Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada

Resumo: O presente artigo oferece uma análise panorâmica das normas previstas no Código Civil pelas quais se admite a responsabilização dos sócios pelas obrigações da sociedade limitada, bem como as regras que dispõe sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Partindo-se do pressuposto da autonomia patrimonial entre sociedade empresária e sócios, verificar-se-á que o Código prevê exceções a essa regra geral. Sustenta-se que o juiz deve observar estritamente a legislação, quando da responsabilização dos sócios pelas obrigações sociais, como forma de promover a segurança jurídica, vale dizer, a confiabilidade no sistema judiciário pátrio, uma vez que tal confiabilidade repercute na economia da nação e, consequentemente, na vida de cada cidadão.


Palavras-chave: Responsabilidade dos sócios; sociedade limitada; autonomia patrimonial.


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Abstract: The present article offers a panoramic analysis of the rules established in the Civil Code by which the law allows the partners liability for debts of the limited company and the rules about disregard of Legal Entity. Starting from the premises of distinct property between limited company and the partners will verify that the Civil Code provides exceptions to this rule. We defend that judge should strictly observe the law when apply the rules that liable the partners for limited company debts, as a way to promote righteousness assurance, it means, trust in legal system, because this trust is important for the economy of the nation like that for the life of every person.


Keywords: Partners liability; limited company; distinct property


Introdução


Com o presente trabalho propomo-nos a demonstrar quais as normas do Código Civil que dispõem sobre a responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. Partindo-se do pressuposto que a regra geral aplicada a esse tipo societário é a da não responsabilidade dos sócios, verificar-se-á que existem situações nas quais os sócios poderão responder por obrigações da sociedade com seus patrimônios pessoais.


A limitação da responsabilidade dos sócios resulta da separação patrimonial existente entre a sociedade empresária e os sócios. Isso significa que a sociedade possui um patrimônio próprio, pelo qual responderá por suas obrigações. Com efeito, os patrimônios pessoais dos sócios não se comunicam com o patrimônio da sociedade, de forma que eles não responderão (em princípio) por dívidas dela.


Consoante Fábio Ulhoa Coelho:


“Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra pelas obrigações da sociedade”. (COELHO, 2010b, p. 16)


Procuraremos delimitar as regras gerais que garantem a limitação da responsabilidade dos sócios na sociedade limitada, bem como a responsabilização dos sócios pelo capital social não integralizado. Abordaremos as normas prescritas no Código Civil que permitem a responsabilização dos sócios. Serão abordados, ainda, determinados aspectos de outros ramos do Direito pelos quais os sócios poderão ser responsabilizados, e, também, será analisada a questão da desconsideração da personalidade jurídica, que é aplicada em caso de abuso dessa personalidade.


Deve-se ter presente que fixamos limites precisos, isto é, a análise das normas do Código Civil pelas quais se permite a responsabilização dos sócios na sociedade limitada, adentrando, outrossim, em outros ramos do Direito – tributário, previdenciário, trabalhista, consumeirista e ambiental. Dentro desses limites, o método que seguiremos é o da verificação do estado da arte, vale dizer, identificar na legislação e na doutrina quais as normas pertinentes ao tema proposto.


1. Da limitação da responsabilidade dos sócios e a sua responsabilização pelo capital social não integralizado


Empreender significa correr riscos. Portanto, todos os que empreendem atividades empresariais estão sujeitos a prejuízos. Conforme se verificou na recente crise econômica mundial de 2008-2009, nenhuma sociedade empresária está livre dos reveses de sua atividade.


O instituto da limitação da responsabilidade dos sócios foi criado justamente para que os empreendedores tenham certas garantias e, conseqüentemente, estímulos ao exercício da atividade empresarial. Trata-se de uma segurança necessária, sem a qual, dificilmente alguém se arriscaria em empreendimentos empresariais, o que seria um malefício social, uma vez que os empresários fornecem produtos e serviços essenciais para a vida em sociedade, além de proporcionarem postos de trabalho e receita tributária.


Corroborando esse entendimento Fábio Ulhoa Coelho afirma:


“A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços.” (COELHO, 2010b, p. 16)


A sociedade limitada como tipo societário previsto em lei teve início na Alemanha, no final do século XIX. Após isso, vários outros países passaram a adotar esse tipo societário em suas legislações. No Brasil, foi adotado pelo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, o qual era consideravelmente conciso – apenas 19 artigos – e foi revogado pelo Código Civil de 2002, que regulamenta de forma mais detalhada as sociedades limitadas (PATROCÍNIO, 2008, p. 1-2).


Como o próprio nome diz a ideia principal relacionada à sociedade limitada é a limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, vale dizer, os sócios não respondem com seus patrimônios pessoais pelas dívidas da sociedade, em regra.


O Código Civil, no artigo 1.052, prescreve que “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.


Conforme se verifica da leitura do artigo, a regra geral quanto às sociedades limitadas é a da não responsabilização pessoal dos sócios pelas dívidas da sociedade. Ou seja, a sociedade empresária é a responsável por suas obrigações, e os sócios, em princípio, têm seu patrimônio pessoal protegido pela limitação da responsabilidade.


Fábio Ulhoa Coelho ensina:


“A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometeram, no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade”. (COELHO, 2010b, p. 413)


Todavia, essa regra da irresponsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais comporta exceções, vale dizer, ocasiões nas quais os credores da sociedade limitada poderão satisfazer seus créditos no patrimônio pessoal do sócio (COELHO, 2010b, p. 417-418). A primeira delas está prevista no próprio texto de lei transcrito acima, pelo qual, todos os sócios “[…] respondem solidariamente pela integralização do capital social.” (Código Civil, art. 1.052, fine).


Isso significa que quando da constituição de uma sociedade limitada, no contrato social deverá constar a quantia – em dinheiro, bens ou créditos – com a qual cada sócio contribuirá para a formação do capital social da sociedade empresária. Esse compromisso escrito, pelo qual não se exige disponibilidade imediata da quantia, denomina-se capital social subscrito. A integralização do capital social ocorre, com efeito, quando o sócio disponibiliza, entrega o capital social subscrito para a sociedade, como por exemplo, depositando na conta bancária da sociedade empresária a quantia com a qual se comprometeu pelo contrato social.


Quando tal integralização do capital social não ocorre, todos os sócios respondem solidariamente pela quantia não integralizada, mesmo aqueles sócios que já integralizaram suas quotas.


Fábio Ulhoa Coelho exemplifica essa responsabilização dos sócios pelo capital social subscrito mas não integralizado da seguinte forma:


“O limite da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da limitada é o total do capital social subscrito e não integralizado (CC, art. 1.052). Se Antonio, Benedito e Carlos contratam uma sociedade limitada, com capital subscrito de R$ 100.000,00, arcando, respectivamente, com 50%, 30% e 20% desse valor, cada um deles é responsável pela soma das quantias não integralizadas. Se Antonio integraliza R$ 30.000,00 (de sua quota de R$ 50.000,00), Benedito, R$ 20.000,00 (da quota de R$ 30.000,00), e Carlos também R$ 20.000,00, então o total do devido à sociedade pelos sócios é R$ 30.000,00. Esse é o montante que os credores da sociedade podem cobrar, do sócio, para satisfação de seus direitos creditícios.” (COELHO, 2010b, p. 415)


Se os três sócios tivessem integralizado a totalidade do capital social subscrito, nenhum deles poderia, em princípio, ser responsabilizado com seu patrimônio pessoal por dívidas da sociedade.


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Portanto, a regra geral aplicável às sociedades limitadas, é a da não responsabilização dos sócios pelas obrigações da sociedade. Todavia, essa regra comporta exceções, sendo a primeira delas a responsabilização solidária dos sócios pelo capital social não integralizado, conforme explicado acima.


O Código Civil excepciona outras situações que poderão acarretar responsabilização dos sócios, as quais serão a seguir estudadas.


2. Da responsabilização dos sócios segundo o Código Civil


Verificou-se, no item anterior, que a não responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade limitada é a regra geral para esse tipo societário, e que uma das exceções a essa regra é a responsabilidade solidária de todos os sócios pela integralização do capital social. No entanto, o Código Civil prevê outras exceções, vale dizer, outras situações nas quais os sócios poderão ser responsabilizados com seus patrimônios pessoais pelas obrigações da sociedade.


Estabeleça-se desde logo que, salvo menção em contrário, em quaisquer situações os sócios só responderão subsidiariamente à sociedade empresária, ou seja, somente depois de exaurido o patrimônio da sociedade é que se poderá verificar a possibilidade de ingresso no patrimônio pessoal dos sócios, conforme previsão expressa do Código Civil em seu artigo 1.024, que é regra geral aplicável a todos os tipos societários.


2.1. Responsabilidade pela exata estimação de bens conferidos ao capital social


O Código Civil de 2002 inovou ao estabelecer no artigo 1.055, § 1º, que os sócios respondem solidariamente pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social, durante 5 (cinco) anos, a contar da data do registro da sociedade.


Eis o texto do referido artigo, verbis:


“Art. 1.055. […]


§ 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de 5 (cinco) anos da data do registro da sociedade.”


Quando a contribuição do sócio se der em bens, estes são avaliados, estimando-se o valor dos mesmos. Esse valor consta no contrato de constituição da sociedade empresária e faz parte do capital social. De acordo com o citado § 1º do artigo 1.055, todos os sócios responderão solidariamente com seus patrimônios pessoais, durante cinco anos, pelo valor atribuído a esses bens. Por exemplo, um sócio integraliza um bem imóvel atribuindo a este o valor de R$ 100.000,00. Porém, o valor real dele é de R$ 50.000,00. Com isso, durante o período de cinco anos, caso a sociedade seja cobrada por obrigação para a qual não tenha patrimônio suficiente para cumprir, qualquer dos sócios poderá ser cobrado pessoalmente pelos R$ 50.000,00 de diferença entre o valor atribuído ao bem imóvel e o valor real dele.


Sobre essa norma, Manoel de Queiroz Pereira Calças ensina:


“O Código Civil de 2002 inova parcialmente nessa matéria, pois instituiu a responsabilidade solidária de todos os sócios, pelo prazo de cinco anos contados da data do registro da sociedade na Junta Comercial, pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social.” (CALÇAS, 2003, p. 92)


Pereira Calças conclui afirmando que essa norma é “[…] altamente moralizadora e terá o condão de inibir prática comum de superestimação do valor de bens conferidos por sócios ao capital social das limitadas” (CALÇAS, 2003, p. 92).


2.2. Responsabilidade do sócio remisso perante a sociedade


Conforme estudado no item 1, há uma distinção entre subscrição e integralização do capital social quando da formação da sociedade empresária. A subscrição consiste no estabelecimento da quantia com que cada sócio contribuirá, enquanto a integralização consiste na efetiva entrega dessa quantia à sociedade, e não precisa ocorrer necessariamente no mesmo tempo da subscrição.


A lei não prescreve prazo para a integralização do capital social, contudo, diante do dinamismo e da natureza comercial da atividade empresarial é pertinente que se estabeleça no contrato social prazo para que os sócios integralizem o capital subscrito. Não obstante a legislação estabeleceu critérios para evitar ou sanar prejuízos à sociedade por eventuais inadimplementos de sócios pela não integralização do capital social subscrito.


O sócio inadimplente quanto à integralização do capital social é denominado sócio remisso. O artigo 1.058 do Código Civil prescreve algumas medidas que os sócios da limitada podem tomar contra ele, e faz remissão ao artigo 1.004 que dispõe sobre a responsabilidade do sócio remisso pelos danos causados à sociedade em razão de seu inadimplemento, in verbis:


“Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos 30 (trinta) dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.”


Conforme se pode verificar da leitura do artigo 1.004, há a necessidade de prévia notificação do sócio remisso, que poderá purgar a mora, dentro do prazo assinalado, o que o isentará de eventual indenização à sociedade, “bem como de outros possíveis efeitos, escolhidos, ante o caso concreto, pelos demais sócios.” (BARBOSA FILHO, 2009, p. 965).


Vale observar que a responsabilidade do sócio remisso não é responsabilidade subsidiária do sócio pelas obrigações da sociedade, conforme as demais formas de responsabilização ora analisadas, sendo, antes, responsabilidade perante a sociedade.


Com efeito, poderão os demais sócios optar pela exclusão do sócio remisso, nos termos do artigo 1.058 do Código Civil:


“Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.”


Abordando essa questão do sócio remisso Modesto Carvalhosa (2005, p. 95-96) faz os seguintes comentários:


“O Código Civil de 2002 trata da exclusão de sócio remisso no art. 1.058. Prevê que, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, poderão os demais sócios tomar as quotas não integralizadas para si ou entregá-las a terceiros, procedendo à exclusão do primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, descontados os juros da mora e demais encargos.


Dessa forma, num primeiro momento, podem os demais sócios, de acordo com o art. 1.004, simplesmente manter o sócio inadimplente na sociedade, exigindo, no entanto, o valor dos danos emergentes dessa mora. Pode também a maioria dos sócios, em vista do parágrafo único desse mesmo art. 1.004, reduzir a participação do sócio remisso às quotas que este já integralizou. Essas duas alternativas podem ser alternativamente aplicadas à exclusão do sócio inadimplente.


Por outro lado, sendo intenção dos outros sócios excluir o sócio remisso, podem, em vez de reduzir o capital social no valor das quotas não integralizadas, tomá-las para si de forma proporcional, mantendo-se a proporção do capital havida sem a participação do remisso, ou transferi-las a terceiros. Nessas duas hipóteses, devem os sócios devolver ao remisso o que este houver pago, deduzidos todos os encargos, inclusive juros de mora.”


Verifica-se, portanto, da inteligência dos mencionados artigos 1.004 e 1.058, que, com relação ao sócio remisso, os demais sócios: (i) responsabilizar-lhe pelo dano emergente da mora; (ii) excluir-lhe da sociedade; (iii) reduzir-lhe a quota ao montante já integralizado.


2.3. Responsabilidade ilimitada pelas deliberações infringentes do contrato social ou da lei


O artigo 1.080 do Código Civil prescreve sobre a responsabilidade ilimitada dos sócios que expressamente aprovarem deliberações – decisões sobre os negócios da sociedade – que infrinjam a lei ou o contrato social, independentemente de serem eles sócios controladores ou minoritários (MORAES, 2005, p. 51).


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O mencionado dispositivo legal dispõe que “As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.” (CC, art. 1.080).


O primeiro ponto a ser destacado dessa regra, é que só serão responsabilizados com fundamento nela, os sócios que expressamente aprovaram as deliberações infringentes à lei ou ao contrato social (VERÇOSA, 2010b, p. 541). Isso significa que os sócios que se abstiveram de votar ou os que votaram contrariamente à deliberação não sofrerão essa responsabilização ilimitada.


Vale observar, também, que este é o único artigo referente às sociedades limitadas que prevêem expressamente a responsabilização ilimitada dos sócios. Com efeito, o Conselho da Justiça Federal, no Enunciado nº 229 da Jornada III de Direito Civil, pronunciou-se afirmando que nesse tipo de responsabilização dos sócios não há sequer necessidade de aplicar a desconsideração de personalidade jurídica, ou seja, os sócios enquadrados na prática ilícita prevista nesse dispositivo da lei respondem direta, pessoal e ilimitadamente com seus bens particulares.


Consoante Marcelo Fortes Barbosa Filho, “Não se trata de uma desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada, mas de atribuir, ao sócio, os resultados do ilícito de sua autoria.” (2009, p. 1023).


Vale acrescentar que o sócio administrador que deliberadamente violar a lei ou o contrato social, causando prejuízo à sociedade ou a terceiros, incorrerá na mesma responsabilidade acima referida. Nesse sentido afirma Rubens Requião, verbis:


“Assim, para os atos que praticar violando a lei e os estatutos, de nada serve ao sócio-gerente o anteparo da pessoa jurídica da sociedade. Sua responsabilidade pessoal e ilimitada emerge dos fatos quando resultarem de sua violação da lei ou do contrato, causando sua imputabilidade civil e penal.” (REQUIÃO, 2003, p. 503-504)


Nesse caso, para que a responsabilização do sócio administrador seja direta, pessoal e ilimitada há necessidade de se verificar a existência do dolo em seu ato. 


2.4. Formas de responsabilização prescritas para sociedade simples e aplicáveis à sociedade limitada


O artigo 1.053 e seu parágrafo único, do Código Civil, prescrevem que as normas da sociedade simples serão aplicadas subsidiariamente à sociedade limitada, salvo previsão contratual expressa de aplicação subsidiária as normas da Lei das sociedades por ações (Lei 6.404/1976).


Com efeito, há regras de responsabilização dos sócios previstas para a sociedade simples “que poderão ser aplicadas às sociedades limitadas, por força de remissão feita no próprio dispositivo ou por incidência do art. 1053, caput, do Código Civil” (MORAES, 2005, p. 51).


Modesto Carvalhosa comentando sobre a aplicação subsidiária das normas da sociedade anônima às limitadas afirma o que se segue:


“Nas hipóteses supramencionadas, em que as omissões das regras específicas sobre as sociedades limitadas não puderem ser supridas pela Lei das Sociedades Anônimas, a despeito da previsão contratual nesse sentido, deve-se entender aplicáveis por analogia, diante da omissão da lei supletiva, as regras das sociedades simples”. (CARVALHOSA, 2005, apud DINIZ, 2008, p. 316-317)


Há, portanto, normas concernentes à sociedade simples que poderão ser aplicadas à sociedade limitada ainda que conste no contrato social a aplicação subsidiária das regras da sociedade anônima.


Vale destacar, ainda, que as normas que disciplinam a sociedade simples “constituem a parte geral do direito societário”, e servem de aplicação supletiva aos demais tipos societários (CALÇAS, 2009, p. 81).


Assim sendo, relacionamos, a seguir, as normas da sociedade simples pelas quais o sócio da sociedade limitada poderá ser responsabilizado. Ressalte-se que em algumas dessas normas a responsabilidade diz respeito especificamente ao sócio administrador.


Artigo 1.003, parágrafo único do Código Civil. Tratando-se de cessão de quotas, essa norma (por remissão contida no próprio Código Civil – art. 1.057, parágrafo único), prevê responsabilidade solidária entre cedente (aquele que vende suas quotas) e cessionário (que compra as quotas do cedente), pelo período de 2 (dois) anos – a contar da averbação da modificação do contrato social –, pelas obrigações que o cedente tinha antes de retirar-se da sociedade.


Nesse sentido, decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, baseou-se nessa norma para, num dado caso, não responsabilizar ex-sócio de sociedade limitada, pois já havia passado aquele prazo de 2 (dois) anos. Embora aplicada para afastar a responsabilidade do ex-sócio (vale lembrar que estamos tratando de responsabilização), trouxemos tal decisão no sentido de demonstrar a aplicabilidade de tal norma. Seguem-se trechos do acórdão:


‘[…]


Agravo de instrumento. Acidente de trânsito. Indenizatória. Cessão de quotas pelo agravante. Ocorrência. Tipo societário. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Responsabilidade do sócio limitada à integralização das quotas sociais. Dever cumprido Aplicação da regra contida no artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil. Admissibilidade, dado o tipo societário, em se tratando de crédito tributário, da seguridade social, ou em razão da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Decreto que se liga à última hipótese. Ocorrência. Constituição do título executivo judicial posterior ao marco final estabelecido no artigo 1003, parágrafo único, do Código Civil. Inclusão do ex-sócio no pólo passivo da ação executória visando o ingresso em seu patrimônio de ex-sócio. Inadmissibilidade. […]” (Ag. I. 990.09.246032-3, 32ª Cam. D. Priv., TJSP, rel. Des. Rocha de Souza, j. 28-01-2010, v.u.) (Ênfase em negrito acrescentada) (Disponível em: <www.tjsp.gov.br>. Acesso em: novembro de 2010.)


Nesse acórdão, a turma julgadora não admitiu o ingresso no patrimônio de ex-sócio de sociedade cuja desconsideração da personalidade havia sido aplicada pelo juízo de primeira instância, sob o fundamento da mencionada regra (art. 1.003, CC). O Tribunal também excluiu o ex-sócio do pólo passivo dessa ação.


Artigo 1.009, do Código Civil. Os administradores, ou sócios administradores, que distribuírem lucros ilícitos ou fictícios serão responsabilizados, assim como os sócios participantes dessas vantagens, que tiveram, ou que deveriam ter ciência de tais ilegalidades.


Lucros fictícios são lucros simulados, falsos, que nunca existiram, mas que, v. g., são mencionados como existentes nos livros contábeis para iludir terceiros, como por exemplo, a um banco para obtenção de empréstimos, forjando garantia ou estabilidade financeira inexistente, ou até para ludibriar os outros sócios.


Quanto a lucros ilícitos, Alfredo de Assis Gonçalves Neto afirma:


“Lucros ilícitos são os de valores não contabilizados, que não figuram na escrituração da sociedade, mas em contas paralelas, decorrentes de negócios jurídicos ocultos, não documentados e, portanto, não considerados nem mencionados nas contas do exercício social.” (GONÇALVES NETO, 2010, p. 201)


A sonegação fiscal caracteriza-se, com efeito, como lucro ilícito (VERÇOSA, 2010b, p. 341), consubstanciada por valores não contabilizados.


A norma comentada dispõe também sobre a responsabilidade dos sócios que receberam tais lucros ilícitos e tiveram, ou que deveriam ter conhecimento de sua origem ilícita. Com relação a esse dever de conhecimento, o Enunciado nº 59 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, dispõe:


“59 – Arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091: os sócios-gestores e os administradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091, todos do Código Civil”. (Disponível em:<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/1156/Enunciados_aprovados_na_Jornada.pdf?sequence=1>. Acesso em: novembro de 2010.)


A norma referida incide, portanto, diretamente sobre o sócio administrador.


Todavia, os sócios não participantes da administração da sociedade podem não ser responsabilizados, com base no próprio artigo 1.009 in contrario sensu, conforme ensina Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, verbis:


“[…] Desta maneira, os sócios não-administradores encontram-se em situação desfavorável quanto a poderem saber se os lucros que os administradores apresentam nas demonstrações financeiras são efetivos ou não, sendo bastante difícil que devam conhecer a ilegitimidade dos lucros em certos casos, conforme dispôs o legislador, se os administradores fraudarem a contabilidade de forma não grosseira e a sociedade não contar com auditoria independente, como é o caso da maioria das sociedades que não sejam companhias abertas […]” (VERÇOSA, 2010b, p. 341-342)


Verifica-se, portanto, que os sócios não administradores podem comprovar seu desconhecimento das ilicitudes de outros sócios e administradores, e não serem responsabilizados.


Artigo 1.010, § 3º, do Código Civil. Esse artigo estabelece que, quando a sociedade deliberar sobre seus negócios decidindo por votos, caso algum sócio tenha interesse contrário ao da sociedade em alguma operação, e participar da deliberação e a aprovação desta se der graças ao voto desse sócio, ele responderá pelas perdas e danos causados à sociedade.


Artigo 1.012, do Código Civil. Necessário se faz esclarecer, primeiramente, que esta regra aplica-se à sociedade limitada se no contrato social não se tenha feito opção pela regência supletiva da Lei das S/A (VERÇOSA, 2010b, p. 397). Esse artigo, 1.012, remete-se (tacitamente) ao artigo 998, caput, e 999, caput, do mesmo diploma legal, pelos quais se verifica que será de 30 (trinta) dias o prazo para averbação, no registro competente, de instrumento em separado pelo qual se nomeia administrador da sociedade simples. Todavia, esse prazo de 30 (trinta) dias conflita com disposição especialmente aplicável à sociedade limitada, prevista no artigo 1.062, § 2º, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 (dez) dias para registro de ato separado que constitui administrador da sociedade. Com efeito, verifica-se tratar-se de antinomia aparente, uma vez que a norma especialmente aplicável à sociedade limitada deve prevalecer.


Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, tratando desse assunto, afirma:


“(b) Administradores sócios nomeados em ato separado – […]


O prazo para a regularização da investidura em causa perante a Junta Comercial é de dez dias (NCC, art. 1.062, § 2º), notando-se, por conseguinte, que houve revogação parcial do art. 36 da Lei 8.934/1994 e do art. 33 do Decreto 1.800, de 30.1.1996, especificamente quanto à eleição de administradores nomeados por ato separado, sejam estes sócios ou não.” (VERÇOSA, 2010b)


Portanto, caso a sociedade limitada seja regida supletivamente pelas normas da sociedade simples (art. 1053, caput, CC), o sócio-administrador nomeado por ato separado (art. 1062, CC) deverá averbar sua nomeação no registro competente (art. 999, CC), no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de responder pessoal e solidariamente à sociedade pelos atos que praticar nessa condição (art. 1012, CC).


Artigo 1.013, § 2º, do Código Civil. Esclareça-se, primeiramente, que essa norma é aplicável à sociedade limitada caso não haja no contrato social menção de regência supletiva pela Lei das S/A (VERÇOSA, 2010, p. 398).


Alfredo de Assis Gonçalves Neto comentando a regra do artigo 1.060, caput, do Código Civil, norma essa que pode relacionar-se (em aplicação supletiva das normas da sociedade simples) com o referido artigo 1.013, afirma:


“Havendo pluralidade de administradores, sócios ou não, sem especificação dos poderes de gestão de cada qual, deve-se entender que todos podem agir individualmente e isoladamente em nome da sociedade, nos termos do art. 1.013 do Código Civil, cujos comentários ficam aqui incorporados (n. 161 e 162 supra). Essa regra é prevista para os administradores da sociedade simples, aplicando-se, também, aos das sociedades limitadas, por força do disposto no seu art. 1.053.” (Gonçalves Neto, 2010, p. 344)


Trata-se, com efeito, de situação na qual cada sócio pode administrar isoladamente a sociedade, “… possuindo individualmente todos os poderes de gestão …” (GONÇALVES NETO, 2010, p. 217). Assim sendo, o sócio-administrador que realizar operações que saiba, ou deva saber que está em desacordo com a maioria, responderá à sociedade por eventuais perda e danos.


Gonçalves Neto conclui afirmando:


“É claro que o administrador que realiza as operações vedadas, sem obter o nihil obstat dos sócios, ou que as pratica, sabendo ou devendo saber que estava em desacordo com a maioria, ou, ainda, que deixa de praticar atos que deveria ter praticado para o normal desenvolvimento das atividades sociais, responde diretamente perante a sociedade pelos prejuízos que a ela causar em virtude de tais condutas (§ 2º)”. (Gonçalves Neto, 2010, p. 217)


Artigo 1.015, do Código Civil. A norma contida neste artigo é aplicável à sociedade limitada caso o contrato não disponha sobre a regência supletiva pela Lei das S/A. Pela aplicação desse dispositivo, a sociedade somente poderá ser responsabilizada em caso de excesso cometido pelo administrador se não ocorrer nenhuma uma das três situações dispostas nos incisos do parágrafo único do artigo 1.015 (cf. nota nº 9), vale dizer, ocorrendo apenas uma das hipóteses previstas a sociedade poderá ser responsabilizada. Pela aplicação de tais incisos, se o administrador realizar operações que excedam aos poderes a eles conferidos e a limitação de poderes do administrador constar no registro público da sociedade, esta não responderá pelos excessos do administrador. Ora, considerando-se a velocidade com que as transações comerciais ocorrem atualmente, seria inviável que em cada operação, com cada sociedade distinta fosse checado se o administrador está atuando com excesso de poderes. Essa norma é muito criticada por alguns dos principais doutrinadores, por constituir verdadeiro retrocesso cometido pelo legislador, que “obrou na contramão da evolução doutrinária, generalizando o tratamento do tema em detrimento dos terceiros de boa-fé, quer no que diz respeito aos atos ultra vires, quer no tocante aos praticados com excesso de poder (GONÇALVES NETO, 2002, p. 24).


Artigo 1.016, do Código Civil. A norma dispõe que os administradores (ou sócios administradores), quando agirem com culpa no desempenho de suas funções, responderão solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados.


Artigo 1.017, do Código Civil. Prevê a responsabilidade do administrador (ou sócio administrador) que, sem o consentimento dos (demais) sócios aplicar bens da sociedade em proveito próprio ou de terceiros. Responderá, igualmente, se tomar parte em uma decisão na qual possua interesse contrário ao da sociedade.


Vale mencionar que se admite, conforme já referido, a aplicação dessas normas do capítulo da sociedade simples (deste item 2.4) às sociedades limitadas, em casos de lacuna na lei, mesmo que o contrato social da limitada preveja aplicação supletiva da Lei das Sociedades por Ações.


3. Da responsabilidade dos sócios segundo as normas de outros ramos do direito e a desconsideração da personalidade jurídica


Neste item serão abordadas normas concernentes ao tema proposto sob a perspectiva de outros dos principais ramos do Direito relacionados ao tema.


No campo do Direito Tributário, Fábio Ulhoa  faz interessante distinção quanto à responsabilização do sócio administrador afirmando que “O art. 135, III do CTN deve ser interpretado no sentido de imputar ao administrador a responsabilidade pelas obrigações tributárias da sociedade limitada em caso de sonegação, mas não no de inadimplemento” (Coelho, 2010b, p. 457). Fábio Ulhoa Coelho resume seu entendimento nos seguintes termos:


“O administrador é responsável tributário pelas obrigações da sociedade limitada quando esta possuía o dinheiro para o recolhimento do tributo, mas aquele o destinou a outra finalidade, como antecipação de lucro, pagamento de pro labore aos sócios, aplicações financeiras. Não haverá, porém, responsabilidade se o inadimplemento da obrigação tributária decorreu da inexistência de numerário no caixa da sociedade, por motivo não imputável à gerência.” (COELHO, 2010b, p. 457)


Esclareça-se que as referências ao administrador aplicam-se do mesmo modo ao sócio que exerce tal função. 


No Direito Previdenciário, o controverso artigo 13 da Lei 8.620/93, previa expressamente a responsabilidade solidária dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas previdenciárias. Todavia, essa norma foi revogada pelo artigo 79, inciso VII da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Atualmente, portanto, os sócios não mais respondem pessoalmente pelos créditos do INSS.


Outros dos principais ramos do Direito nos quais há possibilidade de responsabilização dos sócios são: Direito do Consumidor (Código de Defesa do Consumidor, artigo 28); Direito Ambiental (Lei nº 9.605, artigo 4º); normas de prevenção e repressão às infrações à ordem econômica (Lei nº 8.884/94, artigo 18). Em todos esses ramos do Direito há necessidade de serem observados os pressupostos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.


Quanto à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ela está prevista nos dispositivos de lei mencionados no parágrafo anterior, bem como no artigo 50 do Código Civil. Cabem três pontos importantes a serem esclarecidos sobre a teoria: (i) a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não implica em extinção da pessoa jurídica; o que ocorre é a “suspensão da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fato específico, episódico”; (ii) a teoria da desconsideração da personalidade jurídica só pode ser aplicada judicialmente (FINKELSTEIN; PROENÇA, 2009, p. 13-14); (iii) há necessidade de serem verificados os pressupostos seguintes: abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Todavia, é comum verificar-se, também, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica pelo encerramento irregular da sociedade.


Segundo Fábio Ulhoa Coelho “se o sócio envolve a sociedade em negócios estranhos aos seus fins ou não separa rigorosamente os patrimônios dela e o seu, verifica-se o abuso da personalidade jurídica da sociedade” (COELHO, 2003, p. 110).


Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, Manuel de Queiroz Pereira Calças ensina:


“Da análise da teoria da desconsideração da personalidade jurídica urdida por nossa doutrina, constata-se que a maioria dos autores perfilha o entendimento pioneiro de Requião de que a personalidade jurídica, apesar de prevista e regulada pelo direito positivo, não se constitui em um direito absoluto, e é restringida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito. Havendo prova do abuso do direito da pessoa jurídica, perpetrado por sócio, com o escopo de fraudar credores, pode o juiz promover a desconsideração episódica da personalidade jurídica da sociedade.” (CALÇAS, 2003, p. 159)


Com efeito, o que se verifica em todos esses ramos referidos, inclusive no tributário, é a relativização da autonomia patrimonial dos sócios em relação à sociedade, que consiste em exceção à regra aplicável à sociedade limitada.


Contudo, há um ramo do Direito que tem sido objeto de controvérsias e críticas; a Justiça do Trabalho. Os juízes trabalhistas têm, de maneira muitas vezes abusiva, desconsiderado a autonomia patrimonial, responsabilizando direta e pessoalmente os sócios pelas dívidas trabalhistas da sociedade.


O grande problema está na ausência de critérios legais e de padrões jurisprudenciais por parte dos juízes do trabalho. Não é incomum esses juízes determinarem penhora de bens pessoais dos sócios de limitada pelo simples fato de não encontrar numerários da sociedade para satisfazer o crédito do empregado. Tudo isso, tendo por fundamento o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que prima pela proteção ao empregado como hipossuficiente econômico.


Consoante Fábio Ulhoa Coelho “A Justiça do Trabalho, mesmo sem previsão legal que a autorize, tem executado em bens do patrimônio dos sócios, indistintamente, as condenações decretadas à sociedade limitada” (COELHO, 2010b, p. 419).


Há, de fato, esforços por parte de doutrinares e magistrados, principalmente das instâncias superiores, no sentido de estabelecer padrões jurisprudenciais para que haja segurança jurídica, porém, na prática isso parece estar ainda distante de se constatar.


Sobre tais esforços, Manuel de Queiroz Pereira Calças afirma:


“A doutrina e a jurisprudência trabalhista, sob o pálio do princípio informativo do direito do trabalho, que preceitua não poder o empregado suportar os riscos do empreendimento dirigido por seu empregador, uma vez que ele não participa dos lucros, cristalizou entendimento de que, se a sociedade empresária não tiver patrimônio suficiente para suportar a execução de débitos trabalhistas, nos casos de falência, concordata, liquidação extrajudicial, dissolução irregular ou execução singular, deverão os sócios responder pelos débitos trabalhistas não pagos pela sociedade, devendo a execução recair no patrimônio dos respectivos sócios”. (CALÇAS, 2003, p. 102-103)


O que se pode destacar do texto transcrito é que a doutrina e jurisprudência trabalhistas coerentes afirmam que o ingresso no patrimônio pessoal dos sócios deve se dar, em regra – salvo em casos de fraude, etc. –, nos casos de falência, dissolução irregular da sociedade, se, após exaurido a patrimônio da sociedade, não houver bens suficientes para quitar os débitos trabalhistas. Essa é a via legal e justa. Porém, conforme já referido, é sabido que essa via legal é, não poucas vezes, a exceção.


Considerações finais


Restou demonstrado, portanto, as formas pelas quais o Código Civil dispõe sobre a responsabilidade dos sócios na sociedade limitada, partindo-se do pressuposto que, como regra geral, os sócios não respondem com seus patrimônios pessoais pelas obrigações da sociedade, em razão do princípio da autonomia patrimonial.


Demonstrou-se a responsabilidade dos sócios pelo capital social não integralizado. Verificaram-se as demais formas de responsabilização pessoal dos sócios previstas no Código Civil, e verificou-se também a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica pelo Código Civil bem como por outros diplomas legais.


Com efeito, cabe aos operadores do direito, em especial aos magistrados observarem esses preceitos legais, não os ultrapassando, como forma de garantia da segurança jurídica.


A segurança jurídica, caracterizada pela confiabilidade do sistema judiciário de uma nação, é um aspecto de extrema relevância. Num mundo globalizado, dentre os fatores que atraem capital estrangeiro – tão importante ao desenvolvimento –, um Poder Judiciário confiável é dos mais importantes. Considerando-se isso, podemos inferir que as decisões judiciais estão diretamente relacionadas ao aspecto econômico de toda a nação.


Fábio Ulhoa Coelho afirma que “À limitação da responsabilidade dos sócios, na limitada, corresponde a regra jurídica de estímulo à exploração das atividades econômicas.” (COELHO, 2010b, p. 413) Com efeito, quando o Poder Judiciário atua nos limites do Direito e da razoabilidade, ele está cooperando, em última análise, com o consumidor, com o empregado etc.


Portanto, o respeito, pelo juiz, ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica é imprescindível para proporcionar a segurança jurídica e o desenvolvimento nacional.


 


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Informações Sobre o Autor

Rodolfo Rubens Martins Correa

Advogado. Pós-Graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP. Mestrando em Direito Comercial pela PUC-SP.


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