Resumo: O artigo
pretende analisar o tipo penal do artigo 316, § 1º, do Código Penal,
verificando seus aspectos controversos, como a existência da forma culposa, o
momento da consumação, realizando uma completa explanação do delito, abarcando
aspectos processuais do crime e seus lindes.
Palavras chave: Excesso de
Exação – Responsabilidade Penal – Tributação Indevida
I-)
Introdução:
A lei
penal, assim como o direito, visa proteger os bens jurídicos da ameaça de
sofrerem lesões. Para tal, a norma penal instrumentaliza a proteção ao erário
público ofertado em nível constitucional, e, para tal, encarta as condutas
lesivas ao patrimônio público, com vistas a não ferir e atender o princípio da
legalidade do artigo 1º do Código Penal, formando sua base estrutural.
O tipo penal do artigo 316 § 1º do Código Penal,
foi inserido pela lei 8137/90, consagrando o excesso de exação, dizendo: “Se o
funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber
indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que
a lei não autoriza: Pena – reclusão,
de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa”. Com a complementação do parágrafo
segundo: “Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de
outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
II-) Objetividade jurídica e sujeitos do delito:
A tutela penal visa proteger a Administração
Pública (artigo 23, I, CR), no aspecto da moralidade e da legalidade,
desenvolvimento lícito dos encargos administrativos e funcionais, protegendo a
ordem tributária, visando conservar o decoro e a integridade estatal como ente
vinculado a legalidade e licitude na atividade tributária, na concecussão do
desenvolvimento nacional, e, em segundo plano, o contribuinte que sofre a
iminência de sofrer dano patrimonial com o acautelamento patrimonial, com ambos
sendo sujeitos passivos do delito. Por sua vez, o objeto material do crime é a
cobrança do tributo ou da contribuição social.
Por tratar-se de crime funcional próprio, somente o
funcionário público investido da função dentro da administração poderá ser o
agente, mas nada impede a participação de um terceiro, por força dos artigos
29, 30 e 327 do Código Penal.
Se for um funcionário público e realizar qualquer
verbo do tipo, mas sem valer da prerrogativa de funcionário, estaremos diante
do delito de extorsão previsto no artigo 158 do Código Penal, bem como se o
particular o fazer sozinho, sem participação do funcionário, e, se este
obrar-se de força física, teremos a configuração do artigo supramencionado. Não
há aqui uma vinculação a distribuição interna de competências, de forma a
somente punir aquele encarregado da arrecadação, lembrando que se o funcionário
ao invés de levar a Administração o arrecadado, incindirá na forma qualificada
do crime, cuja previsão aparece no § 2º do artigo 316.
Como lembra Damásio:
“Crime próprio, só pode ser cometido por
funcionário público, admitindo-se, entretanto, a participação de particular.
Não é necessário que tenha a missão funcional de arrecadação de impostos, taxas
e emolumentos. Na maioria das vezes, é certo, isso ocorre. Não há exigência
típica, contudo, de que o sujeito seja competente para tal arrecadação. Em
conseqüência, pode ser competente ou não”[1].
Assim, leciona Guilherme de Souza Nucci:
“O tipo é explícito ao exigir que o agente valha-se
de sua função para demandar a vantagem indevida. Pode ele se encontrar fora da
função (suspenso ou de licença), não ter, ainda, assumido suas atividades
(nomeado, mas não empossado) ou já estar em pleno desenvolvimento de sua
função. Entretanto, em qualquer caso, é indispensável que reclame a vantagem
invocando sua atividade profissional”[2].
III-) Tributos: conceito e espécies:
O tributo
existe desde os primórdios da sociedade funcionando como forma de subsidiar as
atividades estatais em suas diversas áreas de atuação no plano constitucional e
infraconstitucional, na busca do bem comum, consagrado como objetivo da
República brasileira (artigo 3º, IV, CR). Assim, o Código Tributário Nacional,
por força do princípio da legalidade (artigo 5º,II, CR) consagrou em seu artigo
3º o que seria tributo: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”.
Hugo de
Brito Machado em feliz síntese aponta os norteadores da atividade tributária
estatal:
“De qualquer forma, ressalta, claro, do conceito de tributo que a
cobrança há de ser feita na oportunidade, pela forma e pelos meios
estabelecidos na lei, sem que à autoridade caiba decidir se cobra de fulano ou
deixa de cobrar de beltrano, por este ou por aquele motivo. Ou o tributo é
devido, nos termos da lei, e neste caso há de ser cobrado, ou não é devido,
também nos termos da lei, e neste caso não será cobrado”[3].
A
nomenclatura tributo é o gênero que abarca as demais fontes de renda estatal,
entendendo nesse rol inseridos, por força do artigo 5º do Código Tributário
Nacional, o imposto, as taxas, contribuições de melhoria, e, por imperativo
constitucional aponta-se, ainda, o empréstimo compulsório (artigo 148, CR).
O imposto
aparece conceituado no artigo 18 do CTN: “Imposto é o tributo cuja obrigação
tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal
específica, relativa ao contribuinte”. O fato gerador do imposto decorre da
vida do contribuinte, refletindo diretamente ao seu patrimônio, fora da alçada
da atuação estatal.
A taxa
surge na ordem tributária com base no artigo 77 do CTN: “As taxas cobradas pela
União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de
suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do
poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público
específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”. A
taxa correlaciona-se com uma contraprestação do particular para com algo pelo
Estado a ele conferido, igualando os pólos, com de um lado o Estado conferindo
benesses ao contribuinte, com o correspondente pagamento para mantença do
serviço.
A
contribuição de melhoria está disposta no artigo 81 do CTN: “A contribuição de
melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos
Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer
face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo
como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de
valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”. A razão de ser deste
como lembra Aliomar Baleeiro é: “a recuperação do enriquecimento ganho por um
proprietário em virtude de obra pública concreta no local da situação do
prédio, impõe-se que este, por elementar princípio da justiça e de moralidade,
restitua parte do benefício do dinheiro alheio”[4].
Os
emolumentos antes de 1990 eram computados no tipo para efeito de incidência sanctio
juris e capitulação penal. Hodiernamente a Lei 8137/90 alterou o artigo 316
§ 1º do Código Penal, limitando a cobrança de tributos e contribuições sociais,
pois, excluiu os emolumentos cobrados excessivamente, que podem configurar a
apropriação indébita, delito do artigo 168 do Código Penal e se funcionário
público praticar a cobrança duas ou mais vezes, no caso de reincidência, por
força do artigo 18 do Decreto – lei nº 115/67 (STF, RTJ 94/31).
O Superior Tribunal de Justiça e
o TACRIM do Estado de São Paulo lecionam dessa forma, excluíndo os emoluimentos
e custas:
“Tipifica-se o excesso de exação pela exigência de
tributo ou contribuição social que o funcionário sabe ou deveria indevido, ou
quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não
autoriza. No conceito de tributo não se incluem custas ou emolumentos. Aquelas
são devidas aos escrivães e oficiais de justiça pelos atos do processo e estes
representam contraprestação pela prática de atos extrajudiciais dos notários e
registradores. Tributos são as exações do art. 5º do CTN. Em conseqüência, a
exigibilidade pelo oficial registrador de emolumento superior ao previsto no
Regimento de Custas e Emolumentos não tipifica o delito de excesso de exação,
previsto no § 1º do art. 316 do CP, com redação determinada pela Lei 8.137, de
27-12-1990” (RT 775/552 e RHC 8.842-SC, DJU de 13-12-99, p. 179)”.
“A cobrança excessiva de emolumentos por
Serventuários da Justiça, ainda que sujeita a penas administrativas e
disciplinares, não corresponde à conduta típica descrita no § 1º, do art. 316
do CP, pois ‘emolumentos’ não se equiparam juridicamente a ‘tributos ou
contribuição social’, um dos elementos essenciais do tipo (RJDTACRIM 25/141)”.
3.1-) Tributação indevida:
Caso paire dúvidas quanto a ocorrência do fato
gerador, esta deverá aparecer fundamentada, pois, sem sombra de dúvidas, poderá
o ilícito sobrevir. Hugo de Brito Machado em interessante artigo conceitua-a:
“Pode ser indevido o tributo, outrossim, porque
instituído por lei inconstitucional. A autoridade administrativa não tem, no
Direito brasileiro, competência para decidir a respeito da constitucionalidade
das leis. Assim, não comete crime de excesso de exação o funcionário que cobra
tributo fundado em lei inconstitucional, se essa inconstitucionalidade ainda
não foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, definitivamente, seja no
controle direto, sendo irrelevante, neste caso, que já tenha sido seguida de
resolução do Senado Federal suspendendo-lhe a exigência”[5].
A inconstitucionalidade declarada pelo Supremo
Tribunal Federal gera efeitos erga omnes a todos os contribuintes, com o
lançamento estando suspenso por ação do artigo 142, páragrafo primeiro, do CTN.
Caso recaia sobre decisão de instâncias inferiores, o que deve ser ressalvado é
a eficácia interpartes, com a Fazenda estado obstada de cobrar o tributo, quanto
ao contribuinte que em ação singular obstou a ação fazendária.
A atividade estatal deverá embraçar os sagrados
preceitos constitucionais utilizando-se do princípio da moralidade e da boa-fé
para com os contribuintes. Roque Antônio Carrazza explica:
“Apesar de já não ter voga o princípio in dubio
pro fiscum, o fato é que a Fazenda Pública, até hoje, com a desculpa de que
precisa obter recursos e obter fraudes, não se peja de atropelar direitos dos
contribuintes. Ora, se nem a lei pode ferir direitos constitucionais do
contribuinte, muito menos pode fazê-lo a Administração Fazendária, cuja missão
é, simplesmente, aplicar a lei tributária de ofício, tendo por paradigma a
Constituição. Ninguém, nessa altura de nossa evolução jurídica, admite que o
Executivo (ou seus agentes) possa legislar em matéria tributária”[6].
3.2-) A tutela do contribuinte na área extrapenal:
A tutela ao contribuinte lesado ou as vias de o ser
por causa de atividade tributária ilícita existe no direito brasileiro. O marco
para a responsabilização do poder público surgiu no artigo 37, § 6º, da CR, que
consagrou o princípio da ampla responsabilidade estatal, aplicando-se a teoria
do risco administrativo que advém do direito francês.
Ao partirmos desse matiz, podemos conjugar a lei
civil em seu artigo 159 e 1059 com o artigo 37, §6º, da Carta Magna para
obtermos a reparação dos danos materiais e morais que advierem da tributação
afrontosa aos parâmetros jurígenos. Com a responsabilidade estatal passando a
ser objetiva, basta o contribuinte provar o lançamento indevido, a cobrança
realizada e o prejuízo que resultou da cobrança, para que possamos obter a
responsabilidade civil do estado, independentemente do fator dolo e culpa,
importantes para fixação da responsabilidade na esfera penal.
Com vistas a cessar os danos sofridos, pode o
contribuinte valer-se do writ constitucional do Mandado de Segurança
previsto no artigo 5º, LXIX, da CR, fazendo na inicial prova da afronta
existente ao direito vigente e requerendo a concessão de liminar, podendo
ainda, para proteger-se do estado requerer a tutela específica prevista no
Código de Processo Civil.
IV-) Tipo objetivo e a culpabilidade:
As condutas
encampadas na figura típica do excesso de exação são exigir e desviar. O termo
exação é advinda do latim exactio,
onis, significando
consoante a lição de Mirabete: “a cobrança rigorosa de dívida ou imposto. é a
exatidão, pontualidade, correção, punindo-se o excesso. Consiste o crime, pois,
em exceder-se o funcionário no desempenho da função que é a de receber tributo
ou contribuição social”[7].
A lei penal
perquire punir o abuso de direito por parte do funcionário público. Maria
Sylvia Zanella Di Pietro conceitua abuso de poder como: “em sentido amplo, como
o vício do ato administrativo que ocorre quando o agente público exorbita de
suas atribuições (excesso de poder), ou pratica o ato com finalidade
diversa da que decorre implícita ou explicitamente da lei (desvio de poder)”[8].
O abuso do
poder ocorre quando o agente público ou age dentro de suas atribuições, porém
superando o limiar de sua competência ou quando há o afastamento das suas
atribuições estabelecidas pela lei ou pela moral administrativa.
O verbo exigir aparece no parágrafo primeiro, sendo
um delito formal porque basta que seja exigido o pagamento do tributo,
independendo o posterior pagamento, que é exaurimento do crime. Nesse sentido
entende a Corte Paulista:
“Em tema de excesso de exação, a exigência a que
alude a lei penal se equipara à pura cobrança, pois, dadas as peculiaridades
das situações dos agentes ativo e passivo, o metus publicae potestatis
completa o constrangimento, ainda que a cobrança indevida, seja por exemplo,
meramente sinuosa ou matreira. (JTACRIM 48/213)”
Há uma
incompatibilidade entre as formas de tributo existentes na lei e aquele que o
agente cobra, pois, encontra-se em flagrante ilegalidade, com a cobrança não
autorizada em lei ou sustada por ordem judicial (RT 535/259. RJTJESP 60/309). A
imposição do pagamento deve ser indevida, ora pela afronta ao direito realizada
pela tributação, ora por tentar a realização por parte do sujeito novamente do
tributo que anteriormente fora pago. Assim entende Edgard Magalhães Noronha:
“serão indevidos, porque não determinados por lei, ou porque não os deve o
contribuinte, ou porque excedem ao quantum legal”[9].
A exigência é demandar imperativamente a cobrança
de algo, impor o pagamento de um tributo ao contribuinte, com o funcionário
tendo consciência da ilegitimidade tributária, ou da quitação anteriormente
feita, pois, caso o agente não tenha consciência, não teremos crime, quer por
causa do erro de proibição e por faltar um dos elementos integrantes da
culpabilidade, a potencial consciência da ilicitude, vez que esta, integra o
conceito de crime.
A potencial consciência é descrita por Teotônio
como:
“a consciência que o agente deve ter de que atua
contrariamente ao ordenamento jurídico. Não há necessidade, aqui, que o sujeito
tenha conhecimentos jurídicos, bastando possa, com o esforço devido de sua
consciência e com um mínimo de juízo geral de sua própria esfera de
pensamentos, conhecer a injustiça de seu atuar. Em outras palavras, exige-se um
“conhecimento profano” do sujeito acerca de seus valores ético-sociais
fundamentais para a vida comunitária, que seu atuar é injusto”[10].
Dessa forma, no caso do crime de excesso de exação,
o conhecimento aqui deve ser jurídico, pois, para a configuração de um
imperativo tributário, deve-se passar por um procedimento complexo, passando
por várias fases, desde a fixação da competência, o estabelecimento do fato
gerador, da alíquota e o lançamento tributário. Ainda, no caso de ordem
superior hierárquica, devemos verificar a competência da autoridade, o teor da
ilegalidade, o liame de vinculação entre o funcionário e aquele que apresenta a
ordem para a cobrança, afim de configurarmos o artigo 22, II, do Código Penal e
afastarmos o delito pela culpabilidade estar excluída.
A outra conduta consiste em exigir, mas com o
emprego de forma vexatória ou gravosa o pagamento do tributo. Assim,
compreende-se que o tributo é devido, operando-se aqui a utilização de fins
avessos para colimar o pagamento do débito tributário. O temor reverencial ou
ameaça de repreensão por parte do funcionário funciona aptamente como método
coativo, configurando o delito. A gravidade importa a ocorrência de ônus
maiores ao contribuinte do que normalmente deveria suportar. O meio vexatório
demonstra ao contribuinte a cobrança de um montante de forma vergonhosa,
indigna, humilhante, expondo-o a chacota, ao rídiculo de forma injusta e
deshonrosa.
Fragoso delimita: “Vexatório é o meio que expõe o
contribuínte à vergonha ou humilhação (diligências aparatosas, violência física
ou moral, injúria, etc). Gravoso é o meio que traz ao contribuinte maiores
ônus”[11],
consagrando de forma patente na conduta a proibição expressa do ordenamento a
tal forma de cobrança.
Rui Barbosa Nogueira explica:
“As sanções fiscais variam de conformidade com a
natureza dos tributos, podendo os principais serem reunidos em penas
pecuniárias, apreensões, perda de mercadoria, sujeição a controle especial de
fiscalização e interdições.São as chamadas sanções contra os devedores
remissos, são sanções políticas visando coagir o obrigado antes do proceso
executivo e por isso de certa forma odiosas, porque vão impedir o exercício das
próprias atividades ilícitas”[12].
As sanções políticas sofrem limitações legais e
para tal, demonstramos alguns verbetes de Súmulas do STF: “É inadmissível a
interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”
(Súm.70) e “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos” (Súm.323). “Não é lícito a autoridade proibir que o
contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas
e exerça suas atividades profissionais” (Súm.347).
Hugo de Brito Machado explica:
“Todas essas práticas são flagrantemente
inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição
ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, páragrafo único, da vigente
Constituição Federal. b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com
grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a
este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a
exigência do tributo é ou não legal”[13].
De tal, forma que se o meio apesar de ser gravoso
ou vexatório, apresentar permissão legal no Código de Processo Civil ou nas
leis ordinárias (Lei de Execução Fiscal) e no decreto que regulamenta a
cobrança, a atipicidade cerceará o fato, tornando-o lícito. Em legislações
estaduais, verifica-se a inconstitucionalidade, pois, muitas vezes, há o
estabelecimento de uma pena de confisco implicitamente, fora da hipótese na lei
constitucional prevista, afrontando as garantias fundamentais do artigo 5º e o
22, I, ambos da CR. A título de exemplo lembramos os ofertados por Celso
Delmanto: “cobrança realizada de modo a humilhar o contribuinte, ofensas morais
ou físicas, diligência aparatosa, alarde ou publicidade desnecessária,
dispensável concurso de força policial etc”[14].
V-) Tipo subjetivo:
O dolo
deve aparecer para efeitos de configuração do ilícito penal. A vontade deve ser
livre e consciente de exigir o tributo que sabe ser indevido, com o agente
sabendo que exige aquilo que é ilegal à luz do direito tributário, afrontando
as normas atinentes a fixação e cobrança de tributos. Cabendo ressaltar que o
tipo prevê ainda, o “deveria saber indevido”, que para nós revela o dolo
eventual, a assunção do risco de produção típica.
Contudo,
existe parte da doutrina que revela ser esta expressão a manifestação da forma
culposa[15],
como Mirabete:
“O crime pode ser praticado com dolo, quando o agente sabe que está
exigindo tributo ou contribuição indevida, ou quando emprega meio vexatório ou
gravoso na cobrança do valor devido. Mas o delito, na sua primeira parte,
também pode ser cometido por culpa. Na expressão “deveria saber indevido”, a
lei refere-se à culpa do funcionário que erra na cobrança do tributo ou da
contribuição de melhoria contra o contribuinte por negligência, imprudência ou
imperícia”[16].
No
entanto, o ilustre penalista, data maxima venia, ao nosso ver não tem
razão. Figura em sentido contrário as idéias de Damásio:
“inserido na expressão “deveria saber”, o sujeito age com dolo eventual.
Não tem plena certeza da natureza indevida da cobrança (dolo direto. modalidade
anterior), mas tem conhecimento de fatos e circunstâncias que claramente a
indicam. O tipo não admite a modalidade culposa”[17].
Luiz
Régis Prado aponta brilhante conclusão acerca do dolo eventual, sustentando
que:
“Quanto à segunda expressão, que deveria saber, costuma-se
afirmar que, no caso, o agente age com culpa e equivoca-se na cobrança por
imprudência, negligência ou imperícia, faltando com o dever de cuidado objetivo
exigível devido. Contudo, não é esse o melhor entendimento, visto que, no caso,
estar-se-ia nivelando a magnitude do injusto diante de condutas dolosas e
culposas. Na realidade, embora o legislador não tenha sido feliz na redação
empregada na norma em epígrafe, que foi modificada pela Lei 8.137/90,
verifica-se que a mens legis objetiva também alcançar a conduta em que o
agente age com dolo eventual. O deveria saber, como outras expressões
presentes no Código, entre elas o devendo saber (art. 174) ou o deva
saber (art. 245), denota a admissibilidade de dolo eventual. Assim, a
expressão empregada pelo texto normativo não revela a plena certeza sobre a
realidade e, sim, um juízo de dúvida sobre a ilicitude da exigência ou do meio
empregado para a cobrança. Contudo, o agente, diante de tal circunstância,
prefere continuar a sua conduta tendente à produção do resultado e entre o
renunciar à conduta e o risco de com ela concretizar o tipo”[18].
O dolo
pode ser direto (que sabe) ou indireto (deveria saber), mas nunca permitindo a
forma culposa para o delito, concordamos com as idéias de Damásio e Luiz Régis
Prado, porquanto demandam da profissão pública noções basilares acerca da
atividade tributária estatal, do procedimento administrativo tributário, da
aplicação dos tributos e sua normatização no sistema jurídico pátrio. Assim,
não se pode cogitar em culpa, até mesmo pela disposição do texto que trás
consigo a idéia de assunção de risco fulcrado no entendimento da expressão
“deveria saber”, havendo aqui um juízo acerca da exigibilidade ou não do
tributo, e neste caso, o agente atua pela cobrança, balizando os limiares do
dolo eventual.
VI-)
Consumação e tentativa:
Por se
tratar de crime formal, o delito consuma-se com a efetiva aplicação da
cobrança, na exigência do tributo indevido ou que sabe ser indevido e na
segunda forma onde emprega meio vexatório, gravoso ou não. O que importa é o
ato de tentar aferir o pagamento do crédito tributário, independendo do
pagamento que se torna um post factum impunível. Em crimes formais, a
tentativa pode ser possível, mas somente na forma escrita, com a cobrança se
dando, verbi gratia, por via de notificação por fiscal público, que é
interceptada antes da chegada desta ao contribuinte.
VII-)
Desvio do produto da exação temerária:
A exação
temerária deverá ser revertida aos cofres públicos, pois, ao menos o poder
público por obedecer aos corolários constitucionais, deverá restituir ao
particular o montante ilicitamente arrecadado. A figura derivada qualificada é
aferida pela presença do desvio do indevidamente tributado ao próprio fiscal ou
a terceiro por ele indicado. Julio Fabbrini Mirabete:
“Depois de efetuado o pagamento pela vítima, o agente, em vez de
recolher a quantia obtida aos cofres públicos, desvia-a em proveito seu ou
alheio. Exige-se, pois, a conduta de desvio da quantia (total ou parcial), bem
como o elemento subjetivo do tipo, que é a finalidade de beneficiar-se ou
beneficiar terceiro. Indiferente para a caracterização do crime em apreço se o
sujeito ativo resolve o desvio antes ou depois do recebimento”[19].
VIII-)
Defesa preliminar:
A lei
processual penal faculta o contraditório antecedendo ao recebimento da denúncia
ou queixa, sendo exceção na regra do sistema acusatório brasileiro. Isso se dá
dessa forma por expressa previsão no CPP, no seu artigo 514: “Nos crimes
afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará
autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito,
dentro do prazo de 15 (quinze) dias”. Mas esse rito só é aplicável na forma do
artigo 316, § 2º, CP, onde atende o requisito do artigo 323, I, do CPP, com a
pena mínima pairando em 2 anos de reclusão.
Julio
Fabbrini Mirabete aponta que em todos os crimes funcionais são afiançáveis,
portanto, estando dentro deste procedimento[20].
Da mesma entende Damásio de Jesus ao dizer:
“Entretanto,
com o advento da Lei 6.416/77, que alterou a redação do art. 323, I, deste
Código, os delitos punidos com reclusão passaram a admitir a fiança, desde que
a pena mínima cominada em abstrato não ultrapasse dois anos. Como os crimes
funcionais típicos da competência do juiz singular não apresentam em nenhum
caso pena mínima abstrata superior a dois anos, de entender-se que todos são
afiançáveis, sujeitando a ação penal ao rito estabelecido nos artigos 513 a 518
deste Código”[21].
Mas, por análise do parágrafo primeiro,
verifica-se que no caso do excesso de exação, a pena supera dois anos, estando
fora da alçada dos crimes afiançáveis, devendo seguir, portanto, pelo
procedimento ordinário do artigo 394 e seguintes do CPP, somente aplicando-se o
rito mencionado pelo mestre paulista na hipótese do parágrafo segundo,
portanto, discordo do mestres supramencionados.
Na
esteira de nosso pensamento coadunam as idéias de Fernando Capez: “Todos os
crimes funcionais próprios, como os impróprios submetem-se ao procedimento
especial, bastando apenas que sejam afiançáveis. Os únicos inafiançáveis são o
excesso de exação (art. 316 § 1º, CP) e a facilitação de contrabando e
descaminho (art. 318, CP)”[22].
O
professor Heráclito Antônio Mossin em exímia lição categoricamente define:
“Assim, no rol dos fatos puníveis praticados por funcionário público
contra a Administração em geral punidos com reclusão, somente não terá
aplicação desse rito especial nos crimes de excesso de exação (art. 316 § 1º,
CP), facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318, CP), uma vez que,
nessas duas hipóteses a pena mínima abstrativamente cominada é de três anos. In
casu, o procedimento a ser observado somente será o ordinário”[23]
Pedro
Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly em síntese explicam o procedimento:
“Nos delitos afiançáveis, estando a denúncia ou a queixa formalmente em
ordem, será registrada e autuada, determinando o juiz, antes de recebê-la, a
notificação do acusado para responder, por escrito, no prazo de 15 (quinze)
dias, apresentando sua justificativa. Não sendo localizado o acusado, ser-lhe-á
nomeado defensor, a quem incumbirá o oferecimento da defesa preliminar. Superada
tal fase, o juiz deverá apreciar a inicial e a defesa preliminar apresentada e,
em despacho fundamentado, se convencido pelas razões aduzidas na resposta do
acusado, rejeitará a denúncia (art. 516, CPP). Recebida a denúncia, o processo
seguirá o rito ordinário, a teor dos arts. 517 e 518 do CPP. O descumprimento
do rito previsto em lei é, de acordo com o entendimento uniforme do Supremo
Tribunal Federal, nulidade relativa que deverá ser argüida na primeira
oportunidade a que couber ao acusado falar, a teor do art. 572, inciso I, do
CPP”[24].
IX-)
Injustiça na pena e conclusão:
A
injustiça reside quando contrapormos a figura em tela com os demais crimes
elencados no Código Penal, bem como, aqueles presentes em leis esparsas, pois,
a pena supera diversos crimes de maior gravame e impacto social. A pena supera
os limites da normalidade na fixação da pena em delitos de igual monta social,
portanto, entendemos faltar com a ponderação o legislador quando da fixação do
tipo, por exemplo, a concussão, prevista no caput.
O delito
apresenta-se interessante, ao passo que, comina árduas penas a fraudes,
engodos, a uma conduta que prima facie, configuraria ilícito
administrativo e tributário. Agiu bem, o legislador ao conceder tipicidade as
condutas ali demonstradas, mas pela outra mão, consagrou penas ásperas e
faltou, ao nosso ver, com a justiça na dosimetria prévia da pena quando do
processo legislativo.
Bibliografia:
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[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2ª Ed. RT. São Paulo. 2002. p. 316.
[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário.
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[4] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 8ª Ed. Forense. Rio de
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[5] MACHADO, Hugo de Brito. Excesso de Exação. in Revista Consulex.. Ano III. nº 27.
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[6] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Tributário Constitucional. 10º Ed. Malheiros. São
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[7] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. 4. 17ª Ed. Atlas. São Paulo. 2002. p.
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[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª Ed. Altas.
São Paulo. 2001.
[9] MAGALHÃES NORONHA. Edgard. Direito Penal, vol. IV. 10ª Ed. Saraiva. São Paulo.1979. p. 251.
[10] TEOTÔNIO, Luís Augusto Freire. Culpabilidade – Concepções Modernas, Tendências Internacionais e
Nacionais. 1ª Ed. Minelli. Campinas. 2002. p. 83.
[11]FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, vol. 3. 10ª Ed. Forense. Rio de Janeiro.
1988. p. 418.
[12] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 4ª Ed. IBDT. São Paulo. 1976. p.
174/175.
[13] MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit p.34.
[14] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3ª Ed. Renovar. Rio de Janeiro. 1991. p.
479.
[15] Dessa forma ainda Hugo Brito de Machado em artigo
citado neste ensaio.
[16] MIRABETE, Op. Cit. p. 323 e MACHADO, Op. Cit. p.
36.,
[17] JESUS, Damásio Evangelista. Código Penal Anotado. 11ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2001. p. 935.
[18] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. IV. 3ª Ed. RT. São Paulo. 2001. p. 403/404.
[19] MIRABETE. Op. Cit.. p. 323.
[20] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 7ª Ed. Atlas. São
Paulo.
1997. p. 551.
[21] JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. 9ª Edição. São Paulo. 1991. p.
334.
[22] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 7ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2002. p.
564/565.
[23] MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de Processo Penal, vol. III. Atlas. São Paulo. 1998. p. 196.
[24] DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 1ª Ed. Atlas.
São Paulo. 1999. p. 379.
Informações Sobre os Autores
Flavio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira
Defensor Público Substituto em Minas Gerais, Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL e Mestre em Direito Penal pela UEM. Professor de Direito Ambiental da UNIFENAS – São Sebastião do Paraíso/MG e de Direito Constitucional e do Consumidor nas Faculdades Integradas Libertas.
Jordana Luchetti de Camargo
Advogada. Pós-Graduada em Direito Tributário pela UEL.