1) Introdução:
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, textualmente diz que os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, são considerados serviços, portanto, dentro da aplicação das normas consumeristas. Ninguém duvida de que este setor da economia presta serviço ao consumidor e que as leis de proteção ao consumidor se aplicam a estas instituições. Mesmo com a clareza do texto legal, houve por parte dos bancos, interpretação contrária, inclusive necessitando de que o Poder Judiciário declarasse o que a lei já enunciava: os bancos prestam serviços. A questão atualmente é pacífica na jurisprudência.
Nos dias de hoje, sabemos que quando se celebra um contrato com as instituições financeiras, é geralmente um contrato de adesão, as cláusulas são predispostas unilateralmente, a fim de racionalizar ao máximo a gestão empresarial. Afeta a liberdade dos clientes que contratam com as instituições financeiras e a autonomia das partes para estabelecer os conteúdos contratuais, suprimindo as negociações prévias cabendo ao cliente aceitar ou recusar as condições impostas.
Enquanto os contratos particulares se caracterizam pela discussão das cláusulas que compõem o seu conteúdo, os contratos financeiros, bancários e de cartões de crédito são contratos por adesão dos clientes ou consumidores, que não discutem as suas cláusulas como aconteceria em qualquer outro tipo de negociação.
Mas, a estipulação unilateral de cláusulas contratuais acarreta a prática de vários abusos por parte destas instituições: contratos leolinos, ilegíveis, absolutamente impossíveis de serem cumpridos, com custos exagerados, aleatória e unilateralmente cobrados mediante débito em conta corrente.
2) Os serviços, contratos bancários e o Código de Defesa do Consumidor:
O art. 3o., § 2o. do CDC dispõe claramente que: “serviço é toda atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Portanto, os contratos bancários contêm uma relação jurídica qualificada como sendo de consumo, fator determinante para incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive é uma proteção legal baseada no dispositivo constitucional em que prevê a defesa do consumidor como princípio em que se assenta a ordem econômica.1
Mas não é todo e qualquer tipo de contrato bancário que estariam sendo protegidos pelo CDC. Há aqueles que não estão fora do âmbito da lei consumerista, ou seja, aqueles em que os usuários dos serviços bancários não são destinatários finais dos recursos, em cujos contratos, existir cláusulas leolinas e abusivas. Se estiverem em condição de vítima de algum comportamento indesejado pelo sistema, deverão buscar proteção nas normas de direito comercial ou do direito civil, pois o ordenamento jurídico tem princípios proibindo o enriquecimento ilícito, as cláusulas leolinas, etc. ainda que não sejam normas tão incisivas quanto o Código de Defesa do Consumidor.
3) Responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor:
O instituto da responsabilidade civil tem um largo alcance, evidenciado em qualquer situação fática decorrente de relações jurídicas.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a defesa do consumidor passou à condição de garantia fundamental (art. 5o., inciso XXXII). Promulgado o Código de Defesa do Consumidor, ficou expressou que as normas de proteção ao consumidor são de ordem pública e de interesse social (art. 1o.), de modo que a vontade das partes não pode altera-las, posto não ficarem no seu poder dispositivo. Mostram-se cogentes e de aplicação obrigatória.
O art. 14 do CDC estabelece: “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, vem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
A exploração da atividade econômica tem uma série de características, que dentro delas, se destaca o risco. Adota, portanto, o CDC a teoria da responsabilidade objetiva, se não se exige a culpa, em qualquer de seus graus, impõe-se a existência do nexo causal entre a atuação ou omissão da instituição financeira e o resultado danoso. O banqueiro, como todo outro profissional, responde contratualmente perante a sua clientela pelas suas faltas e deficiências, mesmo identificadas como leves. Pois, não há dúvida de que os bancos assumem obrigação de guarda e vigilância.
Esse entendimento que vem prevalecendo na doutrina e na jurisprudência, reafirmado em acórdão do Tribunal de Alçada do Paraná, ao entender que “o Código de Defesa do Consumidor responsabiliza o fornecedor, independentemente da existência de culpa, pelo reparo dos danos causados ao consumidor, por defeito na prestação de serviços”. (TAPR, 1a. C., Ap. 66.096-8, Repertório IOB de Jurisprudência 15/94)2.
O fornecedor – usada a expressão em seu caráter genérico e polissêmico – se propõe a explorar atividade de risco, com prévio conhecimento da extensão desse risco; se o prestador de serviços se dedica à tarefa de proporcionar segurança em um mundo de crise, com violenta exacerbação da atividade criminosa, sempre voltada para os delitos patrimoniais, há de responder pelos danos causados por defeitos verificados nessa prestação, independentemente de culpa, pois a responsabilidade decorre só do fato objetivo de serviço e não da conduta subjetiva do agente.3
4) Dever de indenizar: danos materiais e morais
O ponto de partida do direito ao ressarcimento dos danos sofridos pelo consumidor e do dever de indenizar do agente responsável pelo produto ou pelo serviço é o fato do produto ou do serviço causador do acidente de consumo. Portanto, a responsabilidade civil do agente do dever de indenizar é objetiva, decorrente do risco integral de sua atividade econômica.
Conforme o art. 6o., inciso VI do CDC, garante ao consumidor a reparação integral dos danos patrimoniais ou morais, como também, enuncia nos arts. 12 e 14 a ampla reparação dos danos materiais (patrimoniais) e morais. Mas essa ampla indenização é na medida de suas conseqüências.
Os pressupostos da responsabilidade são: 1) aquele que infringe a norma; 2) a vítima da quebra; 3) o nexo causal entre o agente e a irregularidade; 4) o prejuízo ocasionado – o dano – a fim de que se proceda à reparação, ou sejam tanto quanto possível, ao reingresso do prejudicado no “status” econômico anterior ao da produção do desequilíbrio patrimonial.4
O dano material (patrimonial), segundo Maria Helena Diniz, “vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável”. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa e sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios.5
Yussef Said Cahali, caracteriza o dano moral pelos seus elementos: “privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”6. Ou como assinala Carlos Bittar, citado por Yussef Said Cahali, “qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).7 Portanto, dano moral é aquele que afeta a paz interior da pessoa lesadal atinge seu sentimento, o decoro, o ego, a honra, tudo aquilo que não tem valor econômico mas causa dor e sofrimento.
Para a reparabilidade do dano material, emergente ou lucros cessantes, ou seja, perda patrimonial efetivamente ocorrida e aqueles que compreendem tudo o que a pessoa lesada deixou de auferir em decorrência do dano, é indenizado na exata medida de sua extensão. A indenização pelo dano moral ter caráter satisfativo-punitivo e tem de ser fixada segundo certos critérios objetivos.
5) Jurisprudências:
Afirmada constitucionalmente a reparabilidade do dano moral, a jurisprudência está se consolidando no sentido de que o “abalo de crédito” na sua versão atual, independentemente de eventuais prejuízos econômicos que resultariam do protesto indevido do título, comporta igualmente ser reparado como ofensa aos valores extrapatrimoniais que integram a personalidade das pessoas ao seu patrimônio moral. (Yussef Said Cahali, Dano Moral: abalo de crédito e abalo de creditibilidade, 2a ed, 1998, p. 367)
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem o seguinte entendimento:
ESTRAVIO DE TALONÁRIO DE CHEQUE DE CLIENTE – SITUAÇÃO VEXATÓRIA IMPOSTA AO CORRENTISTA
INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Banco – Dano moral – Negligência evidenciada – Extravio de talonário de cheque de cliente – Situação vexatória imposta ao correntista – Verba devida – Recurso não provido.
Ap. Cível n. 272.324-1 – São Paulo – Apelante: Banco do Progresso S.A – Apelado: Ismael Barreto dos Santos.
Acórdão:
Ementa oficial
Indenização – Dano moral – Extravio de talonários de cheque por culpa do Banco – situação vexatória imposta ao correntista – Indenização devida – sentença confirmada – apelo improvido.
Acordam, em Primeira Câmara de Direito privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do relator; que ficam fazendo parte do acórdão.
O julgamento teve a participação dos Senhores Desembargadores Álvaro Lazzarini (Presidente) e Laerte Nordi, com votos vencedores.
(Presidente) e Laerte Nordi, com votos vencedores.
Alexandre Germano, relator:
Ação indenizatória movida por Ismael B. dos Santos contra o Banco do Progresso S/A, pleiteando o ressarcimento por dano moral sofrido em decorrência de furto de dois talões de cheque de uma das agências do réu.
Alega que sofreu pressões psicológicas e atravessou um período de situações vexatórias.
A sentença de fls. 76/90 julgou procedente a ação, condenando o réu ao pagamento de cem salários mínimos, incidindo juros moratórios de 6% ao ano, contados desde a citação. Também condenou o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da causa.
Apela o vencido (fls 94/99), sustentando que não houve dano patrimonial sofrido pelo autor e, portanto, não há que se cogitar o ressarcimento pelo dano moral. Quanto ao valor fixado a título de indenização, alega ser inadequado à realidade jurisprudencial.
Não merece prosperar o recurso.
É evidente a negligência do Banco na guarda de talonários emitidos em nome do autor, devendo o estabelecimento de crédito ser responsabilizado pelos danos ocasionados.
Não importa que não tenha o autor sofrido danos patrimoniais, pois independentemente destes são indenizáveis os danos morais aqui comprovados… in Marco Antonio Delatorre Barbosa e Ozéas J. Santos, Contra Banco, pág. 1788 e 1789. Ed. Forense.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina assim decidiu:
TJSC – Desembargador Francisco Oliveira Filho
Responsabilidade civil. Culpa Aquiliana. Extravio de talonário in albis no interior da agência bancária. Ato estranho ao cliente. Dano a terceiro. Negligência configurada. Apelo acolhido.
Seguros:
Execução – Contrato de seguro de vida – Embargos à execução opostos pela seguradora objetivando eximir-se da responsabilidade pela indenização com base em cláusula contratual – Último pagamento efetuado pelo segurado com atraso – Circunstância que não pode suspender os efeitos de pacto at;e o mês subseqüente – Contrato de adesão – Cláusula abusiva e iníqua – nulidade – interpretação sistemática e teleológica do art. 5o. da LICC c/c art. 1435 da Lei Substantiva Civil e arts. 54 e 55 do Código de Defesa do Consumidor.
As cláusulas contratuais, sobretudo aquelas decorrentes de contrato de adesão, não podem ser interpretadas literalmente, fazendo-se mister um exagese sistemática e teleológica com os artigos pertinentes do Código Civil e legislação aplicável à espécie, assim como os princípios gerais de direito orientadores da matéria.
Deve ser considerada como leolina a cláusula que confronta com o princípio de equilíbrio a ser mantido entre as partes contratantes, tendo em vista a imposição ao segurado de um ônus tão excessivo que passa a corresponder a total frustação do próprio objeto do pacto.
O ônus contratual imposto ao segurado pelo simples atraso por poucos dias no pagamento da última prestação é efetivamente abusivo e iníquo, pois coloca o consumidor em desvantagem tal que os efeitos da cobertura do seguro ficam suspensos automaticamente, isentando a seguradora de qualquer indenização, até o primeiro dia do mês subseqüente. Por isso, a morte do segurado ocorrida neste ínterim não pode eximi-la da responsabilidade assumida, sob pena de importar em condenável enriquecimento sem causa às custas dos beneficiários.
O julgador não é mero autômato, um simples aplicador da fria e abstrata norma jurídica ao caso concreto; é sobretudo agente político na dinâmica social, que procura compor os conflitos de interesses qualificados por pretensões resistidas ou insatisfeitas, com o mais alto espírito de equanimidade e de justiça, sem o que não se alcança a verdadeira e desejada paz social. A mitológica Deusa da Justiça tem os olhos vendados; porém, o Magistrado tudo enxerga. (Jurisprudência Catarinense 72:739)
Comissão de permanência:
Inadmissível a cobrança cumulativa de comissão de permanência, quando já vinculada à correção monetária. Constitui ônus da instituição financeira o comprovar devidamente a não concorrência do “bis in idem” em tema de atualização compensatória da desvalorização da moeda. (Embargos de divergência no recurso especial n.º 4.909 – MG/ Rel. Originário Min. Dias Trindade/Rel. p/ Acórdão Min. Athos Carneiro / in Revista do STJ n.º 33, maio 1992/p.254)
Negativação no SPC e SERASA:
Tribunal de Alçada do rio Grande do Sul
Estando em discussão a legitimidade do crédito, correta a decisão que manda sustar a negativação do devedor junto à Central de Restrições e que o impede, na prática de qualquer operação bancária. Precedentes da Câmara a respeito do CADIN. Aplicação do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. (TA-RS, AI 195155.551 / 4a Câm. Civ./ Rel. Juiz Moacir Leopoldo Haeser/ Vademécum Jurídico Atualizável-CD/ Ed. Síntese/ ementa 700.156.
6) Conclusão:
Qualquer atividade de natureza bancária, financeira, de crédito ou securitária suas relações jurídicas estão reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. Portanto, seguem os requisitos determinados por este codex. Os abusos decorrentes da relação entre os consumidores e fornecedores de serviços destas instituições, têm como amparo a teoria objetiva da responsabilidade civil, ou seja, a culpa é presumida.
Se o fornecedor – usada a expressão em seu caráter genérico e polissêmico – se propõe a explorar atividade de risco, com prévio conhecimento da extensão desse risco; se o prestador de serviços dedica-se à tarefa de proporcionar segurança em um mundo em crise, com violenta exacerbação da atividade criminosa, sempre voltada para os delitos patrimoniais, há de responder pelos danos causados por defeitos verificados nessa prestação, independentemente de culpa, pois a responsabilidade decorre do só fato objetivo do serviço e não da conduta subjetiva do agente.
Portanto, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, está garantido ao consumidor o direito de ir a juízo requerer a indenização por dano material, representado por perdas emergentes ou relativos a lucro cessantes, ou mesmo, por dano moral, a qual sua reparação é integral.
Notas
1. art. 170 da CF dispõe:”A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:… V – a defesa do consumidor”.
2. ALBUQUERQUE, J. B. Torres. Abuso dos estabelecimentos bancários. Vol. I, Leme: Serrano, 1998, p. 175.
3. Idem ob. cit.
4. STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 42.
5. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1993.
6. CAHALI, Yussef Said. O dano moral e sua reparação. 2a. Ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 20.
7. Apud CAHALI, Yussef Said. O dano moral e sua reparação. 2a. Ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 20.
Bibliografia
ALBUQUERQUE. J. B. Torres. Abuso dos estabelecimentos bancários. vol. I e II Leme: Serrano, 1998.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2a. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1993.
GARCIA, Edgar Oliveira. Defenda-se dos bancos. 2a. ed. Leme: Editora de Direito, 1998.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1997.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentarios ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1 ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000.
MATTA, Amauri Artimos da. Manual do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
SILVA, Luiz Claudio Barreto. O consumidor nos tribunais. Leme: Editora de Direito, 1999.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
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Adriana Carvalho Pinto Vieira