Responsabilidade civil e o Poder Judiciário


Nos últimos anos, temos visto um sensível acréscimo na propositura de ações na Justiça. Muitos creditam o aumento de ações à conscientização do povo brasileiro em relação aos seus direitos. Concordamos em parte, porque o movimento também se deve à mudança no ordenamento jurídico em relação à responsabilidade civil, mais especificamente à Lei n. 8.078 de 1990 (conhecida por todos como o código de defesa do consumidor ou simplesmente CDC), que trouxe novidades ao campo de responsabilidades daqueles que causam prejuízos a outrem.


A responsabilidade civil consiste, para o Direito, no dever de indenizar alguém pelo prejuízo sofrido. Exemplificando: se uma pessoa tem o seu nome indevidamente inserido no cadastro de inadimplentes do SPC, isso lhe dá o direito a uma indenização a ser paga pelo agente indutor do erro. Em síntese, isso é responsabilidade civil.


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Mas, disso surge uma indagação. Se a responsabilidade civil é a obrigação de indenizar, como creditar a isso o novo volume de ações nos Tribunais, uma vez que o anseio de obrigar o causador do dano a repará-lo consiste na própria noção de Justiça? Como, se no Império Romano já havia lei para obrigar o agente causador do dano a indenizar o prejudicado (caso da Lex Aquilia, que possibilitava atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens)?


Ocorre que, em Roma, só quem devia indenizar era aquele que destruísse ou deteriorasse os bens de outrem, e somente pelos prejuízos materiais causados. No Brasil também foi assim durante muitos anos, até que com a Constituição Federal e com o CDC, a responsabilidade foi ampliada. Até 1988, só devia indenizar aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violasse direito ou causasse prejuízo a outrem. Além disso, não bastava violar o direito ou causar prejuízo; a culpa precisaria de prova. E mais, os Tribunais entendiam que só cabia indenização pelos danos materiais, ou seja, se houvesse prejuízo com relação aos bens e direitos das vítimas. Não se indenizava a vítima pelo sofrimento (dano) moral.


Com a Constituição Federal de 1988, portanto, a história muda e passa a existir a obrigação de indenização pelo dano moral ocasionado; aumentou a responsabilidade do Poder Público e das empresas que prestam serviços públicos (por exemplo, as empresas de luz e de telefonia) a indenizar independentemente de culpa (chamada responsabilidade civil objetiva). Ou seja, agora, basta que a empresa prestadora de serviços públicos cause danos para que a vítima tenha o direito de ser indenizada, tanto materialmente quanto moralmente. Não importa mais se a empresa tem o intuito de causar o dano ou se agiu com imprudência, imperícia ou negligência. Se causar o dano, indeniza!


Em 1990, com base na Constituição de 1988, nasceu o CDC e a responsabilidade civil passou a ter maior abrangência. Com o CDC, o fornecedor de produtos (em síntese, a loja em que compramos; o fabricante; o distribuidor; o importador, etc.) tem obrigação de indenizar pelos prejuízos causados, independentemente de culpa. Situação semelhante à que ocorre com o Poder Público. E, mais: o fornecedor, com a nova lei, é chamado a indenizar o consumidor mesmo que não tenha dado diretamente causa ao prejuízo. Assim, se um produto apresentou defeito de fábrica, o consumidor tem o direito de ser indenizado inclusive pela loja que o vendeu; se o ofendido teve danos morais por ver seu nome equivocadamente inserido no cadastro de inadimplentes, tem o dever de ser indenizado pela loja que cometeu o equívoco ou até pelo responsável do cadastro (como SPC e SERASA), que teria o dever de verificar a veracidade das informações cadastrais.


Como se viu acima, de 1988 para cá, muito se tem ampliado em relação à responsabilidade civil. Inclusive, hoje temos decisões judiciais condenando empresas de ônibus a indenizar os prejuízos causados por assaltos, entendendo que a empresa tem o dever de proporcionar segurança a seus consumidores. Decisões essas que, antes de 1988, eram inadmissíveis e inimagináveis.


Conclui-se assim que uma das causas do crescimento de ações judiciais se deve à ampla noção da responsabilidade civil, que levou todo e qualquer cidadão que se sinta prejudicado a propor ação judicial, já que agora é responsabilidade do agente que causar danos, indenizar a vítima (muitas vezes, mesmo sem ter culpa), bem como há pessoas que passam a ser responsabilizadas até mesmo sem terem causado danos, mas que por força de lei ou pela natureza da atividade exercida, se vêm obrigados a indenizar por danos causados por outrem.


Dessa forma ganhamos todos, pois passamos a ter relações jurídicas mais seguras, contratos que efetivamente terão seus resultados esperados (ou se não tiverem, o prejudicado certamente será indenizado), empresas preocupadas em não causar prejuízos a clientes, e uma sociedade mais justa e igualitária. Compete agora encontrar meios que permitam ao Judiciário responder às ações judiciais de forma mais rápida. Isso tem ocorrido em parte com o surgimento das ações coletivas, mas esse assunto fica para uma próxima conversa. 



Informações Sobre o Autor

Ricardo Luiz Figueira Guedes Vasconcelos


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