Resumo: O ordenamento jurídico brasileiro prevê que aquele que causar dano a outrem tem o dever de indenizar. As leis que regulam a atividade notarial e registral não são claras acerca da responsabilidade do notário e do registrador, havendo quem defenda a responsabilidade objetiva e quem defenda a responsabilidade subjetiva destes.
Palavras-chaves: atividade notarial e registral; responsabilidade civil.
Sumário: Introdução; 1) Aspectos gerais sobre responsabilidade civil; 2) Elementos da responsabilidade civil; 3) Responsabilidade civil subjetiva e objetiva; 4) Responsabilidade civil dos notários e registradores; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A responsabilidade dos notários e registradores é objeto de discussão entre os estudiosos no assunto.
A responsabilidade civil subjetiva tem como requisitos a conduta, o dano, o nexo de causalidade, assim como o dolo ou a culpa. Na responsabilidade objetiva não há que se falar em dolo ou culpa, caracterizando-se com a existência apenas dos outros três requisitos.
Existem disposições legais que fundamentam a defesa da responsabilidade objetiva dos notários e registradores, assim como existem outras disposições normativas que justificam a posição adotada por alguns acerca da responsabilidade subjetiva destes profissionais do direito.
O presente estudo não visa solucionar o debate, e sim, fomentar a discussão sobre o tema.
1) Aspectos gerais sobre responsabilidade civil
Brunno Pandori Giancoli e Fábio Vieira Figueiredo[1], ao escreverem sobre responsabilidade civil, comentaram:
“A responsabilidade é um mecanismo de resposta a uma determinada falha comportamental, a qual culmina com a imposição de uma sanção, de uma pena. A responsabilidade jurídica, especialmente, possui duas nuances de estudo de maior relevo: a responsabilidade civil e a responsabilidade penal. Cumpre lembrar que essas categorias jurídicas gozam de uma natureza comum. A diferença entre elas reside na origem da norma jurídica violada e a conseqüente obrigação de reparar, bem como o diâmetro e a forma de repercussão dos seus efeitos. A responsabilidade civil possui um diâmetro mais amplo que a penal. Somente as condutas humanas mais graves, que atingem bens sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal. No que diz respeito à forma de repercussão, a responsabilidade civil se recompõe, quanto possível, pelo indenização, ao passo que a responsabilidade penal se restaura com a pena. Por tratar-se de uma sanção mais intensa, a sanção penal é monopólio estatal, diferentemente do que ocorre com a sanção civil, hipótese que o ordenamento jurídico relega ao particular a ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no status quo anterior à ofensa. A configuração da responsabilidade civil e a conseqüente obrigação de indenizar dependem da presença de diversos elementos constitutivos…”
2) Elementos da responsabilidade civil
A conduta é o primeiro elemento estrutural da obrigação de indenizar. Não havendo conduta humana não há que se falar em responsabilidade civil[2].
Sobre a conduta humana comenta Brunno Pandori Giancoli e Fábio Vieira Figueiredo[3]:
“A conduta humana poderá ser tanto comissiva como omissiva. O comportamento comissivo se manifesta por meio de uma ação, de uma atitude positiva e desejada pelo agente. Já o comportamento omissivo decorre de uma atitude negativa. Trata-se de uma decisão voluntária que resulta na violação de um dever jurídico especial de praticar um ato que permitiria, possivelmente, impedir a consumação do dano. A omissao só adquire relevância jurídica quando o emitente tem o dever jurídico de agir”.
O dano é outro elemento estrutural da obrigação de indenizar. Não havendo dano não há que se falar em responsabilidade civil.
Dano é um prejuízo ou lesão socialmente relevante a um bem juridicamente tutelado, podendo ser patrimonial ou extrapatrimonial. O dano patrimonial, conhecido como dano material, traduz um efeito economicamente apreciável de bens ou diretos. O dano extrapatrimonial também conhecido como dano moral, envolve violação dos direitos da personalidade[4].
Além do dano, para que exista o dever de indenizar, deve haver um nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Diversas são as teorias explicativas do nexo de causalidade. Prevalece[5] no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 403[6] do Código Civil e do entendimento do Supremo Tribunal Federal[7], a teoria do dano direto e imediato. Sobre esta teoria comentam Brunno Pandori Giancoli e Fábio Vieira Figueiredo[8]:
“A teoria do dano direto ou imediato, também conhecida como teoria do nexo causal direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal, exige para a imputação de responsabilidade um nexo causal de um dano a um fato próximo ou remoto, mas que deve estar diretamente ligado a ele. O ponto central da teoria está na fixação da noção de “causalidade necessária” ou de “necessidade da causa””.
O dolo e a culpa são considerados elementos estruturantes da obrigação de indenizar em se tratando de responsabilidade subjetiva. Na responsabilidade objetiva, não há que se falar em dolo e culpa.
Sobre dolo e culpa ensinam Brunno Pandori Giancoli e Fábio Vieira Figueiredo[9]:
“Dolo e culpa são institutos similares, pois ambos se relacionam a uma conduta voluntária reprovável de determinado agente. Ocorre que no dolo a conduta nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico. Já na culpa a conduta nasce licita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados”.
3) Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
A responsabilidade civil subjetiva caracteriza-se pela existência dos elementos do dolo ou culpa do causador do dano, além da conduta, do dano e do nexo de causalidade.
Sobre o assunto comenta Rogério Dell’Isola Cancio da Cruz[10]:
“Além dos três elementos[11] expostos no item anterior, a responsabilidade civil, em regra, necessita de mais um elemento, a culpa, em sentido amplo, do agente causador do ano. Essa responsabilidade civil, que necessita da culpa para se caracterizar, é chamada de responsabilidade civil subjetiva. Esta culpa em sentido amplo engloba o dolo e a culpa em sentido estrito. Esse quarto elemento diz respeito à inexecução de um dever que o agente conhecia ou devia conhecer. Se essa inexecução for voluntária, se o agente viola deliberadamente um dever que ele conhecia, tem-se o dolo. O dolo se traduz na ação intencional e voltada para uma conduta repudiada pelo Direito. Age com dolo quem dirige sua vontade a um fim perseguido e querido, mesmo que ilícito. Se a violação do dever imposto for involuntária, mas o agente tinha meios de evitá-la e não o fez, temos a culpa em sentido estrito. Essa culpa ocorre quando o agente não observa o dever de cuidado, e se subdivide em negligência, imperícia e imprudência.”
A responsabilidade civil também pode ser subjetiva, nos casos em que independo do dolo e culpa do agente causador do dano. Sobre a responsabilidade civil objetiva leciona Silvio Rodrigues[12]:
“Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vitima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este ultimo agido ou não culposamente”.
Nos termos do parágrafo único do artigo 927[13] do Código Civil brasileiro, podemos verificar que nos casos em lei e nas atividades de risco a responsabilidade do causador do dano é objetiva, ou seja, independe de dolo e culpa.
Rogério Dell’Isola Cancio da Cruz[14] comenta acerca da responsabilidade civil objetiva:
“Em contrapartida[15], existe a responsabilidade civil objetiva. Nela não é necessária a presença de culpa do agente. Assim, para se configurar, basta que estejam presentes os três elementos apresentados no item anterior, quais sejam, a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Presentes esses elementos, o agente fica obrigado a indenizar o lesado pelos danos que foram causados sem que se faça necessário a investigação sobre se a conduta foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa. O fator culpa fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva. No direito brasileiro, o Código Civil traz, em seu artigo 927, a regra da necessidade de comprovação de culpa para caracterizar a responsabilidade civil. Isto pois, o artigo citado obriga a reparação do dano causado por ato ilícito e a definição de ato ilícito (arts. 186 e 187) pressupõe a presença de culpa para sua configuração. […] O parágrafo único desse artigo prevê a responsabilidade civil objetiva para dois casos. O primeiro quando estiver especificada em lei a desnecessidade de culpa para caracterização da responsabilidade civil; e o segundo quando a natureza da atividade desenvolvida pelo agente do dano implicar riscos para o direito de outrem. Ou seja, a responsabilidade civil só poderá fugir à regra da necessidade da culpa do agente nesses dois casos, deixando de ser subjetiva e passando a ser objetiva”.
4) Responsabilidade civil dos notários e registradores
A responsabilidade dos notários e registradores é objeto de discussão entre os estudiosos no assunto.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu artigo 236[16], dispõe sobre a atividade notarial e registral.
Em referida disposição constitucional há a previsão de que a responsabilidade do notário e do registrador é objeto de lei ordinária. Em 1994 foi publicada a Lei 8935 que regulamenta o art 236 da Constituição da Republica, dispondo sobre a atividade notarial e registral.
O disposto no art 22[17] da Lei 8935 de 1994 faz com que parte da doutrina defenda que a responsabilidade dos notários e registradores é objetiva, ou seja, independe de dolo e culpa.
Ocorre que duas outras leis que também dispõem sobre a atividade notarial e de registro fundamentam a responsabilidade subjetiva defendida pela outra parte da doutrina.
Primeiramente, a Lei 6015 de 19973 dispõe sobre registros públicos e prevê em seu artigo 28[18] acerca da responsabilidade dos oficiais. Com a leitura do referido artigo conclui-se que a responsabilidade dos oficiais de registro é subjetiva, ou seja, depende da demonstração do dolo ou culpa.
A Lei 9294 de 1997 é outra lei que dispõe sobre o assunto. Esta lei define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de divida. O artigo 38[19] da referida lei demonstra que a responsabilidade do tabelião do protesto é subjetiva.
Além dessas disposições legais, há quem defenda que por se tratar de serviço público aplica-se a responsabilidade objetiva prevista no § 6[20] do artigo 37 da Constituição da Republica Federativa do Brasil, em razão de serem pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Há quem defenda que a responsabilidade é subjetiva com base no mesmo fundamento legal, por entender que notário e o registrador são agentes do Estado, aplicando-se a parte fina do § 6.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2602 decidiu que em face da atividade notarial e registral não se aplica a aposentadoria compulsória prevista para os servidores públicos em geral.
Em decorrência desta decisão, parte da doutrina defende que o capítulo da constituição destinado à administração publica não se aplica aos oficiais e tabeliães, inclusive a disposição referente à responsabilidade civil. Assim, para a parte da doutrina que defendia que aos notários e registradores aplicava-se a parte final do § 6 do artigo 37, após esta decisão do Supremo passou a defender a responsabilidade objetiva com base no artigo 22 da Lei 8935 de 1994, por ser a disposição normativa aplicável à classe. Para aqueles que defendiam que a responsabilidade era objetiva com base na primeira parte do § 6 do artigo 37, hoje defende que a responsabilidade é subjetiva haja vista que estão disposições legais do artigo 37 não são aplicáveis aos notários e registradores.
Desta forma, em face da diversidade normativa acerca do assunto, grande é a discussão acerca do tema e vários são os posicionamentos da doutrina.
Em suma, existem três posições defendidas pelos estudiosos no assunto e todas elas são dotadas de fundamentação legal.
A primeira corrente defende a responsabilidade subjetiva do notário e do registrador com fundamento no artigo 38 da Lei 6015 de 1973 e no artigo 38 da Lei 9492 de 1997 que veio clarear a disposição obscura do artigo 22 da Lei 8935 de 1994.
A segunda corrente defende a responsabilidade objetiva do notário e do registrador em razão do artigo 22 da Lei 8935 de 1994. Para os defensores desta corrente a responsabilidade é objetiva até mesmo para os tabeliães de protesto, haja vista que a lei 8935 veio para regulamentar a responsabilidade de todos os oficiais e tabeliães, não podendo outra lei dispor em sentido contrário e excluir uma espécie de tabelião deste tipo de responsabilidade.
A terceira corrente defende a responsabilidade objetiva dos notários e registradores com exceção do tabelião de protesto que, por haver lei especial dispondo sobre o assunto, responde subjetivamente.
Não há que se falar em posição certa ou errada. Existe fundamento legal tanto para a responsabilidade objetiva quanto para a responsabilidade subjetiva. Resta aguardar a uniformização do entendimento acerca do assunto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre a responsabilidade dos notários e registradores existem diferentes posicionamentos na doutrina.
Há quem defenda que a responsabilidade dos prestadores de serviço de notas e registro é objetiva e há quem defenda que é subjetiva.
Existem fundamentos legais que legitimam ambas s responsabilidades.
Havendo dano decorrente da prestação do serviço é certo o dever de indenizar. Se esta responsabilidade dos notários e registradores é objetiva ou subjetiva resta aguardar decisões dos tribunais e das corregedorias sobre o assunto.
Referencias
Cruz, Rogério Dell’Isola Cancio da. Responsabilidade Civil dos Notários e Registradores. Rio de Janeiro. Usina de Letras. 2009.
Figueiredo, Fábio Vieira. Direito civil, 1 / Fábio Vieira Figueiredo, Brunno Giancoli; coordenação geral Fábio Vieira Figueiredo, Fernando Ferreira Castellani, Marcelo Tadeu Cometti. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. – (Coleção OAB nacional. Primeira Fase).
Rodrigues, Silvio. Direito civil, volume IV, Saraiva, 19 Ed. São Paulo, 2002.
Oficiala de Registro Civil e Tabeliã de Notas de Santo Antonio do Aracangua-SP e mestranda em direito empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos
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