Resumo:O artigo visa o exame do tema acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão surgindo da necessidade do embasamento para futuras demandas judiciais diante das diversas falhas do Estado em sua atuação.O que se verificou foi uma doutrina vacilante não possuindo uma posição firme e unânime no sentido da possibilidade da responsabilização, todavia apresenta-se um embasamento muito bom no sentido de buscar uma sentença favorável inclusive com a ajuda de uma inversão do ônus da prova.
Sumário: 1. Introdução; 2. Responsabilidade civil do estado; 3. Inversão do ônus da prova; 4. Conclusão; Referências
1. Introdução
O estudo em tela surge diante da necessidade de ser pontuada a viabilidade e necessidade da responsabilização civil do Estado, em casos de sua omissão, quando existente um impositivo legal, que não é cumprido.
Muitos casos são facilmente apontados que se enquadram no presente tema, merecendo um estudo mais detalhado no intuito de promover uma maior discussão e um respaldo doutrinário a quem quer se aprofunda no tema.
Com a ajuda de grandes nomes administrativistas, o trabalho se inicia tratando das possibilidades de responsabilidade até chegar ao caso específico da omissão, demonstrando por fim, que em uma possível demanda judicial, pode até ser possível a inversão do ônus da prova, a fim de facilitar a demonstração do nexo causal.
2. Responsabilidade civil do estado
No presente estudo, será explorado o tema da responsabilidade civil do Estado, com foco na espécie omissiva.
A noção jurídica da responsabilidade no direito brasileiro, dispõe a situação de que alguém, o responsável, deverá suportar os efeitos de um ato praticado, perante a ordem jurídica atinente em virtude de algum fato precedente.
Os dois pressupostos da responsabilidade, portanto, são o fato e sua imputabilidade a alguém. O fato, sendo o gerador da situação jurídica, que pode ser comissivo ou omissivo e causa dano a alguém. A imputabilidade, no sentido de aptidão jurídica para efetivamente responder pela ocorrência do primeiro pressuposto.
A sanção aplicável em casos como estes é a indenização, que se caracteriza como o montante pecuniário que representa a reparação dos prejuízos causados pelo responsável.
Enquanto o artigo 37, §6º da Constituição Federal aponta a responsabilidade extracontratual objetiva ao Estado, quando se tratar de uma conduta comissiva de um de seus agentes, inexiste um dispositivo que trate de danos ocasionados por omissões do Poder Público.
Entretanto, a jurisprudência pátria e a doutrina administrativista, concluem que é possível a configuração de responsabilidade extracontratual do Estado nos casos de danos ensejados por omissão do Poder Público, na modalidade subjetiva.
Cabe colacionar ainda o entendimento do Supremo Tribunal Federal, exposto no RE 179.147/SP:
“Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetivo, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualiza-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a fauteduservicedos franceses.”[1]
A tradução livre do termo “fauteduservice”, poderá ser feita para “falta de serviço, teoria esta que o doutrinador, Hely Lopes Meirelles, nos ensina se tratar da responsabilidade civil pela omissão do Estado, configurando-se em algo subjetivo, ou seja, exige uma culpa especial da Administração, razão pela qual, também é conhecida como teoria da culpa administrativa.
Segundo tal teoria, também conhecida por teoria da culpa do serviço público ou da culpa anônima do serviço público, o Estado vai responder pelos danos causados desde que, o serviço público não funcione, quando deveria funcionar; funcione atrasado; ou funcione mal.
Aponta-se que diversos estudiosos adotam a presente teoria, conforme trecho do livro de Maria Sylvia di Pietro:
“Com algumas nuances referentes aos fundamentos, pode-se mencionar, entre outros que adotam a teoria da responsabilidade subjetiva em caso de omissão, José Cretella Júnior (1970, v. 8:210), Yussef Said Cahali (1995:282-283), Álvaro Lazzarini (RTJSP 117/16), Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1979, vol. II:487), Celso Antônio Bandeira de Mello (RT 552/14). É a corrente a que também me filio.”[2]
Desta forma, é sustentado que o Estado só pode ser condenado a ressarcir prejuízos à sua omissão quando a legislação considera obrigatória a prática da conduta omitida.
Na hipótese de omissão do Poder Público, os danos, em regra, não são causados por agentes públicos específicos. São causados por fatos da natureza ou fatos de terceiros, entretanto, poderiam ter sido evitados ou minorados se o Estado, tendo o dever de agir, se omitiu.
Salienta-se que, tratando-se de omissão genérica do serviço, ou, quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado é subjetiva, não podendo ser invocada a teoria objetiva do risco administrativo.
Nesse sentido, as palavras do ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO:
“Já ficou registrado que a Constituição responsabiliza o Estado objetivamente apenas pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza, como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações, deslizamento de encostas, deslizamentos de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais eventos não são causados por agentes do Estado. A chuva, o vento, a tempestade, não são agentes do Estado; nem o assaltante e o saqueador o são. Trata-se de fatos estranhos à atividade administrativa, em relação aos quais não guarda nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva do Estado. Lembre-se que a nossa Constituição não adotou a teoria do risco integral.
A Administração Pública só poderá vir a ser responsabilizada por esses danos se ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu decisivamente para o evento, deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis. Nesse caso, todavia, a responsabilidade estatal será determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado pela maioria da doutrina e da jurisprudência. Essa é a precisa lição de Hely Lopes Meirelles: “Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando os serviços existentes, causam danos aos particulares. Nessas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração” (ob. cit., 28ª ed., p.p. 628-629)”[3]
Colaciona-se ainda, julgado bastante didático e interessante sobre o presente tema.
“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE AGIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DECORRENTE DA ALEGADA OMISSÃO EM NÃO REALIZAR A MANUTENÇÃO DE CAMPO DE FUTEBOL. A RESPONSABILIDADE CIVIL, SE EXISTENTE, DECORRE DA OMISSÃO GENÉRICA DO DEVER LEGAL DE MANTER ÁREAS DE LAZER EM CONDIÇÕES SEGURAS PARA O USUÁRIO. CULPA ANÔNIMA OU FALTA DO SERVIÇO, DE NATUREZA SUBJETIVA, VERIFICADA ONDE HÁ AUSÊNCIA DO SERVIÇO DEVIDO OU QUANDO SEU FUNCIONAMENTO É DEFEITUOSO, O QUE DEPENDE DE DILARGADA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. IMPROVIMENTO DO RECURSO”.
Muitas vezes a necessidade de agir do órgão público consta de alguma legislação, seja ela federal, estadual ou municipal, o que acaba se verificando é que não háa exteriorização completa no mundo jurídico, demonstrando o desinteresse do Poder Público no cuidado a referente matéria.
A problemática do tratamento da presente teoria se coloca quanto à possibilidade de agir, devendo se tratar de uma conduta que seja exigível da Administração e que seja possível, sendo que, essa possibilidade só pode ser examinada diante de cada caso concreto.
Em mais um trecho de clareza solar da doutrinadora Maria Sylvia di Pietro:
“[…] Juan Carlos Cassagne (citado por Flávio de Araújo Willeman, 2005:122) ensina que “a chave para determinar a falta de serviço e, consequentemente, a procedência da responsabilidade estatal por um ato omissivo se encontra na configuração ou não de uma omissão antijurídica. Esta última se perfila só quando seja razoável esperar que o Estado atue em determinado sentido para evitar os danos às pessoas ou aos bens dos particulares. Pois bem, a configuração de dita omissão antijurídica requer que o Estado ou suas entidades descumpram uma obrigação legal expressa ou implícita (art. 1.074 do Cód. Civil) tal como são as vinculadas com o exercício da polícia administrativa, descumprimento que possa achar-se imposto também por outras fontes jurídicas””.[4]
Assim, em casos concretos, o que se constata é a existência de umaobrigação legal, claramente descumpridapelo Estado, configurando a dita omissão antijurídica.
3. Possibilidade da inversão do ônus da prova
Cabe salientar um ponto bastante interessante dessa problemática, caso seja necessário a busca de uma tutela jurisdicional, a possibilidade da inversão do ônus da prova.
Insta ser ressaltado que, apesar de toda a tentativa de produção de prova documental, bem como uma posterior oitiva de testemunhas, não é possível deixar de lado o fato da hipossuficiência decorrente da posição da vítima diante do Estado.
Assim, conforme o doutrinador Alexandre Mazza expõe:
“[…] deve ser observada a inversão no ônus da prova relativa à culpa ou dolo, presumindo-se a responsabilidade estatal nas omissões ensejadoras de comprovado prejuízo ao particular, de modo a restar ao Estado, para afastar tal presunção, realizar a comprovação de que não agiu com culpa ou dolo”.[5]
Aponta-se ainda que em casos como tais, há uma presunção de culpa do poder público. O lesado não precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou dolo. Cabe ao ente público a demonstração de que agiu com diligência, que utilizou os meios adequados e disponíveis e que, se não agiu, é porque a sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir; se fizer esta demonstração, não incidirá a responsabilidade.
É reconhecido por todos a desigualdade jurídica existente entre o particular e o Estado, ante as prerrogativas de direito público a este inerentes, prerrogativas estas que, por visarem à tutela do interesse da coletividade, sempre assegurarão a prevalência jurídica destes interesses ante os do particular.
Assim, verifica-se injusto que, aqueles que sofrem danos patrimoniais ou morais, decorrentes da atividade da Administração precisassem comprovar a existência de culpa, para que vissem assegurado seu direito à reparação.
O lesado não pode se esquivar da produção da prova, buscando trazer ao conhecimento do magistrado todos os elementos em volta do acontecimento, a fim de que reste totalmente claro a necessidade da condenação do Estado, todavia, não há como deixar de lado a questão da desigualdade entre os sujeitos, conforme amplamente apontado.
A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro ainda coloca que:
“Com Celso Antônio Bandeira de Mello (2008:996), entendemos que, nessa hipótese, existe uma presunção de culpa do Poder Público. O lesado não precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou o dolo. Ao Estado é que cabe demonstrar que agiu com diligência, que utilizou os meios adequados e disponíveis e que, se não agiu, é porque sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir; se fizer essa demonstração, não incidirá a responsabilidade”.[6]
Porém, não se deixa de citar a possibilidade da inversão da prova, cabendo apontar ainda, excerto do livro do doutrinador Dirley da Cunha Júnior:
“[…] A jurisprudência tem entendido que, aplicando-se por analogia o art. 6º do CDC, o juiz poderá inverter o ônus da prova diante da impossibilidade de se comprovar que o serviço inexistiu ou existiu de forma insuficiente ou retardada.”[7]
Em sua defesa, o que os entes estatais normalmente acabam alegando é a “reserva o possível”, como excludente, tendo em vista, ainda mais em tempos de crise a impossibilidade de determinadas tomadas de ações a falta de dotação orçamentária para a realização do impositivo legislativo.
4. Conclusão
Por oportuno, cabe ressaltar novamente a relevância do tema. É fato que é comum em nossos Tribunais o ajuizamento de ações fundamentadas na responsabilização objetiva do Estado.
Apesar da necessidade da comprovação, muitas vezes resta reafirmada a responsabilidade subjetiva na modalidade falta do serviço (ou culpa do serviço).
Assim, é primordial a análise minuciosa do caso concreto para se auferir qual seria o tipo de responsabilização, pois desta análise depende toda a matéria desenvolvida no processo de indenização, inclusive no tocante a instrução probatória do feito.
Assim, diante de todo o exposto, entende-se pelo dever do Estado reparar o dando causado pela sua omissão antijurídica, com a possibilidade de, dentro de uma demanda judicial, a inversão do ônus da prova, diante da hipossuficiência do requerente.
Informações Sobre o Autor
Diogo de Oliveira Perissoli
Graduação em Direito – Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu 2014. Atualmente é assistente administrativo da Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu . Tem experiência na área de Direito com ênfase em Direito Tributário Direito Municipal Direito Administrativo e Direito Constitucional diante do trabalho exercido na Procuradoria Municipal. Advogado