Responsabilidade social empresarial e os paradigmas igualitários da justiça social

Resumo: O presente trabalho aborda o conceito de responsabilidade social empresarial (RSE), sua finalidade e princípios da gestão socialmente responsável.  Traz documentos internacionais orientativos da responsabilidade social, em especial os documentos relacionados com a promoção da eqüidade de gênero, como prática de RSE. Aborda também, os paradigmas igualitários da justiça social de forma a correlacionar, brevemente, os princípios do Utilitarismo, da Justiça Distributiva e da Teoria da Justiça com a efetividade da responsabilidade social empresarial.


Palavras-chave:  Responsabilidade Social Empresarial; Sustentabilidade Empresarial; Paradigmas igualitários da justiça social


Resumen: Este artículo discute el concepto de responsabilidad social corporativa (RSC), su propósito y los principios de gestión responsable. Trae los documentos internacionales de referencia de la responsabilidad social, en particular los documentos relativos a la promoción de la equidad de género, como la práctica de la RSE. También se analizan los paradigmas de la justicia social igualitaria en el fin de relacionar brevemente los principios del utilitarismo, la justicia distributiva y la Teoría de la Justicia con la eficacia de la responsabilidad social de las empresas.


Palabras-clave: Responsabilidad Social Empresarial; Sustentabilidad Empresarial; Paradigmas de la justicia social


Sumário: 1. Conceito de responsabilidade social empresarial documentos orientativos. 1.1. A responsabilidade social empresarial e as doutrinas éticas de justiça social. 1.1.1.  O utilitarismo.  1.1.2. A justiça distributiva.  1.1.3. A teoria da justiça. 2.   A cooperação como forma de promover a justiça. 3. Conclusão. 4. Referências.  Bibliográficas.


1 conceito de responsabilidade social empresarial documentos orientativos


A responsabilidade social empresarial (RSE) é a ferramenta de gestão da empresa sustentável, ou seja, aquela empresa que estende as suas atividades produtivas num longo prazo e dentro dos pilares da sustentabilidade: econômico, social e ambiental. A visão de negócio é sistêmica e envolve os seus grupos de interesse na estratégia empresarial de decisões sobre os investimentos sociais em seu entorno – diálogo social.


A RSE não visa apenas atuar no ambiente externo, pois não estamos falando de marketing social, o seu foco dentro da empresa deve ser o bem-estar, saúde e segurança dos trabalhadores. Por isso, a responsabilidade social atua tão próxima do direito do trabalho, incentivando o estabelecimento de políticas sociais de promoção de comportamentos socialmente responsáveis, tais como: melhoria das condições de trabalho e emprego; tratamento eqüitativo com os empregados subcontratados ou terceirizados; a transparência no diálogo com a sua cadeia de valor; a forma de conduzir mudanças na gestão de recursos humanos e o estabelecimento de ações afirmativas de igualdade de gênero, raça, etnias e pessoas com deficiência (PcD).


As empresas devem priorizar em sua gestão responsável os seus recursos humanos: a garantia de salários justos e adequados a jornada de trabalho; a livre associação sindical; o reconhecimento dos sindicatos como parceiros da negociação das relações de trabalho; a garantia da qualidade de vida dos empregados (motivação, satisfação e retenção de talentos) e o não emprego de mão-de-obra infantil fora dos limites legais (Lei do Menor Aprendiz).


Dentro desse contexto as ações afirmativas de igualdade de gênero é outro foco a ser trabalhado como promoção dos direitos fundamentais e dos princípios da dignidade da pessoa. A busca pelo equilíbrio de postos de trabalho, salários compatíveis com a função a ser desempenhada e tratamento igualitário de benefícios são políticas de recursos humanos que devem permanentemente ser revistas e discutidas em conjunto com os grupos de interesse de forma a influenciar também a comunidade onde atua.


Os documentos orientativos da responsabilidade social empresarial são textos internacionais já consagrados pelos organismos internacionais como o Pacto Global da ONU; Linhas Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, as Convenções da OIT e suas Recomendações sobre os princípios e direitos fundamentais do trabalho.[1]


Junto a estes, outros instrumentos podem promover especialmente as relações igualitárias de gênero na construção de políticas de cidadania empresarial dentro de um conceito de sociedade livre, justa e inclusiva:


– Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW. Aprovada em 1979 pela Assembléia Geral da ONU, e ratificada pelo Brasil, sem reservas, em 1984.


– Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará. Aprovada em 1994 pela Assembléia Geral da OEA, e ratificada pelo Brasil em 1995.1


– A Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Beijing (China). Em 2000, o documento foi alterado, incluindo novas ações e iniciativas, resultando na referência Declaração de Pequim+5.


– Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Adotado em 1999 pela ONU, e ratificado pelo Brasil em 2002.


– e mais recentemente, lançado em março de 2010, Os Princípios de Empoderamento das Mulheres – Igualdade Significa Negócios[2], uma iniciativa do UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher e do Pacto Global, para promover a igualdade de oportunidades para as mulheres dentro do ambiente corporativo. São os seus princípios norteadores:


1. liderança promove a igualdade de gênero
2. igualdade de oportunidades, inclusão e não-discriminação
3. saúde, segurança e fim da violência
4. educação e treinamento
5. desenvolvimento empresarial e práticas de cadeia de suprimentos e marketing
6. liderança comunitária e engajamento
7. transparência, mensuração e relatório.


E ainda como documento âncora de todos os direitos fundamentais, sociais, políticos e econômicos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é a referência maior para a comunidade internacional. Adotada pela ONU em 1948, consolida o direito do trabalho, o direito à educação, a proteção contra o desemprego e a pobreza, a livre associação sindical e  a remuneração justa.


Os direitos da pessoa humana encontram na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – o manto protetivo do sistema interamericano de direitos humanos. O Brasil é signatário do documento desde 1992 e plenamente integrado desde 1998, podendo ser condenado no caso de descumprimento dos deveres previstos. A importância deste tratado internacional para os países americanos é a ampliação dos direitos além daqueles previstos na Constituição de cada país, cabendo ao Estado faltoso indenizar as suas vítimas, além de outras medidas cabíveis.


A RSE é o compromisso ético, voluntário, em poder das empresas para colaborar com a redução da pobreza e outras dificuldades econômicas, ambientais e sociais juntamente com a comunidade local, exigindo a implementação e a reforma de políticas sociais mais justas e efetivas.


A prática da responsabilidade social empresarial não está respaldada em uma norma jurídica, logo não há sanção prevista para as empresas que não a implementam em sua gestão estratégica.


Mas as doutrinas éticas modernas do bem-estar social (Utilitarismo, Justiça Distributiva e Teoria da Justiça) e os princípios norteadores dos direitos humanos justificam e constroem os pilares da boa governança e dos valores organizacionais.  São construções dentro do contexto da promoção das oportunidades, do solidarismo constitucional, da igualdade, da transparência, do diálogo social, do respeito às diversidades e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Na política e na prática da responsabilidade social, as empresas podem inserir os paradigmas sociais nas suas obrigações e promoverem a função social dos seus contratos, incluindo cláusulas sociais que viabilizem os princípios da dignidade humana: não contratação de mão-de-obra infantil, escrava ou situação análoga; produtos com selos de certificação ecológica (selos verdes); contratação de fornecedores locais; e capacitação/qualificação dos empregados terceirizados tendo em vista a fragilidade do vínculo, dentre outras ações/iniciativas específicas do contexto socioeconômico regional onde a empresa está inserida.


1.1A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E AS DOUTRINAS ÉTICAS DE JUSTIÇA SOCIAL


Este capítulo tem o objetivo de trazer para a discussão as teorias normativas, de caráter social e igualitário do Utilitarismo, da Justiça Distributiva e da Teoria da Justiça para a fundamentação da responsabilidade social empresarial.


A finalidade é contextualizar a prática da responsabilidade social empresarial com a promoção das políticas de bem estar social, de âmbito coletivo. As empresas têm que estar cientes que a responsabilidade social não é um modismo passageiro de gestão, de implantação em curto prazo, de impacto restrito ao ambiente da empresa, e de ganho apenas econômico.


A responsabilidade social quando implementada na estratégia do negócio empresarial, os seus efeitos podem ser vistos em todas as dimensões ambiental, econômica e social. Mas, isso exige muita transparência e boa-fé na condução dos interesses sociais, envolvendo e informando com clareza os grupos de interesse que a empresa se relaciona estrategicamente. A gestão de riscos é um foco de atenção constante para evitar crises econômicas e promover a longevidade da empresa e a segurança dos seus públicos (stakeholders).


Por isso, trazer os paradigmas igualitários da justiça social, neste momento de divulgação e disseminação da prática de responsabilidade social empresarial, é importante para respaldar a atuação ética e responsável das empresas.


1.1.1. O Utilitarismo


O utilitarismo sempre esteve preocupado com a situação social dos pobres.  Jeremy Bentham(1748-1832), filósofo moralista inglês e legislador, lançou em 1789 a sua obra Uma introdução aos Princípios da Moral e da Legislação, onde introduziu o princípio da utilidade como fundamento da maximização da utilidade e felicidade, entendida como prazer e ausência de dor, ou seja, uma ação só é boa se as suas conseqüências aumentam a felicidade do maior número de pessoas. Juntamente com John Stuart Mill (1806-1873), criticou as instituições da época, principalmente a Igreja e os legisladores, que defendiam o direito natural como justificativa do poder.


O utilitarismo é uma doutrina ética, que prioriza o bem ao maior número de pessoas, e fundamentou nos séculos XIX e XX a construção de políticas sociais e econômicas para a coletividade – maior felicidade para um conjunto de pessoas. A Utilidade ou Felicidade é uma norma de conduta, pois a finalidade da ação humana, dentro do padrão da moralidade, deve ser assegurada a toda humanidade.


Os opositores desta doutrina dizem que a felicidade é inatingível, e que os seres humanos podem viver perfeitamente sem ela, sendo a sua renúncia uma virtude. Afirmam ainda tratar-se de “uma exigência severa demais pretender que as pessoas devam sempre agir de acordo com a vontade de promover os interesses gerais da sociedade”.[3]


Para os utilitaristas, a falta de educação, de desenvolvimento intelectual, o egoísmo e as disposições sociais são alguns dos impedimentos que podem dificultar o acesso à felicidade para um conjunto de pessoas. A felicidade ou a conduta moral de um agente deve estar em harmonia com o coletivo.


O ponto forte da teoria utilitarista para o respaldo da responsabilidade social empresarial é o seu fundamento na moral, como regra de conduta e o benefício do bem estar social (Felicidade) para o maior número de pessoas. E os utilitaristas afirmam que os motivos que levam um agente a proporcionar uma norma de felicidade são irrelevantes desde que não violem os direitos e as legítimas expectativas de outras pessoas. Os motivos podem ser outros, e não apenas os de caráter legal. O agente tem os seus méritos reconhecidos quando proporciona a felicidade coletiva.


A RSE é uma conduta ética, e o resultado desta ação deve visar o bem coletivo, a comunidade do entorno ou um grupo de minorias sociais, sendo os motivos que levaram os gestores a implantarem esta prática voluntária na sua gestão estratégica, não serem relevantes. O desenvolvimento da ação, a conduta socialmente responsável (transparência e confiança), e o monitoramento dos indicadores para efetivação de medidas e políticas sociais compõem a metodologia da responsabilidade social. 


1.1.2 A Justiça Distributiva


A teoria da justiça distributiva trata de como uma sociedade ou um grupo deve compartilhar ou distribuir os seus recursos ou seus produtos entre aqueles que necessitam. A idéia de distribuição de recursos remete a Aristóteles e Platão enquanto recompensas vinculadas ao mérito de cada um, porém como justiça, é um entendimento dos filósofos modernos onde afirmam que todos merecem uma vida livre de carências e oportunidades.


A justiça distributiva visa que as necessidades básicas de todas as pessoas devem ser satisfeitas, por isso invoca o Estado como responsável por promover a distribuição dos recursos básicos à população tais como educação, saúde, habitação e segurança dentre outros. O conceito moderno de justiça distributiva exige que certos bens devem ser garantidos pelo Estado, independentemente do mérito ou de qualquer coisa que tenham feito, bastando apenas a necessidade.


Foi depois da Segunda Guerra Mundial que o conceito de justiça distributiva avançou como medidas visando por fim a pobreza. Sob a influência da ideologia da Revolução Francesa, os trabalhadores pobres passam a reivindicar melhores condições econômicas ao invés da caridade dos ricos. Por volta do início do século XX, Alfred Marshall (1890) publica o livro Principles of Economics, enfatizando que “todos deveriam vir ao mundo com uma oportunidade razoável de levar uma vida cultivada, livre dos sofrimentos da pobreza e das influências estagnantes da labuta mecânica excessiva”. Isso influenciou positivamente Franklin Roosevelt em suas políticas sociais, e em 1944, propôs em seu “segundo bill of rights” o direito à moradia, ao emprego com remuneração adequada, à assistência médica e educação de qualidade.[4]


Em 1948, Eleanor Roosevelt ajuda a redigir o maior documento orientativo dos direitos fundamentais da pessoa humana – a Declaração Universal dos Direitos Humanos[5] – que incluía em seus princípios a dignidade humana como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Relaciona os direitos econômicos, sociais e culturais para o desenvolvimento pleno das nações. A partir de então, a justiça distributiva ou social está consagrada na doutrina ética e política dos estados de bem estar social (welfare state).


É importante relacionar esta doutrina da justiça distributiva como fundamento ético da responsabilidade social empresarial, pois um dos objetivos da RSE é promover as políticas sociais juntamente com os governantes, de forma que estas políticas se fortaleçam e atinjam o maior número de pessoas.  A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, convoca cada indivíduo e cada órgão da sociedade a efetivar os direitos nela estabelecidos, e as empresas socialmente responsáveis promovem o desenvolvimento social das comunidades do seu entorno, assim como a cidadania empresarial com políticas de igualdade e oportunidades aos grupos de minorias de raça, sexo e etnias.


1.1.3. A Teoria da Justiça


A Teoria da Justiça, de John Rawls (1921-2002), é um divisor quando se trata de cooperação social e a promoção de uma sociedade livre, justa e igualitária, por isso é possível afirmar que a teoria da justiça é o pilar estruturante do movimento de empresas socialmente responsáveis.


A teoria da justiça visa à distribuição de direitos e valores entre as pessoas, a divisão de vantagens advindas da cooperação, do acesso a políticas e práticas sociais.


Rawls afirma nos dois princípios da justiça que existe um processo de escolha para promover a igualdade e as oportunidades:[6]


“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.


Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.”


Essas liberdades que referem o primeiro princípio devem ser iguais para todos, sendo elas: a política (de voto e representação), a de expressão, a de livre associação, a integridade da pessoa (não à tortura, à opressão psicológica, a prisão arbitrária), a de livre locomoção (direito de ir e vir), o direito à propriedade privada dentre outras do estado de direito.


Já o segundo princípio diz respeito à distribuição de renda e riqueza que deve ser vantajosas para todos e a oportunidade de acesso a cargos e posições sociais.


Esses princípios estão ordenados de tal forma que o primeiro antecede o segundo, ou seja, o primeiro não pode ser negociado, compensado ou justificado em detrimento de maiores vantagens econômicas e sociais.


O segundo princípio deve estar em equilíbrio com o primeiro, a distribuição de renda e riqueza associada a posições sociais e cargos – benefícios econômicos. Dentro do contexto desses princípios, a posição de todos deve ser melhorada.


A responsabilidade social, como instrumento dos princípios fundamentais dentro das empresas, trabalha estruturalmente com o princípio das liberdades básicas, e na promoção de políticas públicas juntamente com os órgãos do governo e entidades sociais. O trabalho reside em promover o bem-estar de todos, e não de grupos específicos, com exceção dos grupos de minorias sociais que requer a criação de ações afirmativas. O segundo princípio da justiça pode ser interpretado diante de dois outros princípios da responsabilidade social empresarial: o da eqüidade (justa igualdade de oportunidades) e o do bem estar coletivo (as práticas devem beneficiar o maior número de pessoas).


Na teoria da justiça, a estrutura básica é o objeto primeiro da justiça.  Essa estrutura básica diz respeito ao conjunto público de regras, no qual os homens representativos devem promover uma quantidade maior de benefícios, à luz das expectativas legítimas. O resultado deve ser o mais justo e abrangente sempre.


A justiça na promoção da igualdade e da eqüidade analisa, de forma abrangente, o sistema social a partir do acesso à cidadania e aos níveis de renda e de riqueza. Justifica, inclusive, se há direitos básicos desiguais fundamentados nas diferenças físicas (sexo, raça, cultura), além de outros critérios específicos da comunidade local.


Assim, a empresa como instituição social deve-se valer desses princípios quando for implantar a responsabilidade social na sua gestão estratégica. Ninguém deve se beneficiar das diferenças, a não ser em situações que beneficiem a todos.


Esse deve ser um dos princípios da promoção da diversidade dentro da responsabilidade social – “a distribuição natural não é justa nem injusta; nem é injusto que pessoas nasçam em alguma posição particular na sociedade. Esses são simplesmente fatos naturais. O que é justo ou injusto é o modo como as instituições lidam com esses fatos”.[7]


2   A  COOPERAÇÃO COMO FORMA DE PROMOVER A JUSTIÇA


A cooperação é tanto possível quanto necessária à promoção da justiça. Embora a sociedade seja marcada por interesses comuns, costumes e valores. Existem muitos conflitos a serem dirimidos, porém a diversidade de interesses, crenças, religiões, doutrinas levam a complexidade da relação humana, da sociologia e do papel de cada instituição social na convivência harmoniosa das várias comunidades e seus interesses.


A fraternidade, ao lado da igualdade e da liberdade – princípios do liberalismo –  justificam a cooperação entre os homens na busca do bem comum.


Rawls ressalta que “os princípios básicos devem poder servir como estatuto público de uma sociedade perpetuamente bem ordenada. Sendo incondicionais, eles sempre se aplicam (dentro das circunstâncias da justiça), e o seu conhecimento deve ser acessível aos indivíduos de qualquer geração”.[8]


A sustentabilidade está estruturada no princípio da cooperação, e assim justifica o seu conceito mais aceito: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades”. [9]


As questões de justiça extrapolam a própria geração, são transmitidas para outras, por isso a importância em escolher princípios cujas conseqüências podem ser previsíveis, principalmente as ambientais, na utilização dos recursos naturais. As conseqüências devem ser minimizadas independentes da geração na qual teve sua origem.


A teoria da justiça trabalha com os dois princípios – da liberdade igual e da igualdade eqüitativa das oportunidades. A responsabilidade social é a ferramenta empresarial de promoção da justiça social, uma vez que a aplicação desses princípios pode ser estendida à estrutura básica da sociedade como um todo. Os dois princípios da justiça devem ser trabalhados de forma igualitária, em toda a estrutura básica do sistema social, assegurando as liberdades básicas de cada pessoa, e sob o prisma do princípio da diferença, no qual todos se beneficiam da cooperação social.


Rawls enfatiza que as desigualdades são permitidas desde que melhorem a situação de todos. Quando a empresa fomenta ações afirmativas em prol das minorias, desde que por período determinado, está abrindo um leque de oportunidades para a inclusão, tornando-se política social – “A negação das liberdades iguais só pode ser defendida se isso for essencial para a mudança das condições da civilização, de modo que, no momento devido, essas liberdades possam ser usufruídas”.[10]


3  CONCLUSÃO


A responsabilidade social é a ferramenta de promoção da função social da empresa, considerando que a função social é mais abrangente devido ao seu aspecto normativo (Lei no. 6.404/76) e constitucional (art. 170, inciso III, CF). Esse respaldo legal da função social faz com que a responsabilidade social seja um instrumento efetivo da gestão socialmente responsável das empresas.


A globalização exige que as empresas atuem com conduta ética e responsável para se manterem na competitividade do mercado consumidor de vários países. E isso reflete em outros setores tais como da produção; a responsabilidade sobre o produto; a redução de custo, que envolve muitas vezes a troca da matriz energética utilizada; o respeito aos trabalhadores.  Todos esses aspectos podem compor uma matriz de cidadania empresarial.


A postura a ser adotada pela empresa transnacional, frente aos problemas sociais e ambientais que ela se depara nos diversos países onde tem atuação, faz com que ela implemente em sua gestão estratégica de negócios a responsabilidade social e ambiental. Atualmente, a efetivação de políticas públicas sociais não cabe apenas ao Estado, convoca-se a participação cidadã das pessoas físicas e jurídicas.


A responsabilidade social empresarial está fundamentada nos pilares da transparência, do compartilhamento de obrigações, na promoção do bem estar da comunidade, e na segurança de seus stakeholders.


Por isso, o conceito de justiça se faz tão presente nas práticas da gestão sustentável. O desempenho econômico da empresa está interligado com a oportunidade social (solidariedade), com as políticas públicas, com o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e com a transparência e segurança na gestão de riscos. Há uma trama construída sobre os pilares do princípio da dignidade humana, onde todos os elementos se relacionam na busca de sociedades mais justas, igualitárias e solidárias.


A idéia da existência de um contrato social entre a empresa e a comunidade na solução de problemas socioambientais requer uma parceria econômico-social efetiva para que o princípio da livre iniciativa seja também respeitado.


Os paradigmas igualitários servem de ponto de partida para implementar a política de responsabilidade social, e a teoria da justiça de John Rawls é a que mais se aproxima dos princípios da responsabilidade social: prestação de contas e responsabilidade; transparência; comportamento ético; respeito pelos interesses das partes (stakeholders); respeito pelo estado de direito e normas internacionais; respeito pelos direitos humanos.


A teoria da justiça destaca a importância da cooperação social, a busca da  eqüidade na escolha dos princípios de justiça de forma a promover a  liberdade, a oportunidade e a igualdade, a concepção de instituições justas para uma sociedade bem ordenada. O foco da justiça social é sempre o coletivo, em nome de um grupo, e todas as decisões são tomadas dentro do princípio da eqüidade, sob o véu da ignorância, onde as atividades econômicas e sociais são partilhadas dentro de um consenso onde todos se vêem de forma que a sociedade fica estável no presente e no futuro.


 


Referências bibliográficas

FLEISCHACKER, Samuel.  Uma breve história da justiça distributiva.  São Paulo: Martins Fontes, 2006.  Tradução Álvaro de Vita

GOMES, Luiz Flávio.  Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009

ISO 26000 – Diretrizes sobre responsabilidade social: Minuta da Norma. Arquivo disponível em PDF e no site www.iso.org.

MAFFETTONE, Sebastiano & VECA, Salvatore (orgs.).  A idéia de justiça de Platão a Rawls.  São Paulo: Martins Fontes, 2005.  Tradução Karina Jannini

MILL, John Stuart.  Utilitarismo.  São Paulo: Editora Escala, (s.d).  Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 70

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES.  A defesa das mulheres: instrumentos internacionais.  Brasília: Funag: IPRI: MRE, 2003

OLCESE SANTOJA, Aldo.  El capitalista humanista.  Madrid: Marcial Pons, 2009

PÉREZ CARRILLO, Elena F. (coord.).  Gobierno corporativo y responsabilidad social de las empresas.  Madrid: Marcial Pons, 2009

RAWLS, John.  Justiça e democracia.  São Paulo: Martins Fontes, 2000.  Tradução Irene A. Paternot

___________.  Uma teoria da justiça.  São Paulo: Martins Fontes, 2008.  Tradução Álvaro de Vita.

 

Notas:

[1] Siglas – ONU (Organização das Nações Unidas); OIT (Organização Internacional do Trabalho); OEA (Organização dos Estados Americanos) 

[2] Documento disponível na íntegra no site

www.unifem.org.  Acesso em 13 de agosto de 2010

[3] MILL, John Stuart.  Utilitarismo.  São Paulo: Editora Escala, s.d.  p. 34

[4] Citação realizada por FLEISCHACKER, Samuel.  Uma breve história da justiça distributiva.  São Paulo: Martins Fontes, 2006.  p. 120

[5] O documento na íntegra está disponível na internet


[6] RAWLS, John.  Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008.  P. 64

[7] RAWLS, John (2008).  p. 109

[8] RAWLS, John (2008).    p. 142

[9] Relatório Brudtland, 1987.  Disponível em http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/91. Acesso em 16 agosto 2010

[10] RAWLS, John  (2008).  p. 164


Informações Sobre o Autor

Ligia Neves Silva

Advogada e Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA
Técnico de Nível Superior da Coordenadoria de Responsabilidade Social, da Itaipu Binacional, em Curitiba, Paraná. Foi Gestora do Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente, da Diretoria Geral Brasileira.


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