Resumo: O presente trabalho propõe-se a examinar aspectos pontuais da responsabilidade civil extracontratual dos condomínios. Em primeiro lugar, na relação com os próprios condôminos, em situações de roubo e furto no interior de suas dependência; em segundo lugar, na relação com terceiros, quando são lançados objetos de unidade não identificada. Serão analisados, em cada item, precedentes jurisprudenciais e a doutrina que enfrenta o assunto, levantando-se, ademais, questões ligadas ao tema de fundo.
Palavras-chave: Responsabilidade civil extracontratual; condomínio edilício; roubo; furto; terceiros; responsabilidade civil objetiva.
1. Introdução
Um dos resultados mais visíveis do crescimento populacional das cidades, dos conseqüentes problemas da falta de espaço e também do aumento da violência é a construção – muitas vezes até mesmo desorganizada – dos edifícios de apartamentos. Há bairros de determinadas capitais em que a regra é a existência de condomínios, em que casas são demolidas para dar espaço a novos empreendimentos imobiliários.
Crescem, paralela e proporcionalmente, conseqüentemente, os problemas cotidianos que envolvem tais relações jurídicas, seja entre os próprios condôminos, seja entre o condomínio e terceiros.
Neste texto, pretendemos abordar duas questões relativamente comuns sobre a responsabilidade civil extracontratual dos condomínios. A primeira, referente às situações em que há roubo ou furto de veículo dentro do seu espaço; a segunda, envolvendo terceiros, quando são lançados objetos de dentro do prédio.
Não nos preocuparemos, aqui, com as questões elementares da responsabilidade civil extracontratual, como seus pressupostos ou modalidades. Estas já são de conhecimento do leitor, de modo que repeti-las seria no mínimo cansativo. Nossa proposta é ir direto ao ponto, cotejando criticamente o entendimento jurisprudencial (notadamente do STJ) e doutrinário sobre as questões ventiladas.
2. Estacionamento do condomínio – responsabilidade por furto e roubo
É viva na doutrina e na jurisprudência a discussão sobre a responsabilidade do condomínio por furtos e roubos ocorridos no seu estacionamento.
Costuma-se dizer, de forma apressada, que essa responsabilidade existirá sempre que o condomínio repassar nos custos do rateio mensal o valor referente à segurança (porteiros, guardas, câmeras de vigilância etc.). Do contrário – isto é, quando não houver o repasse de tal preço, não há como responsabilizar civilmente o condomínio.
Mais recentemente, porém, o STJ tem adotado posição no sentido de que não basta previsão estatutária de contratação de servidores para a vigilância e guarda do local, nem estabelecer que as áreas comuns serão usadas sob a supervisão dos administradores do condomínio. Ao contrário, a responsabilidade dos condomínios por fatos ilícitos ocorridos em detrimento dos condôminos, nas suas áreas comuns, somente tem sido reconhecida quando expressamente prevista na convenção e claramente assumida. Isso porque a socialização do prejuízo sofrido por um dos integrantes do grupo onera a todos, e é preciso que todos, ou a maioria exigida, estejam conscientes dessa obrigação e a ela tenham aderido[1].
É dizer, conforme o voto condutor do Min. Ari Pargendler, que o condomínio só responde por furtos ocorridos nas suas áreas comuns se isso estiver expressamente previsto na respectiva convenção[2].
Sobre o assunto, Biasi Ruggiero ratifica essa orientação, aduzindo que: O condomínio não tem implícita obrigação de garantir a guarda dos bens dos condôminos. Tal prestação deriva de natureza contratual quando prevista em convenção ou assembléia geral que adote essa prestação de serviço e reserve para ela verba própria no orçamento. (…) Se o condomínio não se propôs a prestar supervigilância, funcionando como autêntico guardião e, para isso, não recebeu qualquer verba, como pode responder por aquilo a que não era obrigado? Entendimento diverso importa em atribuir ao condomínio a qualidade de depositário de toda sorte de objetos que os moradores conduzam para o interior do prédio. É transformar o pagamento das despesas condominiais em apólice de seguro[3].
Assim, só haverá responsabilidade do condomínio por furto ou roubo ocorrido nas suas dependências se essa possibilidade vier consagrada na respectiva convenção, reservada verba especificamente para tanto. Note-se, finalmente, que neste caso esta será de natureza contratual, porque resultante de acordo entre os condôminos.
3. Responsabilidade do condomínio perante terceiros. A situação específica dos objetos lançados de apartamentos
Outra vertente interessante sobre a responsabilidade civil extracontratual do condomínio diz respeito às questões que envolvem terceiros, ou seja, aqueles que não são condôminos.
Sobre o tema, NELSON KOJRANSKI narra um interessante caso em que um pedestre caminhava pela rua quando fora atingido por uma moeda lançada do prédio ao lado, sem se identificar que praticou o ato, mas com certeza absoluta que o lançamento se deu a partir de um dos apartamentos do condomínio. Considerando os danos sofridos pelo pedestre (graves avarias na omoplata), quem é responsável pela indenização? O condomínio ou o próprio agente, no caso não identificado e possivelmente não identificável?[4]
Diz-se, de um lado, que não se pode responsabilizar o condomínio, vez que isso equivaleria na responsabilidade pelo fato de outrem, não existindo solidariedade (convencionada ou presumida), tampouco se cogitando de culpa in eligendo ou in vigilando, até porque os moradores não são “selecionados” pelo condomínio, inaplicável a responsabilidade objetiva na espécie. Aduz-se, em arremate, que eventual direito de regresso ficaria prejudicado, porque desconhecido o autor do ilícito.
Quem assume essa posição deve admitir, por coerência, que o condomínio é parte ilegítima, embora seja tormentosa a própria questão da linha divisória entre condições da ação e mérito.
A nosso ver, porém, o condomínio deve ser responsabilizado, notadamente porque desconhecido o agente que praticou o ato. O atual art. 938 do Código Civil (antigo art. 1.529) parece bastante claro neste sentido, estabelecendo a solidariedade da massa condominial, ao dispor que responde pelo dano proveniente das coisas que caírem ou forem lançadas do prédio aquele que habitá-lo[5]. Vê-se, ademais, que a responsabilidade é objetiva, porque o dispositivo não contempla a necessidade de culpa, bastando, então, o nexo de causalidade entre o ato e o dano.
Este entendimento é adotado pelo STJ, que assim se manifestou:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. OBJETOS LANÇADOS DA JANELA DE EDIFÍCIOS. A REPARAÇÃO DOS DANOS É RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO. A impossibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva, impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros”. (RSTJ 116/258)
Uma ressalva, no entanto, merece destaque. É que o reconhecimento da responsabilidade do condomínio parte da premissa de que não é identificada a unidade autônoma da qual houve o lançamento do objeto. Conhecido o autor do ato lesivo, dele será a responsabilidade[6], embora haja precedentes do extinto 1º TACivSP que não admitiu a investigação, no processo, da unidade de qual partir a agressão[7].
Outra observação – e esta de cunho doutrinário – também se revela pertinente: serão responsáveis apenas os proprietários de apartamentos cuja localização seja hábil à prática do ilícito. Assim, se o pedestre caminhava na calçada da frente do condomínio, não há como estender a responsabilidade aos proprietários das unidades dos fundos do prédio, porque fisicamente impossível que deles tenha sido lançado o objeto[8].
Quanto ao direito de regresso do condomínio contra o infrator, aponte-se que este restará ileso. As eventuais – e possíveis – dificuldades na identificação daquele que praticou o ato representam injustiça menor do que aquela que suportaria a vítima caso não conseguisse o ressarcimento pelos danos sofridos, em harmonia com o espírito social da vigente legislação civil.
4. Conclusões
Após as ponderações acima postas, podemos elencar, em apertada sinopse, as seguintes conclusões:
1) Os condomínios edilícios são uma realidade imanente das grandes (e nem tão grandes) cidades brasileiras, o que torna importante a análise de questões jurídicas relacionadas ao seu cotidiano, como as propostas neste escrito, sobre sua responsabilidade civil.
2) A responsabilidade dos condomínios por fatos ilícitos ocorridos nas áreas comuns é reconhecida, conforme os mais recentes precedentes do STJ, apenas quando prevista na respectiva convenção, pois a socialização do prejuízo sofrido por um dos integrantes do grupo onera a todos, de tal modo que é preciso que todos, ou a maioria exigida, estejam conscientes dessa obrigação e a ela tenham aderido.
3) Neste caso, todavia, fala-se de responsabilidade civil de natureza contratual, porque resultante de acordo entre os condôminos.
4) Em relação a terceiros, na situação específica de se desconhecer especificamente qual o condômino responsável pelos danos (ex: moeda atirada que atinge um pedestre), há duas posições.
5) A primeira, segundo a qual não se pode responsabilizar o condomínio, vez que isso equivaleria na responsabilidade pelo fato de outrem, não existindo solidariedade (convencionada ou presumida), tampouco se cogitando de culpa in eligendo ou in vigilando, até porque os moradores não são “selecionados” pelo condomínio, certo, ainda, que eventual direito de regresso ficaria prejudicado, porque desconhecido o autor do ilícito.
6) A segunda – por nós adotada, seguindo orientação do STJ – diz que o condomínio deve ser responsabilizado, nos termos do art. 938 do Código Civil, que consagrada, ademais, a responsabilidade objetiva, porque o dispositivo não contempla a necessidade de culpa, bastando, então, o nexo de causalidade entre o ato e o dano.
7) Conhecido o autor do ato lesivo, no entanto, dele será a responsabilidade.
Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil na Faculdade de Direito de Itu (FADITU), no Curso Robortella, na Escola Superior da Advocacia de São Paulo (ESA/SP) e na Escola Paulista de Direito (EPD), entre outros. Coordenador do curso de pós-graduação “lato sensu” de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Itu (FADITU). Autor de inúmeros artigos e capítulos de livros na área jurídica. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.
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