Resumo: Estudo sobre os conceitos e elementos da reparação civil por acidente de trabalho bem como sua diferenciação da reparação previdenciária o que possibilita a sua cumulação com referido beneficio
1 CONCEITO E ELEMENTOS
Em consonância com a evolução industrial e tecnológica, as atividades laborativas ao longo dos séculos foram se tornando cada vez mais complexas, extenuantes e arriscadas para saúde e segurança do trabalhador urbano e rural.
O manuseio de equipamentos e máquinas pode causar grandes danos àquele empregado que, na lida diária do labor por muitas vezes repetitivo e sem uso adequado de equipamentos de proteção, pode acidentalmente sofrer lesão corporal ou perturbação funcional com repercussões não só na capacidade na esfera laborativa, mas também pessoal.
Há presunção universal, de cunho social e moral, no sentido de que aquele que causa dano a outrem faz surgir para si o dever de repará-lo e, em contrapartida, o ofendido passa a ter o direito a uma compensação independentemente da reparação, quando possível, consistente em restabelecer o status quo ante. Advém da antiga máxima romana que deu origem a tantos pressupostos jurídicos atuais dentre eles o entendimento de ‘não lesar a ninguém’, neminem laedere. Para Sebastião Geraldo Oliveira (2011, p. 77):
“Onde houver dano ou prejuízo, a responsabilidade civil é invocada para fundamentar a pretensão de ressarcimento por parte daquele que sofreu as conseqüências do infortúnio. É, por isso, instrumento de manutenção da harmonia social, na medida em que socorre o que foi levado, utilizando-se do patrimônio do causador do dano para restauração do equilíbrio rompido. Com isso, além de punir o desvio de conduta e amparar a vítima, serve para desestimular o violador potencial, o qual pode antever e até mensurar o peso da reposição que seu ato ou omissão poderá acarretar.”
A responsabilidade tem origem no latim, respondere, que significa responder enquanto decorrência da palavra ‘responsável’; para Raimundo Simão de Melo (2010, p. 234) “em significação ampla, revela o dever jurídico em que se coloca a pessoa em razão de um contrato ou da lei para satisfazer uma obrigação devida ou para suportar sanções legais que se lhe impõem uma obrigação a cumprir”.
A atual regulamentação civilista pátria fornece alicerce do instituto em comento e prevê a responsabilidade civil em três dispositivos que se complementam, nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, in verbis:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Trata-se de uma forma do ordenamento jurídico proteger a conduta idônea, ou seja, tutelar o lícito e reprimir o ato ilícito. Assim, Sérgio Cavaliere Filho (2007, p. 02) entende que:
“[…] a ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza do direito a que correspondem, podem ser positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer ou tolerar alguma coisa. (…) Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações.”
Por tudo quanto exposto tem-se que a idéia central da responsabilidade civil é a obrigação de reparar que surge da conduta geradora de dano e, também, evitar novos danos mediante imposição, seja da lei ou do contrato, de sanção pecuniária ou de obrigação de fazer.
Assim, necessário se faz adentrar os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva ou aquiliana, quais sejam: a) Ação ou Omissão; b) Dolo ou Culpa; c) Relação de causalidade; d) Dano efetivo.
1.1 Ação ou Omissão
O comportamento humano se manifesta por conduta ativa ou passiva, na medida em que se exterioriza mediante uma ação ou omissão. A ação caracteriza-se por um comportamento positivo, ou seja, consiste na prática de atos e desenvolvimento de atividade, para Sérgio Cavaliere Filho (2007, p. 195):
“A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque, fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer.”
Na responsabilidade civil, em regra, o autor da ação só responde por aquele fato ao qual deu causa, por conduta própria, como é o caso do atropelo em que o lesado buscará a reparação frente ao condutor do veículo.
Todavia, há hipóteses legais em que será possível pleitear o ressarcimento do dano de pessoa adversa, surgindo assim, às responsabilidades pelo fato de outrem e pelo fato da coisa. O primeiro ocorre por o ato ou fato de terceiro que não respondem judicialmente por seus atos, por exemplo, filhos menores, prepostos e empregados.
Os danos causados nesses casos serão discutidos e reparados por seus representantes legais, quais sejam respectivamente: pais, empresa ou empregador.
Quanto ao fato da coisa, entende-se por ação danosa àquela causada por animal ou coisa que estava sob a guarda, vigilância e cuidado de alguém que será responsabilizado por ter falhado no cumprimento de qualquer desses deveres.
Como se pode citar o exemplo dos contratos de locação e comodato nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 196) “a guarda jurídica da coisa, nesses casos, a toda evidencia, cabe ao locatário ou comodatário, sendo consequentemente os responsáveis pelo fato das coisas, e não o proprietário”.
Já a omissão, tem origem no latim omissio que decorre do termo omittere (omitir) no sentido de deixar, abandonar, exprime a ausência de ação. Segundo De Plácido e Silva (2003, p. 573):
“A omissão não é um fato. Muito ao contrário, revela o que não aconteceu. Não é pois um acontecimento, embora se diga um acontecimento, embora se diga um ato negativo, em distinção do que se fez, que é ato positivo” (grifos do autor).
Logo em seguida De Plácido e Silva (2003, p 573) conceitua a omissão no que tange ao sentido jurídico, nas palavras do doutrinador seria “a omissão ao dever jurídico ou a falta que se comete em não dizer ou não fazer alguma coisa” (grifos do autor).
Assim também entende Sérgio Cavaliere Filho (2007, p. 24) ao afirmar que:
“[…] a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente, cirando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.”
São os casos em que se considera a omissão um permissivo para a ocorrência do evento danoso, assim “não impedir o resultado significa permitir que a causa opere” (CAVALIERE, 2007, p. 24).
No âmbito juslaboral, temos como exemplo, nas palavras de Raimundo Simão de Melo (2010), o empregador que deixa de adequar o ambiente do trabalho em desrespeito às normas ambientais legais e contratuais.
Portanto, só haverá responsabilização nos casos de omissão quando o omitente tiver o dever jurídico de agir, compreendido como àquele que ocupa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado.
O que se enquadra perfeitamente ao estudo, pois o empregador tem o dever legal de garantir e manter condições higiene, segurança e saúde do trabalhador. Nesse sentido, Raimundo Simão de Melo (2010, p. 70) alerta:
“[…] devem as empresas desembolsar dinheiro para adequação do meio ambiente dentro de níveis razoáveis, para se eliminar ou, ao menos, diminuir os riscos ambientais, como vem sendo a tendência internacional na eliminação dos riscos para a saúde do trabalhador.”
Assim, como já visto, só corrobora com o presente trabalho, pois traz a necessidade de legitimar o direito do empregado, face ao dever legal do empregador em manter condições dignas dentro do ambiente laborativo.
De tal modo que há a responsabilização do empregador face o empregado quando há omissão ao que preceitua o ordenamento jurídico pátrio e, assim, configura-se acidente de trabalho. Além disso, há o direito do empregado em requerer judicialmente indenização por danos morais e patrimoniais decorrente do acidente de trabalho.
1.2 Dolo ou Culpa
Outro elemento de irrefutável importância para o estudo da responsabilidade civil é a culpa e, também, a sua distinção do dolo. O incipiente debate acerca do tema suscitada pelas teorias objetiva e subjetiva da responsabilidade civil, demonstra divergência na seara trabalhista.
Isto porque, para alguns, a previsão incerta no §3º do art. 225 da Constituição encerra a responsabilidade objetiva do empregador pelos acidentes do trabalho, o que, por conseqüência, excluiria a necessidade em analisar a existência de culpa.
Assim, os adeptos da teoria do risco acreditam ser suficientes a ocorrência do acidente do trabalho e a existência de nexo causal com a atividade desenvolvida pela empresa para caracterização da responsabilidade civil do empregador e conseqüente percepção da indenização correspondente.
Todavia, tal posicionamento gera muitas divergências sendo amplamente aplicada na prática juslaboral a teoria da responsabilidade subjetiva, também baseada em dispositivo constitucional, qual seja, inc. XXVIII do art. 7º da norma maior.
O entendimento tradicional adota reconhece que a previsão do art. 225, §3º, refere-se às lesões ao meio ambiente do trabalho sugere a responsabilidade objetiva da empresa em face das atividades e condutas consideradas lesivas aplicando-se sanções administrativas e penais.
Porém, no que tange especificamente a obrigação de indenizar o lesado individualmente pelo acidente do trabalho, prevalece a corrente da responsabilidade subjetiva, exigindo assim maior análise acerca da comprovação de culpa ou dolo do empregador nos termos do art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal.
O dolo tem origem latina no vocábulo dolus o qual possui significação de artifício, manha, esperteza, velhacaria e, segundo De Plácido e Silva (2002, p. 287), na terminologia jurídica indica toda espécie de engano ou manejo com a intenção de induzir outrem à prática de um ato jurídico, em prejuízo deste e proveito próprio ou de terceiro.
Em caso de dolo, o fato decorre de ato ilícito penalmente caracterizado nos termos do art. 18, inc. I, do Código Penal. Logo, configura-se conduta dolosa quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo, ou seja, atua intencionalmente para violar direito ou praticar ato ilícito.
Diz Silvio Rodrigues (2009, p. 160) que “o dolo se caracteriza pela ação ou omissão do agente que, antevendo o dano que sua atividade vai causar, deliberadamente prossegue, com o propósito mesmo de alcançar o resultado danoso”.
No comportamento doloso o empregador que dá causa ao acidente do trabalho, agindo de forma consciente objetivando a ocorrência de dano a outrem, caracteriza crime contra a pessoa seja o homicídio, lesões corporais, perigo para a vida ou a saúde, e sofrerá as repercussões jurídicas penais (OLIVEIRA, 2011)
A diferença entre dolo e culpa para Sérgio Cavaliere Filho (2007) reside no momento em que nasce a ilicitude, em ambos existe a conduta voluntária do agente, mas no caso do dolo a conduta já nasce ilícita porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico, enquanto a culpa nasce de conduta lícita tornado-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente aceitos.
Para caracterização da conduta culposa, necessário explicitar o pressuposto conhecido por ‘dever de cuidado’, a partir do qual se entende que a prática dos atos da vida, ainda que lícitos, deve atentar à cautela necessária para que de sua atuação não resulte lesão a bens jurídicos de outrem.
Vejamos também o grau do dever de cuidado, exteriorizado mediante a cautela e diligência, que se espera em cada caso concreto donde deverá ser objeto de análise ‘não só o esforço da vontade para avaliar e determinar a conduta adequada ao cumprimento do dever, mas também os conhecimentos e a capacidade ou aptidão exigíveis das pessoas (CAVALIERI, 2007).
Assim, para Sergio Cavalieri Filho (2007, p. 30 culpa é:
“[…] por essência o descumprimento de um dever de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, ou, como querem outros, a omissão de diligencia exigível,a dificuldade da teoria da culpa está justamente na caracterização precisa da infração desse dever ou diligencia que nem sempre coincide com a violação da lei.”
No âmbito acidentário trabalhista, a culpa será caracterizada quando o empregador agir com conduta imprudente, negligente ou imperita. É o que pensa Sebastião Geraldo de Oliveira (2011, p. 174), in verbis:
“Na questão de segurança e saúde ocupacional o empregador tem obrigação de adotar a diligência necessária para evitar os acidentes e as doenças relacionadas com o trabalho, devendo considerar todas as hipóteses razoavelmente previsíveis de danos ou ofensas à saúde do trabalhador.”
Pode-se concluir que, apesar dos textos normativos extensos e detalhados atinentes matéria infortunística, não somente a culpa contra a legalidade gera o dever de indenizar. Também pode surgir a culpa pela inobservância do dever geral de cautela tais como a adoção de medidas necessárias à prevenção de acidentes e doenças do trabalho.
1.3 Dano
Para fins de percepção da indenização, necessário se faz a constatação de dano efetivo à vítima, não sendo suficientes a ação ou omissão dotada de intenção do agente, é preciso contatar-se a ocorrência do dano.
No âmbito da responsabilidade civil, imperioso destacar que este é o pressuposto básico, como entende Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 70): “Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”.
Em sentido amplo, o conceito de dano abrange “a idéia de prejuízo, pois que este, dito também perda, é que faz em regra, caracterizar diminuição patrimonial, que justifica o pedido de indenização, quando o dano PE causado por outrem, não advindo de força maior ou caso fortuito.” (SILVA, 2002, p.238)
O art. 186 do Código Civil exige dois requisitos concomitantes, quais sejam: violar direito e causar dano a outrem. Diferentemente do direito penal, em que apenas a conduta ilícita é suficiente para imputar a penalidade (crimes de mera conduta), no âmbito da responsabilidade civil será um delito material com o resultado de dano.
O dano enquanto lesão a um bem jurídico engloba as hipóteses de dano material, dano moral ou estético.
O dano patrimonial ou material é prejuízo pecuniário efetivamente experimentado pela vítima, podendo ser auferido em valores exatos para fins de ressarcimento.
Para Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 72) “o dano material pode atingir não somente o patrimônio presente da vitima, como, também, o futuro; pode não somente provocar a sua diminuição, a sua redução, mas também impedir o seu crescimento, o seu aumento”.
O dano material subdivide-se em dano emergente e lucro cessante, conforme estabelece o art. 402 do Código Civil o ressarcimento abrange duas parcelas de natureza distintas, quais sejam: a) o que o lesado efetivamente perdeu; b) o que razoavelmente deixou de ganhar.
Então, entende-se por dano emergente “tudo aquilo que se perdeu, sendo certo que a indenização haverá de ser suficiente para a restitutio in integrum”. Na seara trabalhista Sebastião Geraldo Oliveira (2011, p. 220) esclarece:
“É o prejuízo mais visível porque representa dispêndios necessários e concretos cujos valores são apuráveis nos próprios documentos de pagamento, tais como: despesas hospitalares, honorários médicos, medicamentos, aparelhos ortopédicos, sessões de fisioterapia, salários para acompanhantes no caso de a vítima necessitar de assistência permanente de outra pessoa ou, nos casos de óbito, os gastos com funeral, luto, jazigo, remoção do corpo, etc.”
Já os lucros cessantes são “os ganhos que eram certos ou próprios ao nosso direito, que foram frustrados por ato alheio ou fato de outrem” (SILVA, 2002, p. 504). Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2007) o lucro cessante consiste na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.
Oportuna a recomendação de Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 73) para auferir a extensão do lucro cessante: “a indenização pecuniária deve ser medida pela diferença entre a situação real em que o ato ilícito deixou o lesado e a situação em que ele se encontraria sem o dano sofrido, atendendo ao curso normal das coisas”.
Em relação ao acidente do trabalho, nos dizeres de Sebastião Geraldo Oliveira (2011, p. 221) “é correto prever que o acidentado continuaria no emprego, recebendo seus salários normais com as devidas correções alcançadas pela categoria profissional”.
O dano moral ocorre quando há lesão ao patrimônio subjetivo da pessoa, ou seja, é relativo ao sujeito de direitos subjetivos, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, o direito à honra, a inviolabilidade da intimidade, da imagem, etc.
Muito bem discorre sobre o tema o doutrinador Sebastião Geraldo Oliveira (2011, p. 226):
“No estudo do dano moral decorrente do acidente do trabalho, não se pode perder de vista que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. Além disso a ordem econômica deve ser apoiada na valorização do trabalho (art.170), a ordem social terá como base o primado do trabalho (art.193) e constitui objetivo fundamental da República construir uma sociedade livre, justa e solidária (art.3º,I). O princípio constitucional de que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196), adaptado para o campo do Direito do Trabalho, indica que a saúde é direito e dever do empregador.”
Em matéria de dano de natureza imaterial, Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 278) ensina que “o dano moral é insuscetível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização”.
No acidente do trabalho é muito frequente o dano moral, constituindo-se o seu cabimento entendimento pacificado tanto na doutrina quanto na jurisprudência, desde que comprovado o dano e o nexo causal.
Principalmente nos casos em que do infortúnio laboral decorre uma lesão a integridade psicobiofísica do trabalhador de tal forma que, por vezes, significa o fim traumático de um projeto de vida, como os acidentes cujo resultado é a morte ou lesão corporal que gere incapacidade permanente havendo ainda a perda parcial da capacidade para o labor.
A configuração do dano moral para fins de indenização requer uma ofensa que ultrapasse a normalidade, dando causa à dor, sofrimento, vexame, aflição, angústia e, principalmente, interferência no comportamento da coletividade e alterações comportamentais de modo a desestabilizar o indivíduo. Tal análise somente ocorre no caso concreto confiando-se na sensibilidade do magistrado que deverá constatar a intensidade da interferência psicológica que o dano causou ao indivíduo. (MELO, 2010).
Por danos à saúde do trabalhador entendem-se também os casos de doenças ocupacionais, no mais, ressalte-se que a indenização paga a cargo do empregador é considerada um plus independente da percepção de benefícios previdenciários. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, em que a Súmula (Súm.) nº. 229. A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.
Para Raimundo de Simão Melo (2009, p. 269):
“Isto decorre do fato de que é impossível devolver-se a vida ceifada de uma pessoa, um braço ou uma perna mutilada ou a audição perdida em razão do barulho de uma fábrica. Registre-se igualmente o mal do século, o caso da LER/DORT (lesões por esforços repetitivos), cujas consequências são terríveis para o trabalhador, que normalmente se torna incapacitado para o trabalho e para os mais simples atos da vida humana.”
Já o dano ao meio ambiente do trabalho é considerado por José Rubens Morato Leite (2010, p. 271) não somente aquele que recai sobre o patrimônio ambiental, que é comum a coletividade, mas também se refere ao dano por intermédio do meio ambiente, também denominado como dano por ricochete, a interesses legítimos de uma determinada pessoa, configurando um dano particular que ataca um direito subjetivo e legitima o lesado a uma reparação pelo prejuízo, seja patrimonial ou moral.
Quanto a conceituação e efeitos do dano ao meio ambiente, Raimundo Simão de Melo (2010, p. 272) acredita que: “Não resta dúvida, como se vê, de que o meio ambiente é um fio condutor que transporta as conseqüências do dano ao ambiente propriamente dito e às pessoas individualmente consideradas (nos aspectos patrimoniais e morais)”.
Ressalte-se que, por certo, na maioria dos casos a reparação pecuniária pelo dano ambiental se dá de forma coletiva-preventiva, todavia, por efeito reflexo, pode ensejar a reparação individual. Ainda, nos casos de dano extra patrimonial (moral) a sua configuração será baseada no descaso pelos valores essenciais, tais como a paz, a saúde, os valores sociais do trabalho, a intimidade, o equilíbrio psíquico, etc.
Assim é também perfeitamente cabível a responsabilização cível na seara trabalhista decorrente de dano ambiental, uma vez que o ambiente agredido configura perturbação e cria situações de risco, favoráveis a ocorrência de infortúnios à coletividade bem como ao trabalhador individualmente considerado.
1.4 Relação de causalidade
O nexo causal possui conceito de fácil compreensão, todavia, enseja muitas dificuldades na prática forense, principalmente no que concerne à prova uma vez que é a primeira questão a ser analisada em qualquer caso envolvendo responsabilidade civil.
Tem-se que a relação causal é pressuposto essencial em qualquer espécie de responsabilidade civil, inclusive, a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho. Portanto, não é suficiente constatar a existência de conduta ilícita, seja culposa ou dolosa, e ocorrência de dano em desfavor da vítima.
Faz-se necessário que o resultado(dano) tenha sido causado pela conduta do agente(ação ou omissão), estabelecendo-se assim, uma relação direita de causa e efeito. Fundamental essa constatação de nexo, uma vez que será imputada a responsabilidade apenas ao autor material do fato.
É definição legal com previsão expressa no Código Penal, artigo 13: “O resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.
Para Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 46):
“Quando o resultado decorre de um fato simples, a questão não oferece a enor dificuldade, porquanto a relação de causalidade é estabelecida de maneira direta entre o fato e o dano. O problema torna-se um pouco mais complexo nas hipóteses de causalidade múltipla, isto é, quando há uma cadeia de condições, várias circunstancias concorrendo para o evento danoso e temos que precisar qual dentre elas é a causa real do resultado.”
Pelo quanto exposto, estamos diante do instituto das concausas ou causas concorrentes que, na matéria infortunística, possui previsões em normas esparsas que serão objeto de estudo aprofundado mais adiante.
Nosso Código Civil atual adota a teoria da causalidade adequada, conceituada por Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 49) segundo a circunstância na qual nem todas as condições necessárias para um resultado são equivalentes, devendo, portanto, prevalecer aquela que foi mais adequada a produzir concretamente o resultado.
É o que preceitua o já mencionado art. 186 e, também, art. 403 do Código Civil, in verbis: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”.
Assim, explica o jurista Caio Mário da Silva (2007, p. 50) que:
“a teoria pode assim ser resumida: o problema da relação de causalidade é um a questão cientifica de probabilidade. Dentre os antecedentes do dano, há que destacar aquele que está em condições de necessariamente tê-lo produzido. Praticamente, em toda ação de indenização, o juiz tem de eliminar fatos menos relevantes, que possam figurar entre os antecedentes do dano. São aqueles que seriam indiferentes à sua efetivação. O critério eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo a sua ausência, o prejuízo ocorreria. Após esse processo de expurgo, resta algum que, no curso normal das coisas, provoca um dano dessa natureza. Em conseqüência, a doutrina que se constrói neste processo técnico se diz da causalidade adequada, porque faz salientar, na multiplicidade de fatores causais, aquele que pode ser o centro do nexo de causalidade”.
Portanto, a caracterização do nexo causal em sentido amplo exige uma consequência necessária com indiscutível relação com a conduta humana. Vale ressaltar que, no acidente do trabalhado, o ônus probante de evidenciar o nexo causal pertence, via de regra, ao trabalhador vitimado pela doença ou acidente do trabalho.
2 OS DIREITOS ACIDENTÁRIOS, A REPARAÇÃO ACIDENTÁRIA E A REPARAÇÃO CIVIL
O direito acidentário em tempos alhures não fazia previsão clara quanto à responsabilidade do empregador, a uma porque a legislação previdenciária ao conceder o seguro pelo órgão público fazia parecer que os riscos relacionados ao labor estariam totalmente cobertos, a outra porque abria para discussão do empresariado a questão da uma indenização suportada pelo empregador que configuraria duas reparações pela mesma causa, caracterizando verdadeiro bis in idem, instituto tão combatido no direito pátrio.
Isto ocorreu devido ao fato da própria legislação infortunística instituir expressamente a exclusão da responsabilidade civil do empregador, assim o Decreto nº. 24.637/1934 no seu art.12 previa nos seguintes termos: “A indenização estatuída pela presente lei exonera o empregador de pagar à vítima, pelo mesmo acidente, qualquer outra indenização de direito comum”.
De acordo com essa premissa, a lei especial acabou por prejudicar o trabalhador ao invés de protegê-lo amplamente na situação de perda, seja total ou parcial, da capacidade laborativa. Não se pode olvidar que, desde àqueles tempos até os dias de hoje, o valor do auxílio pago ao segurado é irrisório diante das necessidades do sustento familiar que se presume de um trabalhador jovem, entenda-se, economicamente ativo.
Já o Decreto-lei nº. 7.036/1944 amenizou um pouco tamanha rigidez, pois apesar de repetir a não responsabilidade do empregador ressalvou ‘desde que o acidente tivesse resultado de dolo’, advindo do empregador ou de seus prepostos. Logo, de forma inovadora, previu-se o cabimento de cumulação da cobertura securitária com a indenização do direito comum, na única hipótese supra e ainda constatada no procedimento próprio nos casos especialmente analisados.
Dada previsão da ocorrência de conduta dolosa como elemento exclusivo para indenizar o acidentado causou grandes discussões no meio empresarial frente aos sindicatos que, não obstante o avanço galgado, ainda pretendiam ver ressarcida a hipótese mais ampla de acidente de trabalho, qual seja: conduta culposa.
O primeiro passo para a implementação da culpa como pressuposto da indenização de natureza civil pelo empregador foi dado pela jurisprudência do STF, capitaneada pelo inovador Ministro Antônio Gonçalves de Oliveira, levando à baila do debate divagações acerca de outros pontos relevantes como a negligência, a omissão na adoção de prevenções, o menosprezo pela segurança do empregado, etc. Tal pensamento ganhou adesão na suprema corte e culminou na aprovação da Súmula nº. 229, com a seguinte redação: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”.
Assim, passou-se a atentar para o grau de culpa do empregador nas causas do acidente, uma vez que superada a supressão legal quanto a obrigação de indenizar decorrente de conduta culposa. Mesmo porque, a partir da edição da súmula citada, imperioso seria para o trabalhador caracterizar a culpa grave para, só então, cumular o benefício previdenciário com a indenização a ser paga a cargo do empregador.
Com a revogação do Decreto-lei nº. 7.036/1944 e a publicação das novas leis de infortunísticas, Leis nº. 5.316/1967 e 6.367/1976, o tema voltou a cercar-se de interrogações uma vez que os diplomas citados foram omissos quanto à responsabilidade do empregador em indenizar o trabalhador acidentado. No entanto, o tribunal supremo manteve o entendimento em seus acórdãos.
A questão continuou a ser amplamente debatida até ser incluída no projeto da Constituição da República de 1988, quando as estatísticas haviam alcançado números alarmantes de mortes, aposentadorias por invalidez e doenças ocupacionais.
Somente então se passou a prever na constituição federal de 1988, a responsabilidade civil do empregador por culpa independentemente do grau ou espécie, e ainda, em algumas hipóteses a responsabilidade civil objetiva, como os casos de acidente de trabalho em que a empresa exerça atividade declaradamente de risco.
Ademais, este era o caminho natural a seguir na nova ordem uma vez que tendente aos novos paradigmas sociais que caracterizam a atual carta magna.
Hodiernamente, o dispositivo constitucional ampliou significativamente as hipóteses de percepção de indenização através da instituição do rol de doenças profissionais e do nexo técnico epidemiológico, também não restam dúvidas quanto ao cabimento da acumulação de benefícios previdenciários com indenização cível a cargo do empregador, sem condicioná-lo ao dolo ou a culpa grave.
Em consonância com a carta maior e seus preceitos sociais, a legislação infortunística atual faz previsão expressa: “Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.
3 CUMULAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS COM A REPARAÇÃO CIVIL
Num viés voltado ao tema deste trabalho, verifica-se a disposição do art. 7º, XXVIII, da Constituição da República na qual o legislador originário fez indicação à responsabilidade civil do empregador pelos danos causados por acidente de trabalho, independentemente da percepção do auxílio previdenciário. Vejamos:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Também, como dito anteriormente, a legislação específica – Lei nº. 8.213/1991, art.121 – esclarece qualquer dúvida quanto ao cabimento de percepção do benefício juntamente com a indenização. Isto porque, as duas prestações pecuniárias possuem natureza jurídica diversa.
Vejamos que os benefícios pagos pelo órgão previdenciário prescindem da análise dos aspectos subjetivos, quais sejam: dolo ou culpa, dano e nexo causal. Lembre- se que a Previdência Social possui responsabilidade objetiva ante seus segurados no pagamento das coberturas obrigatórias.
Porém, o seguro obrigatório pago pelo INSS tem caráter alimentar para fins de subsistência do acidentado e de sua família enquanto este não exerce seu labor, assim sendo, não cobre demais despesas decorrentes do acidente tais como internações hospitalares, remédios, intervenções cirúrgicas, tratamentos médicos, próteses, dentre outros.
Por isso que se considera como indenização de direito comum o valor pago a cargo do empregador para fins de reparação dos danos materiais, estéticos, morais e, ainda, dos lucros cessantes e danos emergentes; razão pela qual o empregador responde civilmente pelos danos a que deu causa.
Partindo-se dessa premissa básica quanto à natureza diversa entre as prestações, uma sendo de direito comum e outra de direito previdenciário, a maioria da doutrina e da jurisprudência entende serem as duas totalmente independentes. Para Raimundo Simão de Melo (2010, p. 495):
“Esses benefícios são pagos pelo órgão previdenciário, pela simples ocorrência do evento. Não se averigua os aspectos do dolo ou culpa do empregador, mas apenas o dano causado e o nexo com o trabalho, ante a responsabilidade objetiva da Previdência Social”.
Há, no entanto, duas correntes doutrinárias que apesar de entenderem ser a indenização de direito comum independente do benefício, divergem acerca da dedução do valor pago pela previdência sobre o valor da indenização a cargo do empregador.
A primeira corrente sugere que a indenização de direito comum deve ter caráter complementar ao beneficio previdenciário, acumulando-se de modo a deduzir o valor pago pela previdência. A outra corrente defende que a acumulação deve ocorrer independentemente de abatimento de quaisquer valores pagos.
A corrente majoritária, no momento mais atual, é pela acumulação sem compensação, isto porque a responsabilidade civil da Previdência Social é objetiva, enquanto a responsabilidade civil do empregador é subjetiva. É o que explica Terezinha Lorena Saad (2010, p. 499):
“A reparação infortunística decorre da teoria do risco social, amparada pelo seguro social a cargo da Previdência Social, enquanto a responsabilidade civil comum tem como supedâneo a culpa do patrão ou do seu preposto. As causas e os sujeitos passivos para a obrigação de reparar são distintos […]”
Nesse mesmo sentido leciona Sebastião Geraldo Oliveira (2011, p. 83):
“O empregado acidentado recebe os benefícios da Previdência Social, cujo pagamento independe da caracterização de culpa, já que a cobertura securitária está fundamentada na teoria da responsabilidade objetiva. E pode receber, também, as reparações decorrentes da responsabilidade civil, quando o empregador tiver dolo ou culpa de qualquer grau na ocorrência, com apoio na responsabilidade de natureza subjetiva. Como registra o texto da Constituição, a cobertura do seguro acidentário não exclui o cabimento da indenização.”
Para fins de percepção das prestações acidentárias a análise refere-se, exclusivamente, ao dano causado pelo acidente relativo à redução, parcial ou total, da capacidade laborativa. Assim, os outros danos causados pelo acidente, que não são cobertos pelo seguro-acidente, devem correr a cargo do empregador.
Nas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira (2011, p. 85), “uma vez fixada diretriz a ser seguida pela própria Constituição da República optando pela cumulação, não há que se falar em compensar a parcela recebida pela vitima, ou seus dependentes, da Previdência Social; isto porque, o reconhecimento de um direito não exclui e não reduz o outro”.
Informações Sobre o Autor
Carolina Lordelo Rodrigues
Bacharel em Direito pela UFBA pós graduada em direito do trabalho pelo Jvs Podium. Sócia fundadora do escritório Lordelo Advocacia