1. INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei 12.015/09 renova-se toda uma celeuma referente a conflitos entre os crimes de rufianismo e favorecimento à prostituição. E essas dificuldades tornam-se cada vez maiores para o intérprete e aplicador do Direito, em face das inovações legais criadas pelos chamados “crimes sexuais contra vulnerável” e também seu conflito com o artigo 244 – A, ECA (Lei 8069/90). Neste trabalho se pretende analisar com a brevidade e a clareza possíveis esses novos problemas, apresentando algumas propostas iniciais de solução para uma melhor interpretação e aplicação da novel legislação.
2. UMA PRIMEIRA QUESTÃO: QUEM É “VULNERÁVEL”?
A Lei 12.015/09 cria uma figura jurídica que denomina de “vulnerável”, sem em qualquer momento definir em que consista tal designação. O intérprete, para compreender a que se refere a lei quando utiliza a palavra “vulnerável”, precisa perambular pelos diversos dispositivos à cata de elementos que possam orientá-lo no deslinde desse fabuloso mistério. Finalmente, após venturosa exploração, pode-se chegar à conclusão de que o legislador se refere àquelas pessoas que outrora ensejavam a chamada “presunção de violência”, nos termos do revogado artigo 224, “a” a “c”, CP. Seriam, portanto, os menores de 14 anos, os portadores de enfermidade ou deficiência mental que lhes retire o discernimento e a pessoa que, por qualquer outra causa, não possa ofertar resistência. A pista para tal conclusão encontra-se no artigo 217 – A, CP, que passa a tipificar o chamado “Estupro de vulnerável”, figura que abrange os antigos e agora revogados estupros e atentados violentos ao pudor com presunção de violência.
No entanto, no artigo 218-B, CP, a Lei 12.015/09 cria o crime de “favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável”. Nesse tipo penal incrimina o favorecimento à prostituição daqueles portadores de enfermidade ou deficiência mental que lhes retire o discernimento, ou seja, uma das espécies de pessoas vulneráveis de acordo com a legislação. Porém, quando vai tratar da vulnerabilidade etária, o artigo 218 – B incrimina não somente o favorecimento à prostituição dos menores de 14 anos, mas de todos os menores de 18 anos. Além disso, não prevê no dispositivo a figura da pessoa que, por qualquer outra causa, não pode ofertar resistência.
Percebe-se, portanto, que o legislador ao não dar uma definição segura do que seja “vulnerável” e tratar da matéria de forma dispersa não optou pela melhor técnica, ensejando uma grande confusão conceitual. Afinal, sob o aspecto etário, quem é o “vulnerável”, os menores de 14 anos ou todos os menores de 18 anos (artigo 217 – A X artigo 218 – B, CP)? As pessoas que não podem, por outras causas, que não a tenra idade ou enfermidade ou deficiência mental incapacitantes, ofertar resistência, são ou não “vulneráveis” (artigo 217 – A X artigo 218 – B, CP)? Teria havido um erro material na redação do artigo 218 – B quanto o legislador se refere aos menores de 18 anos, pretendendo, na verdade referir-se aos menores de 14 anos, de acordo com uma sistemática mais coerente?
Parece que a única certeza é mesmo a falta de técnica legislativa que mais uma vez caracteriza a redação dos dispositivos. Cabe novamente ao infeliz intérprete e aplicador do Direito realizar uma ginástica intelectual e jurídica para conseguir, de alguma forma, imprimir ordem ao caos.
Um caminho razoável pode ser o seguinte: entenda-se que o legislador quis realmente conferir o “status” de “vulnerável” aos antigos beneficiários da “presunção de violência”, nos termos do revogado artigo 224, “a” a “c”, CP, de acordo com o disposto no artigo 217 – A, CP. Esta seria uma definição mais genérica de “vulnerável” que se poderia extrair da lei. No entanto, no decorrer do diploma e de acordo com as peculiaridades de cada tipo penal, o legislador teria se utilizado de critérios diferenciados para a consideração de certos sujeitos passivos como “vulneráveis”, a exemplo do que ocorre no artigo 218 – B, CP, em que a vulnerabilidade etária é ampliada e excluída a vulnerabilidade pela incapacidade de resistência por outros motivos que não a idade ou a doença ou debilidade mental incapacitantes. Assim sendo, confere-se uma plasticidade à definição de “vulnerável”, a qual possibilita de alguma forma uma orientação para a interpretação da matéria. Frise-se, porém, que tal plasticidade certamente não é a melhor técnica, especialmente tratando-se de matéria penal, a qual exige extrema clareza semântica na terminologia empregada e deve ser avessa ao emprego de palavras ou expressões equívocas.
Aliás, conforme se verá mais adiante, principalmente no que tange ao confronto entre os artigos 228, § 1º., CP e 218 – B, CP, mesmo esse esforço de conciliação não parecerá suficiente para solucionar o intrincado conflito produzido pela falta de técnica e coerência legislativa.
Dessa maneira, talvez a melhor solução seja mesmo crer que o artigo 218 – B, CP, ao mencionar os menores de 18 anos tenha se referido, na verdade, aos menores de 18 anos que sejam também menores de 14 anos. Isso porque o tipo penal encontra-se incrustado no Capítulo que trata dos “crimes sexuais contra vulnerável”, sendo estes, no aspecto etário, apenas os menores de 14 anos. A dicção legal fazendo referência aos menores de 18 anos configuraria “erro material” do legislador.
3- O ADVENTO DO ARTIGO 218 – B, CP (FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL) E O DESTINO DO ARTIGO 244 – A DO ECA
Considerando o acima exposto com relação à abordagem da vulnerabilidade pela Lei 12.015/09 e, especificamente, no corpo do artigo 218-B, CP, percebe-se haver duplicidade de tratamento criminal da matéria do favorecimento da prostituição infanto – juvenil. Ocorre que a prática do favorecimento à prostituição de menores de 18 anos já era tipificada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) em seu artigo 244 – A, com redação bastante semelhante ao artigo 218 – B, CP, inclusive no que se refere a condutas equiparadas e efeito obrigatório da condenação.
Como já destacado, o artigo 244 – A, do ECA, incrimina a submissão de crianças ou adolescentes (menores de 18 anos em geral) à prostituição ou exploração sexual. O que faz o artigo 218 – B, CP, é reiterar a incriminação da mesma conduta com ligeiras alterações, as quais, aliás, em alguns pontos, ampliam o espectro punitivo. O artigo 218 – B alcança, porém, apenas os menores de 14 anos [1]. Desse modo, havendo prostituição ou exploração sexual de menores de 14 anos, houve revogação do artigo 244 – A, do ECA, aplicando-se doravante o artigo 218 – B, CP, que abrange as crianças (menores de 12 anos) e os adolescentes entre doze anos completos e 14 anos incompletos. Ainda com relação ao problema etário, se a vítima for um menor entre 14 anos completos e 18 anos incompletos, o crime passa a ser aquele previsto no artigo 228, CP, com a nova redação dada pela Lei 12.015/09, podendo eventualmente ser qualificado nos termos do § 1º., do mesmo dispositivo, acaso o autor seja “ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. Pode parecer estranho, mas a Lei 12.015/09 constitui nesse ponto “novatio legis in mellius” em relação ao artigo 244 – A, ECA. Isso porque se não houver a qualificadora supra mencionada a pena prevista é de “reclusão, de 2 a 5 anos e multa” e mesmo havendo a qualificadora, a pena é de “reclusão, de 3 a 8 anos”, somente sendo cumulada com multa em caso de intuito de lucro nos termos do artigo 228, § 3º., CP. E não há como fugir dessa solução um tanto quanto estranha, vez que a outra opção seria a aplicação do artigo 244 – A, ECA para os casos em que o agente não se enquadrasse na qualificadora do § 1º., do artigo 228, CP e este último dispositivo quando ele se enquadrasse, principalmente considerando a menção no referido § 1º., à figura do “tutor”, que certamente está ligada a vítimas menores. Mas, nessa toada se um indivíduo favorece a prostituição de uma menor entre 14 e 18 anos, não tendo com ela qualquer relação de responsabilidade ou parentesco, estaria sujeito à pena mais grave de “reclusão, de 4 a 10 anos e multa”. Já se, por exemplo, o tutor dessa mesma menor a submetesse à prostituição, receberia penalidade sensivelmente menor, pois seria responsabilizado nos termos do artigo 228, § 1º., CP, com pena de “reclusão, de 3 a 8 anos”. Tal solução violaria a razoabilidade e a proporcionalidade.
Em seguida são acrescidos os deficientes e doentes mentais sem discernimento, sujeito passivo este não constante do rol do artigo 244 – A, ECA.
Mantém o artigo 218 – B, CP, a incriminação por equiparação do gerente, proprietário ou responsável pelo local onde as práticas criminosas se processem (vide artigo 218 – B, § 2º., II, CP e artigo 244 – A, § 1º., ECA). Note – se que a Lei 12.015/09 amplia o alcance punitivo, criando mais uma figura equiparada, esta não constante do artigo 244 – A, ECA, qual seja, aquela que determina que incorra nas mesmas penas todo aquele que “pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos” em situação de prostituição. Certamente a referência agora é aos menores entre 18 e 14 anos porque se tratar-se de pessoa menor de 14 anos, em situação de prostituição ou não, aplicável será o artigo 217 – A, CP (“Estupro de Vulnerável”). [2] Também mantém o artigo 218 – B, CP, o efeito obrigatório da condenação de “cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento” onde ocorra exploração sexual de menores (vide artigo 218 – B, § 3º., CP e artigo 244 – A, § 2º., do ECA). Finalmente acrescenta o artigo 218 – B, § 1º., CP, a pena de multa para aquele que pratica o crime “com o fim de obter vantagem econômica”. Nesse aspecto a Lei 12.015/09 imprime novo tratamento ao tema, vez que no artigo 244 – A do ECA a pena de multa era aplicável sempre cumulativamente com a privativa de liberdade, independentemente do intuito lucrativo ou não do agente (o preceito secundário da norma prevê pena de reclusão de quatro a dez anos, e multa – grifo nosso). De acordo com a nova redação dada pela Lei 12.015/09 ao artigo 218 – B, CP, a pena pecuniária somente será aplicada em caso de finalidade de obtenção de vantagem econômica, eis que o tipo penal simples previsto no “caput” não ostenta pena de multa, mas apenas privativa de liberdade de “reclusão, de quatro a dez anos”.
Todo esse percurso de confronto entre os novos artigos 218 – B e 228 e seu § 1º., CP e o artigo 244 – A do ECA, é necessário para demonstrar que realmente há na atualidade tríplice tratamento penal do favorecimento à prostituição ou qualquer forma de exploração sexual de menores de 18 anos. Isso porque, embora a Lei 12.012/09 em seu artigo 7º. , tenha revogado expressamente uma série de dispositivos, olvidou-se de revogar o artigo 244 – A, do ECA, o que seria bastante desejável a fim de evitar exatamente a triplicidade de tratamento legal da matéria.
Devendo, porém, o intérprete e aplicador do Direito, trabalhar com a legislação que tem e não com a que desejaria, resta garimpar uma solução para o caso enfocado. E a solução somente pode estar na sucessão de leis penais no tempo. É verdade que não houve revogação expressa do artigo 244 – A do ECA, mas certamente houve revogação tácita. A lei posterior (Lei 12.015/09) revogou tacitamente a lei anterior (ECA – Lei 8069/90). A partir de agora aquele que pratica prostituição ou exploração sexual infanto – juvenil responde pelo artigo 218 – B ou artigo 228 “caput” ou § 1º., CP, de acordo com as respectivas circunstâncias, e não mais pelo artigo 244 – A, do ECA. Não há incompatibilidade dos dispositivos, que seria uma das hipóteses de revogação tácita, mas ocorre que a lei posterior (artigo 218 – B e 228 e seu § 1º., CP com a redação dada pela Lei 12.015/09) trata inteiramente da matéria de que tratava a lei anterior, inclusive acrescendo maiores detalhamentos e tornando os dispositivos mais abrangentes. Houve, portanto revogação tácita do artigo 244 – A, do ECA, nos estritos termos do artigo 2º., § 1º., “in fine” da Lei de Introdução ao Código Civil.
Concluindo-se pela revogação tácita do artigo 244 – A, do ECA, compete agora analisar a aplicação da lei vigente para o caso (artigos 218 – B, CP e 228 e seu § 1º., CP) aos eventos ocorridos anteriormente à sua publicação. A prostituição ou exploração sexual de menores de 18 anos não foi descriminalizada pelo advento da Lei 12.015/09, operando-se simples “continuidade normativo – típica”. O crime apenas alterou sua morada, mudando-se do ECA para o CP. O único detalhe é que, no caso dos menores de 14 anos, se houver a prática do crime simples, sem intuito de lucro, não será aplicável a pena de multa, que agora deixa de ser prevista no preceito secundário do artigo 218 – B, CP, enquanto era prevista no artigo 244 – A, do ECA. Nesse aspecto a Lei 12.015/09 é “novatio legis in mellius” com relação à disposição do ECA ora revogada, pois que atenua a apenação do infrator, mediante a eliminação da pena pecuniária. Assim sendo, o artigo 218 – B, CP, em sua forma simples, tem retroatividade, já que esta é benéfico ao réu.
Uma dúvida pode surgir quanto à multa cumulada em caso de finalidade de obtenção de vantagem econômica, ora prevista no artigo 218 – B, § 1º., CP. Poderia essa nova qualificadora retroagir aos casos ocorridos antes de sua vigência? Numa primeira passada de olhos, pode aparentar que o dispositivo não tem retroação, vez que se trata de nova qualificadora anteriormente inexistente, a qual configuraria “novatio legis in pejus”. Na verdade, porém, trata-se de simples caso de “continuidade normativo típica” e “novatio legis in mellius”. Vejamos: antes da vigência da Lei 12.015/09 era prevista a pena privativa de liberdade cumulada sempre e invariavelmente com a multa, independentemente do intuito lucrativo ou não. A legislação inovadora elimina a multa para os casos em que não haja intuito de lucro e a mantém como já existia antes, apenas para os casos de intuito de obtenção de vantagem econômica. A lei não cria uma multa antes inexistente, mas apenas reduz seu campo de aplicabilidade que anteriormente era mais amplo. Assim sendo, somente muda a topografia da norma (do ECA para o CP/ do preceito secundário do crime simples para uma qualificadora) e reduz seu campo de incidência, configurando indubitavelmente “continuidade normativo típica” e “novatio legis in mellius”, razão pela qual pode perfeitamente retroagir aos casos pretéritos.
Também, na parte em que se refere o artigo 218 – B, CP, ao vulnerável por enfermidade ou deficiência mental que lhe retire o discernimento, aparenta ocorrer uma inovação prejudicial ao réu. Isso porque tal hipótese inexistia na redação do artigo 244 – A, do ECA. Antes da Lei 12.015/09 aquele que submetesse à prostituição pessoa nessas condições, mas maior de 18 anos, incidia no crime de “Favorecimento da Prostituição”, previsto no artigo 228, CP, com a qualificadora prevista no § 2º., do mesmo dispositivo, referente à violência, grave ameaça ou fraude, ainda que não houvesse violência ou ameaça reais. Isso por força do artigo 224, “b” c/c 232, CP. Havia “presunção de violência” nessas circunstâncias.[3] Não se aplicava o artigo 244 – A, do ECA, porque nele não havia a previsão do enfermo ou deficiente mental sem discernimento, mas apenas da criança e do adolescente. Note-se, porém, que analisando com pormenor a situação enfocada também se conclui pela ocorrência de “continuidade normativo típica” e “novatio legis in mellius” com força retroativa. Vejamos:
A pena prevista no antigo artigo 228, § 2º., CP, era de “reclusão, de 4 a 10 anos, além da pena correspondente à violência” (grifo nosso). A pena prevista no artigo 218 – B, CP, com a nova redação dada pela Lei 12.015/09 continua sendo de “reclusão, de 4 a 10 anos”, mas sem a menção da cumulação material da pena correspondente à violência. Dessa forma, se hoje um deficiente ou enfermo mental sem discernimento é submetido por outrem à prostituição, havendo violência real, a lei prevê a mesma pena antes já prevista e o libera da cumulação com a pena prevista para a violência, a qual poderá eventualmente ser absorvida como crime – meio. O que era crime continua sendo, mas a apenação é indiretamente abrandada pela nova legislação. Ainda que se discorde da absorção da pena referente à violência, no máximo a situação será a mesma que anteriormente já existia, inobstante o silêncio do legislador no novo preceito secundário. Em caso de não haver violência real, inobstante a revogação expressa dos artigos 224 e 232, CP, que tratavam da “presunção de violência”, a condição de enfermo ou deficiente mental sem discernimento foi convertida em elemento do tipo penal do artigo 218 – B, CP, tornando despicienda qualquer equiparação ou presunção legal. Nesse caso, também a conduta segue criminosa e a pena se mantém idêntica como de “reclusão, de 4 a 10 anos”. Trata-se tão somente de “continuidade normativo típica”, pois que não haverá nem melhora nem piora da situação do réu, considerando que a cumulação com a pena pela violência não existira agora como não existia antes, já que a violência não era real, mas por equiparação. Novamente ocorre apenas uma mudança topográfica do dispositivo, mas a conduta segue criminosa e apenada com a mesma intensidade. Apenas aquilo que se achava previsto no antigo artigo 228, § 2º., c/c 224, “b” e 232, CP, passa a ser previsto diretamente no tipo penal do artigo 218 – B do mesmo diploma.
Outro dispositivo que constitui mera “continuidade normativo típica”, para o caso dos menores de 14 anos, é o previsto no artigo 218 – B, § 2º., II, CP, que se refere à equiparação da conduta do proprietário, gerente ou responsável por local em que se verifique a prática do favorecimento à prostituição ou exploração sexual de menores. Isso já era previsto na legislação revogada tacitamente (artigo 244 – A, § 1º., ECA), de modo que o novo dispositivo retroage normalmente. Não obstante, é preciso atentar que não existia tal equiparação para os casos de proprietário, gerente ou responsável por local onde se operasse o favorecimento à prostituição ou exploração sexual de enfermos ou deficientes mentais sem discernimento. Isso não tinha previsão nem no artigo 244 – A, § 1º., ECA, nem no antigo artigo 228, CP. Dessa forma o dispositivo somente é aplicável a casos anteriores à sua vigência no que se refere aos menores, jamais aos enfermos ou deficientes mentais, vez que neste aspecto configuraria realmente “novatio legis in pejus”. [4]
No seguimento ressalta-se, para os casos de menores de 14 anos, nova “continuidade normativo típica” no artigo 218 – B, § 3º., CP, que dispõe sobre o “efeito obrigatório da condenação” de “cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento”. Efetivamente trata-se de mera repetição do outrora disposto no artigo 244 – A, § 2º., ECA. Também neste ponto a “continuidade normativo típica” somente se opera com relação aos estabelecimentos que favoreçam à prostituição de menores e não de enfermos ou deficientes mentais sem discernimento, eis que não havia tal previsão na legislação anterior (artigo 244 – A, ECA e/ou antigo artigo 228, CP). Portanto, neste último caso, o disposto no artigo 218 – B, § 3º., CP, não pode retroagir por constituir “novatio legis in pejus”. Destaque – se, outrossim, que nada impedirá a aplicação de penalidades administrativas, desde multas até mesmo cassações de licenças ao estabelecimento infrator, de acordo com a legislação respectiva.
Finalmente cabe analisar a figura equiparada daquele que “pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos” em situação de prostituição ou exploração sexual (artigo 218 – B, § 2º., I, CP). Conforme já abordado acima, a lei faz menção aos menores entre 14 e 18 anos porque se a vítima for menor de 14 anos, incidirá o tipo penal mais gravoso de “Estupro de Vulnerável”, nesse caso, estando ou não o menor em situação de exploração sexual ou prostituição (artigo 217 –A, CP).
A nova figura equiparada não tem aplicação retroativa, somente podendo ser utilizada em casos ocorridos após sua entrada em vigência. Isso tendo em vista que antes da Lei 12.015/09, a prática de conjunção carnal ou outros atos libidinosos com menores entre 14 e 18 anos, configurava o extinto crime de “Corrupção de Menores”, outrora previsto no antigo artigo 218, CP. Se tal fato ocorresse em situação de prostituição, sendo o menor já corrompido, segundo entendimento predominante, não havia crime. Se o fato se desse em situação de prostituição ou não, mas com menor ainda não corrompido, havia o crime de “Corrupção de Menores”, obviamente desde que não estivesse presente violência ou grave ameaça, casos em que haveria crimes mais graves. Considerando ambas as hipóteses, conclui-se que o novo dispositivo não pode retroagir por tratar-se de “novatio legis in pejus” (incriminadora) nos casos de menores já corrompidos. Quanto ao caso dos menores não corrompidos, devem-se distinguir os casos de prostituição ou exploração sexual, do caso de relações sexuais mantidas no convívio social normal. No primeiro caso acima exposto, qual seja, quando o menor já era corrompido, não havia crime e o novo dispositivo, ao não falar de “corrupção”, mas apenas descrever a conduta de manter relação sexual com o menor prostituído ou explorado, passa a incriminar fato antes considerado atípico. Há “novatio legis” incriminadora, a qual não pode ter força retroativa. No segundo caso, não se versando sobre menores já corrompidos, há que distinguir duas situações:
a)Se o agente pratica atos sexuais com menor entre 14 e 18 anos, sem violência ou grave ameaça, e fora de situação de prostituição, trata-se de fato atípico, devido à revogação do antigo crime de “Corrupção de Menores” e à atual previsão de crime somente para situações que envolvam prostituição ou exploração sexual. A Lei 12.015/09 operou neste caso “Abolitio Criminis”, devendo inclusive retroagir a eventos pretéritos.
b)Se o autor perpetra atos libidinosos com menor entre 14 e 18 anos, sem violência ou grave ameaça, mas em situação de prostituição ou exploração sexual, há crime, nos termos do artigo 218 – B, § 2º., I, CP. Mas, a questão é: esse tipo penal tem força retroativa? Se alguém, antes da vigência da Lei 12.015/09, praticou atos sexuais com menor entre 14 e 18 anos, sem violência ou grave ameaça, em situação de prostituição, responde pelo novo dispositivo legal?
A resposta certamente só pode ser negativa. O agente que, antes da vigência da Lei 12.015/09, praticou tal conduta não pode responder pelo disposto no artigo 218 – B, § 2º., I, CP. Esse novo dispositivo prevê pena de “reclusão, de 4 a 10 anos”. Ora, quem agia da forma acima exposta antes da Lei 12.015/09, tratando-se de menor não corrompido, ainda que em situação de prostituição [5], cometia o antigo crime de “Corrupção de Menores” (artigo 218, CP), cuja pena era de somente 1 a 4 anos de reclusão.
Resolvido esse primeiro dilema, surge outro: o agente pode seguir respondendo por “Corrupção de Menores” de acordo com a antiga redação do artigo 218, CP, antes do advento da Lei 12.015/09? Teria nesses casos o crime de “Corrupção de Menores” aplicação em situação de ultra – atividade?
Embora tenha se operado a revogação expressa do crime de “Corrupção de Menores”, entende-se que somente no caso de menores não corrompidos em situação de prostituição, o antigo artigo 218, CP, poderá ter aplicação ultra – ativa. Se alguém praticou atos libidinosos em situação de prostituição com um menor não corrompido antes da vigência da Lei 12.015/09, segue respondendo criminalmente, mas pelo mesmo crime que responderia à época, qual seja, “Corrupção de Menores”, nos estritos termos do revogado artigo 218, CP. Nesse caso específico entende-se que a novel legislação operou “continuidade normativo típica”. Manter relação sexual com menor entre 14 e 18 anos não corrompido em situação de prostituição era crime de “Corrupção de Menores” antes (antigo artigo 218, CP). Segue como crime atualmente nos termos do novo artigo 218 – B, § 2º., I, CP, ainda dispensando o requisito da não existência de prévia corrupção. Portanto, a conduta não deixou de ser criminosa. Ocorre que o novo tipo penal pune o agente de forma mais drástica, conforme acima demonstrado, razão pela qual o novo dispositivo é impedido de retroagir por constituir-se em “novatio legis in pejus”. Assim sendo, o autor fica adstrito ao antigo crime de “Corrupção de Menores”. Já para os casos ulteriores à vigência da Lei 12.015/09, aplicar-se-á normalmente o dispositivo do artigo 218 – B, § 2º., I, CP, inclusive agora independentemente da análise quanto à corrupção ou não do menor vítima. [6]
Ainda nesse tema deve-se abordar uma perplexidade ocasionada pela nova conformação legal dada pela Lei 12.015/09. Considerando a interpretação de que o artigo 218 – B, CP, no que tange à questão etária alcança somente os menores de 14 anos, conforme acima já demonstrado, tem-se que aquele que favorece a prostituição de menores entre 14 e 18 anos incide no artigo 228, CP, na figura simples ou no artigo 228, § 1º., CP, em caso de alguma circunstância qualificadora. Fato é que o explorador da prostituição receberá uma pena que poderá ser de 2 a 5 anos de reclusão e multa no caso do crime simples e, no máximo, de 3 a 8 anos de reclusão, somente cumulada com a multa em caso de intuito de lucro (vide § 3º., do artigo 228, CP, não alterado pela nova legislação). No mesmo contexto, porém, o cliente da prostituta menor e de seu agenciador, incidirá em pena bem maior, pois que equiparado ao favorecedor da prostituição de vulneráveis (artigo 218 – B, § 2º., I, CP), com pena de reclusão, de 4 a 10 anos. Há neste aspecto uma séria desproporção criada pela nova legislação. Certamente surgirão na doutrina e na jurisprudência entendimentos de que em casos que tais dever-se-á aplicar a descrição típica do artigo 218 – B, § 2º., I, CP, mas com as penas do artigo 228, CP, a fim de reparar o dano à proporcionalidade. Também é possível que o disposto no artigo 218 – B, § 2º., I, CP, seja considerado por parte da doutrina e jurisprudência como inquinado de vício de inconstitucionalidade, considerando violação ao Princípio da Proporcionalidade. Somente o tempo, a reflexão ponderada da doutrina e a jurisprudência firmada pelos tribunais superiores poderão indicar o entendimento prevalente quanto à matéria enfocada.
Para finalizar este tópico é necessário expor que para os casos de vítima maiores de 14 anos e menores de 18 anos, tipificáveis no artigo 228, “caput” e seu § 1º., CP, a Lei 12.015/09 é dotada de efeito retroativo, pois que se constitui inegavelmente em “novatio legis in mellius”. Antes dela o infrator responderia pelo tacitamente revogado artigo 244 – A, ECA, com pena de “reclusão, de quatro a dez anos e multa”. Atualmente, responde pelo artigo 228, CP, o qual, em sua forma simples (“caput”) prevê pena bem mais branda de “reclusão, de 2 a 5 anos e multa”, e mesmo em sua forma qualificada ainda prevê pena mais leve de “reclusão, de 3 a 8 anos”, somente cumulada com multa em havendo intuito de lucro (§ 3º., do artigo 228, CP).
Quanto às vítimas maiores do crime de favorecimento à prostituição previsto no antigo artigo 228, CP, de casos que tenham ocorrido anteriormente à vigência da Lei 12.015/09, não poderá haver retroatividade do novo artigo 228, CP. Isso porque a nova redação amplia a descrição típica, incluindo a expressão “ou outra forma de exploração sexual”, além de incluir em sua parte final a figura de “dificultar” que alguém abandone a prática da prostituição, sendo que antes a lei somente previa o impedimento do abandono. Nesses dois casos houve “novatio legis” incriminadora, não dotada, portanto, de poder retroativo, devendo ser somente aplicada aos casos que ocorram após sua entrada em vigor. Já com relação às demais figuras existentes desde antanho no artigo 228, CP, houve o fenômeno da “continuidade normativo típica”. Mesmo assim, a Lei 12.015/09 não poderá retroagir. Acontece que a pena prevista atualmente para o artigo 228, CP, é a mesma privativa de liberdade de “reclusão, de 2 a 5 anos”. Mas, antes ela não era cumulada com multa e agora é. Assim sendo, a Lei 12.015/09 configura “novatio legis in pejus” com relação aos casos pretéritos, para os quais segue valendo o disposto na lei revogada, devendo o novo dispositivo limitar-se aos casos ocorridos após sua vigência.
Também a qualificadora do novo § 1º., do artigo 228, CP, não pode retroagir ao menos naquelas figuras antes não previstas no antigo § 1º. (v.g. padrasto, madrasta, enteado, empregador). Se elas inexistiam na legislação anterior são prejudiciais ao réu. Observe-se ainda que o novo § 1º., não prevê a qualificadora antes existente para o caso do “descendente”, a qual deixará de ser aplicada para os casos vindouros, devendo tal exclusão retroagir para os casos passados, eis que benéfica. Não se prevê também a qualificadora consistente em ser a vítima menor entre 14 e 18 anos, vez que agora, como já visto, constitui situação normalmente abrangida pelo tipo penal simples.
4 – FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL (ARTIGO 228, CP) E FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL (ARTIGO 218 – B, CP)
Na atual conformação da legislação penal, com o advento da Lei 12.015/09, há dois crimes de favorecimento à prostituição. Um referente a sujeitos passivos menores de 18 anos ou enfermos ou deficientes mentais sem discernimento (artigo 218 – B, CP) e outro para condutas que atinjam sujeitos passivos maiores e mentalmente hígidos ou ao menos que tenham discernimento de seus atos sexuais, ainda que portadores de algum distúrbio mental (artigo 228, CP).
Não houvesse o legislador previsto o § 1º., do artigo 228, CP, na Lei 12.015/09, com a redação abaixo exposta e não se teria maiores dúvidas quanto à aplicação das normas sobreditas. Vejamos:
“§ 1º. Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.
Pena – reclusão, de 3 a 8 anos” (grifo nosso).
Algumas hipóteses da qualificadora supra exposta referente ao crime do artigo 228, CP, confundem-se com o crime do artigo 218 – B, CP, gerando dificuldade em distinguir quando se trata de um crime de favorecimento à prostituição comum ou de um crime de favorecimento à prostituição de vulnerável.
Se a diferença entre as tipificações criminais encontra-se no sujeito passivo, o qual deve ser maior e capaz de discernimento no artigo 228, CP, e menor ou enfermo ou deficiente mental sem discernimento no artigo 218 – B, CP, como diferenciar o crime qualificado do artigo 228, § 1º., CP, do crime do artigo 218 – B, CP? A menção no § 1º., do artigo 228, CP, de pessoas responsáveis de alguma forma pela vítima (ascendentes, padrastos, madrastas etc.) dá a entender tratar-se esta segunda de pessoa “vulnerável”, o que faria com que os tipos penais coincidissem.
Obviamente essa não pode ser a interpretação. É preciso pôr ordem no caos. Com relação aos casos de “ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, preceptor e empregador” a solução não exige maiores malabarismos. É claro que qualquer pessoa, ainda que não menor ou portadora de enfermidade ou deficiência mental incapacitante pode ter um ascendente, irmão, empregador, preceptor etc. Então se a vítima é maior e capaz de discernimento e o criminoso satisfaz alguma das condições acima elencadas, aplica-se o artigo 228, § 1º., CP e não o artigo 218 – B, CP, reservado aos menores e enfermos ou deficientes mentais sem discernimento.
A questão já se complica quando o § 1º. do artigo 228, CP, faz referência ao tutor e ao curador. Neste passo é preciso ter noção de que o Direito não se constitui de compartimentos estanques incomunicáveis, de modo que seus diversos ramos compõem um conjunto que deve harmonizar-se e complementar-se. Ora, quando se fala em tutor este só pode ser alguém responsável por um menor de 18 anos, conforme estatui o Código Civil em seus artigos 1728 e seguintes. Se o explorado sexualmente ou prostituído é um menor, então o crime só pode ser aquele previsto no artigo 218 – B, CP e não o do artigo 228, § 1º., CP. Essa linha de pensamento conduz ao entendimento de que o § 1º., do artigo 228, CP, no que tange à figura do tutor, é inaplicável, e por isso não parece ser aquela que abriga a melhor solução. Aliás, não se coaduna com o pensamento defendido quanto à definição de “vulnerável” aplicável ao artigo 218 – B, CP, abrangendo tão somente os menores de 14 anos no que tange ao aspecto etário, inobstante sua dicção equivocada fazendo menção aos menores de 18 anos indistintamente.
Pode haver outro caminho interpretativo com certa sustentabilidade. Pode-se entender também que o artigo 228, § 1º., CP, quando se refere à qualificadora do tutor estaria tratando de menores entre 14 e 18 anos, ao passo que o artigo 218 – B, CP, inobstante a redação que faz menção expressa a todos os menores de 18 anos, deveria ser interpretado como referindo-se somente aos menores de 14 anos. Isso considerando o fato de estar no Capítulo intitulado “Dos Crimes Sexuais contra vulnerável”, sendo considerados como “vulneráveis”, numa interpretação sistemática, somente os menores de 14 anos e não todos os menores de 18 anos. [7] Essa linha interpretativa teria algumas consequências: em primeiro lugar a diferenciação no aspecto etário entre os crimes, ainda que não qualificados, dos artigos 228 e 218 – B, CP, já não poderia ser dada pela singela distinção entre vítimas menores de 18 anos e maiores. A diferença passaria a ser que o artigo 218 – B, CP, atingiria aqueles que prostituíssem apenas menores de 14 anos e o artigo 228, CP, alcançaria aqueles que prostituíssem maiores de 18 anos e mesmo menores, desde que compreendidos na faixa entre 14 anos completos e 18 anos incompletos. Por seu turno, aquele que mantivesse relação sexual com maior de 14 anos e menor de 18 anos prostituído responderia nos termos do artigo 218 – B, § 2º., I, CP. Agora se um indivíduo mantém relação sexual com menor de 14 anos, prostituído ou não, responde nas penas mais gravosas do artigo 217 – A, CP (“Estupro de Vulnerável”). Este seria o entendimento mais condizente com a definição de pessoa “vulnerável” defendida neste trabalho e observável numa tentativa de interpretação sistemática da legislação.
Efetivamente, a opção legislativa em tratar a condição de pessoa “vulnerável” sem uma definição legal segura, deixando o trato da questão disperso por vários dispositivos incongruentes, ocasionou muita dificuldade interpretativa, conforme já mencionado no item 2 deste trabalho. De qualquer forma, se é que não é um sonho impossível realizar uma interpretação sistemática em meio a esse emaranhado legal, parece que a melhor solução é realmente enxergar um erro material na redação do “caput” do artigo 218 – B, CP, quando se refere a menores de 18 anos em geral, quando certamente deveria referir-se a menores de 14 anos. Isso porque o dispositivo encontra-se em meio ao Capítulo que trata dos crimes sexuais praticados contra “vulneráveis” e estes seriam, pelo critério etário, ao menos a princípio, os menores de 14 anos.
Resta analisar a questão do curador e da pessoa que assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Também aqui os beneficiários da curatela ou do cuidado, proteção ou vigilância, somente podem ser menores ou hipossuficientes de alguma espécie (portadores de doenças mentais, deficiências mentais ou de outra espécie que as torne dependentes de terceiros, idosos etc.).
Quanto aos menores, que podem, por exemplo, serem aqueles submetidos não à tutela, mas à guarda de alguém, valem os mesmos argumentos acima expostos.
No que se refere à curatela ou à obrigação assumida por lei ou outra forma de cuidado, proteção ou vigilância, semelhantemente ao caso anterior, deve-se buscar uma integração entre o Direito Penal e o Direito Civil para melhor compreensão do tema.
É preciso ter em mente que os “vulneráveis” que são abrangidos pelo artigo 218 – B, CP, afora a questão etária, são os portadores de enfermidade ou deficiência mental que não têm o necessário discernimento para a prática do ato, no caso a prática da prostituição. Dessa forma, hipossuficientes que necessitem de curatela ou qualquer forma de cuidado, proteção ou vigilância, nos termos do artigo1767, I a V, do Código Civil, mas que não se enquadrem na situação acima especificada, não são atingidos pelas disposições do artigo 218 – B, CP, mas sim pelo artigo 228, § 1º., CP. São exemplos doentes ou deficientes mentais com algum discernimento, idosos dependentes, mas com discernimento de seus atos etc. Ressalte-se neste ponto a importância da perícia médico – legal para constatação do grau de alienação ou deficiência mental para uma correta distinção entre situações relativas ao artigo 218 – B, CP ou ao artigo 228, § 1º., CP.
5. RUFIANISMO (ARTIGO 230, CP), FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL COM FIM DE LUCRO (ARTIGO 228, §3º., CP) E FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL COM O FIM DE OBTER VANTAGEM ECONÔMICA (ARTIGO 218 – B, 1º., CP)
Sempre foi questão tormentosa a distinção entre o crime de rufianismo e o crime de favorecimento à prostituição com intuito de lucro. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência costumam posicionar – se pela absorção do rufianismo pelo favorecimento à prostituição com intuito de lucro nos casos de conflito em que o agente pratica as duas condutas para evitar “bis in idem”. [8] Outro fator discriminante comumente apontado é o de que o rufião não favorece ou facilita a prostituição, mas apenas aufere as vantagens econômicas perante a pessoa que se prostitui. [9] Também há quem indique como critério distintivo o fato de que o crime de rufianismo é habitual, enquanto o favorecimento à prostituição é instantâneo. [10] Tais distinções e entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca dos conflitos entre o rufianismo e o favorecimento à prostituição não parecem ter sofrido alguma alteração com o advento da Lei 12.015/09, podendo permanecer como critérios válidos.
Vale acrescentar que no rufianismo (artigo 230, CP) o intuito de lucro integra o tipo penal em seu “caput”, enquanto que no favorecimento à prostituição, seja no artigo 228 ou 218 – B, CP, constitui-se em qualificadora prevista respectivamente nos seus §§ 3º. e 1º., os quais ensejam o acréscimo de uma pena pecuniária (multa) cumulada com a pena privativa de liberdade.
O crime de rufianismo em seu cotejo com o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, enseja mais um reforço à interpretação de que quando o artigo 218 – B, CP, refere-se aos menores de 18 anos, na verdade deve ser interpretado como fazendo menção aos menores de 14 anos (“vulneráveis”). Isso porque o artigo 230, § 1º., CP, com a nova redação dada pela Lei 12.015/09, prevê uma figura qualificada de rufianismo “se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos”. Certamente a razão da delimitação dessa faixa etária encontra-se no fato de que os menores de 14 anos são os denominados “vulneráveis”, de modo que sua exploração sexual por qualquer forma tipifica o artigo 218 – B, CP, instalado no Capítulo denominado “Dos crimes sexuais contra vulnerável”. Portanto, agrega-se atualmente às distinções entre o rufianismo e o favorecimento à prostituição mais este aspecto específico com relação ao favorecimento à prostituição de vulnerável, qual seja, aquele que explora a prostituição de menores de 14 anos, ainda que não pratique atos de favorecimento explícitos, limitando-se a auferir vantagens ou sustentar-se pela prostituição alheia, incide mesmo assim no artigo 218 – B, CP, o qual comporta tal interpretação extensiva, considerando sua capitulação dentre os crimes sexuais contra vulnerável, bem como sua menção não somente à submissão, indução ou atração, facilitação, impedimento ou criação de óbices ao abandono da prostituição, mas também à prática de qualquer outra forma de exploração sexual.
6. CONCLUSÃO
No decorrer deste trabalho foram cotejados os tipos penais de rufianismo (artigo 230, CP), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (artigo 228, CP), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218 – B, CP) e também o crime de favorecimento à prostituição de crianças e adolescentes previsto no artigo 244 – A, da Lei 8069/90, sob a égide da reforma promovida pela Lei 12.015/09. Também foi abordada a questão crucial da definição de pessoa “vulnerável” atualmente mencionada com ênfase na legislação.
A falta de técnica legislativa cria um emaranhado de árduo deslinde, o qual se procurou esclarecer com algumas propostas iniciais de interpretação e aplicação dos dispositivos. Doravante o tema deverá ser desenvolvido no dia a dia forense, pelas orientações jurisprudenciais que se conformarão e pela doutrina que se assentará, ensejando alguma segurança, bastante desejável, mas realmente difícil em face das falhas sistemáticas do diploma em estudo.
Informações Sobre o Autor
Eduardo Luiz Santos Cabette
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.