Resumo: O presente artigo aborda a Lei Complementar 135/2010 – Lei da Ficha Limpa -, trazendo aspectos que elucidam sua origem, passando pelo julgamento da sua constitucionalidade e culminando na sua forma de aplicação e interpretação, em especial, o alcance da lei em relação a fatos anteriores à sua promulgação. Destaca-se ainda o processo de registro de candidatura e o impacto do art. 11, § 10 da Lei nº 9.504/97 sobre a aplicação da Lei Complementar. Por fim, a análise dos julgados no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia sobre a matéria, nas eleições de 2012.
Palavras-chave: Lei da Ficha Limpa, retroatividade, Lei das Eleições, registro de candidatos, alterações supervenientes, Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
Abstract: This study refers to the Complementary Law 135/2010 – Clean File Law -, bringing aspects that elucidate its origin, comprising the judgement of its constitunionality and rising to its form of application and interpretation, specially, the range of the law when related to facts prior to its promulgation. Furthermore, focuses on the candidature register process and the impact of art 11, § 10 of the Law no. 9.504/97 about the application of the Complementary Law. Finally, analyzes those judged by the Regional Electoral Court of Bahia for the matter in the 2012 election.
Keywords: Clean Record Act, retroactivity, Election Law, registration of candidates, supervening changes, the Electoral Court of Bahia.
Sumário: Introdução; 1. Da aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010; 2. Do julgamento da Constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa; 3. Da retroatividade da Lei Complementar 135/2010; 4. Das alterações supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade; 5. Dos julgamentos proferidos pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia; Considerações finais; Referências.
Introdução
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, é o que diz o parágrafo único do artigo 1º da Constituição da República. O Brasil elegeu assim a democracia semidireta ou mista, um regime onde os governantes e parlamentares são eleitos pelo povo para representá-lo e agir em seu nome.
A democracia, nos moldes propostos, possibilita que o cidadão vote e seja votado para exercer mandatos públicos eletivos e legitimamente representar aqueles que o elegeram, na condição de porta-voz dos anseios sociais.
Para ser candidato o cidadão deve preencher as chamadas condições de elegibilidade, ou seja, deve preencher determinados requisitos legais elencados no artigo 14, § 3º da Constituição Federal, que autorizam o pleno exercício da capacidade eleitoral passiva.
Todavia, não só as condições de elegibilidade são necessárias para que o cidadão esteja apto para concorrer a um cargo eletivo: é necessário que ele não incida em nenhum causa de inelegibilidade. Conceituando o que vem a ser inelegibilidade, pontua José Jairo Gomes (2010. p. 141):
“Denomina-se inelegibilidade ou ilegibilidade o impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo. Em outros termos, trata-se de fator negativo cuja presença obstrui ou subtrai a capacidade eleitoral passiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exercer mandato representativo. Tal impedimento é provocado pela ocorrência de determinados fatos previstos na Constituição ou em lei complementar. Sua incidência embaraça a elegibilidade, esta entendida como o direito subjetivo público de disputar cargo eletivo.”
A inelegibilidade é uma medida destinada a defender a democracia contra possíveis e prováveis abusos.
Como dito, além das inelegibilidades constitucionais listadas no artigo 14 da Carta Magna, existem ainda as infraconstitucionais, que são criadas por lei complementar, ao fundamento do § 9º do mesmo artigo supracitado, que preceitua, in verbis:
“§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
Atendendo ao disposto no texto constitucional foi promulgada a Lei Complementar 64 de 18 de maio de 1990, estabelecendo, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determinando outras providências.
Ocorre que, ao longo desses 22 anos desde sua entrada em vigor, a Lei Complementar 64/90 foi perdendo credibilidade junto à população, por estipular prazos brandos de inelegibilidades que não mais correspondiam com o desejo hodierno de moralização e ética para a vida pública, fazendo eclodir um movimento popular que reuniu cerca de 1,3 milhões de assinaturas, e culminou no projeto de lei de iniciativa popular conhecido como “Lei da Ficha Limpa”.
O Projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 5 de maio de 2010 e também no Senado Federal no dia 19 de maio de 2010, por votação unânime. Foi então sancionado pelo Presidente da República, transformando-se na Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. A Lei 135/2010 alterou diversos dispositivos da Lei 64/90, tornando-os mais rígidos, dilatando os prazos de inelegibilidade e dificultando o ingresso na vida pública daqueles que tiveram condutas ímprobas ou desonestas.
1. Da aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010
A Lei 135/2010 gerou diversas celeumas no mundo jurídico: a primeira delas foi sobre a possibilidade de sua aplicação para o pleito de 2010. Apesar de alguns juízes e até Tribunais Regionais Eleitorais aplicarem a regra às eleições daquele ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 633703, que a Lei da Ficha Limpa não deveria ser aplicada às eleições realizadas em 2010, por desrespeito ao artigo 16 da Constituição Federal, que assim dispõe:
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
O entendimento do Supremo foi que o artigo 16 da Constituição Federal, é uma cláusula pétrea eleitoral que não podia ser mudada, nem mesmo por lei complementar ou emenda constitucional, ponderando ainda o voto do Ministro Luiz Fux que “por melhor que seja o direito, ele não pode se sobrepor à Constituição”.
Com esse entendimento, a aplicação da Lei Complementar 135/2010 ficou postergada para as eleições de 2012, enfrentando antes, porém, o julgamento acerca da sua constitucionalidade.
2. Do julgamento da Constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa
Após o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 633703, que desautorizou a aplicação da Lei Complementar 135/2010 para o pleito de 2010, o Supremo Tribunal Federal apreciou conjuntamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578, e a Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30, que versavam sobre a constitucionalidade ou não da Lei da Ficha Limpa.
No dia 16 de fevereiro de 2012, por 7 votos a 4, a lei foi então declarada constitucional, e portanto, perfeitamente aplicável para as eleições de 2012. No voto decisivo, o ministro Ayres Britto afirmou que a Lei da Ficha Limpa "está em total compatibilidade" com preceitos constitucionais. Segundo ele, a Constituição brasileira deveria ser mais dura no combate à imoralidade e à improbidade. Vale a pena ressaltar algumas palavras do voto do eminente Ministro:
“Porque a nossa história não é boa. Muito pelo contrário, a nossa história é ruim (…) mudar uma cultura perniciosa, deletéria, de maltrato, de malversação da coisa pública, para implantar no país o que se poderia chamar de qualidade de vida política, pela melhor seleção, pela melhor escolha dos candidatos, candidatos respeitáveis.”
A decisão histórica foi festejada pelos diversos setores da sociedade, que reconheceram o avanço da legislação brasileira no combate a improbidade e a falta de moralidade na vida política nacional.
Apesar da conclusão do julgamento pela constitucionalidade da Lei Complementar, outras dúvidas pairavam a cabeça dos juristas, dessa vez, quanto a sua forma de aplicação, uma vez que os efeitos da Lei da Ficha Limpa poderiam atingir fatos pretéritos já consumados, e ferir, portanto, o princípio da segurança jurídica. Questionava-se se a inelegibilidade era ou não pena, e se os efeitos da lei atingindo fatos ocorridos no passado, e muitas vezes com a inelegibilidade já cumprida, não estariam afrontando a coisa julgada.
3. Da retroatividade da Lei Complementar 135/2010
O voto do Ministro Luiz Fux, relator do processo que entendeu pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, foi o grande norteador dos operadores do Direito, pois cingiu-se em questões processuais e técnicas, apontando os rumos de sua correta aplicação ao caso concreto.
Primeiramente, entendeu o Ministro que inelegibilidade não é pena, e sim um requisito negativo em que não deve incidir o pleiteante de cargo público eletivo quando da formalização do seu pedido de registro de candidatura. Inclusive o próprio legislador faz a distinção entre inelegibilidade e pena, como afirma o relator em passagem do seu voto:
“Explica-se: trata-se, tão-somente, de imposição de um novo requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo, que não se confunde com agravamento de pena ou com bis in idem. Observe-se, para tanto, que o legislador cuidou de distinguir claramente a inelegibilidade das condenações – assim é que, por exemplo, o art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar nº 64/90 expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior ao cumprimento da pena.” (grifos no original)
Demais disso, relatou o Ministro em brilhante lição, todos os argumentos que embasam a retroatividade da Lei da Ficha Limpa:
“Primeiramente, é bem de ver que a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não viola o princípio constitucional da irretroatividade das leis. (…) O mestre de Coimbra, sob a influência do direito alemão, faz a distinção entre:
(i) a retroatividade autêntica: a norma possui eficácia ex tunc, gerando efeito sobre situações pretéritas, ou, apesar de pretensamente possuir eficácia meramente ex nunc, atinge, na verdade, situações, direitos ou relações jurídicas estabelecidas no passado; e
(ii) a retroatividade inautêntica (ou retrospectividade): a norma jurídica atribui efeitos futuros a situações ou relações jurídicas já existentes, tendo-se, como exemplos clássicos, as modificações dos estatutos funcionais ou de regras de previdência dos servidores públicos (v. ADI 3105 e 3128, Rel. para o acórdão Min. CEZAR PELUSO).
Como se sabe, a retroatividade autêntica é vedada pela Constituição da República, como já muitas vezes reconhecido na jurisprudência deste Tribunal. O mesmo não se dá com a retrospectividade, que, apesar de semelhante, não se confunde com o conceito de retroatividade mínima defendido por MATOS PEIXOTO e referido no voto do eminente Ministro MOREIRA ALVES proferido no julgamento da ADI 493 (j. 25.06.1992): enquanto nesta são alteradas, por lei, as consequências jurídicas de fatos ocorridos anteriormente – consequências estas certas e previsíveis ao tempo da ocorrência do fato –, naquela a lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente. Repita-se: foi o que se deu com a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/03, que atribuiu regimes previdenciários diferentes aos servidores conforme as respectivas datas de ingresso no serviço público, mesmo que anteriores ao início de sua vigência, e recebeu a chancela desta Corte.
A aplicabilidade da Lei Complementar n.º 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante: ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida na jurisprudência desta Corte.” (grifos no original)
Como visto, não trata-se de retroatividade da lei, e sim de retrospectividade, quando a lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente. Além disso, rebateu o voto do relator com maestria os argumentos que afirmavam ser a Lei da Ficha Limpa uma afronta ao direito adquirido e a segurança jurídica:
“Demais disso, é sabido que o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal preserva o direito adquirido da incidência da lei nova. Mas não parece correto nem razoável afirmar que um indivíduo tenha o direito adquirido de candidatar-se, na medida em que, na lição de GABBA (Teoria della Retroattività delle Leggi. 3. edição. Torino: Unione Tipografico-Editore, 1981, v. 1, p. 1), é adquirido aquele direito "[…] que é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo em virtude da lei vigente ao tempo que se efetuou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação da lei nova, e que, sob o império da lei vigente ao tempo em que se deu o fato, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.” (Tradução livre do italiano) Em outras palavras, a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, consubstanciada no não preenchimento de requisitos “negativos” (as inelegibilidades). Vale dizer, o indivíduo que tenciona concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto jurídico eleitoral. Portanto, a sua adequação a esse estatuto não ingressa no respectivo patrimônio jurídico, antes se traduzindo numa relação ex lege dinâmica.” (grifos no original)
E para fulminar qualquer dúvida, pronuncia-se expressamente quanto à incidência da lei em relação aos casos de inelegibilidade em curso ou ainda aqueles em que os prazos já haviam se encerrado:
“É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela validade da extensão dos prazos de inelegibilidade, originariamente previstos em 3 (três) , 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito) anos, nos casos em que os mesmos encontram-se em curso ou já se encerraram. Em outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso em que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com as hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar nº 64/90, esses prazos poderão ser estendidos – se ainda em curso – ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo.” (sem grifos no original)
Com o julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, restou pacificada a retroatividade inautêntica ou retrospectividade da Lei de Ficha Limpa, uma vez que o julgamento do Supremo nesse tipo de ação possui caráter vinculante, a teor do que dispõe o artigo 102, § 2º da Constituição Federal, a saber:
“§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
Com isso, os órgãos do poder Judiciário estão obrigados a dar a mesma interpretação dada pelo STF à Lei Complementar 135/2010, nos termos do julgamento das ações supracitadas. O descumprimento, por parte dos juízes de primeiro grau, dos Tribunais Regionais Eleitorais ou ainda pelo Tribunal Superior Eleitoral em aplicar o mesmo entendimento, enseja o manejo da Reclamação Constitucional dirigida ao Pretório Excelso.
4. Das alterações supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade
Superado o entendimento de que a Lei da Ficha Limpa deve retroagir para alcançar fatos ocorridos no passado, sem que isso configure afronta ao princípio da segurança jurídica, surge então uma nova dúvida quanto à interpretação da Lei Complementar junto aos processos de registro de candidatura. É que a lei nº 9.504/97 – lei das eleições – no § 10 do seu artigo 11 estabelece que:
“§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.”
O referido parágrafo foi introduzido pela Lei 12.034/2009. Até então, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade eram aferidas por ocasião do registro, inexistindo a ressalva quanto aos fatos supervenientes. Ou seja, se no momento do pedido de registro de candidatura estivesse o candidato incidindo sobre causa de inelegibilidade, aquele deveria obrigatoriamente ter que ser indeferido. Ocorre que a introdução do novo parágrafo deu uma interpretação totalmente diferente a praxe eleitoralista, mudando o panorama das Ações de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRCs.
Com a mudança, passam a ser consideradas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade, devendo o marco temporal de referência não mais ser o dia 5 de julho do ano eleitoral. A nova regra indubitavelmente abre grande brecha à aplicação da Lei da Ficha Limpa, uma vez que flexibiliza a inelegibilidade, pois posterga sua análise para todo período que durar o processo de registro de candidatura. Com isso, um grande número de candidatos que, anteriormente a introdução do § 10 estariam inaptos para concorrer as eleições, a partir dele, passam a ter seus registros deferidos. Joel José Cândido (2010. P. 428), demonstrando inconformidade com o diploma legal em comento assim preleciona:
“Mesmo que não estivéssemos com a razão, até aqui, parece-nos, agora, que se a lei adotou o dogma pretoriano com uma mão, com outra abre importante brecha para amainar o seu perigoso absolutismo, mandando que, em certos casos, se defira o pedido de registro sob condição. Ocorrem-nos, como exemplos de alterações fáticas ou jurídicas, que supervenientes ao registro poderão alterar o seu rumo, as seguintes hipóteses, entre outras:
– advento da prescrição criminal;
– término de alguns prazos de inelegibilidade;
– advento do término da relação de parentesco ou afinidade;
– aprovação das contas originariamente rejeitadas, pelo Tribunal de Contas, afastada a pecha de improbidade administrativa, em momento posterior, pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Judiciário.
Em conclusão: mesmo que esses fatos ocorram após o pedido de registro originalmente indeferido, mas antes da eleição, deverão ensejar, ainda que em sede de decisão recursal, o deferimento desse pedido, pois o eleitor estará votando em quem preencheu todas as condições de elegibilidade e não tinha sobre si nenhuma causa de inelegibilidade, podendo, assim ser votado, o que, ao fim e ao cabo, é exclusivamente o que importa.”
Com o permissivo legal citado, restou aos juízos e tribunais eleitorais a árdua tarefa de aplicar a Lei Complementar em consonância com o dispositivo que disciplina os pedidos de registro de candidatos, muitas vezes frustrando todos aqueles que lutaram pela Lei da Ficha Limpa, e gostariam de ver afastados da vida pública aqueles que macularam sua trajetória política passada com atos de improbidade ou qualquer outro tipo de conduta nociva descrita no rol do artigo 1ª da Lei Complementar 64/90. Em síntese: se por um lado a lei complementar ampliou os prazos de inelegibilidade anteriormente previstos, por outro, flexibilizou a regra quanto ao momento de sua aferição, albergando situações que noutro tempo seriam necessariamente indeferidas.
5. Dos julgamentos proferidos pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia
O Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Bahia vêm proferindo diversas decisões em matéria de pedido registro de candidatura referente às eleições de 2012. O mais interessante é que, no âmbito do próprio Tribunal, existem decisões divergentes, a depender da composição do colegiado no momento do julgamento. Destaca-se entre estes, o julgamento do Recurso Eleitoral 30-26.2012.6.05.0044, de Sátiro Dias, que em decisão acirrada (3 x 2), prevaleceu o entendimento de que as causas de inelegibilidade devem ser aferidas tendo como marco referencial o dia do pleito, conforme transcrição de trechos do acórdão:
“Recurso. Registro de Candidatura. Prefeito. Impugnação. Improcedência. Existência de condenação anterior transitada em julgado pela prática de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio. Superveniência de causa apta a restabelecer a elegibilidade do candidato posterior ao requerimento de registro de candidatura, porém, antes das eleições. Art. 11, § 10 da Lei nº 9.504. Aplicabilidade. Parecer da Procuradoria Regional Eleitoral pelo provimento. Desprovimento.
Preliminar de não conhecimento de parte do recurso.
A menção a outra previsão legal que, igualmente as já anteriormente aventadas, se refere à mesma tese de inelegibilidade sustentada na peça impugnatória e em alegações finais, não configura inovação no recurso, mormente quando se trata de questão relativa à capitulação jurídica e não à situação fática, pelo que não se acolhe a preambular.
Preliminar de ausência de interesse de agir.
Não se acolhe a prefacial, uma vez que a hipótese de exaurimento da inelegibilidade arguida pelo recorrente se trata de questão que se confunde com o próprio mérito do recurso e juntamente com ele deverá ser analisada.
Mérito.
1. Sobrevindo causa superveniente anterior às eleições e apta a restaurar a elegibilidade do candidato, impõe-se o deferimento do seu registro de candidatura, a teor do art. 11, § 10 da lei nº 9.504/97;
2. Preliminares inacolhidas e recurso a que se nega provimento.”
Neste caso citado, o postulante a candidatura foi condenado por captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico referente às eleições de 2004, e uma das teses da defesa foi a de que a inelegibilidade do pretenso candidato havia expirado em 2007, e por esse motivo, não haveria a incidência da Lei da Ficha Limpa. Apesar da posição divergente de alguns julgadores, foi acatada a tese da retroatividade máxima da lei, conforme trecho do voto-vista do Juiz Roberto Maynard Frank:
“Está assentado, pois, que a majoração do período de inelegibilidade pela LC nº 135/2010 não guarda inconstitucionalidade, sendo oponível até mesmo em situação nas quais já houve transito em julgado e decurso do período de inelegibilidade anteriormente previsto.
Diante disto, ressalvada a opinião pessoal deste Julgador, fundamentada neste voto, há necessidade de se acompanhar o entendimento da e. Corte Constitucional, motivo pelo qual deixo de acolher, nesse particular, a tese levantada pelo recorrido.”
Ultrapassado, com ressalvas, o entendimento a respeito da retroatividade da Lei Complementar 135/2010, passou o TRE/BA a enfrentar a tese da causa superveniente ao registro que afaste a inelegibilidade. Importante transcrever mais uma passagem do voto-vista do Juiz Roberto Frank, que assim dispôs:
“Na situação fática em análise, o candidato estava inelegível no momento do registro, mas esta sua condição impeditiva se encerrará no dia 04/10/2012, antes do pleito eleitoral.
O fim da condição de inelegibilidade é um fato de natureza jurídica, pois repercutirá efeitos para o direito, resgatando o direito político passivo do cidadão e sua consequência é, por óbvio, caracterizadora do afastamento da inelegibilidade antes existente.
Assim sendo, diante da ocorrência de tal fato jurídico posterior que resgata a elegibilidade, deve ele ser levando em conta para permitir a aplicação da ressalva constante no § 10 do art. 11 da Lei nº 9.504/97, de modo a, retroativamente, permitir o deferimento da candidatura no momento do registro.”
Com esse entendimento, prevaleceu, de maneira apertada, que a condição de inelegibilidade cessada antes do pleito eleitoral, permite o deferimento do pedido de registro de candidatura. Esse também foi o entendimento proferido nos autos do Recurso Eleitoral nº 30-87.2012.6.05.0124, da cidade de Correntina. Todavia, não há unanimidade quanto a esse entendimento no próprio Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, que divergiu desta tese no julgamento do Recurso Eleitoral nº 10-62.2012.6.05.0200, da cidade de Pojuca, ocasião em que houve o decisivo voto de desempate da Eminente Presidente da Corte Regional, Desembargadora Sara Silva de Brito, baseada no voto do Relator, Juiz Saulo Casali. Em linhas infra, trechos do acórdão:
“Em relação à segunda tese apresentada pelo recorrente, no sentido que o artigo 11, § 10 da Lei das Eleições incidiria sobre o caso, para afastar a inelegibilidade e permitir o deferimento do seu registro, não se vislumbra, neste momento, qualquer alteração, já tida como superveniente, que tivesse sido apta a retroagir ao momento da prolação da sentença, assim como ao momento do julgamento deste Recurso. O que ocorre, no presente caso, como afirma o Relator, é o esgotamento de uma causa de inelegibilidade em momento futuro, a ser inclusive, ainda, devidamente estabelecido. (…)
Portanto, as alterações fáticas ou jurídicas só podem ser supervenientes ao registro (…) e devem incidir não só sobre a relação jurídica deduzida em juízo, mas, devem, também, refletir o estado da lide no momento da decisão, seja em primeiro ou em segundo grau, e só poderia o juiz de primeiro grau levá-las em consideração se ocorridas, entre a data do pedido de registro e a prolação da sentença, o mesmo, ocorrendo em segundo grau, se tais alterações, já que supervenientes, como o próprio nome diz, ocorressem entre a prolação da sentença e o julgamento deste recurso.
O artigo legal, portanto, faz referência a fato ou direito superveniente, e em direito processual chama-se superveniente o direito ou o fato que vêm depois, o ocorrido em momento posterior ao prazo marcado, é todo direito que se concretiza após determinado fato, ato ou condição (Conf. Enciclopédia Saraiva de Direito, vol. 28, pág. 350)
Isto porque, induvidoso, que a tutela jurisdicional deve retratar o contexto litigioso da maneira como esse se afigura no momento de sua concessão, e ocorrendo o ius superveniens, no curso da ação, que atinja o direito controvertido do autor ou do réu, cumpre ao juiz levá-lo em consideração ao decidir, porque, como já dito, deve a tutela jurisdicional compor a lide no momento da entrega, e só nesse momento (STJ – Recurso Especial 57432-3/RS).
Desta forma, o juiz só pode apropriar-se da realidade presente ao tempo da sentença para decidir o litígio e esta regra se aplica também ao acórdão. Ao prolatar a sentença, no caso concreto, não havia fato ou direito superveniente já concretizado, a ser considerado, como não há, neste momento, após a prolação da sentença.
O entendimento do STJ é o de que fato novo, mesmo quando já existente, não pode ser conhecido em embargos de declaração, a fim de modificar a decisão, entendendo que o fato superveniente, ou seja, aquele já ocorrido, deve ser levado ao conhecimento do órgão julgador até o momento em que o recurso for definitivamente apreciado (STJ – Recurso Especial 330.262. Relatora: Ministra Nancy Andrighi).
Nessa linha, se isso não ocorreu, se não existia fato ou direito concretizado, não poderia o Juiz de primeiro grau e nem este Tribunal, levar em consideração alterações ainda não supervenientes e que ainda não geraram seus efeitos, porque ainda não constitutivos do direito do recorrente.
Evidente, assim, que se não ocorreu ainda o ius superveniens, deve a jurisdição do registro se consumar conforme as atuais condições e causas de inelegibilidade, inclusive porque não se trata de pena e sim de requisito de inelegibilidade. (…)
Desta forma, no caso concreto, não deve prosperar a alegação de que o art. 11, § 10 da Lei nº 9.504/97 permitiria a consideração, neste momento, de alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao registro da candidatura que afastem a inelegibilidade, pois não há fato superveniente juridicamente concretizado.
Este é o entendimento recente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, quando analisando caso idêntico assim decidiu:
EMENTA – REGISTRO DE CANDIDATURA – INELEGIBILIDADE – ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA J, LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 – RECURSO ELEITORAL PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.
1. A causa de inelegibilidade – condenação por captação ilícita de sufrágio – é aferida por ocasião do registro, sendo irrelevante o fato da sanção findar dias antes da eleição do oitavo ano fixado em lei (art. Io, I, j, Lei 64/90).
2. Recursos providos.
(Recurso Eleitoral nº 74-27.2012.6.16.0116, Acórdão nº 42.915 de 07/08/2012 – Curitiba – Paraná. Relator: Dr. Luciano Carrasco).
RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO (ARTIGO 41-A DA LEI 9.504/1997). ART. Io, I, "J", ITEM 4, LC 64/90, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC 135/10, DECLARADA CONSTITUCIONAL PELO STF. INELEGIBILIDADE DE OITO ANOS. CARACTERIZAÇÃO. SENTENÇA CORRETA. RECURSOS CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. A causa de inelegibilidade – condenação por captação ilícita de sufrágio – é aferida por ocasião do registro, sendo irrelevante o fato da sanção findar dias antes da eleição do oitavo ano fixado em lei (art. Io, I, j, Lei 64/90).
2. A Lei Complementar n° 135/2010 é integralmente constitucional, conforme julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Constitucionalidade n° 29 e 30 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4578, tendo tal decisão efeito vinculante sobre todos os órgãos do Poder Judiciário, nos termos do art. 28, parágrafo único da Lei n° 9.868/99.
3. Recurso conhecido e desprovido.” (Recurso Eleitoral nº 421-13.2012.6.16.0067, Acórdão nº 46.163 de 14/08/2012 – Curitiba – Paraná. Relatora: Dra. Andrea Sabbaga de Melo). (grifos no original)
Ademais, a douta Desembargadora traz uma interessante interpretação da Lei Complementar 64/90, com as alterações promovidas pela Lei da Ficha Limpa, no sentido de que esta tem o objetivo de manter aquele que abusou do poder econômico distante da consulta popular por dois pleitos:
“Em outro contexto, fazendo-se reflexão sobre a intenção do legislador, quando da edição da Lei da Ficha Limpa, claro é, que o espírito que o motivou estaria frontalmente ultrajado, se o marco de 8 (oito) anos imposto pela referida lei não pudesse ser examinado levando-se em consideração o dispositivo legal em seu conjunto e o fim colimado pelo legislador. (…)
A Constituição Federal, em seu art. 29, I, estabelece que as Eleições Municipais deverão ocorrer a cada quatro anos, sendo claro que, se o art. 1º, “d” da LC nº 64/90 estabelece que aqueles que incorrem em condenação proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político, não poderão concorrer as eleições que venham a se realizar nos 8 (oito) anos seguintes ao pleito ao qual concorrem ou tenham sido diplomados, induvidosa a intenção do legislador em ver afastado da vida pública por duas eleições candidatos ali enquadrados.
Tanto assim é que o texto do artigo faz referência expressa ao termo “eleição”, e uma das interpretações que só se pode e só se deve decorrer da análise da norma é a interpretação sistemática, ou seja, só pode ser dada interpretação ao dispositivo legal de acordo com o seu conjunto e não interpretação isolada da parte final do dispositivo, não cabendo, assim, interpretação restritiva.”
E conclui seu voto fazendo menção ao propósito moralizante da Lei da Ficha Limpa, e sua correta interpretação em face da Lei das Eleições:
“Nasceu a Lei da Ficha Limpa, portanto, com o propósito de afastar da disputa eleitoral os que não possuem a moralidade necessária ao desempenho do mandato político, e por isso inovou ao estabelecer novas e rígidas hipóteses de inelegibilidades, limitando direitos políticos passivos, assumindo, assim, evidente característica de proteção do regime democrático, buscando afastar abusos que desigualam o pleito eleitoral, fazendo prevalecer os elevados valores republicanos.
No caso em análise, nenhum efeito surtiria a Lei da Ficha Limpa ao então recorrente se acatássemos a tese por ele defendida, tendo em vista que após a eleição municipal de 2004 à qual concorreu, foi realizada a eleição municipal de 2008, concorrendo também para aquele pleito (pois ainda não vigorava a Lei da Ficha Limpa e o prazo de inelegibilidade era de 3 anos) e pretende concorrer ao pleito vindouro, entendendo se tornar elegível no dia 03/10/2012. Então, no caso concreto, que efeito surtiria sobre o recorrente a Lei da Ficha Limpa?
Desta forma, assiste razão ao ilustre Procurador Regional Eleitoral em parecer de fls. 348/353, quando afirma que “não se pode admitir que o recorrido, que se encontra inelegível até 03/10/2012, possa ter seu registro deferido para concorrer às Eleições, que acontecerão em 07/10/2012, quando se observa que o prazo de oito anos estabelecido pela Lei da Ficha Limpa, possui, dentre outros, o objetivo de manter aqueles que abusou do poder econômico distante da consulta popular por dois pleitos. (grifos nossos)
Assim, pelas razões expostas, acompanho o Relator Juiz Saulo Casali Bahia, entendendo não possuir, neste momento, o requerente, capacidade eleitoral passiva, existindo impedimento legal ao seu direito de ser votado.”
Desta feita, em que pesem os julgamentos citados anteriormente, não existe unanimidade de entendimento na Corte Eleitoral Baiana, que pode variar de acordo com sua composição na ocasião do julgamento, o que traz bons argumentos para ambas as teses na fundamentação de um Recurso Especial, mas também, grande insegurança jurídica aos jurisdicionados, pelo fato de revelarem julgamentos divergentes dentro de um mesmo Tribunal.
Considerações finais
“Em Direito Eleitoral a única certeza é a dúvida”. Essas foram as palavras do ex-presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, que denotam a grande instabilidade sofrida por este notável ramo do Direito. E essa instabilidade de entendimentos e conclusões se dá, principalmente, pela grande rotatividade dos Tribunais Regionais Eleitorais, onde os juízes apenas podem ocupar o cargo por no máximo 2 biênios, a teor do artigo 121, § 2º da Constituição Federal.
Com isso, os entendimentos sedimentados em uma eleição municipal, normalmente são mudados na eleição seguinte, uma vez que os membros da Corte Regional já cumpriram seu mister, e não podem continuar no Tribunal por força do disposto no artigo anteriormente citado.
Desta forma, por mais que os TREs se esforcem em construir teses e julgar da maneira mais coerente possível, a palavra final sobre determinada matéria, sempre será dada pelo Tribunal Superior Eleitoral, e esta por muitas vezes, vai de encontro aos julgamentos proferido pelas Cortes Eleitorais Estaduais, que apresentam divergências tanto internamente quanto em comparação à outros Tribunais Regionais Eleitorais.
É inegável que a Lei da Ficha Limpa veio atender um clamor social por justiça, ética e moralidade, todavia as interpretações que são dadas à Lei Complementar, principalmente pelos TREs, acabam por flexibilizar grande parte de sua força cogente, mormente porque permitem o ingresso de candidatos que, num passado recente, macularam sua vida política com atos de improbidade ou crimes propriamente ditos.
O § 10 do artigo 11 da Lei nº 9.504/97 é um grande exemplo dessa flexibilização, retirando da Lei 135/2010 a possibilidade de expurgar os ímprobos, criminosos e desonestos da disputa eleitoral, desde o pedido de registro de candidatura.
A análise do dispositivo supra deve ser feita sob o viés sistemático, ou seja, levando em consideração os ditames da Lei da Ficha Limpa. Com isso, o a aferição das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade dever ser feita no momento do pedido de registro de candidatura, e não tomando como marco a data da eleição. Se a lei expressamente não se manifestou impondo a data da eleição como referencial, não pode o intérprete alargar sobremaneira esse entendimento. Tanto é assim, que a Lei nº 9.504/97, em seu artigo 11, § 2º prevê em relação à idade mínima, que essa seja “verificada tendo por referência a data da posse.”. Ora, se em relação ao pedido de registro de candidatura, esse referencial da data da eleição não foi posto, não há razão para que os julgadores assim decidam.
Ademais, o Direito Eleitoral é ramo do Direito Público cujas relações envolvem a participação do Estado como poder político soberano, e por esse motivo deve seguir a máxima legalista que afirma: “tudo o que não está permitido é proibido”.
Se a Lei das Eleições não previu expressamente a data da eleição como o momento de aferição das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade, a exceção do § 10 do artigo 11 não pode ser a tal ponto de considerar o pleito como marco referencial. No ritmo em que as coisas vão, em um futuro não muito distante, os julgadores passarão a considerar a data da posse como marco referencial para a aferição das condições da capacidade eleitoral passiva, e isso fere radicalmente os princípios da legalidade e da moralidade para o exercício de mandato eletivo.
A benevolência da Justiça Eleitoral não pode passar por cima dos princípios supracitados. A interpretação dos dispositivos legais deve estar de acordo com os anseios de moralização da política, e nesse momento, a Lei da Ficha Limpa representa a grande esperança da sociedade. A interpretação normativa, por mais restritiva que possa parecer, deve ser neste momento um mal necessário para que a população volte a acreditar no Judiciário, e a política possa assumir a feição de seriedade e respeito jamais vista por esse país.
Advogado, Pós-graduando em Direito Eleitoral pela Fundacem/Unibahia. Pós-graduando em Gestão Pública Municipal pela UNEB.
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