Resumo: O presente trabalho tem como objetivo discutir a questão da responsabilidade civil do Estado pela feitura de leis inconstitucionais especificadamente. Para tanto utilizamos de teorias alargadas pelo direito administrativo e alguns conceitos dissipados pelo direito constitucional, enfocando nas ações de competência originária do STF que suscitam a discussão em voga. Almeja-se considerar os princípios da supremacia do interesse social e da segurança jurídica, sob a égide da proporcionalidade, para a proteção do Estado ante ao locupletamento por particulares, todavia sem deixar de considerar a hipossuficiência destes quando se deparam com iminente lesão em virtude de lei inconstitucional. [1]
Palavras-Chave: Responsabilidade civil. Lei inconstitucional. Interesse Social. Segurança Jurídica. Proporcionalidade.
Abstract: The present work aims to discuss the point of State’s civil responsibility by the creation of non constitutional laws specially. For those, we use the theories expanded by administrative law and some concepts from constitutional law, attempting to the actions which are of exclusive competence of STF that improves this discussion. We hope to consider the principles of social supremacy and safety law, under the proportional principle, for the protection of State face to irregularities practiced by particulars, however without let to consider the less sufficient of this when some lesion appears from the non constitutional laws created.
Key-Words: Civil Responsibility. Non constitutional law. Social Interest. Safety law. Proportionality.
Sumário: 1. Intróito; 2. Responsabilidade Civil – Breves comentários; 3. A Constituição Federal e responsabilidade estatal; 4. A Teoria da Culpa Administrativa no Direito Brasileiro e a Teoria do Risco; 5. Responsabilidade do Estado por lei inconstitucional; 6. Considerações Finais; 7. Referências Bibliográficas.
1 – Intróito
Inovação trouxe a carta de 1988 em relação à responsabilidade do Estado, o que nos faz perceber a adequação do tema com o direito administrativo, pelo qual emprestamos princípios e do direito constitucional de onde retiramos fundamento de aplicação (artigo 37, §6º da CF).
O presente trabalho tem por escopo dissertar acerca da abrangência da responsabilidade civil do Estado no que toca a feitura de leis inconstitucionais, mas ainda, promover proveitosa discussão acerca das teorias do risco administrativo a que deriva o âmago do mesmo. Fala-se, pois, em responsabilidade do poder legislativo pela edição de atos desconformes com o texto magno, cujo fundamento lograremos elucidar através de profícua reflexão nos princípios da supremacia do interesse público e segurança jurídica que consubstanciam a responsabilidade civil objetiva – no risco administrativo relativo, como assim o definimos.
2 – Responsabilidade Civil – Breves comentários
Responsabilidade civil assenta-se em três pressupostos: o dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano (GONÇALVES, p.4, 2007).
Tem-se por correto o entendimento de que o termo responsabilidade indica, num primeiro momento de análise, reparação pelo dano causado. Desde já podemos emprestar do direito das obrigações a responsabilidade que age como a resposta do patrimônio do devedor pelo inadimplemento do compromisso firmado. Saliente-se, porém, que a responsabilidade civil assume papel muito mais amplo, visto que considera não somente o constrangimento do patrimônio do pólo passivo – devedor – como também leva em conta o dano, como ilicitude e o nexo de causalidade à contrario sensu do primeiro conceito – da relação obrigacional – que tão somente é acionado quando se dá o não cumprimento da prestação ora acordada, retro.
“Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil” (GONÇALVES, p.1, 2008).
É sobre esta última que iremos nos debruçar no decorrer deste trabalho em sede das implicações em razão da feitura de atos inconstitucionais – desde que assim declarados pelo judiciário – e a possibilidade de reparação pecuniária proveniente destes.
3. A Constituição Federal e a responsabilidade estatal
No artigo 37, §6º da CF/88 vemos claramente que o legislador constituinte preferiu prever a possibilidade de o Estado reparar eventuais danos causados a terceiros, por seus agentes, salvaguardado o direito de regresso.
“Para a realização das funções que lhe são próprias e desenvolvimento de suas atividades, o Estado desdobra-se em organismos e órgãos, estruturando-se segundo uma aparelhagem complexa, sem prescindir contundo do elemento humano, da pessoa física, na execução daquelas tarefas: são seus agentes […], seus prepostos, aos quais delega atribuições ou poderes para agir, de tal modo que os atos por estes praticados representam atos da própria entidade pública” (CAHALI, p.356, 1984).
Não adotou, por outro lado, a teoria do risco integral, visto que a exegese do referido dispositivo permite à jurisprudência e à doutrina comportarem-se de forma alternativa. Se seguíssemos tal conjectura, não haveria sequer meios do Estado eximir-se do pagamento total ou parcial de indenização, já que quaisquer atos praticados pelos seus agentes (lato sensu) – em razão do serviço – seriam considerados suficientes para a responsabilização civil (cumpre anotar, desde logo, que o termo agente disciplina toda o funcionalismo público, ensejando-lhe, tão logo, a devida extensão interpretativa com exclusivo intento de alcançar, objetivamente, a responsabilização estatal).
Em contrapartida, aceita a modalidade do risco administrativo em sede de responsabilidade objetiva do Poder Público. “Desse modo pode ser atenuada a responsabilidade do Estado, provada a culpa parcial e concorrente da vítima, e até mesmo excluída, provada a culpa exclusiva da vítima (GONÇALVES, p.133, 2008)”.
Neste diapasão, Hely Lopes Meirelles citado por Carlos Roberto Gonçalves anota, em referência jurisprudencial:
“Assim, se o risco administrativo não significa que a indenização sempre será devida, pois não foi adotada a teoria do risco integral, e se a culpabilidade da vítima está reconhecida e está, quanto ao ofensor, afastada a ilicitude do fato, a douta sentença merece ser mantida. É que, enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o ‘quantum da indenização’” (MEIRELLES apud GONÇALVES, p.133, 2008).
Concordamos em acatar a teoria do risco objetivo, nos moldes do arrojo administrativo. Não seria cabível admitirmos que todo e qualquer ato praticado por agente público, seja em âmbito administrativo, legislativo ou jurisdicional, em caso de dano a terceiros, ver-se atribuído responsabilidade independente das circunstâncias do fato. Mesmo entendimento prorroga-se às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços ao Estado – não há que se falar em distinção, posto que uma vez que o Estado a aceita como prestadora de serviços, acorda expressamente em responsabilizar-se por seus eventuais danos, visto que o serviço ora prestado, deveria ter sido produzido por órgão diretamente estatal ou para-estatal (BANDEIRA DE MELLO, 2001).
A consideração, portanto, da relativa ou total culpa da vítima no fato ora danoso se coaduna com a perspectiva da supremacia do interesse público, visto que em caso contrário ver-se-ia facilidade do terceiro em se aproveitar da brecha legal a fim de que pudesse haver do Estado indenização não devida. O conceito neste caso protege o Estado de tentativas de locupletamento em benefício de particulares.
4. A Teoria da Culpa Administrativa no Direito Brasileiro e a Teoria do Risco
A teoria da culpa administrativa reside na esteira da responsabilidade civil do Estado. Tem, por convenção doutrinária e jurisprudencial, entendimento de que o termo “responsabilidade” abarca além dos três elementos supracitados, outros como: a imperícia, imprudência e a negligência do agente público. Há que se falar ainda, no quesito da previsibilidade – possibilidade que o funcionário público teria de antever o dano e fazer o possível para evitá-lo, mas que não o fez (CRETELLA, p.299, 1998).
“Na raiz de todo caso, que envolve a culpa administrativa, está o ato do homem a quem se atribui o dano, o que empenhará a responsabilidade do agente ou da Administração por ato danoso do próprio funcionário. Os serviços públicos funcionam mediante providências dos agentes administrativos. Em atividade, causam danos atribuídos aos esforços que lhe determinaram o dinamismo, ou à inércia que lhes impediu o poder destrutivo” (CRETELLA, p.302, 1998).
O que vale considerar na teoria da culpa administrativa é que, como dito em outro momento, o Estado é divido em “pedaços” sendo que cada parte destas exerce função específica ou se completa em relação às demais. Tais repartições, por assim dizer, ainda que dotadas de personalidade jurídica – pois são pessoas jurídicas de direito público (artigo 41 do Código Civil), são compostas por seres humanos, portanto, pessoas físicas. A substância que lhes é apresentada é da eminente presença dos serviços humanos no desempenho da atribuição pública designada. No âmbito legislativo, jurisdicional ou administrativo, observa-se a pessoalidade nas ações voltadas a um interesse, acima de tudo, coletivo, mas que estão sujeitos a erros. Erros estes que estão na previsibilidade objetiva do artigo 37, §6º da Constituição Federal, ao asseverar a responsabilidade de restituição por danos causados a terceiros quando fruto de seus atos, praticados pelos seus agentes.
O intuitu personae, torna as organizações sujeitas a inesperadas lesões à terceiros. O objeto de estudo, por conseguinte, vislumbra-se na necessidade do Estado bem treinar seus agentes, preparando-os para o exercício pleno e consciente – admite-se aqui as implicações especiais dos cargos, como cargo policial, por exemplo – a fim de que desenvolvam o sentimento de previsibilidade, visto que estão em qualidade excepcional e respondem por ações que podem atingir um grande número de pessoas.
Daí o motivo de falarmos exaustivamente em responsabilidade do Estado. O funcionário público, agente, muitas vezes pode não ter noção da extensão das suas ações no meio social, nas relações intersubjetivas que participa. Por esta razão, sabiamente o texto constitucional previu tal hipótese, única e exclusivamente pelo dever do Estado conscientizar seus membros, através do treinamento compulsório para o exercício de suas atividades. Neste caso teríamos um funcionalismo público menos deficiente, no que tange ao cometimento de erros, mesmo sem dolo nas relações cotidianas. Não pretendemos, aqui, retirar a visibilidade de culpa do agente público, em virtude da omissão estatal em dar-lhe subsídios para tanto prever a situação danosa, como impedi-la quando inevitável, mas sim para atentar para uma questão de notável proeminência: o treinamento dos agentes públicos.
Poderíamos indagar daquelas situações onde, por exemplo, os acidentes, os atos danosos a terceiros seriam provocados não por imperícia, imprudência ou negligência do agente, tampouco previsibilidade, mas sim por seu expediente ardil e malicioso em provocá-lo. Neste caso, evidente que a teoria, supra, sofre a relativização cabível, residente esta na comprovação do dolo daquele que provoca a lesão através da ação regressiva – onde o Estado terá o direito de regressar ao agente em busca da indenização paga por ele, a fim de restabelecer o que deveria ser, inicialmente, pago por quem cometeu o dano.
A teoria do risco, em ainda consonância, assenta-se na objetividade enquanto a culpa que a acompanha na subjetividade de quem o pratica. A culpa é vinculada ao ser humano, o risco ligado ao serviço, à coisa, à empresa, ao aparelhamento (CRETELLA, p.302, 1998).
A partir desta consideração, nesta mesma esteira conceitual, o Estado como uma grande empresa, formada, como dito, por pessoas imersas na evidente subjetividade de seus atos tem por escopo a promoção do bem-comum – salus populi suprema lex est – estriba-se, pois, o dano eventualmente causado (por um de seus funcionários ante à impossibilidade de enxergarmos o nexo de causalidade), na inerência da atividade. Ou seja, uma vez considerado um serviço prestado pelo poder público, em suas múltiplas funções e setores, a averiguação do dano inclina-se à saber se àquele órgão provocou o dano, não importando, para a vítima, saber exatamente quem o motivou. Cabe, portanto, à vítima ingressar com ação em face do Estado e a este, procurar saber quem lhe provocou prejuízo e alegar, em ação regressiva, o então dolo ou culpa do agente, se de fato for possível ou se mesmo existir por parte deste.
5. Responsabilidade do Estado por lei inconstitucional
Para adentrarmos neste assunto mister perpassarmos por duas espécies de controle de constitucionalidade, a fim de esclarecermos, em caráter breve e meramente propedêutico, a forma com que as leis são declaradas inconstitucionais no contexto brasileiro.
Num primeiro momento temos em destaque o controle concentrado de constitucionalidade exercido por apenas alguns legitimados presentes no hall taxativo do artigo 103 da Constituição Federal. O controle concentrado[2] ou abstrato é exercido através de duas ações merecedoras de especial destaque: ação direta de inconstitucionalidade[3] e ação declaratória de constitucionalidade e a suscitação sobre a constitucionalidade da lei é o pedido principal. Em sede destas ações, observa-se a não conformidade do texto legal ou normativo-dispositivo com a carta constitucional de 88. A competência originária de julgamento destas se dá no Supremo Tribunal Federal e busca-se a declaração de que aquela espécie normativa é inadequada ante o contexto da compleição vigente.
Por outro lado, o controle difuso de constitucionalidade, exercido pela via de exceção ou incidental é desempenhado por qualquer órgão jurisdicional, desde que presentes os requisitos de competência de cada um (LENZA, 2009). Aqui existe em primeiro lugar um caso concreto, cujo fundamento de alegação, do autor, é a declaração de inconstitucionalidade de certa lei, dispositivo em específico ou outra, que torne o seu pedido válido e, portanto, cabível em termos processuais.
Quando falamos em responsabilidade civil do Estado por feitura de lei inconstitucional, estamos mencionando em especial a responsabilidade do poder legislativo, pois é de sua competência a criação de normas. Por este motivo, visto à tão importante tarefa de corporificar o direito – ante a necessidade premente daquela normatização – o poder legislativo deveria, de fato, procurar entender as implicações jurídicas de determinados atos. Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal existe a chamada Comissão de Constituição e Justiça, responsável pela revisão e verificação do ato normativo criado, nestas casas, em face da Constituição Federal – parece que não tem logrado muito êxito.
Não obstante, em sede de controle difuso é que podemos averiguar a real responsabilidade do Estado por lei inconstitucional. Neste contexto, devemos considerar que para a hipótese levantada não houve, ainda, o controle concentrado da lei que será usada como fundamento na ação de primeira instância, por exemplo. Por esta razão, alegar-se-á o pedido da ação na inconstitucionalidade de determinada lei, para o não cumprimento de certo ato, por exemplo, ou como fundamento de um ressarcimento em face do Estado.
Em caráter objetivo, o particular poderá ser prejudicado por lei notavelmente inconstitucional, o que no caso concreto acarretar-lhe-ia dano real. Se em virtude disto chegar até o conhecimento do STF, em sede de recurso extraordinário, e este declarar a inconstitucionalidade da referida lei, ou ato normativo, dando – via de regra efeito ex tunc (retroativo) – à decisão, no âmbito inter partes, exaurir-se-á possibilidade de maiores prejuízos, já que a indenização ou ressarcimento poderá ter sido argüido em caráter principal sendo, pois, subsidiária a inconstitucionalidade ora avençada.
Lembremos que no controle difuso, em qualquer instância, não é principal a questão constitucional e sim outro pedido, ainda que a substância da causa de pedir e da possibilidade jurídica deste encontrarem-se intimamente ligada à suscitação de inconstitucionalidade daquele.
Cabe ressaltar que tal decisão só teria efeito para aquele caso e, a menos que seja comunicado ao Senado Federal (art.52, X, CF) sob àquela inconstitucionalidade, que os demais particulares lesados poderiam adentrar em demanda similar à primeira, havendo, por conseguinte, em se falar em responsabilidade civil do Estado coletiva, ao ponto que é difícil, porém pode acontecer de uma lei declarada inconstitucional em controle difuso ter prejudicado apenas uma pessoa. Neste caso não haveria sequer que se falar em comunicação ao Senado para suspensão, ou não, do referido dispositivo.
Dependem, os demais particulares (não atingidos pela declaração inicial de inconstitucionalidade – desde que todos prejudicados por aquela lei), da resolução do Senado Federal que suspende a norma declarada inconstitucional pelo STF para argüir seu ressarcimento ou indenização? Entendemos que não, visto que o efeito erga omnes e ex nunc do poder garantido constitucionalmente ao Senado não influi na pretensão do lesado em cobrar os prejuízos, posto que valha, para tanto, o posicionamento do poder judiciário, personificado, em máxima no STF formando, destarte, entendimento jurisprudencial que pode consubstanciar os pedidos.
Temos aqui que entender diferentes situações:
1) É declarada inconstitucional lei ou ato normativo federal, pelo STF, que tenha prejudicado determinado particular. Em sede de recurso extraordinário, este particular, consegue afastar a aplicabilidade da lei por ele invocada como argumento, para ver-se ressarcido de algum prejuízo que esta tenha lhe causado. Nesta hipótese o efeito é o ex tunc (regra).
2) Se porventura outros particulares, com mesma pretensão, mas que ainda não tiveram suas ações julgadas pelo pleno (art. 97 da CF) do STF e, assim, estiverem nas instâncias inferiores, e já tiver sido observado precedente na corte máxima daquela matéria e, valendo-se da teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença[4], poderá este lograr pleno êxito no intento, cabendo, inclusive, reclamação à corte constitucional – em interpretação analógica à reclamação por descumprimento em sede de controle concentrado – para ter seu direito inteiramente satisfeito. Numa situação destas, com base na referida teoria, não haveria que se falar em comunicação ao Senado Federal nos termos do art.52, X, até porque este não é obrigado a suspender a norma declarada inconstitucional o que levaria a pretensão dos demais lesados à propositura de novas e vagarosas demandas.
Em contrapartida, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, quando o efeito da declaração de inconstitucionalidade – na mesma regra – ex tunc, e sentir-se o particular prejudicado, em virtude de prejuízos causados até o momento da referida declaração, ajuizar-se-á ação de indenização – a própria responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público: União.
Ocorre, porém, grande divergência quando o efeito da decisão declaratória de inconstitucionalidade não retroage, ou seja, produz efeitos somente prospectivos. Neste caso modularam-se os efeitos da decisão em razão de dois princípios: excepcional interesse público e segurança jurídica – descritos no artigo 27 da lei 9868/99 que regulamenta a ADIn e ADECOn. Estamos aqui em sede de controle concentrado, pois a regra desta lei aplica-se, deste modo, ao controle difuso através da interpretação analógica do referido dispositivo.
Nestas circunstâncias, a pessoa jurídica de direito público (vide artigo 41 do Código Civil) alegaria tal princípio para evitar que lhe fosse retirado montante correspondente à indenização lograda. Não obstante entendemos o contrário, pautando-nos na jurisprudência do STF, ratificando o posicionamento de que não pode a pessoa jurídica eximir-se de pagamento por feitura de ato indevido, devendo pois a decisão permanecer com o costumeiro efeito ex tunc, alcançando desde o início de sua vigência, outorgando ao sujeito ativo da ação a pretensão indenizatória. Se houver dúvida quanto a cada ação de ressarcimento, então que caiba a cada lesado comprovar os requisitos do dano.
O grande problema é quando muitas pessoas sofreram aquele dano. Neste caso os efeitos da decisão – já sabendo que a coletividade do dano provocará prejuízos à fazenda pública – serão naturalmente mitigados. E, em sede de controle difuso, a mesma teoria deve ser aplicada em consonância com a supremacia do interesse público quando o ideal é a não quebra da maquina fazendária estatal. O conceito de supremacia do interesse público é, contudo, posicionado em uma linha tênue de separação em relação àqueles muitos particulares lesados, uma vez que este não pode escusar-se de ressarcir os danos em virtude da quebra de sua fazenda.
6. Considerações Finais
Enfim, lícito ressaltar que o Estado brasileiro prevê a possibilidade de reparação por atos, contrários ao seu mister, que porventura venha a praticar. Seja na seara da administração pública como em qualquer outro poder integrante do Estado democrático a re-estabilização do “statu quo ante” do particular lesado por funcionário ou agente, em sentido amplo, é um importante passo em direção ao combate à impunidade.
Em especial os atos praticados pelo poder legislativo, diante da feitura de leis inconstitucionais, ou seja, que manifestadamente são contrárias à matéria constitucional vigente e que por assim serem viriam a causar grande prejuízo aos particulares. Bastaria uma observância maior do texto e do contexto pelo qual aquela nova lei estará inserida, posto que desta forma a questão da previsibilidade do legislador seria suscitada corretamente.
Concordamos enfim em utilizarmos da concepção do risco objetivo para averiguação de dano causado pelo funcionário à serviço do Estado, todavia em certas circunstâncias, principalmente em face da possibilidade de locupletamento do particular munido de dolo em sua ação, convém mitigar a teoria do risco e utilizar a subjetividade que se insere em casos como este. De acordo com tal premissa, averiguar-se-á a responsabilidade do Estado a partir do panorama da proporcionalidade e do tamanho da lesão causada a um ou vários particulares.
Há que se considerar também a teoria do risco donde o trabalho exercido pelo Estado em algumas hipóteses pode configurar iminente risco para particulares (BANDEIRA DE MELLO, 2001). Neste contexto a teoria subjetiva da responsabilidade leva em conta os critérios da imprudência, imperícia e negligência, havendo que se falar em culpa ou não do agente que provoca a moléstia para que então possa ser punido após a condenação da fazenda pública e a respectiva ação regressiva em sua face.
Da mesma forma o legislador ordinário entra na conjectura da previsibilidade e ao mesmo tempo deve agir com perícia e prudência na feitura de leis, posto que o Estado brasileiro ainda que, infelizmente, é legalista e a consolidação de leis prejudiciais obsta ao desenvolvimento do Estado Humanista (GOMES, 2009), prestador dos direitos e garantias fundamentais aqui suscitados.
Informações Sobre o Autor
Luiz Felipe Nobre Braga
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Advogado especialista em Direito Público. Autor dos livros: Direito Existencial das Famílias da dogmática à principiologia Ed. Lumen Juris 2014; Metapoesia Ed. Protexto 2013; Educar Viver e Sonhar dimensões jurídicas sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna Ed. Publit 2009. Professor da Pós-graduação em Direito da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas