosso ordenamento jurídico, positivada na Carta Magna em seu artigo 37, parágrafo 6º, estamos diante da denominada Teoria do Risco Administrativo, onde as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços de natureza pública, serão responsabilizadas pelas lesões que seus agentes causarem a terceiros.
Assim sendo, analisaremos na presente pesquisa a responsabilidade do Estado por atos legislativos praticados por seus agentes que, diante de tal prerrogativa, em razão do exercício da função legislativa, causarem danos a outrem.
A abordagem da reparação civil estatal focalizará os atos legislativos em sentido estrito, tendo em vista que existem outros atos normativos não provenientes do exercício da função legislativa.
Deste modo, importante ressaltar que, no Estado Social de Direito, as leis devem submeter-se à abstração, devendo o Estado atuar concretamente para assegurar o cumprimento de medidas que visem, acima de tudo, o bem estar da coletividade.
Não obstante, demonstraremos a necessidade de responsabilização do Estado, pelos assim chamados atos legislativos, como um postulado imprescindível do Estado Democrático de Direito, evidenciando os princípios da legalidade e da isonomia no intuito de proporcionar efetividade à Constituição da República.
1. TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O patrimônio e a integridade dos homens sempre foi objeto de zelo e luta. Em todos os tempos a lesão a tais bens propiciou, tanto racionalmente, quanto emocionalmente a defesa e a compensação do mal sofrido.
Entretanto, o combate a referidos danos evoluiu de acordo com os pensamentos de cada época, culminando na concepção que atualmente rege os pilares da responsabilidade civil, qual seja, o fato de que ninguém pode lesar interesse ou direito alheio.
No início da civilização humana, época esta onde não imperava o Direito, inexistia regras a serem seguidas. Havia o predomínio da vingança coletiva e posteriormente da vingança privada, onde a reação à ofensa era instintiva, imediata e agressiva.
Neste sentido, assevera Carlos Roberto Gonçalves (1995, p.4):
“Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras, nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava, então, a vingança privada, “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas sua origens, para a reparação do mal pelo mal.”
Com o Código de Hamurabi, no ordenamento mesopotâmico, por volta de1700 a.C., a noção de punição tinha por pressuposto a aplicação da pena de Talião, do “olho por olho, dente por dente”, determinando, desta forma, sofrimento essencialmente igual àquele que causou o prejuízo.
Segundo a Lei de Talião, em seu artigo 196, “Se um homem destruir o olho de outro homem destruirão o seu olho”. Observa-se que as sanções eram, em sua maioria, de caráter corporal, entretanto havia ainda a possibilidade de uma transação, ou seja, cabia à vítima escolher entre a reparação por meio dos bens do ofensor ou o pagamento de tal dívida, com pena corporal.
Após rudimentares concepções, com o advento de uma autoridade soberana, o legislador veda à vítima fazer justiça com as próprias mãos. A composição econômica passa a ser obrigatória e tarifada. Surgem, a partir daí, as mais excêntricas tarifações, estabelecidas à época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas.
Foi no direito Ronano que se estabeleceu a primeira diferenciação entre “pena” e “reparação”. As ofensas graves, pertubadoras da ordem pública ou delitos públicos, eram punidas com penalidades econômicas impostas ao réu, que deveria recolher tal montante em favor dos cofres públicos. No entanto, nos delitos de caráter privado a penalização pecuniária competia à vítima.
A função de punir passa a ser exercida pelo Estado, que por meio de seus atos repressivos, dá ensejo à criação da ação indenizatória.
Posteriormente à fase do Direito Romano ocorre a separação do Direito Civil e do Direito Penal, tratando o Direito Penal apenas do aspecto punitivo e o Direito Civil versando tão somente da recomposição patrimonial do prejuízo sofrido, a restituição ao statu quo ante, passando a indenização pecuniária a ser a única forma de sanção na prática de atos não criminosos que causem prejuízo a outrem.
Para efeito de punição ou da reparação, isto é, para aplicar uma ou outra forma de restauração da ordem social, é que se distingue: a sociedade toma à sua conta aquilo que a atinge diretamente deixando ao particular a ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no statu quo anterior à ofensa.
Deixa, não porque se não se impressione com ele, mas porque o Estado ainda mantém um regime político que explica a sua não-intervenção.
Restabelecida a vítima na situação anterior, está desfeito o desequilíbrio experimentado.
A Lex Aquilia promulgada durante a República Romana, aproximadamente ao longo do século III a.C., esboçou os princípios reguladores da reparação do dano, tendo em vista a responsabilidade extracontratual e a culpa como pressupostos para a indenização pecuniária.
A Lex Aquilia, neste sentido, veio para cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex Aquilia de dano estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor.
O direito Francês, teve por desígnio, aperfeiçoar os preceitos Romanos. Tais regras foram assimiladas e aprimoradas por outras culturas, generalizando, desta maneira, o princípio aquiliano, e fazendo eclodir a ilustre teoria clássica ou subjetiva, segundo a qual a responsabilidade civil tem como pressupostos: o dano, a culpa do autor do dano e o nexo de causalidade entre o fato o dano.
A idéia de responsabilidade civil decorre, desta maneira, da generalização do princípio aquiliano, onde aquele que causar prejuízo a outrem, seja ele de cunho material ou moral, deverá restituir o bem ao estado em que se encontrava anteriormente ao estado lesivo, ou a devida compensação, caso não seja possível o restabelecimento da propriedade à sua condição de origem.
A noção da culpa in abstrato e a diferenciação entre culpa contratual e culpa delitual surgiu num momento de grandes transformações na França. Tais idéias, fundadas no fato de que a responsabilidade civil se origina da culpa, foram inseridas no Código de Napoleão e inspiraram, durante a Revolução Francesa, a legislação de todo o mundo.
Durante a Revolução industrial a exploração do homem pelo Estado e do homem pelo próprio homem, nas relações de trabalho, acentuou ainda mais as injustiças. Passou a expandir-se, desta forma o conceito da responsabilidade objetiva, com o objetivo de abrandar o prejuízo sofrido pelas vítimas.
No direito moderno, principalmente nas últimas décadas, a evolução e a imposição da responsabilidade civil objetiva vem tornando-se cada vez mais evidente. Desta forma, subdividiu-se esta em: teoria do risco e teoria do dano objetivo.
A teoria do risco possui seus pilares sustentados no fato de que basta o exercício de uma mera atividade perigosa ou a utilização de instrumentos de produção que possam oferecer risco a quem os controla, para que advenha a responsabilidade indenizatória.
No entanto, na teoria do dano objetivo, o ressarcimento é automático, ou seja, basta a verificação do dano para que haja a obrigação de reparar o prejuízo causado.
Manifesto que o atual Código Civil contempla o amparo ao mal sofrido também com base na culpa. A responsabilidade civil subjetiva obriga aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência causar dano a outrem, bem como se o titular de um direito exceder os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé ou pelos bons costumes, enfim, deixa claro o dispositivo que se houver prática de qualquer ato ilícito que possa causar dano a outrem, fica o agente obrigado a reparar.
A responsabilidade civil, no direito brasileiro, se convenciona conforme os princípios da teoria clássica, ou seja, baseia-se em três pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e o nexo de causalidade ocorrido entre o fato culposo e este mesmo dano.
Contudo, a responsabilidade subjetiva predomina sobre a objetiva, uma vez que é imprescindível, na maioria dos casos previstos em lei, a averiguação da obrigação de indenizar com base na culpa do agente e na mera ocorrência do fato danoso.
1.2.RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA
Em face da teoria clássica, onde a fundamentação da responsabilidade ocorre tendo em vista tão somente a culpa, está presente a teoria subjetiva. Sendo assim, a obrigação de reparar se configura somente se o causador do dano agir com dolo ou culpa.
A Culpa possui primordial função no âmbito da responsabilidade civil, sendo, ao lado do dano e do nexo causal, um dos pressupostos da responsabilidade subjetiva. Já o dolo, consiste numa modalidade mais grave da culpa lato sensu, podendo ser definido como uma infração consciente do dever preexistente, ou o simples propósito de causar lesão a outrem.
Durante a vigência do Código Civil de 1916, constituiu-se como regra aludida responsabilidade, ou seja, só era possível imputar obrigação a alguém caso o ato tivesse sido atentado culposamente. A responsabilidade objetiva, portanto, era exceção, admitida apenas quando prevista em lei.
Os atos que contrariam o ordenamento jurídico, lesando direitos de outrem são denominados atos ilícitos. Tais atos, decorrentes da incapacidade de socialização do ser humano, realizados intencionalmente ou não, sejam por atos omissivos ou comissivos, por negligência, imprudência ou imperícia, violam direitos, causam prejuízos e motivam o ressarcimento.
Assim, aquele que pratica o ato culposo, possível de ser evitado, não observando o mínimo de cautela exigível tornar-se responsável pelos danos, da mesma forma que, a simples lesão, sem a consideração de culpa ou dolo, ou seja, sem a caracterização de uma conduta volitiva, não enseja a reparação subjetiva, pelos prejuízos ocasionados.
1.3. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
Habitualmente costuma-se conferir ao direito romano a origem dos preceitos da responsabilidade civil objetiva. Naquela ocasião, havia apenas o interesse em proporcionar ao causador da lesão o mesmo sofrimento por ele provocado independentemente da apuração da conduta culposa.
Com a finalidade de equilibrar direitos e interesses de uma civilização moderna edificada em riscos, tanto estatais quanto particulares, foi promulgada, ainda em Roma, a conhecida Lei Aquilia, também designada como extracontratual ou objetiva, onde a responsabilidade consolida-se na idéia de risco, ou seja, não observa a existência de culpa para aferir os prejuízos, uma vez que se ampara no perigo assumido ou criado e na simples verificação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Quanto à origem e efetiva aplicação da responsabilidade objetiva no ordenamento jurídico brasileiro assevera Arnaldo Rizzardo (2005, p.30):
“Nos meados do século XIX esboçou-se o movimento jurídico contrário à fundamentação subjetiva da responsabilidade. Sentiu-se que a culpa não abarcava os inúmeros casos que exigiam reparação. Não trazia solução para as várias situações excluídas do conceito de culpa. Foi a origem da teoria objetiva, que encontrou campo favorável na incipiente socialização do direito, em detrimento do individualismo incrustado nas instituições.”
Desse modo, o crescimento das situações de risco propiciou a propagação de diversos argumentos jurídicos opostos à teoria subjetiva, que, fundada apenas na culpa não compreendia os variados casos de lesões onde as vítimas eram, em sua maioria, desfavorecidas diante da relação jurídica.
Assim, diante dos parâmetros adotados pelo novo Código Civil quanto à responsabilidade objetiva, evidente que o fato tornou-se elemento mais importante do que a culpa, favorecendo a justa reparação, o equilíbrio e a pacificação social.
1.4. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
A conduta humana constitui uma manifestação de comportamento omissivo ou comissivo, lícito ou ilícito, de caráter voluntário ou objetivamente imputável ao próprio agente ou a terceiro por ele responsável. Maria Helena Diniz (2005, p.32) ratifica tal entendimento:
“A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser lícita ou ilícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, que se vem impondo na atualidade, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos. O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. (…) Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade a qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; (…)”
Portanto, será o ato praticado pelo agente ou por aquele que esteja sob sua responsabilidade que ensejará a reparação ao resultado danoso, tenha sido o mesmo praticado com dolo, por negligência, imprudência ou imperícia.
Conferir a alguém a responsabilidade por uma conduta praticada caracteriza a imputabilidade. Neste caso, para que haja a efetiva atribuição do evento danoso ao agente, necessário que este possua capacidade de discernimento, ou seja, que compreenda a conduta omissiva ou comissiva, uma vez que estas, originariamente, carecem de uma ação voluntária, livre e capaz.
Desta forma, aquele que não entende e não tem vontade própria, seja pela menoridade ou por demência metal, não incorre em culpa e não pratica ato ilícito.
A ausência do dano desqualifica a responsabilidade civil, pois sem ele não há o que reparar.
O dano constitui-se numa redução ou numa completa aniquilação de um bem jurídico patrimonial ou moral pertencente a um indivíduo. Para que se relacione com a devida obrigação ressarcitória, o dano deve ser compensável, devendo para tanto, atingir um bem juridicamente tutelado de alguém que não possua o dever jurídico de suportá-lo. Deve ainda, existir concretamente, podendo ser atual ou futuro, bem como, subsistir ao momento da reivindicação do lesado.
Sobre o prejuízo resultante da lesão, assevera Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 28):
“Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto. Em concepção mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão de um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. (…) Trata-se, em última análise, de interesses que são atingidos injustamente. O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima”.
Diversas são as classificações existentes acerca do dano, entre as quais se fazem presentes: dano patrimonial, dano moral, dano contratual e extracontratual, dano direto e indireto e dano coletivo.
O dano patrimonial ou material configura-se como a diminuição ou destruição de um bem, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, ou seja, que possua valor econômico.
As conseqüências do efeito danoso podem atingir o patrimônio atual, gerando a extinção ou a redução do conjunto de bens, neste caso, caracteriza-se o chamado dano emergente. Em contrapartida, se a vítima deixa de obter vantagens em decorrência do evento ofensivo, sendo privada da auferição do lucro, ocorre o lucro cessante.
Em suma, dano emergente é o que a vítima efetivamente perdeu e lucro cessante é o que ela deixou de obter.
Sobre a matéria, estabelece as disposições do artigo 402 do Código Civil: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar”.
O dano moral atinge bens personalíssimos da vítima através do sofrimento psíquico ou ético. A diminuição em seu patrimônio não pode ser vista, nem tampouco mensurada, já que a reparação não terá a faculdade de estabelecer o retorno ao estado anterior, mas tão somente, penitenciar o agressor por sua conduta.
Acerca do dano extrapatrimonial, afirma Rizzardo (2005, p.19):
“Dano moral, ou não-patrimonial, ou ainda extrapatrimonial, reclama dois elementos, em síntese, para configurar-se: o dano e a não diminuição do patrimônio. Apresenta-se como aquele mal ou dano – que atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a liberdade física, a tranqüilidade de espírito, a reputação, a beleza etc.”
O dano moral pode ainda ser dividido em direto e indireto. No primeiro, a lesão ocorre a um interesse que visa à satisfação de um bem jurídico extrapatrimonial compreendido nos direitos personalíssimos ou nos atributos do indivíduo, atingindo diretamente sua integridade. No segundo, dar-se-á quando a vítima sentir-se lesada não pelo valor pecuniário do bem, mas sim pela sua estimativa sentimental. Assim, a reparação terá como pressuposto a redução do sofrimento psicológico e aflição da vítima.
O dano contratual deriva do inadimplemento de um compromisso estabelecido entre as partes contratantes. O descumprimento de um dever contratual torna-se essencial e decisivo para a efetivação do ressarcimento, uma vez que o objeto da relação jurídica é a obrigação previamente determinada.
Não obstante, o credor lesado terá a possibilidade de suprir a declaração de vontade, recusada pelo devedor, por sentença judicial.
A lesão a um dever legal assinala a configuração da culpa aquiliana, gerando o dano extrapatrimonial. Este configura-se pelo ataque direto a um direito absoluto da vítima. Trata-se de uma conduta reprovável que não deriva do inadimplemento de uma obrigação contratual, mas sim da própria lei ou de princípio geral do direito.
Ainda segundo entendimento de Rizzardo (2005, p.19) quanto ao dano extracontratual:
“Equivale o dano a qualquer prejuízo que não deriva do inadimplemento de uma obrigação, mas é produzido por um fato que fere a regra jurídica, à qual todos se encontram subordinados”.
O dano direto abrange o resultado imediato da ação, atingindo seu valor. Compreende a aferição imediata dos resultados causados pela ação direta do ofensor, bem como de seu real conteúdo e extensão. Já o dano indireto corresponde às conseqüências remotas da ação praticada, ou seja, é uma extensão dos efeitos do dano.
O prejuízo causado a várias pessoas simultaneamente denota dano coletivo, desde que haja entre elas algum vínculo de interesse ou proximidade de classe, profissão, associações ou vizinhança.
Um dos pressupostos fundamentais para a configuração da responsabilidade civil e do dever de indenizar é o nexo de causalidade, ou seja, o vínculo existente entre o dano e a conduta do agente. Se o dano sofrido pela vítima não for ocasionado pelo agente, inexiste a relação de causalidade. Venosa (2003, p. 39) ao definir o nexo causal leciona que:
“O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva de leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida”.
Portanto, não basta apenas a existência do ato omissivo ou comissivo, gerador do dano, é necessário a identificação da relação entre o agressor e a lesão para que haja o dever de compensação.
O nexo causal, desta forma, é um elemento de inexorável constatação, tanto para a responsabilidade objetiva quanto à responsabilidade subjetiva.
A teoria da responsabilidade civil subjetiva constitui seus fundamentos na culpa. Contudo, hipóteses existem em que a constatação de culpa não é suficiente para abarcar e solucionar todas as demandas que emanam no seio da sociedade. Nesses casos, utilizada será a teoria da responsabilidade objetiva.
A existência de previsão legal, a abrangência da ocorrência do dano nos riscos da exploração da atividade lesiva e a infringência ao princípio da equânime distribuição dos ônus e encargos públicos configura pressupostos de suma importância quanto à responsabilização do Estado pelos atos legislativos que edita. Neste sentido, basta apenas a averiguação do dano e do nexo causal existente entre o agente apontado pela lei como responsável e a lesão, para que demonstrado esteja a responsabilidade objetiva, vez que, ao assumir os riscos da exploração da atividade lesiva a este surgiu também a obrigação de respeito ao princípio da isonomia e conseqüentemente o dever da reparação.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil do Estado sofreu ao longo das épocas, demasiadas modificações conforme os referenciais políticos, sociais e jurídicos de cada momento histórico.
Para que ocorra a responsabilidade do estado, mister a efetiva violação de direitos juridicamente tutelados pelo mesmo. A obrigação de ressarcir economicamente os prejuízos causados independe de atos lícitos, ilícitos, comissivos, omissivos, materiais ou jurídicos.
Como muito bem explanado na lição da professora Maria Helena Diniz (2005,p. 429), “a responsabilidade civil estatal não está somente disciplinada pelo direito civil, mas principalmente pelo direito público, ou seja, direito constitucional, direito administrativo e direito internacional público”.
Neste sistema de responsabilização estatal, se vêem incluídos além das atividades típicas da administração em si e dos atos das pessoas jurídicas de direito público auxiliares do Estado, como as autarquias e fundações, as pessoas que agem em regime de delegação, ou seja, em hipóteses de concessão, permissão ou autorização.
A evolução histórica do conceito da responsabilidade civil do Estado transitou, de tempos em tempos, por várias teorias, sobretudo por aquelas desenvolvidas pela doutrina e Conselho do Estado Francês, limitando-se, pois, ao denominado sistema europeu-continental, uma vez que o sistema anglo-saxão não exerce influência direta no direito brasileiro.
Assim sendo, as teorias acerca da responsabilidade estatal podem ser divididas em: Teoria da Irresponsabilidade; Teorias Civilistas, abrangendo a Teoria dos Atos de Império e Gestão e a Teoria da Culpa Civil, Teoria Publicista, compreendendo a Teoria da Culpa Administrativa ou da Responsabilidade Subjetiva e Teoria da Responsabilidade Objetiva.
2.1. TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE
Na época dos Estados absolutistas imperava também o princípio da irresponsabilidade do Estado, ou seja, neste longo período pelo qual percorreu a humanidade, não havia a responsabilização do rei pelos atos prejudiciais causados à terceiros, prevalecia a teoria do direito divino e a máxima de que “o rei não erra” (the king do not wrong).
O domínio déspota da realeza estava acima das próprias leis, não havia contestação. Eis o que esclarece, a este respeito, Rizzardo (2005, p. 355):
“Especialmente quando dominava o absolutismo dos reis e o despotismo, os atos dos soberanos ou tiranos e de seus agentes não eram questionados. Os monarcas consideravam-se acima da lei, sendo que em alguns regimes, tinham o poder sobre a vida e os bens dos súditos, vigorando uma isonomia de restrições absoluta, revelada em expressões como a seguinte: L’ État c’ est moi (o Estado sou eu). Os déspotas, embora o desenvolvimento trazido em seus governos, não se submetiam a qualquer controle. Exemplo desse concepção encontra-se nos desmandos da Família Real quando se mudou para o Brasil em 1808, que tomou posse de imóveis residenciais de maior valor na cidade do Rio de Janeiro, simplesmente desalojando os moradores”.
No entanto, ainda nesta fase inicial, de quase total irresponsabilidade estatal observa-se que o Estado possuía o dever de reparar as lesões causadas. Ocorre que as vítimas não procuravam as autoridades competentes capazes de impor as devidas obrigações, tendo em vista o temor de exigir da realeza tais atitudes.
Sobre este ponto em particular, discorre ainda Rizzardo (2005, p. 355):
“Uma fase primitiva de quase total irresponsabilidade, o que não significa que o Estado não sofresse restrições, e que não indenizasse os danos que seus agentes provocavam. Mesmo no Império Romano, e até antes, quando da república, se impunham limitações aos atos governamentais, incutindo o sentimento do dever de reparar por certos prejuízos provocados. No entanto, não se procuravam os pretores para impor obrigações ao imperador, ou exigir que indenizasse os danos provocados por ele ou seus servidores.”
No entanto, os atos comissivos ou omissivos, contrários à lei, praticados pelos agentes públicos, jamais eram considerados atos do próprio Estado, sendo o dever indenizatório lhes atribuído pessoalmente.
Tendo em vista a manifesta injustiça proporcionada pela posição de intangibilidade jurídica ao qual era elevado o Estado quando da prática de atos lesivos a terceiros, logo esta teoria passou a ser combatida pelos cidadãos que a ela se submetiam. Entendia-se, que o Estado, pessoa jurídica de direito público e titular de direitos e obrigações não poderia deixar de responder pelos atos lesivos, omissivos ou comissivos, praticados por seus colaboradores.
Note-se que a França já na primeira metade do século XIX admitia a possibilidade de responsabilização estatal, porém países como Inglaterra e os Estados Unidos da América só vieram a abandonar o princípio da irresponsabilidade do Estado nos anos de 1946 e 1947, respectivamente. O primeiro o fez através do Crown Proceeding Act onde o Estado passa a se responsabilizar pelos atos de seus agentes desde que, haja infração daqueles deveres que todo patrão tem em relação aos seus prepostos e também daqueles deveres que toda pessoa comum tem em relação à propriedade. Na Inglaterra, entretanto, a responsabilidade estatal sofre restrições uma vez que há casos em que a Coroa não pode ser acionada.
Nos Estados Unidos da América a responsabilidade do poder público passou a ser admitida através do Federal Tort Act, onde os danos decorrentes de atividades estatais, desde que culposos ou abusivos, geram ao Estado o dever de ressarcimento ao administrado. No entanto, a responsabilização do próprio agente e não da pessoa jurídica de direito público é mais utilizada.
Deste modo, o princípio da responsabilidade extracontratual do estado tornou-se condição indispensável para a adequada organização do Estado Democrático de Direito em todos os países do ocidente, mantendo em suas estruturas, independentemente da cultura do país, particularidades que não comprometem em si o dever de indenizar o particular pelos atos causados pelo encarregado público.
A superação da primitiva fase da irresponsabilidade do poder público foi o primeiro passo rumo às teorias que preceituavam a adequada responsabilidade civil do Estado.
Deu-se a estas teorias o nome de civilistas, uma vez que se apoiavam nos ensinamentos trazidos pelo Direito Civil que, por toda sorte, baseia-se na idéia de culpa do agente causador do dano.
2.2.1. TEORIA DOS ATOS DE IMPÉRIO E DE GESTÃO
A responsabilidade do Estado, conforme a Teoria Civilista foi admitida somente para determinados atos. Idealizavam-se ocasiões em que o Estado estivesse em uma posição de supremacia, não havendo responsabilidade e, conseqüentemente, o dever de reparar os danos causados perante terceiros. Esta divisão de atos do Estado, que são aptos ou não de ressarcimento, ficou conhecida como a teoria dos atos de império e de gestão.
O saudoso doutrinador Hely Lopes Meirelles (2003, p. 161) distinguia tais atos como sendo: “Atos de império ou de autoridade são todos aqueles que a administração pratica usando de sua supremacia sobre o administrado ou servidor e lhes impõe obrigatório atendimento.”
Os atos de império eram considerados como aqueles praticados pela administração com todos os privilégios e vantagens inerentes a respectiva autoridade. Repressivamente, tais atos eram impostos aos particulares, independentemente de autorização judicial, sendo regida por um direito especial, exceção ao direito comum, vez que os administrados não tinham a prerrogativa de praticar atos análogos.
Os atos de gestão eram considerados como aqueles praticados em situação de igualdade entre administrador e administrado. Consistiam em atos para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gerência de seus serviços.
Desta forma, havia semelhança entre o comportamento estatal e o particular, tendo em vista o fato de que ambos exerciam a mesma função, ou seja, proteger e zelar pelo bem público, estando o poder púbico, neste caso, passível de responsabilidade desde que apurada a culpa do agente causador do dano.
Nos tempos atuais, no entanto, a distinção entre atos de gestão e atos de império apresenta dificuldades de identificação, ou seja, não há a possibilidade de segmentação da personalidade estatal, vez que administrar o patrimônio público e prestar serviços constitui atos que emanam da mesma entidade jurídica.
Destarte, restou-se precária a efetiva responsabilização do Estado diante das divergências encontradas entre a natureza dos atos de império e dos atos de gestão, sendo as mesmas, satisfatoriamente, substituídas pela Teoria da Culpa Civil.
A teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva originou-se a partir da necessidade de vincular a Responsabilidade Extracontratual do Estado a um ponto de vista meramente civilista. Desta forma, para que fosse atribuída a responsabilidade pelos atos do poder público bastava a mera noção de culpa latu sensu, através da atuação administrativa, por meio de seus agentes ou prepostos.
Neste momento evolutivo da responsabilidade civil, o Estado passou a ser tratado como o particular. Atendia-se às reivindicações do liberalismo, o qual, dentre outras idéias, preconizava a igualdade e a diminuição de privilégios. Nesse sentido, se o particular tinha o dever de indenizar sempre que causasse danos a outrem por sua culpa, então o Estado, em situações análogas, também deveria ser sucumbido a ônus semelhante.
A Teoria da Culpa Civil representou um expressivo progresso na solução dos problemas relacionados com a recomposição dos danos. Manifesto que os agentes estatais, mesmo atuando culposamente, nem sempre possuíam os meios adequados para ressarcir o lesado. Entendia-se que sendo estes empregados públicos, caberia ao Estado arcar com as conseqüências dos seus atos perante o particular e usar, em decorrência de tal atitude, os meios disponíveis contra os causadores do malefício.
Buscava-se equiparar a responsabilidade Estatal à do patrão pelas ações prejudiciais de seus colaboradores, evidenciando, desta forma, que embora afastada a distinção entre atos de império e atos de gestão, havia ainda grande apego à doutrina civilista.
No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria da culpa civil consagrou-se mediante a edição da norma contida no artigo 15 do Código Civil de 1916, assim expresso:
“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.”
Norma esta, posteriormente transcrita no Código Civil de 2002, em seu artigo 43, com a seguinte redação:
“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
Contudo, graças ao avanço e influência do Regime Jurídico-Administrativo, a doutrina civilista foi cedendo espaço às normas e princípios de Direito Público que, por sua vez, passaram a atuar nas diversas relações existentes entre o Estado, solucionando de maneira mais eficaz as questões relativas à responsabilidade extracontratual deste.
O real distanciamento das regras e princípios de direito privado para se averiguar a Responsabilidade do Estado ocorreu a partir do célebre caso francês conhecido como Arrêt Blanco, ocorrido em 1873, como bem elucida a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p.526):
“A menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados.”
Os processos de vinculação entre as questões de responsabilidade estatal e os princípios de Direito Público originaram-se após o supracitado caso francês, afastando, destarte, a aplicabilidade das normas de Direito Civil em detrimento dos princípios, regras e peculiaridades próprias do Direito Público Administrativo.
Nesta acepção, notável a evolução das teorias da responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, até alcançar a denominada responsabilidade objetiva, fundamentada basicamente, na mera relação de causa e efeito entre o ato estatal e o evento nocivo.
2.3.1. TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Esta modalidade de responsabilidade, considerada historicamente como a origem do dever reparatório e legítima afronta ao ordenamento jurídico, tem por objetivo impor ao agente causador do prejuízo, praticado com dolo ou culpa, comissiva ou omissivamente a obrigação de ressarcir o lesado pelos danos materiais ou morais tolerados.
Conforme entendimento de Bandeira de Mello (1974, p. 482), a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado estará presente quando “em atuando o agente público com culpa ou dolo responde o Estado pelos seus atos culposos ou dolosos, se no exercício das atividades que lhe são próprias, e causando dano a terceiros, por lhe serem imputados.”
Deve-se considerar, porém, que a responsabilidade do Estado limita-se apenas aos atos provenientes do serviço público a ser prestado pelo agente e não pelas atitudes lesivas de cunho pessoal que este venha a causar a outrem.
Assim, para a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado e, observando os princípios de Direito Público que conduzem esta espécie jurídica, não se faz indispensável à individualização do agente que agiu culposamente para a incidência do dever de indenizar pelo Estado, sendo, para tanto, satisfatório o conceito apresentado pela doutrina francesa de faute du service, ou seja, “culpa do serviço”.
Acerca deste ponto, importante citar as palavras do insigne mestre Arnaldo Rizzardo (2005, p. 360):
“Todavia adquire a culpa dimensões mais extensas ou um tanto diferentes que as comumente conhecidas e exigidas para conceder a indenização de modo geral. Não se trata apenas e propriamente do erro de conduta, da imprudência, negligência ou imperícia daquele que atua em nome e em favor do Estado. Essas maneiras de agir também, e mais enfaticamente levam a indenização. No caso da administração pública, deve-se levar em conta o conceito ou a idéia do que se convencionou denominar “falta do serviço” (faute du service), ou a “culpa do serviço”, que diz com a falha, a não prestação, a deficiência do serviço, o seu não funcionamento, ou o mau, o atrasado, o precário funcionamento. Responde o Estado porque lhe incumbia desempenhar com eficiência a função. Como não se organizou, ou não se prestou para cumprir a contento a atividade que lhe cumpria, deixou de se revelar atento, diligente, incorrendo em uma conduta culposa.”
O procedimento culposo perde sua natureza eminentemente privada, desvinculando-se do agente de serviços públicos e manifestando-se por meio da culpa anônima da própria ordem estatal. A insuficiência de cumprimento adequado dos serviços é que torna possível a responsabilidade subjetiva do Estado. As funções públicas quando deixam de funcionar, ou quando são exercidas incorretamente, indevidamente ou tardiamente torna apto qualquer administrado com relevantes motivos, a pleitear, perante os órgãos competentes, a reparação do dano daí decorrente.
Neste ínterim, verifica-se que no campo da responsabilidade subjetiva do Estado não basta à mera relação causal entre a ação praticada pelo agente estatal e o dano produzido ao administrado, é inevitável que haja o elemento subjetivo culpa, caracterizando ou não a obrigação de reparação do Estado.
O administrado frente ao ente estatal encontra-se em posição desfavorável. Neste caso, ocorrendo a “faute du service” e posterior lesão, admitir-se-á a presunção da culpa estatal, isentando o particular da comprovação de desta pelo Estado, não prejudicando, desta forma, a devida reparação.
Assim, procura-se demonstrar que ainda sendo a culpa presumida, ou seja, bastando a mera relação de causalidade entre o dano e o ato lesivo para legitimar a vítima a pleitear indenização perante o Poder Público, não há a destituição do caráter subjetivo da teoria. Isto ocorre, desde que o Estado, comprovando que no seu agir, o fez diligentemente. Este, no entanto, diante de tal prova estará isento da obrigação de reparar o dano o que, em caso de objetividade da conduta, restaria impraticável.
Ora, se a conduta, por parte dos agentes estatais revela-se imprópria e em desacordo com os padrões de empenho, atenção ou habilidade legalmente exigíveis, seja por culpa ou dolo destes, transgredida estará à norma. Evidentemente que, diante destes argumentos, crível a irrefutável noção de que a teoria da “faute du service” enquadre-se perfeitamente na denominada responsabilidade subjetiva do Estado.
2.3.2. TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A Teoria da Responsabilidade Objetiva compreende a responsabilidade civil não somente com fundamento na culpa, mas também no risco, ou seja, no desenvolvimento de determinada atividade que tenham a faculdade de gerar danos.
Neste sentido, entende-se que possuindo tal corrente um caráter predominantemente social, ao repartir entre toda a sociedade os benefícios provenientes da prestação de serviços públicos, por parte do Estado, o mesmo deve ocorrer quando a situação se inverte, ou seja, havendo por parte de um indivíduo ou mesmo de um grupo, o infortúnio de um ônus maior do que aquele que lhe era lícito suportar ante aos demais. Ocorre, portanto, a violação do equilíbrio almejado pela ordem social, devendo o Estado, para que as coisas retroajam ao status quo, indenizar o prejudicado utilizando-se dos recursos oriundos da Fazenda Pública.
A doutrina objetiva apoia-se em dois pólos: o dano e a autoria do evento danoso. Ela encontra amparo na teoria do risco administrativo ou risco criado, bem como fundamenta-se também no ordenamento jurídico pátrio, no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal:
“(…) § 6.º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de culpa ou dolo.”
O Estado brasileiro, por conseguinte, independentemente de sua esfera de atuação, federal, estadual ou municipal, será responsável, desde que haja efetiva comprovação de culpa, pelos danos causados por seus agentes administrativos perante particulares. Caso a vítima tenha contribuído, de forma culposa para o prejuízo, a responsabilidade estatal será suavizada após comprovação da culpa concorrente, sendo até mesmo totalmente afastada, verificando-se que o dano ocasionado ocorreu por culpa exclusiva da vítima.
Surge ou consuma-se a responsabilidade quando o dano decorre unicamente da atuação de agentes do Estado. Os danos daqueles que atuam em nome do Estado. Os danos daqueles que atuam em nome e por conta do Estado entram na categoria de indenizáveis. Está aí o risco administrativo, e não o risco integral, que é inerente à responsabilidade objetiva. Deve haver uma relação de causa e efeito entre a atuação do agente e o dano que decorre, o que não se dá se terceiros de apropriam de um bem e provocam um mal, ou se a vítima deu ensanchas para a lesão. Assim, todo o dano verificado, e que decorra do risco das coisas ou atividades, como acidente de trabalho, as lesões provocadas por explosivos, ou redes de transmissão elétrica, ou balas perdidas que policiais disparam, independentemente da culpa, desde que durante o exercício de funções, comporta o ressarcimento. Não importa que tenham os danos advindos da prática de atividades lícitas, e que sua execução primou pela obediência a regras da técnica.
Conforme explanações de Rizzardo (2005, p. 362), a Constituição Federal dispõe sobre a teoria objetiva com maior intensidade, estendendo-a também às pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviço público:
“Com efeito, a CF/88 adotou a chamada Teoria do Risco Administrativo – estendendo os seus efeitos às pessoas jurídicas de direito privado, empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias de serviços públicos – também consagrada pelo Excelso STF, como se infere do julgamento relatado pelo Min. Celso de Mello:
“Essa concepção teórica que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público faz emergir, na mera ocorrência de ato lesivo causado á vítima pelo Estado, o dever de indenizá-lo pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público” (STF, 1ª T., RE nº 109.615-2/RJ, DJU de 02.08.1996, p. 25.785).”
A teoria objetiva da responsabilidade do Estado subtrai da apuração da responsabilidade estatal, a necessidade do elemento subjetivo, consubstanciado na culpa ou dolo. Assim, diante da presente corrente, para a devida reparação do dano, basta que exista relação de causalidade entre o comportamento comissivo ou omissivo do Estado, de caráter lícito ou ilícito, causando concreta lesão na esfera juridicamente protegida do administrado.
2.3.2.1. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO
Para a teoria ora explorada, suficiente torna-se à presença da lesão, por ação e omissão administrativa, para que se origine a obrigação indenizatória do Estado. Neste caso, em hipótese alguma, cogita-se da idéia de culpa do Estado ou de seu agente. Tal entendimento possui o escopo de compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração. Todos os demais membros que compõem a sociedade devem concorrer para a reparação do dano, por meio dos recursos financeiros do Poder Público, ou seja, através do Erário. Não obstante, ao dispensar a prova da culpa do Estado, mencionada teoria admite que seja comprovada a culpa da vítima, de forma concorrente ou integral, possibilitando a redução ou a isenção da responsabilidade estatal.
A teoria do risco, desta forma, baseia-se, essencialmente, no risco natural decorrente das mais variadas atividades desenvolvidas pelo Estado que possuam o condão de promover, eventualmente, um possível dano ao particular.
Os dizeres acima ficam corroborados pela seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário de nº 113.587-5 em que litigavam o Município de São Paulo e um particular:
“CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. C.F., 1967, art. 107. C.F./88, art. 37, par-6. I. A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa, é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, e devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade do ônus e encargos sociais. II. Ação de indenização movida por particular contra o Município, em virtude dos prejuízos decorrentes da construção de viaduto. Procedência da ação. III. R.E. conhecido e provido.”
Assim, a caracterização da responsabilidade do Estado, conforme a teoria ora analisada dá-se com a presença cumulativa do dano indenizável e do liame entre esse e a atividade estatal.
2.3.2.2. TEORIA DO RISCO INTEGRAL
A teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de fato exclusivo da vítima. Diferencia-se da teoria do risco administrativo justamente por sujeitar o Poder Público a indenizar o particular por todo ato que atente contra a esfera juridicamente tutelada deste.
Neste sentido, oportuna as considerações de Rizzardo (2005, p.363):
“Está, pois, o risco integral além do risco administrativo, sendo de responsabilidade puramente objetiva. Se levado ao extremo, criaria uma situação insuportável, aniquilando o próprio Estado, e merecendo a total repulsa. Acontece que, a se dar vazão ao delírio de seus inspiradores, em tudo estaria presente o Estado, sem consideração à sua capacidade, ao seu preparo, aos custos, e às conseqüências que resultaria dos próprios súditos.”
De tal modo, o principal elemento diferenciador das teorias do risco administrativo e do risco integral seria a admissibilidade, pela primeira, das causas excludentes de responsabilidade, enquanto que na segunda, estas causas jamais poderiam ser utilizadas como fundamento para eximir o dever jurídico de indenizar conferido ao Estado.
Ainda neste ínterim, Arnaldo Rizzardo ( 2005, p. 362) assevera:
“Nessa linha, contrariamente ao que muitos pensam, não pode o Estado responder pela falta de policiamento efetivo, pela ausência de fiscalização dos órgãos públicos, pela sua ausência em um tumulto, posto que inaceitável que se desenvolva em todos os cantos de uma localidade a vigilância, o se fiscalize contínua e concomitantemente na totalidade dos estabelecimentos comerciais, ou se encontrem presentes as forças policiais em todos os pontos onde acontecem tumultos, invasões, assaltos, a menos quando notificadas ou avisadas as autoridades”.
Essa acepção extremista, abusiva e injusta da teoria do risco integral, tem sua aplicabilidade afastada no âmbito da responsabilização estatal, haja vista que levaria as contas públicas à desordem maior do que à atualmente submetida, transformando o Estado em uma seguradora de caráter geral.
Considerando que o ordenamento jurídico pátrio não é signatário da teoria do risco integral, na qual, como já visto, o Estado tem a obrigação de responsabilizar-se por todo e qualquer tipo de dano, independentemente de sua origem, excludentes e atenuantes foram previstas.
Cahali (1996, p.44), em sua monografia sobre a Responsabilidade Civil do Estado, acertadamente, escreve que:
“A teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização. (…) Na realidade, qualquer que seja o fundamento invocado para embasar a responsabilidade objetiva do Estado (risco administrativo, risco integral, risco-proveito), coloca-se como pressuposto primário da determinação daquela responsabilidade a existência de um nexo de causalidade entre a atuação ou omissão do ente público, ou de seus agentes, e o prejuízo reclamado pelo particular.”
Portanto, conforme entendimento ora explanado, corroborado pela doutrina majoritária, deverá o Poder Público demonstrar a ocorrência do caso fortuito ou força maior, da culpa exclusiva ou concorrente da vitima ou de terceiro e do estado de necessidade para atenuar ou até mesmo excluir suas obrigações reparatórias. Caso inexista a relação de nexo causal entre a lesão e a atuação estatal, estará descaracterizada sua responsabilidade.
Quando da exclusão da responsabilidade do Estado por caso fortuito ou força maior, verificam-se divergências doutrinárias, pois para a maior parte da doutrina, a força maior representa fatos da natureza, em contrapartida, o caso fortuito representa fatos originários da vontade humana. O entendimento minoritário sustenta que a melhor definição é a contrária.
Desta feita, entende-se que a força maior é a causa física exclusiva do dano que advém da natureza, podendo estar cumulada com uma omissão do Poder Público, hipótese na qual não existirá nexo causal e sim nexo normativo, evidenciando o conseqüente dever de indenizar.
Por fim, entende-se o caso fortuito como sendo uma causa desconhecida que tenha a capacidade de gerar um dano. No entanto, se esta causa estiver vinculada a serviço público danoso, que se originou em virtude de conduta humana decorrente de agente público, responderá o Estado pelos danos perpetrados, com embasamento na teoria do risco administrativo.
No que concerne a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, terá esta o condão de excluir totalmente a responsabilidade estatal, haja vista que, nesta hipótese, não haverá nexo entre a causa relativa à atuação do Estado e o dano. Quando comprovado o caso de culpa concorrente do lesado ou terceiro, responderá o Estado, tão somente, pela sua quota de responsabilidade no evento. Tal ato decorre de um princípio lógico de que ninguém poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não concorreu.
O estado de necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade, pois manifesta situação em que predomina interesse geral sobre o pessoal, evidenciando o princípio da supremacia do interesse público, assinalado pela superioridade da necessidade pública sobre o interesse particular. Advém de situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como guerras, em que se faz mister um sacrifício do interesse particular em favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder discricionário.
Nos casos em que se averigua a existência de concausas, ou seja, quando há mais de uma causa capaz de provocar o resultado danoso, praticadas simultaneamente pelo Estado e pelo lesado, não haverá excludente de responsabilidade. Existirá, nesta situação, a atenuação do quantum indenizatório no grau da participação no evento.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS
3.1. A PROBLEMÁTICA E SUA COLOCAÇÃO DOUTRINÁRIA
A responsabilidade civil do Estado Legislador está relacionada à obrigação estatal de compensar os danos causados ao patrimônio dos indivíduos pela atividade legislativa.
Considerada pela doutrina uma matéria controvertida, é entendida, sobretudo, como um avanço quanto às funções públicas capazes de gerarem um compromisso estatal.
Reconhecida, de forma incontestável, a responsabilidade do Estado constitui-se regra no que concerne aos atos da Administração Pública, estando em eminente desenvolvimento quanto às outras funções estatais.
Tradicionalmente, a atividade legislativa, embora superada a fase da irresponsabilidade do Estado, qualifica-se entre as hipóteses que excetuam o Estado da obrigação de indenizar, não se admitindo como possível que tal atividade provoque danos suscetíveis de reparação aos particulares.
A maioria dos doutrinadores que versaram sobre esta matéria, na primeira metade do século passado defendia a irresponsabilidade estatal sob fundamentos diversos que continham desde a soberania dos atos parlamentares, a abstração e generalidades da lei, até a imunidade parlamentar.
Ainda, segundo a tradição doutrinária, a única exceção relativa à irresponsabilidade absoluta, limitava-se á situações nas quais o legislador, na própria lei, reconhecesse a necessidade de indenização quanto ao prejuízo suportado, tendo em vista sua edição legislativa, ou em casos de leis inconstitucionais, se assim fossem declaradas, pelo poder competente e que produziram danos à partir de sua mera aplicação.
Pioneiro na defesa da obrigação estatal de responder pelos danos ocasionados pela atividade legislativa, o jurista francês Léon Duguit em sua obra Les transformations Du droit (public et privê), datada de 1913, fundamentava-se no conceito da existência de um seguro social que cobriria o risco resultante da aplicação das leis.
Contemporaneamente, Martinho Nobre de Melo, doutrinador português, em sua obra Teoria Geral da Responsabilidade do Estado, defendeu a idéia da responsabilidade estatal por lesões excepcionalmente graves resultantes do exercício da função legislativa.
Atualmente, os adeptos do entendimento supracitado aumentaram expressivamente, evidenciando, basicamente os princípios do estado de Direito, a unidade do poder estatal e a evolução do conceito de soberania.
Apesar da falta de generalidade quanto ao reconhecimento absoluto da responsabilidade estatal por atos legislativos, cogita-se, majoritariamente, do estabelecimento de uma relação objetiva, livre da culpa e da ilicitude do ato, enfocando-se no dano e na pessoa do administrado que suportou as lesões, sem, contudo, qualquer obrigação jurídica.
Destarte, busca-se na doutrina atual, a reparação de todo prejuízo causado pelo dano antijurídico ou injusto, com o propósito de preservar o equilíbrio dos interesses da sociedade, não permitindo que o interesse individual sucumba em detrimento dos interesses coletivos.
Com relação à responsabilidade estatal decorrente dos prejuízos oriundos de atos legislativos, necessário se faz um maior avanço doutrinário e jurisprudencial, para enfim, chegar-se a um consenso nas teorias que corroboram sua estruturação, devendo não restringir-se, tão somente, aos casos de leis inconstitucionais ou leis constitucionais de efeitos individualizados.
Neste sentido, ainda impõem-se, para a efetiva responsabilidade do Estado, a exigência de que o dano proveniente da lei tenha caráter especial e anormal. Exige-se que o interesse afetado seja juridicamente mais relevante que o interesse contido na norma lesiva. Exclui-se da garantia da reparação dos danos as atividades ilícitas, amorais, contra os bons costumes e lesivas à saúde pública.
Entretanto, mesmo diante da ausência de normas positivadas e das divergências doutrinárias há uma acentuada tendência favorável á aceitação do estado legislador responsável, intensificando, desta forma, os princípios da justiça e da equidade.
3.2. A FUNÇÃO LEGISLATIVA DO ESTADO
A Constituição Federal consagrou, dentre seus dispositivos, a tradicional tripartição dos poderes, assegurando que são poderes do Estado, harmônicos e independentes entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Assim, enfatizando essa declaração solene, o legislador constituinte conferiu variadas funções a todos os Poderes, sem, entretanto, atribuir-lhes exclusividade integral. Desta forma, cada um dos poderes, além de uma função predominante ou típica, detém também outras atribuições ou funções atípicas, previstas no texto constitucional.
Neste sentido salutar lembrar a lição de Alexandre de Moraes (2001, p. 369) quanto à separação dos poderes:
“Não existirá, pois, um Estado democrático de direito, sem que haja Poderes de Estado e Instituições, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de direitos fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos. Todos estes temas são de tal modo ligados que a derrocada de um, fatalmente, acarretará a supressão dos demais, com o retorno do arbítrio e da ditadura.”
Atribuída ao Poder Legislativo ou Parlamentar, a função legislativa, define-se na edição de leis, estabelecendo normas de caráter geral, abstrato e impositivo que compõem a ordem jurídica, através da qual, a vida coletiva desenvolve-se. Tal atividade, vinculada formal e materialmente ao ordenamento constitucional, não deve violar normas de competência ou de processo de formação das leis, conflitar em seu conteúdo, com os dispositivos constantes na Carta Magna e nem tampouco ocasionar danos aos particulares.
As funções típicas do Poder Legislativo caracterizam-se por legislar e fiscalizar. A Carta Magna, no entanto, prevê regras de processo legislativo, para que o Congresso Nacional elabore as normas jurídicas, bem como determina que a ele compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo.
As funções atípicas consistem em administrar e julgar. Quando o Legislativo dispõe sobre provimento de cargos ou promoções de seus servidores, está realizando procedimentos administrativos. Em contrapartida, quando este mesmo poder atua no processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade está desempenhando a função de julgar.
De qualquer modo, na prática de suas funções, os membros do Poder Legislativo estão amparados por um protetivo rol de prerrogativas e imunidades.
Como pessoa jurídica de direito público, o Estado abstrai-se do atributo físico e manifesta a sua vontade através de órgãos, instituídos para o desempenho de suas funções, as quais se realizam por meio de agentes públicos.
A idéia de agentes públicos compreende todos aqueles que, sob várias categorias e com títulos jurídicos diversos, desempenham a função pública, independentemente da forma de investidura e da natureza da vinculação que os conecta ao Estado.
Os agentes legislativos, como agentes políticos que compõem a categoria dos agentes públicos, exercem função pública, consistente na elaboração de normas legais.
A análise da natureza jurídica da relação entre os agentes legislativos, o órgão a que se conectam, os administrados e o Estado, configura tradicionalmente, um mandato político representativo, gerado pela eleição em favor do eleito, constituindo, fundamentalmente, elemento básico da democracia representativa.
Estruturalmente, o Poder Legislativo Federal é bicameral e exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, diversamente dos estaduais, distritais e municipais, onde é consagrado o unicameralismo.
O bicameralismo do Legislativo federal está intimamente ligado à escolha pelo legislador constituinte da forma federativa de Estado, pois no Senado Federal encontram-se de forma paritária, representantes de todos os Estados-membros e do Distrito Federal, consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Federação.
A lei, ato legislativo por excelência é preceito geral e abstrato, originária do poder estatal competente e provida de sanção, destinada a inovar, originariamente a ordem jurídica.
Temos em nosso ordenamento jurídico, diversos tipos de leis; específicas, que se ramificam em complementar – exige um quorum maior no Legislativo para ser aprovada e ordinária, cogente – normas de ordem pública, que não podem ser afastadas pelas partes – supletivas ou de direito positivo – aquelas que podem ser afastadas por vontade das partes, de costumes, que são usos reiterados de determinada comunidade, por determinado período de tempo.
Quanto ao processo legislativo, considerável os ensinamentos de Moraes (2001, p. 517):
“O termo processo legislativo pode ser compreendido num duplo sentido, jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção de leis e atos normativos que derivam diretamente da própria constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas.
Assim, juridicamente, a Constituição Federal define uma seqüência de atos a serem realizados pelos órgãos legislativos, visando à formação das espécies normativas previstas no art. 59: Emendas Constitucionais, leis complementares e ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.”
Assim, a lei, elaborada segundo um procedimento definido, submete-se formalmente e materialmente à Constituição. Norma fundamental do Estado, a Constituição é a primeira manifestação do exercício da função de legislar, ocupando posição singular em relação às demais regras por ser superior a todas elas. Colocando-se acima dos poderes constituídos, incluindo o próprio Legislativo, regulamenta a atuação dos mesmos, definindo competências e atribuições, limitando o poder e garantindo a proteção aos direitos individuais.
Nestes termos, assinalam as leis uma pretensão de generalidade e abstração e constituem-se em expressão da vontade geral, regulamentando a vida das pessoas, impondo obrigações e restringindo direitos, podendo nesta seara gerar, em muitos casos, danos patrimoniais aos quais o Estado não pode furta-se à responder.
3.3. A IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS
Os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado por atos legislativos foram acolhidos, pela doutrina, tardiamente. Porém, aqueles que entendem não ser possível a responsabilização estatal pela edição de lei, fazem-no, sobretudo, observando as opiniões dos doutrinadores mais antigos, alegando, como escusa, ser a lei expressão máxima da soberania estatal.
Nos dizeres de Gonçalves (1995, p. 168), no tocante à responsabilização por edição de atos legislativos:
“Diversos autores sustentam a tese da irresponsabilidade do Estado por atos legislativos causadores do dano injusto. Argumenta-se com a soberania do Poder Legislativo e a imunidade parlamentar. As funções do Legislativo, como poder soberano, são sempre legais”.
No entanto, tal argumentação não prospera quando se identifica que a soberania é atributo do Estado e não de seus poderes individualmente, como é o caso do Poder Legislativo, conforme se observa pelo disposto no artigo 2º da Constituição Federal. Além disso, preferiu o constituinte, quando da edição da regra de responsabilização estatal, por literalmente dispor que os poderes do Estado também se subsumiriam ao disposto no artigo 37, caput, da Constituição da República. Tendo em vista que a responsabilização do Estado encontra-se expressa no parágrafo 6º, artigo 37, da Carta Magna, submete-se às disposições do caput, encerrando, desta maneira, tratamento igual ao Poder Legislativo.
Outro argumento utilizado pelos defensores da irresponsabilidade estatal quanto à edição de leis, a aspiração de defendê-la, ampara-se no fato de que a lei é ato de caráter geral e abstrato. Em assim se apresentando, não teria o ato normativo o condão de ofender direito individual. No entanto, tal fundamentação não subsiste a uma apreciação mais apurada.
Manifesto que as leis são atos abstratos e genéricos emanados pelo Estado. Porém, existem leis de índole concreta e específica, similares a atos administrativos, que terminam por se revestir da forma da lei por imposição de norma superior na hierarquia constitucional. Acerca destas leis de efeitos concretos, tanto a jurisprudência quanto a doutrina já pacificaram no sentido de admitir a responsabilização estatal pelo ressarcimento dos danos.
Mais um fundamento utilizado pelos defensores da irresponsabilidade estatal, quanto à edição de atos legislativos, fulcra-se no argumento de que ao cidadão lesado não é possível pleitear a responsabilidade do Estado porquanto os parlamentares que confeccionaram a norma ensejadora da responsabilização foram por todos os cidadãos eleitos. Entende-se que mencionado embasamento tem por intenção aproximar-se da presunção de culpa exclusiva da vítima, acarretando, se possível fosse, uma causa excludente.
A resistência quanto a esta colocação doutrinária sustenta-se no fato de que a eleição do parlamentar implica numa delegação da sociedade para a feitura de regras constitucionais, sendo que, agindo de forma diversa, não se encontraria no exercício dos poderes que lhe foram outorgados. Entretanto, agindo o aludido parlamentar com abuso ou desvio de poder ficará assim caracterizada a responsabilidade estatal.
Apresenta-se, também, como fundamento contrário à responsabilidade do Estado legislador, que a nova lei não transgride direito preexistente e que a determinação de responsabilidade estatal por tais atos paralisaria a evolução da atividade legislativa, obstando, destarte, o progresso social.
Referidas argumentações não prosperam vez que o ato normativo poderá, sem dúvida alguma, causar prejuízo à pessoa ou grupo determinado, de acordo com seu conteúdo, não estacionando a atividade legislativa, tendo em vista que esta atividade tem que se dar em benefício de toda coletividade, caso contrário, dar-se-á em contraposição ao disposto na Carta Magna.
Pelo que se expôs até o presente momento, hesitações não subsistem no que concerne à possibilidade de responsabilização do Estado pelas leis que edita por meio do Poder Legislativo, visto que esta é a previsão emanada pela Constituição Federal, que retrata os anseios da sociedade que organiza.
3.4. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS NO DIREITO COMPARADO
A responsabilidade civil do Estado Legislador na França tem por escopo a expressa previsão legal quanto à devida reparação, não sendo cabível qualquer tipo de ressarcimento que não derive de disposição legal, conforme disposto por Maurício Jorge Pereira Mota em sua dissertação acerca da “Responsabilidade civil do Estado legislador no direito francês.
A ausência de um sistema tradicional de controle de constitucionalidade impede o reconhecimento da conduta culposa do legislador ou ainda da obrigação de indenizar contra a vontade da lei.
No direito francês, ainda que haja um prejuízo especial de algumas categorias, prevalece o princípio da igualdade perante os encargos públicos. Trata-se de uma responsabilidade abrandada, tendo em vista que a jurisprudência francesa recusa-se a conceder indenização quando a lei intervém para a tutela do interesse geral.
No entanto, a ausência de um controle de constitucionalidade das leis nos moldes europeus ou norte-americanos, incita a doutrina e a jurisprudência a procurar outras soluções pautadas na equidade.
Segundo Pereira Mota, a criação do Conselho Constitucional proporcionou maior tutela aos interesses da coletividade:
“Desta forma, a Constituição francesa de 1958 cria um Conselho Constitucional destinado a efetuar um controle de constitucionalidade das leis. O Conselho pode, deste modo, declarar que uma lei suscetível de causar danos especiais e anormais e que exclui a indenização viola o princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos e é, portanto, inconstitucional, gerando a obrigação do ressarcimento. Um primeiro encaminhamento nesse sentido foi tomado numa decisão de 13.12.85.
Versava a mesma sobre uma lei que permitia à TDF a instalação de equipamento destinado à difusão hetziana em edifícios altos e na Torre Eiffel. A lei limitava a reparação devida aos proprietários a certos prejuízos expressamente enumerados. O Conselho considerou que a lei aos efetuar essa limitação violou o princípio da igualdade perante os encargos públicos e determinou o ressarcimento dos danos decorrentes dos trabalhos de instalação do equipamento da TDF.”
Embora a criação do Conselho e a posterior decisão tenham consistido num considerável avanço no direito francês quanto à responsabilização civil por atos legislativos, o regime de reparação legislativa não se viu alterado.
O principio fundamental de responsabilidade extracontratual do Estado Português e das demais pessoas coletivas, constantes na Carta Magna de 1976, de acordo com Paula Rogéria Gama Santos (2007) em sua dissertação acerca da “Responsabilidade Civil do Estado pelo Ilícito Legislativo no Direito Português” foi erigido à nível constitucional através do artigo 22º. Tal dispositivo refere-se ao preceito geral da responsabilidade civil solidária do Estado e das demais entidades públicas com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes.
Assim, tendo em vista que o dispositivo supra mencionado é entendido pela maioria dos doutrinadores portugueses por abranger tanto a responsabilidade pelo ilícito culposo, como pelo licito e pelo risco, evidente que a responsabilidade civil do Estado por atos legislativos, encontra, sem hesitações, legítimo apoio legal.
No direito português, a declaração de inconstitucionalidade não elimina o problema da responsabilidade civil do Estado por atos legislativos e, no que diz respeito às situações consolidadas, que a princípio não são atingidas pelo efeito retroativo da lei declarada inconstitucional, admite-se que, nessas situações, remanescerá o direito a indenização pelos danos causados pelo ilícito legislativo.
Com relação à regra solidária do Estado com os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, constante no referido artigo constitucional, comporta algumas exceções, como a exclusão da responsabilidade do juiz pela sua decisão e a exclusão da responsabilidade dos Deputados pelos votos e opiniões que emitirem no exercício de suas funções, incluindo-se também os Deputados da Assembléia Legislativa Regional e os membros do governo. Nestes casos, a responsabilidade será exclusiva do Estado, restando assegurada a necessária liberdade e independência dos Deputados, e os direitos dos cidadãos.
A responsabilidade do referido artigo 22.º compreende a reparação de todos os prejuízos causados decorrentes da violação ilícita de qualquer direito ou interesse legalmente tutelado, incluindo-se o dano moral quando se tratar de ofensa aos direitos, liberdades e garantias, bem como compreenderá tanto os danos decorrentes diretamente da lei considerada ilícita, como aqueles advindos da concretização da norma inconstitucional pela administração, devidamente comprovada à existência do nexo de causalidade entre o fato ilícito e o dano.
Elucida ainda Gama Santos (2007):
“(…) se destaca o Acórdão de 24 de fevereiro de 1994, Processo n.º 84 355, do Supremo Tribunal deJustiça, no qual se reconheceu o direito dos Oficiais do Exército à indenização por danos materiais e morais sofridos em decorrência da função legislativa, exercida pelo Estado, que os afastou ilicitamente de suas carreiras profissionais, sem qualquer fundamento sério e válido, através do Decreto-lei n.º 309/74, de 8 de Julho.”
Por fim, dispõe ainda o ordenamento português que quando ocorrer a reparação dos danos causados pelo ilícito legislativo deve ser levado em consideração o equilíbrio das finanças públicas que, sobretudo, traduz uma limitação e não uma restrição aos direitos, liberdades e garantias.
3.5. HIPÓTESES DE RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL PELA EDIÇÃO DE ATOS LEGISLATIVOS
3.5.1. PELA EDIÇÃO DE LEI CONSTITUCIONAL
A responsabilidade do Estado pela edição de lei constitucional danosa não é bem recebida pela maioria da doutrina. No entanto, para alguns juristas, tal responsabilização torna-se possível em situações excepcionais.
A lei caracteriza-se por ser um conceito geral, abstrato e impessoal, que impõe algumas restrições à vida dos particulares com a finalidade de regular o convívio social. Quando esta lesiona demasiadamente algumas pessoas em particular, gera a responsabilização estatal independente de discussões acerca de sua constitucionalidade.
O direito à reparação, neste caso, é devido mesmo que a lei ensejadora do prejuízo seja formal e materialmente constitucional. Isso ocorre pela própria natureza do dano, que se revestirá do atributo injusto, ou seja, certo, especial e anormal, que impõe prejuízo a uma só pessoa ou a parcela identificada da sociedade.
Assim, quando a lei impõe ônus demasiados e individuais a certos indivíduos, fere-se o princípio da igualdade dos encargos sociais e tem-se, desta forma, o dano especial e anormal.
O que ocorre, neste caso, é a chamada “pseudo lei em tese” que é o comando normativo com efeitos concretos, que, embora promulgado pelo Legislativo com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo dirigido a uma só ou a um número restritíssimo e identificado de pessoas, gerando responsabilidade para o Estado independente de ser constitucional ou não.
O autor, desta maneira, reconhece que quando a lei constitucional causar prejuízo à coletividade em geral por impor restrições normativas coletivas não haverá responsabilização estatal, pois a incidência do dano será genérica, abstrata e impessoal, não ultrapassando os limites dos encargos normativos e, portanto, não se aplicando os princípios que informam o instituto da responsabilidade pública. Esse será o caso da “lei em tese”, conforme denomina o jurista, e que para a doutrina é tese justificativa da irresponsabilidade do Estado por leis constitucionais lesivas.
Cretella Junior (1983, p. 26) assim sintetiza seus ensinamentos:
“Tanto lei constitucional danosa como a inconstitucional danosa podem causar danos. Os danos podem atingir todos os destinatários da lei ou podem incidir sobre diminuto número de cidadãos. Se a lei constitucional danosa causar danos a seus destinatários, in genere, o Estado é irresponsável, porque o prejuízo se reparte por todos. Se causar danos a um só, ou a restritíssimo número, deixa a lei constitucional de ser “lei em tese” para erigir-se em ato administrativo e, nesse caso, o atingido pode recorrer aos Tribunais, mediante os adequados remédios jurídicos.”
Di Pietro (2004, p. 556) também segue esse entendimento. A autora assevera que:
“Com relação às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas determinadas, incide a responsabilidade do Estado porque, como elas fogem às características da generalidade e abstração inerentes aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de considerações sobre a sua constitucionalidade o não.”
Nesse sentido, Cahali (1996, p. 44) menciona como situações mais freqüentes com grande discussão doutrinária, o caso do particular que sofre supressão ou diminuição das vantagens econômicas que desfrutava por revogação ou modificação do ato legislativo que as asseguravam; e a interdição de certa atividade dos particulares pelo Estado por monopólio industrial ou comercial, causando-lhes sofrimento com sua privação.
Ademais, algumas leis, prevendo os prejuízos que suas disposições ocasionarão às pessoas, de plano dispõem em seu texto previsão atenuante a seus efeitos, que tem por objetivo a presciência de indenização. Contudo, tal preceito normativo não impede o ajuizamento de ação ressarcitória, haja vista que para a liquidação do dano é indispensável à apuração de todos os prejuízos que sofreu o cidadão, direta e pessoalmente.
Igualmente, a ação que busca a indenização fundada na própria lei tem o desígnio de tão somente prestigiar a irresponsabilidade do Estado, vez que isentaria a responsabilidade em caso de não existir previsão expressa para tanto. Essas disposições indenizatórias, no mais das vezes, também limitam a indenização, ofendendo o direito ao devido ressarcimento de quem prejuízos sofreu.
Deste modo, mesmo que prescrita na lei a possibilidade de indenização, esta se dará com base nas disposições constitucionais, que não a limitam a qualquer teto, devendo albergar exatamente o valor dos prejuízos e compensações.
3.5.2. EM VIRTUDE DE DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DIPLOMA LEGAL
A lei inconstitucional danosa é para a maioria doutrinária a única causa aceitável de responsabilidade estatal por atos legislativos.
Tal concepção fundamenta-se no preceito de que editando leis inconstitucionais o Poder Legislativo está agindo ilegalmente, principalmente quando essas leis causam danos aos particulares. Desta forma, a responsabilidade do Estado por leis inconstitucionais baseia-se no princípio da legalidade.
Lei inconstitucional é, portanto, a lei que no todo ou em parte ofende a Constituição Federal, podendo ser federal, estadual ou municipal. A contrariedade pode ocorrer através de seu conteúdo normativo ou por ofensa ao processo de edição normativa em algum determinado momento, desde a iniciativa até a promulgação ou sanção.
Para a configuração da responsabilidade estatal por lei inconstitucional danosa basta à contrariedade à Carta Magna, com a declaração prévia de inconstitucionalidade, o dano e a comprovação do nexo causal entre referida norma e o dano, não sendo exigível, no entanto, o dão especial e anormal como no caso de lei constitucional.
Consoante os ensinamentos ministrados por José de Aguiar Dias (1960, p. 679), "assim, podemos reconhecer a responsabilidade do Estado pelos danos causados pela lei nula, inconstitucional ou inválida, porque temos um regime que nos permite impugná-la", mais a frente complementando, "isso (…) porque o ato da autoridade não pode contravir aos mandamentos constitucionais. Se o faz e do seu ao resulta danos ou lesão, o Estado é obrigado a repará-lo".
Segundo o sistema de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil, a repressão às normas incompatíveis com a Regra Máxima pode ocorrer dar tanto no controle concentrado, realizado pelo Supremo Tribunal Federal, como no controle difuso, onde qualquer juízo tem o poder de afastar a aplicação da norma por entendê-la contrária à Constituição Federal.
Todavia, conforme predominante entendimento doutrinário é necessário a declaração da inconstitucionalidade pelo Judiciário.
Essa declaração deve ser feita pelo tribunal competente e pode ocorrer antes ou no decorrer do processo de indenização, mas nunca nos mesmos autos. É necessário, por conseguinte, uma declaração judicial específica e não uma simples recusa de aplicação de lei no caso concreto para evitarem-se ações diretas de indenização com declaração incidente de inconstitucionalidade que não se coadunam com a sistemática constitucional e processual vigente.
Parte da doutrina, um pouco que impetuosa, afirma que a declaração da inconstitucionalidade é de todo desnecessária ao ajuizamento da ação indenizatória, vez que a responsabilidade legislativa dá-se de forma objetiva, o que a faz se sujeitar, assim, à existência do dano e do nexo causal deste com a lei que lhe deu causa.
Ressalta-se ainda a utilidade de se qualificar a responsabilidade estatal como objetiva, vez que, se subjetiva fosse, além da declaração da inconstitucionalidade da lei, dever-se-ia evidenciar, cumulativamente, a existência de culpa por parte do legislador.
Destarte, frisa-se, por meio das lições de Diniz (2005, p. 642) que "para obter o ressarcimento do Estado não será mister averiguar a constitucionalidade ou não do ato legislativo, bastará comprovar o dano e o nexo causal".
3.5.3. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
A responsabilização do Estado pelos danos causados aos particulares, mediante leis consideradas inconstitucionais, entende a maioria doutrinária, ter como pressuposto prévio, a chamada declaração de inconstitucionalidade. Provêm do controle de constitucionalidade existente nos países que possuem Constituições rígidas, ou seja, aquelas que prevêem para sua modificação um procedimento legislativo mais rigoroso do que o estipulado para as leis ordinárias, assim como no Brasil, onde os atos normativos devem ser editados de acordo com o que instrui a Carta Magna.
São duas as formas de controle de constitucionalidade existentes no ordenamento jurídico pátrio. A primeira é conhecida como controle preventivo, que pode ocorrer antes ou durante o processo legislativo. Assim, num primeiro momento, os legisladores devem analisar a regularidade do projeto de lei compatibilizando-o com o texto constitucional. Em seguida, o projeto é submetido à análise pela Comissão de Constituição e Justiça, que dentre outros fins, busca verificar a adequação do projeto de lei ou de emenda constitucional à Constituição Federal. Por fim, no final do processo legislativo, o projeto é encaminhado ao Presidente da República que pode vetá-lo por inconstitucionalidade.
A segunda forma de controle de constitucionalidade é chamada de controle repressivo e é desempenhado juntamente ao Poder Judiciário. O controle repressivo processa-se por duas vias: a difusa, também conhecida por indireta, de exceção ou de defesa; e a concentrada, também chamada de direta, de ação ou de controle abstrato.
A via difusa consiste na argüição de inconstitucionalidade de um ato normativo dentro de um processo judicial comum. Desta forma deve existir um caso concreto em que o interessado peça a prestação jurisdicional para resistir à incidência da norma. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade somente se operam entre as partes e o foro competente para a discussão da medida é o ordinário, provocado através dos meios legalmente disponibilizados aos indivíduos.
Assim, ressalta-se que para a via difusa a declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário deverá ser sempre pressuposto para julgamento de mérito do pedido.
A via de controle concentrado processa-se por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), da ação declaratória de constitucionalidade (ADECON) e pela argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Nesta via de controle, o questionamento advém da compatibilidade ou não de lei ou ato normativo dotados de generalidade e abstração com um dispositivo constitucional que lhe sirva de parâmetro.
Neste contexto, pertinente a abordagem de Moraes (2001, p. 615):
“Em relação a amplitude dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a regra geral consiste em que a decisão tenha efeito erga omnes, decretando-se, conforme já analisado,a nulidade total de todos os atos emanados do Poder Público com base na lei ou ato normativo inconstitucional. Além disso, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma acarreta a repristinação da norma anterior que por ela havia sido revogada, uma vez que norma inconstitucional é norma nula, não subsistindo nenhum de seus efeitos.”
Assim sendo, o único foro competente é o Supremo Tribunal Federal, a legitimidade ativa é atribuída à indivíduos determinados, constantes em rol exaustivo previsto na Carta Magna, e a conseqüência da declaração de inconstitucionalidade, como já visto, tem efeito erga omnes.
3.5.4. EM RAZÃO DE OMISSÃO LEGISLATIVA
Poderá ocorrer a omissão legislativa a partir do momento que a edição de uma lei possui previsão constitucional, com ou sem prazo, com a finalidade de conceder aplicabilidade ao direito previsto na regra geral, ou quando, simplesmente um direito subjetivo deixa de concretizar-se pela carência de norma que o discipline.
As normas constitucionais que estão sujeitas à edição normativa ordinária futura, para constituírem eficácia plena, são chamadas normas constitucionais de eficácia limitada. Tais normas podem dispor ou não do prazo para a edição da lei regulamentadora, a qual pode ser reclamada por meio de mecanismos hábeis ao combate da inconstitucionalidade por omissão, inseridos na própria Constituição Federal, a saber: o mandado de injunção, no controle difuso; e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no controle concentrado.
Tendo em vista a previsão em norma geral de direito subjetivo do cidadão, a mera omissão legislativa regulamentar já configura o dano, sendo dispensável a investigação acerca da culpa administrativa.
No tocante ao momento da configuração da lesão, entende-se que, quando existe mandado de injunção, a responsabilidade configura-se quando o legislador, ainda que citado, permanece em mora e quando há prazo previsto em lei para a elaboração da norma. Assim, tem-se que a não observância de tais preceitos e a efetiva existência de danos concretos provenientes dessa situação tornam possível a responsabilização estatal.
Caso não exista previsão legal do prazo para a elaboração legislativa, deixa-se à discricionariedade do legislador a época devida da produção legislativa, ficando difícil sustentar a tese da responsabilidade estatal por omissão legislativa.
O artigo 103, § 2º, da Carta Magna prevê certos efeitos para os órgãos estatais quando ocorre a declaração de inconstitucionalidade por omissão para tornar efetiva norma constitucional sem eficácia imediata. A aludida norma dispõe que uma vez declarada à inconstitucionalidade, será dada ciência ao poder competente para adoção das medidas cabíveis e, se for autoridade administrativa, haverá prazo de trinta dias para a resolução dos problemas. Quando não exercidas as regras determinadas ao caso, ficando inerte o aparelho estatal ou recusando-se a fazê-lo, nasce a possibilidade de responsabilização do Estado por omissão legislativa, com a conseqüente obrigação de indenizar o lesado, que terá a faculdade de tomar as medidas judiciais admissíveis.
3.6. AÇÃO REGRESSIVA DO ESTADO
Quando ocorre a reparação do Estado em favor do lesado, dispõe a norma que este, posteriormente, volta-se, em direito de regresso, contra o agente que praticou o dano, nas hipóteses em que este tenha atuado com culpa.
O direito de ação regressiva previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, caracteriza-se pelo poder-dever do Estado de exigir e recuperar do funcionário faltoso, que tenha atuado com dolo ou culpa e assim acarretado dano a outrem, a quantia desembolsada para a indenização do particular.
Para propor a ação regressiva é necessário que exista condenação anterior do Estado a indenizar a vítima e que tenha havido culpa ou dolo do servidor devidamente identificado. Desta maneira, admite-se que a responsabilização do funcionário e conseqüentemente ação regressiva, tem caráter subjetivo ao contrário da responsabilização do Estado que, conforme teoria predominante é objetiva.
A responsabilização do funcionário causador do dano, a partir de ação regressiva, é questão pacífica e garantida constitucionalmente no Brasil. Todavia, o problema consiste na possibilidade ou não da ação regressiva no caso de atos legislativos lesivos, pois além da dificuldade em identificar o culpado, na grande maioria dos casos, há ainda a questão da imunidade parlamentar, enfatizada pela disposição contida no artigo 53 da Constituição Federal, onde "os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos".
Afirmam alguns doutrinadores, que a ação regressiva dentro do contexto da responsabilidade estatal por ato legislativo nocivo não é admissível. Justificam seus entendimentos assegurando ser impossível identificar e individualizar o agente causador do dano, pois a elaboração e a edição normativa são atos complexos realizados por órgão colegiado, dentro dos limites estabelecidos por lei.
Destarte, ainda que o parlamentar apresente projeto de lei que, posteriormente, venha a ser transformado em lei prejudicial, jamais será responsável pessoalmente pelos danos ocasionados aos cidadãos, ensejando exclusivamente, a responsabilidade do Estado.
A lei, considerada ato complexo, qualificado por Diniz, (2005, p. 643) como aquele onde "ocorre fusão de vontades ideais de vários órgãos, que funcionam, destarte, como vontade única para formação de um ato jurídico", não há como se responsabilizar, de igual forma, integrantes de comissões do Poder Legislativo ou parlamentares que favoravelmente tenham se manifestado à aprovação da lei lesiva.
A imunidade parlamentar é um direito instrumental de garantia de liberdade de opiniões, palavras e votos dos membros do Poder Legislativo, bem como de sua proteção contra prisões arbitrárias e processos temerários. Tal prerrogativa é inerente a função exercida pelo parlamentar e não a sua figura em si.
Para a melhor aplicabilidade da democracia, a imunidade torna-se fator imprescindível, significando verdadeira condição de independência e autonomia do Poder Legislativo. Por meio dela é possível a ideal representação dos interesses da nação, sem qualquer desrespeito ao princípio da igualdade, levando em consideração justamente, ser esta condição de subsistência da democracia e do próprio Estado de Direito.
A imunidade parlamentar é dividida em formal e material. A formal é aquela através do qual é garantida ao parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou, ainda, a possibilidade de sustação de ação penal por crimes praticados após a diplomação. A material garante a inviolabilidade civil e penal de deputados e senadores por quaisquer opiniões, palavras e votos proferidos nos exercício de suas funções. Nessa isenção inserem-se os crimes de opiniões, sobre os quais os parlamentares jamais responderão.
Na Constituição Federal Brasileira o artigo 53, prevê imunidade parlamentar material, necessária para o livre desempenho do ofício legislativo e para evitar desfalques na integração do respectivo quorum necessário para a deliberação.
Sobre a magnitude da imunidade parlamentar Moraes (2001, p. 395) discorre que:
“Independentemente da posição adotada, em relação à natureza jurídica da imunidade, importa ressaltar que da conduta do parlamentar (opiniões, palavras e votos) não resultará responsabilidade criminal, qualquer responsabilização por perdas e danos, nenhuma sanção disciplinar, ficando a atividade do congressista, inclusive, resguardada da responsabilidade política, pois trata de irresponsabilidade geral de Direito Constitucional material”.
Enfatize-se que, não obstante de ordem pública e irrenunciável, a imunidade parlamentar nada mais é do que uma total irresponsabilidade parlamentar funcional pelos votos emitidos ou pelas palavras pronunciadas no Parlamento ou em uma de suas comissões. Com a concessão da mais ampla liberdade de manifestação por meio de palavras, discussões, debates e votos aos congressistas, o que não justifica a impossibilidade de ação regressiva no caso de lei danosa editada com culpa ou dolo.
Porém, no Brasil, com o advento da Emenda Constitucional nº 35 de 20 de dezembro de 2001, acrescentaram-se as expressões: civil e penalmente, à previsão constitucional da imunidade parlamentar. Com tal alteração acirraram-se as discussões sobre o tema e alguns doutrinadores passaram a entender inaceitável a responsabilidade civil dos agentes políticos sob quaisquer aspectos, o que tornou ainda mais controversa a questão da ação regressiva.
3.7. REPARAÇÃO DO DANO LEGISLATIVO
No exercício da função legislativa, a reparação do dano deve ser considerada sob a ótica dos prejuízos causados diretamente pela edição do texto legal, como ocorre no caso de norma que, embora geral, acaba atingindo pessoas determinadas.
No caso de prejuízos causados diretamente pelo documento legal exige-se que a própria lei tenha fixado, de modo expresso ou tácito, o pagamento do ressarcimento, ou que o juiz supra tal fixação, caso o legislador não tenha determinado a indenização ou tenha se omitido.
Na hipótese de silêncio legal, conforme ressalta Cretella Junior (1983, p. 29), vigoram as seguintes regras para a indenização:
“a) Não se concede indenização, se a atividade proibida era imoral, ilícita ou contrária ao interesse público:
b) Não se concede indenização, a não ser que o prejuízo, por sua especificidade ou gravidade, ultrapassou a média dos sacrifícios impostos pelo texto em questão; e
c) Não cabe indenização se o sacrifício imposto pelo legislador tem por objetivo o interesse nacional.”
No entanto, ainda assim caberá reparação se a imposição de sacrifício a interesses particulares foi feita pela lei com o desígnio de beneficiar outros interesses privados.
Quando se trata de indenização originada por medidas administrativas, como regulamentos e decretos adotadas com a finalidade de dar concretude à lei não há responsabilidade do Estado por atos legislativos em si, mas sim do Estado como um todo que no exercício da função administrativa regulamentar causou prejuízo a outrem.
Neste sentido, sendo as medidas legais consideradas parte do texto legal, mas não tiverem sido determinadas pelo legislador, devem ser consideradas como atos discricionários da administração, cabendo ao prejudicado pleitear a reparação.
Diante dos estudos ora realizados, tem-se que a responsabilidade civil é instituto que, por sua definição, enseja a um indivíduo, que cause prejuízos a outrem, a obrigação de repará-lo. Contudo, existem situações em que o infrator ver-se-á isento de mencionado dever, haja vista as hipóteses que prevêem as excludentes de responsabilidade tais como o caso fortuito, de força maior, e culpa da vítima, exclusiva ou mitigada na proporção em que esta tenha proporcionado causa ao evento danoso.
Por meio da evolução deste instituto, o Estado também passou a ser exposto à responsabilidade civil, sendo abandonada, desta forma, a teoria da irresponsabilidade estatal. Num primeiro período, o Estado só era responsabilizado por seus atos de gestão, ou seja, quando agia como o particular, permanecendo imune quanto aos titulados atos de império. Esta teoria, conhecida por civilista, com o decorrer do tempo, evoluiu para a teoria publicista, segundo a qual o Estado obrigava-se sempre e diretamente pelos atos de seus agentes.
Atualmente, a responsabilidade do Estado encontra-se preconizada na Constituição Federal, no artigo 37, parágrafo 6º. Desta maneira, e diante de tal dispositivo legal, entende a maioria doutrinária que quanto à responsabilidade estatal aplica-se às teorias do risco administrativo e do dano objetivo.
Assim, como anteriormente exposto, os atos legislativos são aqueles emanados pelo Poder Legislativo, que se configuram na edição de normas que passem pelo procedimento constitucionalmente estabelecido para tanto. Ocorre que, sendo a responsabilidade civil do Estado incidente sobre todos os atos do Poder Público, quanto aos oriundos do exercício da função legislativa tal responsabilidade é reconhecida apenas em caráter de exceção, visto que é alvo de inúmeras controvérsias.
Contudo, os argumentos para a isenção do dever estatal de indenizar quando houver danos causados ao particular pelo exercício da função legislativa não devem prosperar, pois a soberania estatal não significa que o legislador está acima da lei. De modo adverso, o agente político, assim como os demais cidadãos, deve respeitar os limites da Constituição Federal.
A partir da insuficiência de previsão legal específica para regulamentar o dever de indenizar do Estado por atos legislativos danosos, fixa-se por edificação doutrinária e jurisprudencial a responsabilidade estatal por leis inconstitucionais como regra, exigindo-se como condição fundamental a prévia declaração de inconstitucionalidade.
De tal modo, diversas são as ressalvas que devem ser explanadas, tendo em vista a responsabilidade estatal por atos legislativos em virtude da previsão constitucional apontada.
Primeiramente, necessário exaltar que o Estado é responsável por todos os atos advindos das condutas praticadas por seus agentes, no exercício de suas funções, que possam ensejar danos aos particulares, indiferentemente do Poder a que estejam vinculados.
Consoante declinado, nenhum dos argumentos favoráveis à antiquada teoria da irresponsabilidade tem base jurídica e lógica o suficiente para serem consideradas.
Destarte, responderá o Estado pelos atos legislativos, quando estes forem inconstitucionais ou por sua falta de abstração e generalidade virem a causar danos a uma ou mais pessoas. Além disso, ensejarão a devida responsabilidade estatal, quando ocorrerem às omissões legislativas quanto a direitos instituídos constitucionalmente, bem como o ato legislativo constitucional, desde que provoque dano injusto a qualquer cidadão.
Porém, para a caracterização da responsabilidade estatal, imprescindível se fará o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo indivíduo e a lei assinalada como causadora de tal prejuízo.
Com relação a imunidade parlamentar conclui-se que é uma prerrogativa parlamentar para uma atuação livre, e não imunidade absoluta ou descompromisso com a ordem constitucional, portanto, não podendo ser utilizada como meio para isenção de responsabilidade tanto estatal como, no caso de ação regressiva, do agente, devidamente identificado e individualizado, que tenha agido com culpa ou dolo.
O Poder Público é uno e indivisível, sendo somente dividido em poderes específicos para uma maior eficiência no desempenho de seus serviços à medida que os órgãos vão se especializando. Então, não há razão alguma para isentar de responsabilidade o Estado pelo exercício da função, que provém de um mesmo núcleo.
O Estado como guardião dos interesses igualitários deve zelar pela edição de normas que tenham como pressuposto a melhoria da ordem e da pacificação social sem causar danos a pessoas determinadas.
A responsabilização do Estado por atos do Poder Legislativo, em sua atribuição natural que é a de editar leis, é apenas um detalhe no contexto do aperfeiçoamento das funções estatais que se almeja alcançar na infatigável busca pelo crescimento e fortalecimento de um país cada vez mais democrático, humanitário e justo.
Informações Sobre o Autor
Karine Nunes de Brito
Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Recursos Humanos