Revista pessoal de empregados: limitações constitucionais ao jus variandi do empregador

Resumo: As relações de trabalho são formadas por dois sujeitos, de um lado o empregador, que através do poder de diretivo tem o poder de dirigir, organizar e fiscalizar a prestação de serviço do empregado; de outro, o empregado, subordinado juridicamente ao empregador. Todavia, o poder de fiscalização do empregador não é absoluto, mas sim limitado pela presença dos direitos fundamentais do empregado (e.g. direito fundamental à intimidade, à vida privada, à não-discriminação), que possuem eficácia na esfera das relações de trabalho. Assim, o estudo tem por objeto a colisão de direitos fundamentais nas relações de trabalho entre o poder de fiscalização o empregador e os direitos fundamentais do empregado. Nos casos de colisão desses direitos, as soluções apresentadas nos casos concretos devem sempre procurar harmonizar os espaços de tenso entre as normas constitucionais a concretizar, procurando manter a unidade da Constituição. Para tanto, nestas situações, o intérprete / aplicador do direito emprega o método da ponderação de bens e o princípio da proporcionalidade e de seus subprincípios, como meio de interpretação, aplicação e como forma de sopesamento nas situações de tensão e conflito entre bens constitucionalmente protegidos, que por se tratarem de normas constitucionais não se cogita de hierarquia entre ambas, conforme se constata em algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho sobre colisão de direitos fundamentais e poder diretivo.


Palavras-chaves: Colisão. Direitos fundamentais. Princípio da proporcionalidade. Poder fiscalizatório.


Abstract: The employment relationships are formed by two subjects, on the hand the employer, which through the directive power has the right to direct, organize, inspect and supervise the installment of the service of the employee; of another, the employee, legally subordinate to the employer. However, the directive power of the employer is not absolute, but it is limited by the presence of the fundamental rights of the employee (e.g. fundamental right to privacy, no discrimination), which have effectively in the sphere of labor relations. Thus, the study has as its object the collision of fundamental rights in the employment relations between the inspection power of the employer and the fundamental rights of the employee. In the case of solution of these rights the solutions presented in individual cases must always seek to harmonize the areas of tension between the constitutional requirements to achieve, trying to maintain the unity of the Constitution. This way, in these situations the interpreter / applicator of the right uses the method of the balance of goods and the principle of proportionality and its sub principles, as a means of interpretation, application and as a way of balance in situations of tension and conflict between constitutionally protected rights, which by constitutional rules that they do not have hierarchy between them, as noted in some decisions of the Superior Labor Court on collision of fundamental rights and inspection power.


Keywords: Collision. Inspection power. Fundamental rights. Principle of the proportionality.


Sumário: Introdução; 1. Direitos fundamentais nas relações de trabalho; 1.1. O direito constitucional do trabalho; 1.2. Direito do trabalho e direitos fundamentais; 1.3. Eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho; 1.4. Poderes do empregador; 1.4.1. Poder diretivo; 1.4.2. Poder regulamentar; 1.4.3. Poder disciplinar; 1.4.4. Poder fiscalizatório; 1.5. Os direitos fundamentais e o poder de fiscalização do empregador; 2. Breves notas sobre interpretação constitucional e teoria dos princípios; 2.1. Interpretação constitucional e direitos fundamentais; 2.2. Princípios da interpretação constitucional; 2.3. Teoria dos princípios; 2.3.1. Princípios e regras. Diferenças; 2.3.2. Lei de colisão entre princípios e regras, e direito fundamentais; 3. Princípio da proporcionalidade e relações de trabalho; 3.1. Princípio da proporcionalidade; 3.1.1. Subdivisões do princípio da proporcionalidade; 3.1.1.1. Adequação; 3.1.1.2. Necessidade; 3.1.1.3. Proporcionalidade em sentido estrito; 3.2. Princípio da proporcionalidade e relações de trabalho; 4. A revista pessoal e o poder de fiscalização do empregador. Soluções à colisão de princípios constitucionais; 4.1. A revista como forma de controle; 4.2. Situações justificadoras da revista; 4.2.1. Limites constitucionais à realização da revista; 4.3. A revista e seus aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais; 4.4. A revista no direito estrangeiro: Itália, Argentina e Canadá. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO


As relações de trabalho são constituídas por dois sujeitos, o prestador e o tomador de serviços. Já a relação de emprego tem por personagens o empregado e o empregador, e se caracteriza pela subordinação jurídica do trabalhador ao poder diretivo do patrão, conferindo a este o poder de dirigir a prestação pessoal dos serviços, de fiscalizar as atividades dos empregados, e até a possibilidade de aplicar sanções disciplinares.


Porém, o exercício do poder diretivo não é absoluto ou ilimitado. Ele está sujeito aos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais, aplicados aqui de forma horizontal, assegurados aos empregados enquanto sujeitos da relação de emprego.


Dessa forma, ao mesmo tempo em que a Constituição resguarda direitos aos empregados, igualmente tutela a autonomia diretiva. Por isso, muitas vezes nos deparamos com situações de colisão entre esses bens protegidos constitucionalmente – direito à propriedade, à livre iniciativa e direitos fundamentais dos empregados, como, por exemplo, quando o empregador instala câmeras filmadoras, realiza revistas íntimas ou efetua monitoramento do correio eletrônico, e acaba adentrando na esfera  dos direitos fundamentais  do empregado, violando sua intimidade, sua vida privada, sua honra e sua dignidade. Considerando tratar-se de normas constitucionais, logo verificamos não haver hierarquia entre as mesmas, o nos leva a interpretá-las no caso concreto, procurando harmonizar os espaços de tensão existentes entre as mesmas e, por conseguinte, preservar a unidade da Constituição.


Visto ser cada vez mais corriqueiro e necessário o uso de meios de fiscalização dos bens e serviços por parte do empregador, até por questões de melhor produtividade, em muitos casos, o meio utilizado invade a esfera de direitos fundamentais do empregado, ocasionando choques de direitos na relação de trabalho. Desse modo, a pesquisa se orientou em verificar como se deve realizar a interpretação e aplicação do direito nas hipóteses em que o empregador, no exercício do direito fundamental de propriedade, gerindo seu  empreendimento – livre iniciativa, acaba por desrespeitar direitos de mesma natureza, também fundamentais, de seus subordinados empregados.


A estrutura da pesquisa visou a empregar o método analítico-argumentativo, baseando-se na investigação, análise e crítica de textos doutrinários, artigos, jurisprudência e legislação, a fim de estabelecer um encadeamento de conceitos e informações pertinentes à constitucionalização do direito do trabalho, à interpretação constitucional e ao princípio da proporcionalidade, munindo o estudo com instrumentos indispensáveis à aprofundação do problema proposto.


O capítulo 1 se desenvolve em torno da constitucionalização do direito trabalhista, dos direitos fundamentais nas relações de trabalho e dos poderes do empregador decorrentes da subordinação jurídica própria do liame empregatício, em especial o poder diretivo. No capítulo 2, tratar-se-á, ainda que de forma breve, da interpretação constitucional e da teoria dos princípios. Justifica-se tal estudo pelo pressuposto de que, havendo conflito entre dois ou mais bens protegidos pela Constituição, é necessário preservar a unidade desta no instante da interpretação e da aplicação do direito ao caso concreto. Em um terceiro momento, apresenta-se o princípio da proporcionalidade, cujas origens, base constitucional e conceito serão analisados, bem como suas subdivisões – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, a fim de se estabelecer o liame com o próximo capítulo. Por fim, no quarto e último capítulo, estudar-se-á a utilização do princípio da proporcionalidade como meio de interpretação, aplicação e ponderação nas situações de colisão entre o poder diretivo do empregador, de justificação constitucional, e os direitos fundamentais dos empregados nas relações de trabalho, principalmente no que concerne à revista íntima destes últimos, verificando-se de que forma esta poderá ser realizada sem excessos, tomando, por exemplo, o direito estrangeiro.


1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO


1.1. O direito constitucional do trabalho.


O direito constitucional do trabalho estuda os fundamentos das normas constitucionais da matéria trabalhista na Carta Constitucional, bem como os princípios e os institutos do direito do trabalho a partir das regras e dos princípios constitucionais (SUSSEKIND, 2004).


Conforme é sabido, o direito do trabalho não fez parte desde sempre do constitucionalismo, pois este, em sua origem, voltava-se aos aspectos políticos, relacionado às normas de estrutura e funcionamento do Estado, não abrangendo questões sociais e econômicas.


Historicamente, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919 foram pioneiras na elevação de alguns princípios do direito comum do trabalho a nível constitucional (COMPARATO, 2010).


O direito constitucional do trabalho trata dos direitos individuais e sociais consagrados no texto da Constituição. Correspondem, ainda, aos direitos individuais relativos a prestações de natureza negativa, ou seja, abstenções do Estado e de outros indivíduos no que concerne à liberdade em toda sua amplitude, além de outros direitos relativos ao indivíduo.


Nesse sentido, os direitos sociais, da mesma forma que os econômicos e culturais, implicam prestações positivas através das quais o Estado, outros entes públicos e a sociedade são compelidos a contribuir, dar assistência e ajuda ou proporcionar determinadas condições aos mais fracos e oprimidos, visando a corrigir situações de desigualdade.


Conforme o preceitua a atual redação do art. 6º da Constituição de 1988, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados […]”.


Silva (2007) agrupa os direitos sociais em seis categorias: direitos sociais relativos ao trabalhador, que se subdividem em direitos dos trabalhadores em suas relações individuais de trabalho (art. 7º, CF) direitos coletivos dos trabalhadores (arts. 9º a 11, CF); direitos sociais relativos à seguridade, que abrangem direitos à saúde, à previdência e à assistência social; direitos sociais relativos à educação e à cultura; direitos relativos à moradia; direitos sociais relativos à família, à criança, ao adolescente e ao idoso; direitos sociais relativos ao meio ambiente.


O disposto no parágrafo 2º do art. 5º, da Constituição Federal autoriza que outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados, bem como tratados internacionais em que o Brasil seja parte, desde que sigam o itnerário legal, poderão ser incorporados ao direito interno. Acaso considerarmos que normas internacionais que versem sobre direito do trabalho também têm natureza de direitos humanos, o mesmo entendimento anterior será aplicado sobre o parágrafo 3º do mesmo art. 5º.


Sussekind (2004, p. 75) explica que “os tratados internacionais têm tido marcada influência no campo das relações de trabalho, principalmente as convenções adotadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde 1919. A atividade normativa da OIT importou em uma significativa inovação do Direito Internacional, porquanto as convenções adotadas nas sucessivas reuniões da sua conferência contêm normas cujo destino é a incorporação ao direito interno dos Estados que manifestarem sua adesão”.


Importante mencionar, ainda, as importantes modificações introduzidas pela EC 45/2004 ao direito do trabalho, sobretudo no que diz respeito à ampliação da competência material da Justiça do Trabalho que, desde então, passou a ser competente para processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho e, não mais somente os dissídios envolvendo empregados e empregadores. Tal modificação veio ao encontro dos interesses de celeridade e efetiva prestação jurisdicional de trabalhadores que, mesmo sem vínculo empregatício, também são sujeitos de conflitos com seus respectivos tomadores de serviços.


1.2. Direito do trabalho e direitos fundamentais.


Os direitos humanos fundamentais, em sua acepção hodiernamente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, incluindo tradições arraigadas nas diversas civilizações e uma série de pensamentos filosófico-jurídicos de idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 2006).


Embora diversas as fontes originárias dos direitos humanos, elas convergiam para a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do Estado e de suas autoridades constituídas, além da consagração de princípios básicos como a igualdade e a legalidade, imprescindíveis à constituição do Estado moderno e contemporâneo (MORAES, 2006).


A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os direitos fundamentais passaram a consagrar os princípios da liberdade, igualdade, propriedade, legalidade e as garantias individuais liberais, que influenciaram – e continuam a influenciar – as constituições contemporâneas.


Dessa forma, os direitos fundamentais clássicos costumam ser identificados como ‘sendo direitos de liberdade’ por traduzirem a afirmação de um espaço privado essencial, não suscetível de violação pelo Estado. Esse espaço é expressão da idéia de autonomia do indivíduo diante do Estado.


Os direitos fundamentais cumprem o que Canotilho (2003) chama de as funções dos direitos fundamentais, quais sejam: de defesa ou de liberdade, de prestação social, de proteção perante terceiros e função anti-discriminatória.


Com o surgimento da OIT, em 1919, e o crescente movimento do constitucionalismo social, chegando à Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, o trabalho alcança a máxima dignidade como realidade, sem a qual a vida comunitária é incompreensível e sem cujo respeito e dignificação a vida social fica aquém dos limites da decência. Embora não os enumere exaustivamente, a Constituição Federal pátria de 1988 é a mais abrangente de todas as anteriores, pois consagra os direitos e deveres individuais e coletivos e abre um capítulo para definir os direitos sociais.


No Brasil, conforme visto alhures, os direitos fundamentais estão presentes no campo da regulação das relações de trabalho tanto individuais quanto coletivas. Valendo-nos das lições de Bonavides (2003) e Bobbio (1992), os quais dividem os direitos fundamentais em gerações, pode-se afirmar que a primeira geração de direitos tem como titular o próprio indivíduo; são os direitos de liberdade, civis e políticos, oponíveis ao Estado, os quais são trazidos como faculdade ou atributos da pessoa humana, ou seja, são os direitos de resistência junto ao Estado.


Nas relações de trabalho, os direitos de primeira geração são todos os direitos civis da pessoa humana que podem sofrer lesão no ambiente de trabalho, tais como: a honra, a intimidade, a vida privada e a dignidade da pessoa humana como um todo. Nesse sentido, também o art. 7º, XXII, da CF/88, que tem por objetivo assegurar a vida do trabalhador, preservando sua integridade física.


Os direitos de segunda geração, os quais exerceram importante papel nas Cartas Constitucionais do pós-segunda guerra, são os direitos sociais, culturais, coletivos e econômicos. No âmbito das relações laborais, esses direitos são basicamente todos os direitos sociais stricto sensu, bastante estudados no direito do trabalho e da seguridade social, sendo vasto seu elenco, a exemplo do direito à irredutibilidade salarial, à previdência social, a férias, a verbas rescisórias, horas extras etc.


Os direitos de terceira geração não têm por titulares indivíduos particulares, mas grupo de indivíduos, grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria humanidade. É o meio ambiente saudável o exemplo clássico dessa geração de direitos.


No campo trabalhista, os direitos de terceira geração apresentam-se como o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, bem como nos direitos e garantias específicos de idosos, mulheres e adolescentes, quando no exercício de alguma profissão.


1.3. Eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho.


Pelo fato de os direitos fundamentais serem de origem liberal, sempre foram estudados e vistos como oponíveis exclusivamente ao Estado, afastando sua aplicação das relações entre particulares. Todavia, embora seu objetivo primeiro fosse a limitação e ordenação do poder estatal, modernamente, eles regulam também as relações privadas, na medida em que a liberdade do indivíduo tanto pode ser ameaçada pelo Estado, quanto por um outro indivíduo. É o que afirma Steinmetz (2004, p. 87): “[…] no mundo contemporâneo, o Estado não é o único sujeito capaz de condicionar, restringir ou eliminar a liberdade das pessoas (indivíduos ou grupos). Nas relações horizontais, entre particulares, também se verifica, amplamente, a capacidade de alguns sujeitos condicionarem, restringirem ou eliminarem as liberdades de outros sujeitos”.


Essa situação é facilmente perceptível no contrato de trabalho, cuja relação entre empregado e empregador é desigual, sobretudo porque este último detentor dos meios de produção, posiciona-se de forma superior em virtude do poder diretivo que lhe é inerente e assegurado pelo direito de propriedade. De outro norte, ao empregado resta sujeitar-se às ordens do patrão, vez que a este é subordinado juridicamente.


Considerando que a Constituição tem força normativa em todo o ordenamento jurídico, e que o direito do trabalho faz parte desse ordenamento, os direitos fundamentais de titularidade ou conteúdo laboral devem ser respeitados no âmbito do contrato de trabalho.


Nesse contexto, o STF já exarou decisão (RE n. 161.243-6/DF) entendendo configurar ofensa ao princípio da igualdade discriminação baseada em atributo, qualidade, sexo, raça, nacionalidade ou credo religioso.


Sendo a personalidade humana um conjunto de qualidades individuais e diagnosticáveis, o qual define a pessoa como sujeito singular perante os demais, deduz-se que, juridicamente, os direitos da personalidade são aqueles vocacionados a proteger o patrimônio moral da pessoa humana em suas dimensões psicológica, social, ideológica, individual e estética, responsáveis pela apresentação do indivíduo interna e externamente (BRANCO, 2007, p. 71). Observa-se, nesse viés, que o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se, na ordem jurídica brasileira, como verdadeiro vetor direcionador de toda a atividade interpretativa e aplicativa das normas jurídicas de nosso sistema normativo.


Nesse contexto, Sarlet (2008, p. 74) aduz que “[…] a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando, portanto […], a condição de valor jurídico fundamental da comunidade”.


Em razão do princípio da unidade da constituição e da necessidade de harmonização prática dos valores constitucionalmente tutelados, os direitos fundamentais são relativos e limitados, porém, comprovada sua eficácia no contrato de trabalho, é preciso analisar em que limites se condicionam os direitos e deveres, isto é, deve-se investigar com quais limites se operam a incidência dos direitos fundamentais dentro do contrato de trabalho (DELGADO, 2004, p. 194).


1.4. Poderes do empregador.


Um dos mais relevantes efeitos do contrato de trabalho é o poder empregatício, o qual concentra um espectro de prerrogativas de grande importância socioeconômica no dia-a-dia da prestação de serviços do empregado no local determinado pelo empregador. O poder empregatício pode ser compreendido como o conjunto de direitos garantidos pelo ordenamento jurídico ao empregador no contexto da execução de serviços pelo prestador, sob o manto da subordinação jurídica, própria do contrato de trabalho. Em suma, refere-se às prerrogativas de direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da prestação de serviços (DELGADO, 2010).


1.4.1. Poder diretivo.


O poder diretivo, também chamado poder organizativo ou poder de comando, tem por base legal o art. 2º, caput, da CLT e autoriza o empregador, pessoalmente ou através de prepostos, a organizar a estrutura e espaços empresariais internos, incluindo o processo de trabalho adotado nesses locais, com especificações técnicas cotidianas direcionadas ao empregado (GARCIA, 2007).


1.4.2. Poder regulamentar.


É o poder regulamentar o conjunto de prerrogativas próprias do empregador pertinentes à faculdade de estabelecimento de regras gerais a serem observadas no local da prestação de serviços (DELGADO, 2010). Tem esse poder o condão de produzir cláusulas contratuais que aderem ao contrato de trabalho, inclusive gerando direito adquirido aos que delas se beneficiam. Em geral, é externalizado através de regulamentos internos, circulares, ordens de serviço etc.


1.4.3. Poder disciplinar.


O poder disciplinar traduz-se no direito conferido ao empregador, por força da celebração do contrato e da lei (art. 474, CLT), de aplicar sanções ao empregado que cometer alguma falta ou irregularidade, com o fim de preservar a harmonia e a ordem no ambiente de trabalho (BARROS, 2007). Essas sanções podem compreender advertência, suspensão (com o limite de 30 dias) ou despedida por justa causa (art. 482, CLT). Multa (com exceção dos jogadores de futebol – Lei 9.615/98), transferência, rebaixamento de função/cargo ou redução salarial que tenham caráter punitivo não são permitidos por falta de previsão legal.


1.4.4. Poder fiscalizatório.


Também chamado poder de controle, o poder fiscalizatório consiste no conjunto de prerrogativas asseguradas ao empregador pelo ordenamento jurídico que propiciam o acompanhamento contínuo, intermitente ou eventual da prestação do trabalho no âmbito do estabelecimento empresarial, materializadas, p. exemplo, no controle de portaria, nas revistas pessoais dos empregados ou de terceiros, circuito interno de vídeo, controle de e-mails funcionais e de frequência etc (DELGADO, 2010).


1.5. Os direitos fundamentais e o poder de fiscalização do empregador.


A Carta de 1988, ainda que de forma não expressa, rejeitou condutas fiscalizatórias da prestação de serviços que violem à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Indo ao encontro desse complexo garantista, a Lei 9.799/99 acrescentou o art. 373-A à CLT, cujo inciso VI dispõe claramente que é vedado “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”. Considerando-se o princípio da igualdade insculpido no caput do art. 5º da CF, conclui-se que esta regra também é dirigida aos indivíduos do sexo masculino.


De fato, a Constituição Federal rejeita condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que ofendam a liberdade e a dignidade da pessoa do empregado. Tais condutas entram em colisão com o arcabouço normativo de princípios presentes em seu conteúdo, eis que esta teve a pretensão de instituir um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social […]” (Preâmbulo da CF/88).


A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituídas em Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88), que tem dentre seus objetivos fundamentais “constituir uma sociedade justa e igualitária”, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, I e IV, CF/88).


E, ao lado de todos esses princípios, existem também, na Constituição, princípios impositivos, que afastam a possibilidade jurídica de condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços exigidas pelo empregador em decorrência do seu poder de fiscalização, que firam a liberdade e a dignidade básicas da pessoa natural do empregado, como por exemplo, o princípio geral da igualdade de todos perante a lei e da “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput, CF/88). Também a regra geral de que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III, CF/88). Ainda o princípio geral que declara “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X, CF/88).


Nesse contexto, cabe transcrever o que dispõe o art. XII da Declaração Universal dos Direitos do Homem e sua Regulamentação Socioeconômica, da qual o Brasil é signatário: “Art. XII – Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” (SUSSEKIND, 2007, p. 465).


Assim, verifica-se que esse conjunto de regras e princípios gerais criam um obstáculo significativo ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no âmbito da relação subordinada de trabalho, tornando ilegais e abusivas quaisquer medidas que possam agredir ou limitar a dignidade do trabalhador.


2 BREVES NOTAS SOBRE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E TEORIA DOS PRINCÍPIOS.


2.1. Interpretação constitucional e direitos fundamentais.


A interpretação constitucional busca compreender e revelar o conteúdo, o significado e o alcance das normas que integram a Constituição. É uma atividade que torna possível concretizar, realizar e aplicar as normas constitucionais. É o processo por meio do qual os enunciados lingüísticos que compõem a constituição – princípios e regras – adquirem conteúdo normativo. Nas palavras de Canotilho (2003, p. 106): “Interpretar as normas constitucionais significa (como toda a interpretação de normas jurídicas) compreender, investigar e mediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional. A interpretação jurídico-constitucional reconduz-se, pois, à atribuição de um significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos na constituição”.


Tradicionalmente, a interpretação constitucional vem sendo realizada com apoio nos métodos e princípios de interpretação constitucional. Com relação aos métodos, Inocêncio Coelho observa que os mesmos mais confundem do que orientam os que adentram o labirinto de sua utilização (COELHO, 2007). Por opção metodológica deste trabalho não se adentrará na seara dos métodos, porém, torna-se imprescindível uma análise tópica dos princípios de interpretação constitucional, os quais se constituem em importante ferramenta para os intérpretes, sobretudo quando da existência de conflitos entre direitos fundamentais. A diversidade de possibilidades de interpretação, incluindo-se aí os métodos e os princípios, arma o aplicador do direito para enfrentar a tortuosa missão que é a hermenêutica, daí concluir-se que há virtudes na existência de um pluralismo instrumental, o amplia o horizonte de compreensão e deixa menos dificultosa a tarefa de aplicar o direito (COELHO, 2007).


2.2. Princípios de interpretação constitucional.


Haja vista ser a hermenêutica constitucional uma hermenêutica de princípios, os princípios constitucionais “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui” (COELHO, 2007, p. 80).


A seguir, será analisado o catálogo de princípios de interpretação constitucional encontrados na doutrina, os quais se constituem em pressuposto básico para a atividade interpretativa do aplicador do direito.


a) Princípio da unidade da constituição. Pelo princípio da unidade da Constituição as normas constitucionais devem ser consideradas não como normas isoladas e dispersas, mas integradas em um sistema interno unitário de princípios e normas, evitando-se, destarte, contradições internas no seio da Constituição (CANOTILHO, 2003, p. 1223).


Tal princípio parte da premissa de que a Constituição deve ser considerada na sua globalidade, visando a harmonizar os espaços de tensões existentes entre as normas constitucionais. E, em caso de colisão de direitos fundamentais no caso concreto, caberá ao intérprete, ao legislador ou ao operador do direito, encontrar a solução que preserve a unidade da Constituição, uma vez que o citado princípio exige um trabalho de otimização e ponderação de bens.


b) Princípio da eficácia integrativa. Segundo este princípio, a solução dos problemas jurídico-constitucionais deve priorizar interpretações ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social da Constituição (CANOTILHO, 2003, p. 1224).


c) Princípio da máxima efetividade. Conforme o que preleciona este princípio, quando da interpretação das normas constitucionais, deve-se atribuir-lhes o sentido que lhes empreste maior eficácia (CANOTILHO, 2003, p. 1224). Assim, em caso de eventual dúvida acerca do reconhecimento da normatividade dos princípios e valores constitucionais, deve-se preferir a interpretação que reconheça maior eficácia àqueles direitos. Seria, nas palavras de Barroso (2003, p. 241), “a aproximação entre o deverser normativo e o ser da realidade social”.


d) Princípio da correção / conformidade funcional. Basicamente, este princípio visa a “[…] impedir, em sede de concretização da Constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas” (CANOTILHO, 2003, p. 1224).


Segundo Steinmetz (2001), este princípio também é aplicável na interpretação de direitos fundamentais, mormente quando cabe ao STF realizar o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cujo escopo seja alterações de funções constitucionalmente pré-estabelecidas.


e) Princípio da concordância prática ou da harmonização. Referido princípio parte da noção de que não há diferença hierárquica ou de valor entre bens constitucionais. Assim, em caso de conflito ou colisão, os bens protegidos constitucionalmente devem ser tratados de forma que a aplicação de um não importe no sacrifício do outro. Esse princípio acaba por se constituir em um dever do intérprete/aplicador do direito, daí porque este princípio tem sido amplamente utilizado no campo dos direitos fundamentais.


f) Princípio da força normativa da constituição. Pelo princípio da força normativa da Constituição, na interpretação constitucional deve-se dar primazia às soluções ou aos pontos de vista que, levando em conta os limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e permanência (CANOTILHO, 2003). Steinmetz (2001, p. 96) assevera que, no âmbito dos direitos fundamentais, “a perda da força normativa da Constituição significaria fazer dos direitos fundamentais, como no passado, meras declarações políticas, sem força vinculante.” Nesse sentido, no plano dos direitos fundamentais, o princípio da força normativa da Constituição reforça a vinculação jurídico-constitucional afastando-os da livre disposição do legislador ou do aplicador do direito.


g) Princípio da interpretação conforme a constituição. A interpretação conforme à Constituição – declaração do órgão jurisdicional sobre qual das possíveis interpretações se mostra compatível com a Lei Maior, encontra origem na jurisprudência na Corte Suprema Alemã, para quem a idéia de tal princípio reside na máxima de que nenhuma lei será declarada inconstitucional quando comportar uma interpretação em harmonia com a Constituição e, ao ser interpretada, conservar seu sentido ou significado (BONAVIDES, 2003). Canotilho (2003, p. 1226) empresta grande lição sobre o tema ao afirmar que “[…] no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê sentido em conformidade com a constituição. Esta formulação comporta várias dimensões: (1) o princípio da prevalência da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se um interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação conforme à constituição mas ‘contra legem’ impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme à constituição”.


É este princípio, ainda, uma moderna técnica de controle de constitucionalidade das leis, constituindo-se em “[…] uma inclinação da jurisprudência procurando maximizar as formas de interpretação que permitam um alargamento ou restrição do sentido da norma de maneira a torná-la constitucional” (BASTOS; TAVARES, 2000, p. 69).


2.3. Teoria dos princípios


De acordo com Canotilho (2003), tomando-se a palavra norma em sentido lato, regras e princípios são espécies do gênero norma. Seriam esses, então, os componentes do sistema jurídico, compreendido como fenômeno dinâmico, em constante evolução, por isso mesmo atualmente dito como sistema normativo aberto.


Anteriormente, os princípios não passavam de mera fonte secundária do Direito, todavia, após chegarem aos códigos, materializando-se em regras por ele informadas, ganharam grande importância.


Superada a fase jusnaturalística, caminhos se abriram para novas reflexões acerca do Direito, de sua função social e de sua interpretação, sendo, aí, incluída a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais, corolários do Novo Constitucionalismo. “A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte da reaproximação entre Direito e Ética” (BARROSO, 2003, p. 291).


No plano constitucional, a distinção entre regras e princípios – próximo tópico a ser estudado – possui especial relevância, pois, normalmente, as constituições valem-se destas duas espécies de normas, uma vez que a “[…] adoção de um sistema constitucional que se alicerçasse exclusivamente sobre princípios, carrearia ao ordenamento uma dose inaceitável de incerteza e insegurança, já que a aplicação dos princípios opera-se de modo mais fluido e menos previsível do que as regras” (SARMENTO, 2001, p. 54). Por outro lado, “[…] a instituição de um modelo que se fundasse unicamente em regras, não daria conta da crescente complexidade das situações que a Constituição propõe-se a tutelar, pois engessaria o intérprete e o legislador infraconstitucional […]” (SARMENTO, 2001, p. 54), fato que dificultaria a solução dos conflitos que se estabelecem, em casos concretos, entre diversos interesses concorrentes.


Nesse diapasão, na novel hermenêutica constitucional as idéias de justiça e efetividade dos direitos ganham um papel central e a distinção entre regras e princípios “[…] es una clave para la solución de problemas centrales de la dogmátca de los derechos fundamentales” (ALEXY, 2002, p. 91).


2.3.1. Princípios e regras


Seguindo lições de Dworkin, Coelho (2007) aduz que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica e decorre dos modos de aplicação de cada um.


Nesse sentido, as regras são aplicadas com o formato de proposições disjuntivas, ou seja, acaso ocorra o fato descrito em sua hipótese de incidência e se elas forem normas válidas, suas prescrições incidirão sobre esse fato, regulando-os na exata medida do que estatuírem e afastando outras regras que, eventualmente aparentem entrar em conflito com ela (COELHO, 2007).


Por outro lado, os princípios se abstêm de exercer, sozinhos, as mesmas funções que as regras, optando por compartilhar essa tarefa com aqueles que irão aplicá-los, pois é certo que somente em razão de casos concretos essas espécies normativas logram atualizarem-se, operando como verdadeiros mandados de otimização (COELHO, 2007).


Tentando clarear a distinção entre essa duas espécies normativas, o que a princípio não é tão simples, tem-se a lição de Ávila (2006, p. 78), o qual conceitua regras como sendo: “[…] normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”.


Prossegue o mesmo autor, delineando o conceito de princípios: “os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, 2006, p. 79).o se demanda uma avalia e de parcialidade, para cuja aplicaspectivas e com pretensela.


2.3.2. Lei de colisão entre princípios e regras e direitos fundamentais.


Em um sistema jurídico constitucional, é possível haver princípios que entrem em colisão com outros. Quando isso ocorrer, considerando que não se contesta aí o quesito validade, mas sim o de peso ou valor de cada um perante o caso concreto, deve-se reconhecer que um deles deve ser mais considerado.


Para Alexy (2002), quando dois princípios entram em colisão, um deles terá de ceder, o que não importa necessariamente em sua validade, ou que se tenha de introduzir uma cláusula de exceção; nos casos concretos, os princípios têm diferentes pesos e prevalece aquele com maior força. Já para Dworkin (2007, p. 43), “quando os princípios se intercruzam […], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”, tendo prevalência aquele princípio que for, para o caso concreto, mais importante, ou que tiver maior peso.


A solução das colisões de princípios constitucionais é proposta por Alexy em sua Lei de Colisões: “[…] uno de los fundamentos de la teoria de los princípios (…). Refleja el carácter de los principios como mandatos de optimización entre los cuales, primero, no existen relaciones absolutas de precedencia y que, segundo, se refierem a acciones y situaciones que no son cuantificables. Al mismo tiempo, constituye la base para restar fuerza a las  objecciones que resultan de la proximidad de la teoria de los principios com la teoria de los valores” (ALEXY, 2002, p. 94). Essa Lei seria válida para todas as colisões: “las condiciones bajo las quales um principio precede a outro constituyen El supuesto de hecho que uma regla que expressa la consecuencia jurídica del principio precedente (ALEXY, 2002, p. 93)”, o que nos permite concluir, mais uma vez, que os princípios não são absolutos e não se enquadram na lógica do tudo ou nada (aplicável às regras), mas na dimensão de peso.


Na nova hermenêutica constitucional, as colisões de direitos fundamentais se tornam mais evidentes, uma vez que se está tratando de uma Constituição com viés aberto, e onde a interpretação constitucional torna-se flexível, permitindo a acomodação harmônica dos valores colidentes. A Constituição aberta é incompatível com valores que a engessem ou que apresentem hierarquias rígidas entre as normas e valores apresentados nela e, na hipótese de colisão de direitos, apenas uma análise do caso concreto mediante a aplicação do método da ponderação determinará qual direito, naquele caso, sobrepor-se-á sobre o outro. No próximo capítulo deste estudo, ver-se-á que a ponderação será aplicada observando-se o princípio da proporcionalidade e seus subprincípios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.


3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RELAÇÕES DE TRABALHO


3.1. Princípio da proporcionalidade.


Primeiramente, antes de adentrar no estudo do princípio da proporcionalidade, cabe ressaltar que a jurisprudência e a doutrina utilizam os termos “proporcionalidade” e “razoabilidade”. O Supremo Tribunal Federal empregou pela primeira vez a expressão princípio da proporcionalidade em sede de controle de constitucionalidade no ano de 1993, quando do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que contestava uma lei estadual paranaense. No entanto, mesmo fazendo menção ao termo proporcionalidade, o STF “[…] não deixou de fazer referência à razoabilidade, deixando assente a possibilidade de utilização de ambas as expressões.” (BARROS, 2000, p. 172). Tecidas essas considerações, optou-se em utilizar o termo proporcionalidade no presente estudo.


O princípio da proporcionalidade é de aplicação necessária nas hipóteses de colisão e restrições de direitos fundamentais, uma vez que, a partir dele se opera o sopesamento dos mesmos, oferecendo ao caso concreto uma solução adequada e que procura a harmonia e unidade do texto constitucional.


Este princípio faz a análise entre o fim e o meio empregado para a efetivação da medida a ser adotada para o caso de colisão ou restrição de direitos ou bens constitucionalmente protegidos, exigindo que o meio adotado seja adequado.


Nas hipóteses de restrição legislativa ou colisão no âmbito dos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade exige que a medida adotada seja adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida), o que se dá mediante a aplicação dos seus subprincípios, os quais se passa a analisar.


3.1.1. Subdivisões do princípio da proporcionalidade.


Segundo a doutrina alemã, “[…] o princípio da proporcionalidade (Verhaltnismassigkeitsprinzip) é formado por três elementos ou subprincípios, quais sejam: a adequação (Geeignetheit), a necessidade (Enfordelichkeit) e a proporcionalidade em sentido estrito (Verhaltnismassigkeit), os quais, em conjunto, dão-lhe a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelos operadores do direito (BARROS, 2000, p. 75)”.


3.1.1.1. Adequação.


O princípio da adequação, também denominado de princípio da idoneidade ou conformidade, retrata uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Este subprincípio “[…] ordena que se verifique, no caso concreto, se a decisão normativa restritiva (o meio) do direito fundamental oportuniza o alcance da finalidade perseguida” (STEINMETZ, 2001, p. 149), uma vez que, nem sempre, há um único meio idôneo, mas vários.


Logo, qualquer ato administrativo ou judicial deve estar em conformidade com a Constituição e de acordo com seus princípios, sobretudo no que corresponde à adequação do meio utilizado e dos fins pretendidos, sob pena de inconstitucionalidade.


3.1.1.2. Necessidade.


O princípio da necessidade ou exigibilidade propugna “[…] pela necessidade da decisão normativa restritiva de direito fundamental para atingir o fim constitucionalmente justificado (STEINMETZ, 2001, p. 149)”.


O pressuposto do princípio da necessidade é o de que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, menos gravosa. Ou seja, exige-se sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso. Nesse sentido, leciona Stumm (1995, p. 80) que “a opção feita pelo legislador ou pelo executivo deve ser passível de prova no sentido de ter sido a melhor e única possibilidade viável para a obtenção de certos fins e de menor custo ao indivíduo”.


Para verificar se uma determinada medida é necessária, deve-se analisar as circunstâncias do caso concreto, todavia, isso não se dá de forma pura e simples, mas sim à luz dos princípios constitucionais. Desse modo, ao se adotar uma determinada medida restritiva, há que se ponderar sobre bens e os valores que estão em jogo, sob a lente da Constituição, priorizando aquela medida que preserve, ao máximo, o fim pretendido pela norma em questão (STEINMETZ, 2001, p. 151).


3.1.1.3. Proporcionalidade em sentido estrito.


Essencialmente, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito examina a relação de razoabilidade, de racionalidade, entre a decisão normativa – analisando os efeitos que ela produz sobre o direito fundamental restringido ou afetado – e a finalidade perseguida (STEINMETZ, 2001, p. 152). É a ponderação de bens propriamente dita.


Este princípio diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que, ao se garantir um direito, muitas vezes é preciso restringir outro, quando se chegue a conclusão de que o direito protegido por determinada norma apresente conteúdo de valor superior ao restringido.


Coerente lição sobre o tema é realizada por Barros (2000, p. 82) : “Muitas vezes, um juízo de adequação e necessidade não é suficiente para determinar a justiça da medida restritiva adotada em uma determinada situação, precisamente porque dela pode resultar uma sobrecarga ao atingido que não se compadece com a idéia de justa medida. Assim, o princípio da proporcionalidade stricto sensu, complementando os princípios da adequação e da necessidade, é de suma importância para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido. A idéia de equilíbrio entre valores e bens é exaltada”.


Nessa atividade de ponderação, ao intérprete/aplicador do direito não basta simplesmente eleger aquele valor que, no seu entender, deve prevalecer no caso concreto. A sua escolha deve ser realizada e justificada à luz dos princípios constitucionais, devendo indicar qual o meio mais idôneo e por que objetivamente produziria menos conseqüências gravosas, entre os vários meios adequados ao fim colimado.


No caso de colisão de direitos fundamentais, Alexy (2002, p. 161) formula a “Lei de Colisão”, baseada na ponderação, onde “de acuerdo com La ley de La ponderación, La medida permitida de no satisfacción o de afectación de uno de los princípios depende Del grado de importância de La satisfación Del outro”. Para Steinmetz (2001) a Lei de Colisão de Alexy nada mais é que o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.


Assim, um juízo sobre a proporcionalidade da medida tem que resultar da ponderação entre o significado da intervenção para o fim a ser atingido e os objetivos perseguidos pelo intérprete/aplicador do direito – proporcionalidade em sentido estrito. Pelo pressuposto da adequação exige-se que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos, e finalmente, pelo requisito da necessidade tem-se que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo seria igualmente eficaz para a finalidade dos objetivos pretendidos.


3.2. Princípio da proporcionalidade e relações de trabalho


Conforme apresentado alhures, os direitos fundamentais estão presentes nas relações de trabalho e exercem limitações em determinados poderes imanentes ao empregador por força do vínculo de subordinação oriundo do contrato de trabalho. Pode-se observar essa limitação no poder disciplinar, onde as penalidades aplicadas ao trabalhador devem ser aquelas previstas na legislação, bem como haver proporcionalidade entre a pena aplicada e a falta praticada; também no poder de direção há limites, sobretudo porque ao empregado é lícito recusar cumprir ordens manifestamente ilegais e, finalmente, no que concebe ao poder de fiscalização do empregador, novamente o ordenamento impõe limites, à medida que o exercício do direito de propriedade não deve se desvincular de sua função social, o que abrange o respeito à intimidade, à vida privada e à honra dos obreiros.


Em determinados casos concretos, verifica-se tensões na relação entre empregado e empregador, ou seja, interesses que não se harmonizam em função da própria carga valorativa presente nas normas constitucionais, em especial nos direitos fundamentais do empregado, sobretudo a dignidade da pessoa humana, e nos direitos do empregador, também fundamentais, como o já citado de propriedade, e a livre iniciativa para criação e gestão de seu empreendimento.


Considerando que o poder diretivo não é absoluto, mas limitado, principalmente porque na relação de trabalho deve-se preservar antes de tudo a dignidade da pessoa humana, quando são identificadas situações de tensão/colisão de direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade surge para sopesar os bens colidentes e, no caso concreto, determinar qual dos direitos ou bens protegidos constitucionalmente deverá prevalecer.


Tomando por referência as normas constitucionais, não há que se cogitar em hierarquia e, havendo conflito entre dois interesses constitucionalmente protegidos, como, p. ex., quando o empregador, exercitando seu poder de fiscalização, procede a revistas pessoais, íntimas ou não, ou sobre os objetos de seus empregados, visando à proteção de seu patrimônio, no caso concreto, será necessário harmonizar os direitos em choque, procurando preservar a incolumidade da Constituição, para isto fazendo uso do método da ponderação de bens e do princípio da proporcionalidade e seus decorrentes, tudo com o objetivo de equacionar os espaços de tensão existentes entre as normas.


Nessa linha de pensamento, no próximo e último capítulo, far-se-á um estudo mais detalhado de uma das situações que mais tem exigido dos Tribunais Trabalhistas o uso do princípio da proporcionalidade, qual seja, o caso da revistas pessoais dos empregados.


4. REVISTA PESSOAL E PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR: EQUALIZAÇÃO DA COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS


4.1. A revista como função de controle


Basicamente, a revista constitui-se em uma das hipóteses externalizadoras do poder de fiscalização do empregador, visando ao resguardo de sua propriedade, sendo, pois, uma medida de natureza preventiva que, indiretamente, também acaba por identificar funcionários desonestos, praticantes de atos de improbidade dos quais resultam na resolução do contrato de trabalho, conforme autoriza o art. 482, a, CLT.


4.2. Situações justificadoras da revista.


Barros (2007) entende que a mera tutela genérica da propriedade não é suficiente para justificar a revista pessoal, que deve ser usada como último recurso ante a falta de outros meios idôneos e igualmente eficazes na salvaguarda do patrimônio do detentor dos meios de produção. Ademais, é preciso haver um justo motivo, ou seja, uma razão clara e objetiva que explique a adoção de um ato invasivo, a exemplo da existência, no local de prestação de serviços, de bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor material, ou que possuam relevância para o bom funcionamento da atividade empreendedora e para a segurança das pessoas (BARROS, 2007).


Evidencia-se, dessa forma, a necessidade de um juízo de proporcionalidade no que concerne à efetivação da revista pessoal, atentando-se para as circunstâncias que realmente imprescindem da mesma como meio de defesa e prevenção do patrimônio do empregador.


4.2.1. Limites constitucionais à realização da revista.


Embora seja a revista um direito subjetivo do empregador, decorrente do direito fundamental de propriedade inserto no art. 5º, XXII, CF/88, ocorre que o mesmo encontra limites no próprio texto constitucional, quando este, p. ex., declara serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurada, em caso de violação deste princípio, a faculdade de o violado requerer indenização (art. 5º, X, CF/88).


Em tese, a revista pessoal é prática tolerável desde que preservada a dignidade do trabalhador, sendo, pois, admitida excepcionalmente, observadas, entretanto, a intimidade e a privacidade do empregado. Frise-se, ainda, que a revista pessoal, para ser admitida como meio legal de proteger o patrimônio do empregador, como preservação do próprio objeto da atividade econômica ou para a segurança interna da empresa, deve levar em conta o princípio da razoabilidade e seus decorrentes.


Assim, afirmar que a revista pessoal deve ser norteada pela proporcionalidade, implica concluir que a mesma deve ser realizada em caráter geral e impessoal, não levando em consideração critérios como sexo, etnia, raça ou opção sexual, p. ex., além de, necessariamente, ter caráter objetivo em seu procedimento, adotando-se sorteio, numeração, todos os integrantes de um turno ou setor etc.


É de bom alvitre e demonstra boa-fé do empregador o ajuste da possibilidade de realização de revistas com a entidade sindical e, na falta desta, com os próprios empregados, estipulando-se no acordo a forma como será procedido o ato, preservando a honra e a intimidade do revistando.


Ademais, cumpre asseverar que a revista, em regra, deverá ser realizada na circunscrição empresarial, isto é, no âmbito do local de prestação de serviços. Isto porque o exercício do poder fiscalizatório do empregador não se estende para fora dos limites de propriedade deste, ainda que haja fundadas suspeitas contra o obreiro. Exceção a essa regra é referenciada por Barros (2007), que cita um caso colhido na jurisprudência canadense, a qual aceitou como prova a revista em lixo da residência do ex-empregado, depositado ao longo da rua, onde havia garrafas de vinho correspondentes às que foram furtadas de uma caixa de vinho da empresa, fato que motivou sua dispensa justificada. De todo modo, em casos de suspeita de atos de improbidade como o furto, mostra-se mais seguro juridicamente acionar a polícia judiciária, órgão com atribuição constitucional para investigar fatos dessa natureza.


4.3. A revista e seus aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais.


Até 26 de maio de 1999, não havia, de forma expressa, nenhuma regra jurídica nacional tratando do tema “revista” em empregados, embora a CF/88 já trouxesse proteção à intimidade do cidadão em geral. Contudo, desde a década de 40 (criação da Justiça do Trabalho), a jurisprudência já se inclinava pela admissibilidade da revista realizada em empregados, sobretudo quando prevista em regulamento empresarial, amparada no argumento de que é um direito do empregador a salvaguarda de seu patrimônio (BARROS, 2007).


O fato é que, na data acima referida, veio ao mundo jurídico a Lei 9.799 e acrescentou o art. 373-A à CLT, cujo inciso VI tem a seguinte disposição:


“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: […]


VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”.


A partir desta norma, inserta no capítulo de proteção ao trabalho da mulher, pode-se inferir algumas conclusões. Primeiramente, considerando que homens e mulheres são iguais nos termos da Constituição (art. 5º, I, CF/88), é autorizado o uso da analogia para estender esta regra de proibição de revista íntima aos homens. Em segundo plano, o fato de o legislador inserir no ordenamento uma regra proibitiva, desautorizando a revista íntima, leva a crer, por lógica, que o mesmo acabou por reconhecer o instituto da revista, à medida que não a proibiu de forma geral, mas apenas aquela que se insurja contra o íntimo do empregado revistando.


Não obstante esse aspecto geral no trato do tema, Barros (2007) informa que, na década de 90, foram editadas no país leis municipais proibindo a revista íntima, como o foi a de Belo Horizonte (Lei n. 7.451/98), que, em seu art. 1º, rezou: “Ficam os estabelecimentos comerciais, industriais e de prestações de serviços, com sede ou filiais no Município, proibidos da prática de revista íntima nos empregados”. No corpo desta lei também há uma definição interessante do que seja a revista íntima: “coerção para se despir ou qualquer ato de molestamento físico que exponha o corpo”.


Caminho semelhante seguiu o município de Vitória, no Espírito Santo, ao promulgar a Lei 4.603, de 02 de março de 1998, cujo art. 1º “proíbe as revistas íntimas em funcionários ou funcionárias, por parte de empregadores ou prepostos de empresas privadas, estabelecimentos comerciais, órgãos da administração direta e indireta, sociedades de economia mista, autarquias e fundações em atividade no Município de Vitória.


Percebe-se, com a citação desses dois exemplos, a angústia, ainda que em âmbito local, acerca dos limites à revista, especialmente a realizada de forma íntima, que importa no desnudo do trabalhador. Todavia, com o advento da lei 9.799/99, a proibição alcançou abrangência nacional, devendo ser, desde então, prática sumariamente banida do meio de trabalho.


Intimidade e vida privada, apresentam grande interligação, entretanto, podem ser diferenciadas por meio da menor amplitude do primeira, que se encontra no âmbito de incidência da segunda. Assim, para Moraes (2010, p. 53), “[…] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc”.


Percebe-se, então, que a intimidade é uma qualificação da vida privada, incidindo sobre àquela a proteção legal advinda com o art. 373-A da CLT. Nesse sentido, outras formas de revista são toleradas pela legislação, desde que respeitada a dignidade do trabalhador no campo de sua intimidade e honra.


Desse modo, a jurisprudência vem considerando abusiva a revista feita por várias vezes ao dia, sem motivo justificante. Veja-se:


“RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. REVISTA EM BOLSAS E PERTENCES PESSOAIS NA ENTRADA E NA SAÍDA DO EMPREGADO. ETIQUETAGEM DE PRODUTOS PESSOAIS. ABUSIVIDADE. ÔNUS DA PROVA. Por meio da prova testemunhal, ficou comprovado que as revistas pessoais eram realizadas em bolsas e outros pertences do reclamante. Na chegada ao emprego os produtos contidos em sua bolsa eram etiquetados para verificação na saída e, na saída, quando verificada a existência de produtos não etiquetados, estes eram recolhidos se o empregado não comprovasse por nota fiscal a compra. Nesse contexto, o Eg. Tribunal Regional concluiu que a revista pessoal era realizada de forma abusiva e ofensiva à dignidade da pessoa humana, causando constrangimento e vexame. Não se trata, pois, de discussão sobre a distribuição do ônus da prova, mas sim da valoração da prova produzida (artigo 131 do CPC). Ilesos os arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC. Recurso de revista não conhecido” (Proc.: RR-145600-81.2009.5.19.0002. Data de Julgamento: 09/11/2011, Relator Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/11/2011).


Dúvida surge com relação às revistas realizadas em bolsas, carteiras, papéis, fichários do empregado ou espaços a ele reservados, como armários, mesas, escrivaninhas, escaninhos etc., pois estariam as mesmas na esfera da vida privada ou da intimidade do empregado? Acaso a resposta seja deste último, a revista é proibida por força de lei (art. 373-A da CLT); mas, se a resposta for a primeira, em princípio, a revista seria admitida, contudo, limitada a direitos fundamentais de não-violabilidade do direito à vida privada.


Fica evidente, desse modo, em como o art. 373-A da CLT limitou a utilização da revista nos empregados, sobretudo porque, quase sempre, a mesma pressupõe atos que importam o desnudo do obreiro, atacando diretamente sua intimidade.


Considerando que, a partir desta interpretação, a revista permitida pelo ordenamento jurídico seria apenas aquela referente a aspectos da vida privada do trabalhador, deve o empregador cercar-se de cuidados quando do exercício de seu poder de fiscalização, visando a evitar eventuais danos aos obreiros e o conseqüente dever de indenizar. Para isso, ser-lhe-á útil a ponderação, recorrendo ao princípio da proporcionalidade e averiguando se sua conduta é necessária para o fim proposto (proteção de sua propriedade e manutenção da segurança do empreendimento), adequada (utilização de meios idôneos na realização da revista) e proporcional (os meios e os fins são toleráveis pela moral e pelo bom-senso), interpretação que vem sendo acolhida pelo Tribunal Superior do Trabalho:


COLISÃO DE DIREITOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE INICIATIVA E DIRETO À PRIVACIDADE. EXCESSOS DE PODER DO EMPREGADOR. EMPREGADOS SUBMETIDOS À SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE EM VISTORIA DENTRO DA EMPRESA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIABILIDADE. Indiscutível a garantia legal de o empregador poder fiscalizar seus empregados (CF/88, art. 170, caput, incisos II e IV), na hora de saída do trabalho, de forma rigorosa, em se tratando de atividade industrial ou comercial de medicamentos visados pelo comércio ilegal de drogas. A fiscalização deve dar-se, porém, mediante métodos razoáveis, de modo a não expor a pessoa a uma situação vexatória e humilhante, não submetendo o trabalhador à violação de sua intimidade (CF/88, art. 5º, X). Exigir que o trabalhador adentre a uma cabine, dentro da qual deva ficar completamente nu para ser vistoriado por vigilantes da empresa, caracteriza violência à sua intimidade. A colisão de princípios constitucionais em que de um lado encontra-se a livre iniciativa (CF/88, art. 170) e de outro a tutela aos direitos fundamentais do cidadão (CF/88, art. 5º, X) obriga o juiz do trabalho a sopesar os valores e interesses em jogo para fazer prevalecer o respeito à dignidade da pessoa humana. Recurso de revista não conhecido” (Proc.: RR – 578399-36.1999.5.03.5555. Data de Julgamento: 10/03/2004, Relator Juiz Convocado: José Antônio Pancotti, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 02/04/2004).


Diante de tantos pormenores e da proteção conferida pela Constituição à dignidade da pessoa humana, observa-se que o empregador, se mal assessorado, pode se colocar em dificuldades quando da necessidade imprescindível de realizar revistas em seus empregados, seja por motivo do tipo de produto que comercializa (se de alto valor ou de distribuição controlada devido ao risco que oferece) ou pelo tipo de serviço que presta, como, p.ex., transporte de valores ou metais preciosos.


Nesse contexto, vários questionamentos surgem quando a revista se dá de modo apenas visual pelo empregador ou seus prepostos. Em um primeiro momento, o Tribunal Superior do Trabalho rechaçou essa possibilidade, entendendo tal conduta caracterizar dano moral, logo, passível de reparação:


DANO MORAL. PRESENÇA DE SUPERVISOR NOS VESTIÁRIOS DA EMPRESA PARA ACOMPANHAMENTO DA TROCA DE ROUPAS DOS EMPREGADOS. REVISTA VISUAL. 1. Equivale à revista pessoal de controle e, portanto, ofende o direito à intimidade do empregado a conduta do empregador que, excedendo os limites do poder diretivo e fiscalizador, impõe a presença de supervisor, ainda que do mesmo sexo, para acompanhar a troca de roupa dos empregados no vestiário; 2. O poder de direção patronal está sujeito a limites inderrogáveis, como o respeito à dignidade do empregado e à liberdade que lhe é reconhecida no plano constitucional; 3. Irrelevante a circunstância de a supervisão ser empreendida por pessoa do mesmo sexo, uma vez que o constrangimento persiste, ainda que em menor grau. A mera exposição, quer parcial, quer total, do corpo do empregado, caracteriza grave invasão à sua intimidade, traduzindo incursão em domínio para o qual a lei franqueia o acesso somente em raríssimos casos e com severas restrições, tal como se verifica até mesmo no âmbito do direito penal (art. 5º, XI e XII, da CF); 4. Despiciendo, igualmente, o fato de inexistir contato físico entre o supervisor e os empregados, pois a simples visualização de partes do corpo humano, pela supervisora, evidencia a agressão à intimidade da Empregada; 5. Tese que se impõe à luz dos princípios consagrados na Constituição da República, sobretudo os da dignidade da pessoa, erigida como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III), da proibição de tratamento desumano e degradante (art. 5º, inciso III) e da inviolabilidade da intimidade e da honra (art. 5º, inciso X); 6. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento para julgar procedente o pedido de indenização por dano moral”. (Proc.: E-RR – 219500-18.1999.5.05.0009. Data de Julgamento: 09/06/2004, Relator Min. João Oreste Dalazen, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 09/07/2004).


Ocorre que, em seus últimos julgados, a Corte Superior Trabalhista vem modificando seu entendimento, conforme se observa dos julgados abaixo:


“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA EM BOLSAS. A revista em bolsas, quando ocorre de forma impessoal e sem contato físico entre a pessoa que procede à revista e o empregado, não submete o trabalhador à situação vexatória, porquanto esse ato decorre do poder diretivo e fiscalizador da reclamada. Precedentes desta Corte superior. Recurso de revista não conhecido” (Proc.: RR – 1139500-64.2008.5.09.0016 Data de Julgamento: 08/02/2012, Relator Min. Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012).


“RECURSO DE REVISTA – INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – REVISTA VISUAL DO EMPREGADO E DE BOLSAS E SACOLAS – AUSÊNCIA DE CONTATO FÍSICO. A revista apenas visual do empregado e de bolsas e sacolas dos funcionários da empresa, realizada de modo impessoal, geral, sem contato físico e sem expor a intimidade do obreiro, não submete o trabalhador à situação vexatória e não abala o princípio da presunção da boa-fé que rege as relações de trabalho. O ato de revista do funcionário e de bolsas e sacolas, por meio de verificação meramente visual, é lícito e consiste em prerrogativa do empregador inserida dentro do seu poder diretivo, não caracterizando prática excessiva de fiscalização capaz de atentar contra os direitos da personalidade do empregado, em especial sua dignidade e intimidade. Recurso de revista não conhecido”. (Proc.: RR – 86700-12.2008.5.09.0005. Data de Julgamento: 08/02/2012, Relator Min. Luiz Philippe Vieira de Mella Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012).


“RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO – DANO MORAL. EMPREGADO SUBMETIDO A REVISTAS VISUAIS EM BOLSAS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇÃO. O entendimento adotado pelo Regional no sentido de que -a revista visual de bolsas dos empregados configura dano moral, razão pela qual se deve aplicar uma indenização pertinente- está em desarmonia com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a revista visual realizada nos pertences dos empregados (bolsas, armários e veículos), de forma razoável, assim considerada aquela em que não ocorre contato corporal ou despimento e desvinculada de caráter discriminatório, não configura, por si só, ato ilícito a ensejar a reparação por dano de índole moral, mas constitui exercício regular do poder de direção e fiscalização do empregador. Recurso de Revista conhecido e provido” (Proc.: RR – 88500-02.2008.5.19.0004. Data de Julgamento: 07/03/2012, Relator Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/03/2012).


“DANOS MORAIS. REVISTA DE BOLSAS E SACOLAS. A revista consistente na verificação de bolsas e sacolas, sem nenhum contato físico e abuso por parte do empregador, não enseja o pagamento de indenização por danos morais” (Proc.: RR – 384600-04.2007.5.09.0245. Data de Julgamento: 29/02/2012, Relator Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2012).


 “REVISTA VISUAL. DANO MORAL. AUSÊNCIA. O exercício do poder diretivo não constituirá abuso de direito quando não evidenciados excessos praticados pelo empregador ou seus prepostos. A tipificação do dano, em tal caso, exigirá a adoção, por parte da empresa, de procedimentos que levem o trabalhador a sofrimentos superiores aos que a situação posta em exame, sob condições razoáveis, provocaria. A moderada revista, se não acompanhada de atitudes que exponham a intimidade do empregado ou que venham a ofender publicamente o seu direito à privacidade, não induz à caracterização de dano moral. Recurso de revista não conhecido” (Proc.: RR – 27-34.2010.5.09.0041. Data de Julgamento: 29/02/2012, Relator Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/03/2012).


“RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. REVISTA VISUAL DE BOLSAS. Esta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que a revista visual de pertences dos empregados, feita de forma impessoal e indiscriminada, é inerente aos poderes de direção e de fiscalização do empregador e, por isso, não constitui ato ilícito. No presente caso, do quadro fático delineado pelo acórdão regional, entendo que não ficou evidenciado abuso de direito no procedimento de revista adotado pelo réu. Não se registrou, por exemplo, a existência de contato físico com os empregados, nem a exposição indevida destes durante a revista, ou então a adoção de critérios discriminatórios, para a realização da inspeção. Assim, não se há de falar em ato ilícito do reclamado. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento” (Proc.: RR – 179200-38.2009.5.09.0660. Data de Julgamento: 19/10/2011, Relator Min. Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/02/2012).


“DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. REVISTA VISUAL. Esta Corte tem reiteradamente entendido que a mera inspeção visual de bolsas, pastas e sacolas dos empregados, sem contato corporal e ausente qualquer evidência de que o ato possua natureza discriminatória, não é suficiente para, por si só, ensejar reparação por dano moral. Precedentes” (Proc.: RR – 214900-28.2009.5.09.0029. Data de Julgamento: 30/11/2011, Relator Min. Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/12/2011).


Considerando tais posicionamentos jurisprudenciais, é recomendável a utilização de um sistema inteligente de detecção de objetos, não seletivo, tal qual aqueles usados nos aeroportos. Diante de um sinal de alarme, já estaria razoavelmente justificada uma revista individualizada, sempre com a menor publicidade possível e feita por pessoa do mesmo sexo, de preferência na presença de um representante da categoria sindical, especialmente designado para o mister.


Tendo em vista o respeito à dignidade, não só do trabalhador, mas também do consumidor ou de quem quer que mantenha relações com o empreendimento econômico ser um direito fundamental, e que todos têm direito a não sofrer dano (Hironaka, 2005), todo e qualquer investimento feito pelo empregador para evitar ilícitos nesse sentido é medida que se impõe e, objetivamente, não só preserva seu patrimônio, como também evita demandas judiciais que busquem ressarcimento por danos morais.


De tudo o que fora dito até então, tem-se a conclusão de que a revista íntima, diferentemente do que ordinariamente se pensa, não engloba tão somente atos do empregador que impliquem toque no corpo do obreiro, mas toda e qualquer exposição do corpo deste ou de objetos de sua propriedade, como bolsas, mochilas e similares, vez que os mesmos contêm elementos que denotam, expressam aspectos da intimidade do trabalhador. A título de exemplo, bastaria pensar em uma situação onde o empregador, ao revistar a bolsa de uma empregada sua, encontra preservativos ou absorventes, fato que, incontestavelmente, proporciona vexame e humilhação, a partir do instante em que tem sua vida sexual devassada por um ato de terceiro estranho às suas relações íntimas (FELKER, 2007).


Dúvida persiste em situação onde se busca revistar não o corpo, mas a mente do obreiro, obrigando-o a se submeter ao polígrafo. Apesar de haver decisões ora rechaçando, ora legitimando seu uso, há uma tendência por sua proibição, preservando-se a dignidade do trabalhador, constituindo-se exceção apenas as circunstâncias onde o uso de tal recurso seja imprescindível à segurança:


“DANO MORAL. SUBMISSÃO DE EMPREGADO DO SETOR DE SEGURANÇA A TESTE DO POLÍGRAFO. NORMAS AEROPORTUÁRIAS. TRATAMENTO A TRABALHADORES COM A MESMA FUNÇÃO DA AUTORA. PEDIDO NÃO VINCULADO A MODALIDADE DE DISPENSA DE EMPREGADO. OFENSA À HONRA E À PRIVACIDADE NÃO DEMONSTRADA. No caso dos autos, não há dúvida, diante da delimitação fática trazida, que a adoção do sistema de teste do polígrafo ao qual foi submetido a empregada, se deu como meio de segurança e não teve o objetivo de colocar o empregado em situação humilhante. Resta delimitado que o uso do polígrafo visa atender exigência do Governo norte-americano, mas que, todavia, não havia prova de que o uso de tal equipamento provocasse qualquer efeito prático punitivo em relação ao contrato de trabalho mantido entre as partes. Destaque-se que não se discute aqui a legalidade da utilização do sistema de detecção de mentiras, cujas oscilações e aplicações no meio penal não são incondicionalmente aceitos, com o fim de busca da verdade, mas se de sua utilização, nos moldes mencionados, traduz-se ofensa à honra, à dignidade, à intimidade do trabalhador a ele submetido, a amparar a indenização pretendida. Desvinculado o pedido de indenização a eventual dispensa do autor em razão da submissão a teste de polígrafo, não há se falar em ofensa à honra, à intimidade ou à privacidade, pois não há nexo de causalidade, nem dano pela adoção da medida, em face de regras de segurança aeroportuárias, a determinar reparação por dano moral, pois evidenciada tão-somente a preocupação com a segurança dos usuários de transporte aéreo, inclusive do trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido, no tema, para excluir da condenação a indenização pelo dano moral” (Proc.: RR – 317/2003-092-03-00.9 Data de Julgamento: 15/04/2009, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 15/05/2009).


Importante inferir que o contrato de trabalho tem como um de seus elementos a fidúcia, logo, foge da razoabilidade que o empregador lance, de forma contínua, pecha de dúvida sobre o caráter de seus empregados a pretexto de defender seu patrimônio. Por outro lado, ainda que, de alguma forma, a revista seja permitida, importante ponderar que, em nenhuma hipótese, o empregador pode exercer esse direito de forma abusiva, sob pena de cometer ato ilícito, valendo lembrar a disposição do art. 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.


Por fim, acrescente-se que, em razão das peculiaridades que envolvem o assunto e para limitar esse poder de fiscalização do empregador, seguindo o sistema italiano, (que deve ser seguido ante a omissão da legislação pátria por força do art. 8º, CLT), recomenda-se que tais revistas sejam feitas, preferencialmente, nas saídas do trabalho, por meio de critério objetivo, como o sorteio, p. ex., sendo que a presença de um representante sindical ou de um colega de trabalho, do mesmo sexo, é extremamente aconselhável, pois inibe, em tese, quaisquer tentativas de abuso.


4.4. A revista no direito estrangeiro: Itália, Argentina e Canadá.


A Itália, como é sabido, serviu de inspiração, através da Carta Del Lavoro, para a estruturação do Direito do Trabalho pátrio.


O Estatuto dos Empregados da Itália (Lei nº 300, de 1970), em seu art. 6º, dispõe que as revistas pessoais de controle sobre o empregado são vedadas, salvo nos casos em que sejam indispensáveis aos fins da tutela do patrimônio empresarial, em relação à qualidade dos instrumentos de trabalho, da matéria-prima ou dos produtos. Nesses casos, segundo Barros (2007), as revistas pessoais poderão ser realizadas somente na saída do local de trabalho, preservando-se a dignidade e a intimidade do empregado, por meio de sistemas de seleção automática referentes à coletividade ou a grupos de empregados. Essa mesma autora assevera que as hipóteses e condições nas quais será permitida a revista pessoal, como também as correspondentes modalidades, deverão ser negociadas e acordadas entre o empregador e o representante sindical ou, na falta deste, a comissão interna. A ausência de acordo poderá ser provida pelo Inspetor do Trabalho, a requerimento do empregador.


Semelhante ao ordenamento italiano, a Lei do Contrato de Trabalho argentina (Lei nº 20.744, de 1976), reza em seu art. 70 que os sistemas de controles pessoais do empregado, destinados à proteção de bens do empregador, deverão ser usados discretamente, salvaguardando a dignidade do empregado, por intermédio de meios de seleção automática destinados à totalidade do pessoal. Por sua vez, o art. 71 estatui que os controles do pessoal feminino deverão ser feitos exclusivamente por pessoas do mesmo sexo. A peculiaridade do sistema argentino reside no fato de que o empregador deverá submeter à autoridade de fiscalização do trabalho (equivalente ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, aqui no Brasil) quaisquer sistemas de controle utilizados pela empresa que impliquem em revista pessoal de seus empregados, com o fito de obter autorização de uso.


No sistema canadense, baseado na commom law, não há previsão de regras relacionadas ao controle do poder fiscalizatório do empregador. Entretanto, havendo previsão nos costumes ou em convenções coletivas de trabalho, são permitidas revistas sobre a pessoa e o local de trabalho com o intuito de prevenir ou reprimir furtos, bem como quando houver suspeita fundada para se proceder dessa forma. Barros (2007) informa que consistem essas revistas em supervisionar visualmente as pessoas ou seus objetos ou inspecioná-las, apalpando suas roupas, p. ex., como medida de segurança, mas sempre de forma razoável e por meio de métodos sistemáticos e não discriminatórios. Nesse sentido, serve de exemplo um caso onde a jurisprudência canadense considerou legítima a instalação de câmera de vídeo com o objetivo de surpreender dois empregados que espiavam clandestinamente duas outras empregadas por intermédio de um orifício na parede do vestiário feminino, mesmo que elas não tivessem sofrido nenhum prejuízo e ignorassem estar sendo observadas. Assim procedeu a Justiça em virtude de considerar o ato atentatório à privacidade das empregadas (BARROS, 2007).


CONCLUSÃO


Na relação de trabalho, empregado e empregador são titulares de direitos e sujeitos destinatários de obrigações instituídas pelo ordenamento jurídico. A Constituição assegura ao empregador o direito à propriedade e à livre iniciativa e a Consolidação das Leis do Trabalho lhe confere a prerrogativa do poder diretivo, pelo qual ele dirige e orienta o trabalho. No entanto, esse poder encontra limites nos próprios diplomas normativos citados, concluindo-se que o mesmo não é ilimitado, tampouco absoluto.


O empregado, titular de direitos fundamentais, pela subordinação oriunda do contrato de trabalho, sujeita-se às ordens do empregador, e, nesse ponto, surge o objeto de estudo da presente monografia, quando os direitos fundamentais do empregado impõem limites ao poder diretivo do tomador de serviços e fazem surgir situações de tensão entre um ou mais bens juridicamente tutelados, de mesmo nível hierárquico.


É imprescindível para o bom andamento do processo produtivo que eventuais conflitos entre empregado e empregador têm de ser resolvidos com o menor prejuízo possível dos interesses de ambas as partes e de forma que os valores e princípios jurídicos esculpidos na Constituição Federal sejam preservados e cumpridos. Para isso, é necessária a adoção de meios de interpretação e de aplicação para harmonizar os bens em tensão.


Na solução dessas tensões, faz-se necessário um juízo de ponderação entre os bens jurídicos tutelados, objetivando-se sacrificar o mínimo possível os direitos em jogo. Essa ponderação, certamente, pode ser obtida por meio da análise dos princípios de interpretação constitucional, especialmente os da unidade da Constituição e proporcionalidade.


O princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio que auxilia na interpretação e na aplicação do direito, em especial nos casos que suscitam a aplicação de um ou mais valores jurídicos de igual relevância. Através dos subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, permite-se ao intérprete adotar uma medida apta a solucionar o conflito, restringindo minimamente os interesses das partes envolvidas.


Verificada a colisão de princípios (direitos fundamentais), a solução é obtida com o sopesamento, ponderando-se o peso de importância de cada um deles, até afastar, ainda que minimamente, a incidência de um em relação ao outro.


Dessa forma, ao nos depararmos, no caso concreto, com conflitos entre as garantias constitucionais do poder diretivo do empregador, corolário do direito de propriedade, e os direitos fundamentais do empregado que ensejam a restrição de um dos direitos, a aplicação do princípio da proporcionalidade será o meio pelo qual se buscará a harmonização dos direitos em conflito.


Nesse sentido, reconhece-se a importância dada pela doutrina e jurisprudência ao princípio da proporcionalidade como instrumento de interpretação e aplicação do direito, nas hipóteses de choque de dois ou mais bens juridicamente tutelados, os quais requerem especial habilidade do intérprete no que concerne à ponderação de bens, buscando conciliar os princípios em conflito, a fim de decidir qual deles, no caso concreto, tem maior peso ou valor.


O intérprete/aplicador do direito, ao usar a técnica do sopesamento de bens, através do princípio da proporcionalidade, na busca da solução para o conflito entre os direitos tutelados constitucionalmente, deve sempre se pautar por uma interpretação conforme à Constituição, de forma a preservar a harmonia e a unidade do sistema jurídico.


Resta evidenciado, ainda, que o princípio da proporcionalidade, sob o manto de seus subprincípios – adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu -, constitui um primoroso meio de interpretação e aplicação do direito nos casos de conflito nas relações de trabalho entre o poder fiscalizatório do empregador e os direitos fundamentais do empregado, justamente porque permite propor solução justa e adequada quando da colisão entre bens jurídicos com status constitucional, procurando restringir, ainda que minimamente, os direitos, avaliando e sopesando, conforme o caso concreto, o peso de ambos através do equilíbrio entre os bens em disputa, preservando a harmonia e a unidade da Carta Maior e de todo o sistema jurídico.


Por fim, no caso específico da revista íntima, em princípio, não há uma solução adequada, uma vez que a idéia do justo não é algo pré-concebido. A solução em maior consonância com o sistema jurídico dos direitos fundamentais só poderá ser encontrada quando da análise do caso concreto, após o intérprete realizar o juízo de ponderação, embasado pelo princípio da proporcionalidade, e considerar a realidade do caso em litígio. Todavia, ao longo do presente estudo, foram referidas algumas hipóteses nas quais o empregador, exercendo o poder de revista sobre os seus subordinados, fá-lo-á de forma cautelosa, já prevenido de eventuais problemas jurídicos que possa ter no futuro, ocasionados pelo abuso e o consequente desrespeito a direitos fundamentais dos empregados.


 


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Informações Sobre o Autor

Ives Faiad Freitas

é pós-graduado em Direito Processual e Constitucional pela UNISUL, pós-graduando em Direito do Trabalho pela UNIP, Analista Judiciário do TRT 8a Região e professor de Direito e Processo do Trabalho das Faculdades FABRAN e FAMAP, em Macapá-AP


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