Resumo: o presente artigo tem o federalismo de Rui Barbosa, desenvolvido quando da Queda do Império, como tema. Objetiva-se especificamente analisar como foi inserido discurso federalista no Brasil. A obra de Rui Barbosa é tomada como principal fonte de argumentos no debate e questiona-se a originalidade de sua teoria. A metodologia utilizada para alcançarem-se os resultados foi a retórica de Ottmar Ballweg e João Maurício Adeodato, a qual se baseia na tripartição da retórica nos níveis material, estratégico e analítico. Seguindo essa metodologia, o primeiro tópico trata da caracterização do autor e da contextualização histórica. É a retórica material. Os tópicos segundo e terceiro mostram, respectivamente, as estratégias desconstrutivas do discurso da monarquia, e as construtivas, criadas para articular uma teoria federalista brasileira, forjadas por Rui Barbosa. É a retórica estratégica. Concomitantemente a essa apresentação dos argumentos ruianos, são analisadas determinadas estruturas tópicas e figuras de linguagem, utilizadas para potencializar a persuasão. É a retórica analítica. Por fim, a conclusão analisa, com base nos resultados encontrados, a originalidade da teoria ruiana tanto no âmbito nacional quanto no internacional. É a outra faceta da retórica analítica, que conclui pelo cunho inovador da obra de Rui Barbosa na teoria constitucionalista nacional.
Palavras-chave: Retórica. Federalismo. Rui Barbosa. Originalidade.
Abstract: this article has the federalism that Rui Barbosa developed at the fall of the Empire, as the main theme. Its specific objective is to analyze how the federalism’s speech was inserted in Brazil. The work of Rui Barbosa is taken as the main source of arguments in the debate and it’s also questioned the originality of his theory. The methodology used to achieve the results was the rhetoric of Ottmar Ballweg and João Maurício Adeodato, which is based on three rhetorical levels, the material, the strategical and the analytical. Following this methodology the first topic deals with the characterization of the author and the historical contextualization. This is the material rhetoric. The second topic presents the deconstructive strategies of monarchy’s speech. Whereas the third topic focuses on the constructive strategies, created to articulate a Brazilian federalism theory. This is the strategical rhetoric. Concurrently with this presentation of Rui Barbosa’s arguments, certain topical structures and figures of speech used to enhance the persuasion are analyzed. This is the analytical rhetoric. Finally the conclusion analyzes, based on these discovered results, the originality of Rui Barbosa’s theory both nationally and internationally. It's the other facet of analytical rhetoric which leads to the conclusion that Rui Barbosa’s work has had an innovative character in the nation constitutional theory.
Keywords: Rhetoric. Federalism. Rui Barbosa. Originality.
Introdução: marcos balizadores do caminho, a análise retórica como metódica e o federalismo de Rui Barbosa como objeto.
O presente trabalho tem como objeto central as estratégias persuasivas utilizadas por Rui Barbosa para a inserção do discurso federalista no Brasil do final do séc. XIX, modificando o ambiente social então vigente. Para realizar tal estudo foi necessária a investigação dos contextos político, social e econômico do Brasil imperial e da forma retórica de abordagem do tema pelo autor.
Para isso, questionou-se a forma de inserção do federalismo no País. Primeiramente, no que concerne à falta de maturidade política da sociedade brasileira de então para aceitação de forma inovadora de Estado, tornando-se, portanto, necessário um trabalho de difusão retórica do ideário federalista. Posteriormente, no que diz respeito à inter-relação do padrão federalista doutrinário/científico proposto por Rui com o norte-americano dos Founding Fathers.
Nesse sentido, afloraram questões de grande interesse: qual o contexto político-econômico-social do Brasil Imperial do final do séc. XIX? Como Rui Barbosa foi capaz de criar, no auditório nacional, uma ambiente favorável à inserção e ao desenvolvimento da teoria federalista? Qual a importância da atuação do autor no jornal Diário de Notícias para a formação do seu ethos perante o auditório nacional e para o controle do pathos deste? Quais elementos persuasivos podem ser encontrados no discurso ruiano pró-federação? Houve uma contribuição inovadora do federalismo de Rui para a experiência vivida no Brasil do início do séc. XIX? Qual a relação entre o modelo federalista proposto por Rui Barbosa e o criado pelos Founding Fathers (Alexander Hamilton, James Madison e John Jay)? Houve apenas reprodução ipsis litteris das ideias norte-americanas, ou Rui Barbosa conseguiu inovar, inserindo pensamentos e perspectivas próprias e criando um “federalismo à brasileira”?
Tendo o fenômeno jurídico como pano de fundo, o objetivo central do trabalho é o exame de parte da origem teórica da experiência jurídica nacional, em torno da questão de uma eventual originalidade dessas ideias, para além da mera repetição dos ensinamentos estrangeiros. Assim, sabendo-se que a história das ideias é uma forma de compreender a identidade de um povo, busca-se investigar, com fundamento no método retórico e na visão sisífica da história, as ideias de um pensador brasileiro que foi importante na quebra de paradigmas jurídicos.
Mais especificamente, objetiva-se analisar a ruptura de padrões sociais, jurídicos e políticos consagrados no Brasil do séc. XIX, a qual foi determinante para a ampliação dos horizontes da teoria geral do direito, influenciando especialmente a formação da teoria constitucional brasileira.
Dessa forma, tem-se como primeira meta observar o contexto de surgimento da forma federativa de Estado e da democracia no País, o que possibilitará um conhecimento mais aprofundado acerca da experiência jurídico-política brasileira passada e presente, já que tais institutos ainda fazem parte da estrutura do Estado brasileiro.
Como segunda meta busca-se avaliar o papel de Rui Barbosa como artífice desse novo modelo de estruturação do Estado, identificando os mecanismos retóricos utilizados por ele para convencer os diversos segmentos sociais da importância dessa mudança paradigmática. Aí objetiva-se aferir a eventual originalidade da teoria federalista ruiana.
Enfim, examinando o período histórico do total anacronismo da Monarquia, e da falência desta, dada a perda das suas bases sustentadoras, procura-se conhecer melhor o passado do País, percebendo o discurso ruiano como vetor da opinião pública da época, aglutinador da luta antimonárquica e, enfim, propulsor da federação e da nova teoria constitucional no Brasil.
1. O Brasil de Meados do séc. XIX e a retórica da nacionalidade como elementos formadores do ambiente comunicacional intersubjetivo no qual Rui Barbosa produzirá seus discursos.
Nascido em Salvador no dia 5 de novembro de 1849 e falecido em Petrópolis, em 1923, foi advogado, jurista, jornalista, político, diplomata, ensaísta e orador[1]. Educado num ambiente de apego à leitura dos clássicos e de aulas constantes de eloqüência, teve seu pai como fonte primordial de influências. Nas conversas do lar construiu-se um padrão de comunicação baseado na busca incessante do conhecimento, na rigidez ética e no respeito incondicional à liberdade individual e às leis. Dessa maneira, é isto que constitui o seu “mundo real”: a crença na monarquia, desde que submissa à Constituição, à democracia, e aos direitos civis. Ou seja, Ruy Barbosa apresenta-se um legítimo liberalista, conforme o matiz inglês.
Além disso, a permanência em São Paulo para a conclusão do curso jurídico foi fator decisivo na construção do pensamento ruyano. É nesse momento que o autor insere em sua realidade o debate político, as questões governamentais e a escrita típica da imprensa. Conseqüentemente, é nos artigos dos jornais, nos debates na Faculdade, nas reuniões da maçonaria que ele passa a comunicar mais intensamente sobre suas próprias percepções do mundo, criando e consolidando mecanismos de transmissão desses relatos, o que torna possível a produção de sentido e a formação de verdades, de convicções, as quais permearão toda sua produção intelectual.
Por outro lado, no que concerne ao contexto histórico nacional, o Brasil da segunda metade do século XIX apresenta-se como um país de grande desenvolvimento econômico proporcionado pela cultura do café. Essa prosperidade financeira, atrelada ao intenso intercâmbio econômico com a Inglaterra, gera a inserção do capitalismo moderno no contexto social do País e a racionalização do sistema de produção[2]. A fazenda adquire ares de empresa e, por conseguinte, o modo de produção escravocrata torna-se um entrave à maximização dos lucros.
Diante dessas novas demandas sócioeconômicas, forja-se o discurso abolicionista com base em argumentos tais como: a igualdade entre os homens, a garantia dos direito individuas consagrada pelos princípios democráticos e liberalistas e a modernidade da humanidade, que não mais concebia a crueldade da exploração dos negros. Assim, passou a fazer parte do debate nacional e, consequentemente, da realidade à época vivenciada, a necessidade de adaptação da estrutura nacional aos novos padrões ocidentais.
A abolição da escravatura e a consequente vinda dos imigrantes formam no País, além disso, um incipiente mercado de mão de obra assalariada e a desenvolver-se o processo de diferenciação do trabalho, fundamental à industrialização. Como consequências principais da prosperidade econômica têm-se o crescimento da renda, o desenvolvimento do comércio, a produção artesanal, manufatureira e, depois, fabril e o crescimento do setor de serviços.
Obviamente, tais transformações econômicas influiriam diretamente na estruturação das relações intersubjetivas. Como resultado desse processo de elevação do nível de vida no País, começam a surgir tensões sociais e novas necessidades: aumenta o interesse pela vida intelectual, por tecnologia e por capital, o que reflete no dinamismo da sociedade que começa a formar-se. Surge uma nova classe, a dos profissionais liberais, a qual busca afirmar-se na cena nacional por meio de representação política. A modernização dos meios de comunicação permite que mais setores da sociedade tenham acesso à informação e tomem conhecimento dos principais acontecimentos do Império. A cidade começa a suplantar o campo. O mercado de trabalho incipiente proporciona o progressivo abandono dos padrões estritamente patrimoniais de organização da sociedade.
Enfim, no final do séc. XIX, o Brasil passa por uma situação de grandes transformações econômico-sociais. As novas elites passam a exigir do governo menor interferência nos domínios econômicos. Isso porque ambicionava-se conferir autonomia para cada província poder evoluir conforme seu ritmo próprio. De fato, um governo centralizador era incapaz de responder prontamente aos interesses tão heterogêneos de cada região.
Entretanto, a monarquia apresenta-se indiferente às modificações exigidas pela sociedade. Mostrando-se inerte, burocrático e esfacelado politicamente, diante da constante instabilidade dos Gabinetes que, de fato, governavam o país, o Império ignorava os anseios sociais e agia, ainda, pautado nos padrões rígidos e estamentais do Brasil Colônia. Consequentemente, a monarquia tornou-se absolutamente anacrônica: era preciso romper com o passado, criando algo novo e que se assemelhasse, de preferência, aos padrões ingleses.
Esse era, portanto, o panorama dos assuntos debatidos na sociedade brasileira do séc. XIX e que formavam a linguagem comum de então, controlada publicamente e constituinte do “real”, dos “fatos”. É nesse ambiente retórico material (plano existencial) que Rui Barbosa se insere, percebendo as brechas argumentativas deixadas na linguagem política de comando então vigente, e, consequentemente, tentando preencher essas lacunas com seu discurso inovador. Discurso esse que, baseado no modelo norte-americano de estruturação do Estado e no padrão inglês de democracia, adequava-se aos anseios da nova sociedade brasileira, mais dinâmica e ávida por mudanças políticas que afastassem a imagem omissa e instável do governo vigente.
Percebe-se, então, facilmente o encontro dos dois planos existenciais mencionados acima: o de Rui Barbosa na construção de todas as suas “pré-compreensões” [3], e o do Brasil enquanto sociedade modificada por meio do capital. De fato, a linguagem produzida por Rui desde a infância, ampliada pelo influxo de ideias federalistas e democráticas, vai adequar-se aos anseios sociais da época. Filtrado da linguagem comum, o federalismo ruiano transformar-se-ia em linguagem de comando que, portanto, prescreveria o futuro constitucional do Brasil.
Entretanto, havia ainda uma barreira retórica material a ser transposta quando do início da militância política do autor em prol do federalismo. A linguagem de comando consagrada pela política nacional e produzida pela aristocracia cafeicultora ainda comunicava sobre a inconveniência da federação[4]. Alegavam os senhores rurais, quer filiados ao partido conservador, quer ao liberal, que o modelo político “saquarema” [5] era plenamente satisfatório à realidade brasileira, não configurando qualquer entrave ao desenvolvimento. Isso com base em dois fundamentos. Primeiramente, dizia-se que o Imperador era, em virtude de sua aclamação popular, o intérprete privilegiado da vontade nacional. Por outro lado, a pobreza e a vacuidade da vida política no País justificavam a interveniência de um poder sólido e previamente determinado por via hereditária, o poder Moderador, ao qual caberia funcionar como ponto de apoio para a sustentação da organização social[6]. Dessa maneira, num país pobre e ainda dominado pelas elites agrárias, era bastante conveniente haver um Poder Moderador pelo qual as correntes de pensamento insurreicional fossem neutralizadas, as camadas pobres mantidas “em seu devido lugar” e, sobretudo, o governo central tivesse atuação conforme com os interesses da aristocracia.
Diante disso, nota-se que, apesar de ainda constituir discurso predominante no nível material da retórica, os entraves impostos pelo intervencionismo ao discurso ruiano estavam fadados a perder suas forças diante do próprio contexto político-econômico vivido no País. Rui Barbosa saberá explorar essa fragilização, criando estratégias argumentativas capazes de produzir a queda dessas barreiras e a vitória de sua proposta inovadora.
2. O Diário de Notícias como propagador das estratégias de Rui Barbosa para a desconstrução retórica dos sustentáculos do Império.
Dentro desse ambiente comunicacional de modificações dinamizadoras da sociedade e de instabilidade do regime monárquico, Rui Barbosa pôde perceber as diversas lacunas existentes na então vigente linguagem política de comando[7], ou seja, no discurso emitido estrategicamente pela elite governante e tido como verdade no seio social. Tais brechas argumentativas tanto tornavam o discurso imperial frágil, o que permitiria a uma atuação estratégica desarticulá-lo, quanto geravam espaço a ser preenchido por novos discursos. Caracterizam-se, assim, as duas facetas centrais do agir prescritivo de Rui Barbosa em prol do federalismo. Num primeiro momento, o autor busca desconstruir as bases de sustentação da monarquia, forjando uma argumentação antimonárquica. Posteriormente, ele objetiva construir uma nova linguagem jurídico-constitucional de comando no Brasil, preenchendo as brechas de conteúdo criadas pela Coroa com o que lhe parecia mais adequado para o contexto brasileiro.
O primeiro passo metodológico da estratégia desconstrutiva foi atrair a confiança do público, aumentando a popularidade do Diário de Notícias. Isso porque a interferência no comportamento dos leitores adviria do contato diário com as ideias divulgadas no jornal. Dessa maneira, Rui Barbosa adicionou à imagem das publicações feitas no Diário críticas às falhas presentes no sistema governamental e independência quanto a preferências partidárias. O caráter crítico comporia a essência do jornal, significando uma atividade jornalística diferenciada, marcada pela observação dos fatos e por sua avaliação. Entretanto, e aí surge a adição do elemento “independência”, o avaliar não seria passional, mas sim adviria da isenção perante qualquer forma política tida como “melhor”, havendo “amor à verdade”, e não uma vinculação a interesses particulares e momentâneos. Assim, apesar de Rui Barbosa declarar-se monarquista e liberal, ou seja, apesar de sua simpatia pelo sistema de governo então vigente, seria garantido ao público um jornalismo imparcial, que, observando as atividades da vida política do País, não hesitaria em julgar negativamente o que se apresentasse inadequado com relação aos princípios democráticos e liberais. Essa estratégia retórica de atração da audiência foi empregada desde o primeiro artigo publicado no Diário, intitulado O Nosso Rumo e datado de 7 de março de 1989[8]:
“Abrir, contra o convencionalismo da verdade oficial, mais uma válvula à verdade sem compromissos, e estabelecer, fora do liberalismo partidário, uma pequena escola de princípios liberais, – aí tendes, em poucas palavras, o modesto e difícil programa, que nos impomos.[9];
Para soerguer o pêso dêsse véu [o da obscuridade sobre a real situação política do Brasil], para lhe arredar a ponta, não será de mais o concurso de uma boa vontade estreme de preconceitos, esclarecida pela experiência, sem outras ambições afora a de militar resolutamente com os amigos ativos da pátria, e não pactuar com as cumplicidades empenhadas em colorir o mal, e desculpar abusos”.[10].
Analiticamente, pode-se encontrar nesses dois trechos figuras de linguagem[11], cuja funcionalidade se situa precisamente na potencialização do argumento por meio do estilo marcante, o qual provoca encanto e emoção nos leitores. É o aspecto formal da persuasão. Percebe-se, assim, que as palavras “pequena”, “modesto” e “difícil” são, no primeiro excerto, mecanismos de expressão de um eufemismo, figura de linguagem utilizada para atenuar, por meio de expressões consideradas mais amenas, ideias que poderiam agredir ou chocar[12]. Dessa forma, o orador mostra-se modesto, comedido e realista. Esse trabalho do ethos, ou seja, do caráter pessoal do orador e da credibilidade (Glaubwürdigkeit) que ele inspira no público[13], faz com que o argumento desenvolvido angarie mais simpatia e, sobretudo, confiança do público. Nesse mesmo sentido, observa-se a presença de uma lítote na expressão “não será de mais” expressa em lugar da “será necessário apenas”. Essa figura de linguagem consiste também numa atenuação do pensamento expresso, a qual se processa, porém, mediante a declaração de algo por meio da negação de seu contrário[14]. Negando o contrário do declarado, nega-se indiretamente a noção tradicional que seria suposta pelo “leitor desavisado”, destacando-se sutilmente o ponto de vista novo apresentado pelo autor. No exemplo em questão, os requisitos para extinguir-se com a obscuridade da situação política brasileira são, então, percebidos como possíveis, apesar de difíceis, de realizar. A concepção consagrada no imaginário popular (retórica material) de que tais requisitos seriam impossíveis de se atingir por serem demasiadamente inacessíveis à política nacional é suavizada pela negação do “demais” em “não será de mais”. Dessa forma, além de aproximar-se do público ao mostrar que a via solucionadora seria difícil, mas factível, o autor exalta sutilmente seu caráter, na medida em que ele estaria disposto a trilhar tais caminhos. Por outro lado, o uso de metáforas como “abrir válvula à verdade”, “soerguer o pêso dêsse véu” permite ainda ao autor parecer concretizar conceitos abstratos, criando na mente do público uma imagem palpável e, por isso, mais facilmente assimilada e memorizada.
Como segunda estratégia traçada para se instituir a federação no Brasil e, assim, modernizar o País, Rui Barbosa elegeu a desconstrução da crença na vantagem que um poder monárquico centralizador pode proporcionar. De fato, a figura do Imperador ainda era muito valorizada e a percepção de que ele, por meio do seu poder central, teria uma visão do todo a ser administrado, o que traria unidade ao governo e à Nação, ainda era uma das “verdades” sociais. Esses mitos precisavam ser desconstruídos para, depois, serem substituídos.
O autor critica quase diariamente a elite política brasileira, apresentando ao público um Imperador doente e fragilizado ao ponto de somente ocupar o trono, sem governar de fato nem representar os interesses do povo; um Gabinete formado por um conjunto de ministros corruptos e incompetentes; uma princesa regente que deu início ao seu reinado de fato, antes de ser instituída no poder; e um príncipe consorte que se arvorava imperador.
Rui Barbosa argumenta, então, que o excesso de confiança em sua perpetuação está retirando do Império a capacidade de auto-avaliação, fazendo com que se ignorasse a crise interna vivida na família real, a qual abalava mais ainda a imagem da monarquia. Essa falta de percepção do perigo era potencializada pela atuação bajuladora dos integrantes do governo, que, para manterem-se no poder, satisfaziam sempre a vontade da Coroa, conservando-a iludida sobre sua popularidade e ignorante das reais necessidades políticas do País. Reforçando ainda essa falta de tino administrativo, tinha a perda de forças de dom Pedro II enquanto figura representativa do governo. De fato, em virtude de doença que o fragilizava, estava o Imperador na maior parte do tempo ausente da gerência da coisa pública. Observando essa situação, Rui Barbosa soube tirar proveito retórico, associando ao monarca uma imagem de inepta autoconfiança e de pusilanimidade:
“Só um pacto reservado com os herdeiros do trono explica razoàvelmente a imutabilidade provocadora de uma política, que, quanto mais desacreditada, quanto mais ulcerada, quanto mais aborrecida, tanto mais confiada se mostra em sua duração; de uma política que parece fortalecer-se na gravidade mesma das duas culpas, crescendo na confiança imperial, à medida que desce no desprêzo da nação.[15]
Com profundo sentimento de piedade acompanhou esta câmara o discurso, que o ministério acaba de proferir pelos augustos lábios de Vossa Majestade; e, escutando-o com a reverência devida à vossa posição constitucional, deplora ver-se obrigada a reconhecer nesse documento a prova mais óbvia de que o espírito do chefe de Estado se ausentou do governo do país, ou de que no espírito do príncipe reinante se apagou a consciência da monarquia.[16]
Mas, ao menos, salvem algumas aparências! Seja sequer em homenagem ao Imperador, ainda fisicamente vivo. Se lhe tiram, nos conselhos do govêrno, o poder real, ao menos não acabem de despi-lo de tôda a autoridade moral no meio da rua”.[17]
Nesses três trechos percebe-se o uso de certas figuras de linguagem ser determinante para conferir força especial ao argumento apresentado. No primeiro exceto utiliza-se um polissíndeto, figura de sintaxe na qual o conectivo coordenativo é repedido por diversas vezes numa cadeia de palavras ou de orações[18]. O conectivo “quanto mais” é, assim, mencionado por três vezes, criando-se uma repetição, a qual confere destaque a determinados termos. Esses termos da sequência são, não por acaso, os adjetivos desabonadores da conduta administrativa da Coroa, os quais por meio dessa ferramenta estilística ficam mais facilmente gravados na memória do leitor. Além disso, é fornecido à mensagem um sentido suplementar de dinamismo e de esforço, como se a monarquia brasileira esmerasse-se em ser tortuosa. No mais, as ironias empregadas, presentes em termos como “piedade”, “augustos lábios”, “ao menos, salvem”, “despi-lo no meio da rua”, atingem o objetivo de evidenciar a situação deplorável do Imperador, a qual era ridiculamente mal encoberta pelos seus conselheiros. Essa figura de linguagem, por possuir ares de humor, “desarma” o público quando da recepção do argumento, produzindo uma aceitação mais fácil. Explora-se, então, principalmente ao elemento pathos, uma vez que se tenta controlar os sentimentos da plateia para se conduzir suas opiniões. No presente caso, forma-se uma imagem decrépita e ridicularizada do Império, evidenciando-se seu anacronismo.
Como última estratégia desconstrutiva do discurso de controle formulado pelo Império tem-se o desbaratamento do apoio dos militares à monarquia. A revolução federalista precisava, ao assumir o poder, de uma força armada, que de preferência tivesse ampla representatividade social. Os militares, então, eram a melhor opção, principalmente por terem membros espalhados por diversas camadas.
Nesse sentido, Rui Barbosa destaca que a criação de milícias pessoais tais como a Guarda Negra e a Guarda Nacional gerava prejuízos para as forças armadas. Isso porque tais grupos eram fortalecidos em detrimento dos militares, único defensores legítimos do País. Essa inversão de valores que implicava um ostracismo dos militares configurava-se, ainda, como uma maneira de o governo corromper pessoas. Isso porque as adesões e a fidelidade ao governo eram compradas por meio das patentes e da pompa “militar” dos novos integrantes das milícias, especialmente os da Guarda Nacional. Dessa maneira, enfraquecendo os militares e, no entanto, ainda garantindo sua segurança, a Coroa evitava um maior reconhecimento social do exército e da marinha. Assim, interrompia-se o processo de supervalorização dos militares iniciado ao final da Guerra do Paraguai e que punha em risco a estabilidade da monarquia a qual se via ameaçada, pois o apoio dos militares à sociedade conferia a esta maior poder para lutar contra o absolutismo. Utilizando muitas vezes exemplos históricos sobre os efeitos maléficos das guardas pessoais, Rui Barbosa argumenta:
“Por toda a parte onde germinou a idéias da instituição batizada com êste nome por Lafayette, a experiência não tardou em lhe mostrar a feição romanesca, impolítica, suspeita ora à ordem do Estado, ora às garantias do povo. O seu descrédito é irremediável, em todos os países que a ensaiaram.[19]
Máquina militar contra a liberdade de eleição, máquina administrativa contra o civilismo do exército: tal se figura hoje a guarda nacional aos que acabam de desenterrá-la. Eis as segundas tenções desse plano, cuja inépcia boas decepções reserva à fútil esperteza dos seus autores. O exército fraternizou com o povo na agitação vitoriosa contra o cativeiro dos negros. Teme-se agora a perpetuação dos laços dessa aliança na propaganda pela liberdade dos brancos.[20]
Ora, as graduações de postos, na guarda nacional, entre nós, outra coisa não são que uma sub-nobreza fácil e barata, um sistema de dignidades honoríficas, posto ao alcance de todas as condições, de todas as profissões, de todas as fortunas. […] A guarda nacional adaptando-se a todas as classes e penetrando onde não pode chegar o preço relativamente dispendioso da nossa aristocracia, vulgariza esse tributo sobre a vaidade, explorando-a, porém, a benefício dos interesses ministeriais. Os resultados dessa sedução liberalizada a todos os graus da escala social são incalculáveis; […].”[21]
É precisamente esse resgate de casos passados, como ocorre nesse primeiro excerto[22], que aponta diversos entimemas paradigmáticos presentes no discurso ruiano. Entimemas paradigmáticos são silogismos retóricos, ou seja, conforme já analisado, silogismos formal ou logicamente incompletos, nos quais a força persuasiva advém da narração de exemplos, tematicamente aproximados ao assunto argumentado[23]. Por meio desse recurso da tópica é possível criar argumentos, produzindo-se o conteúdo em si do debate, o logos. Isso porque, a aproximação entre o paradigma brasileiro vivenciado e os exemplos históricos narrados possibilita a indução de regras gerais acerca do tema central que liga os dois exemplos. Assim, no caso do trecho acima, se monarcas franceses e ingleses cercavam-se de milícias pessoais sempre que estavam enfraquecidos, tentando manter-se no poder de qualquer forma, mesmo que para isso se desrespeitassem as garantias do povo, no Brasil a utilização de tais grupos não seria diferente. Em seguida, mostra-se que a Guarda Nacional no Brasil era de fato utilizada para enfraquecer o exército e para perseguir os opositores do governo. Conclui-se indutivamente, como é a estratégia nos silogismos paradigmáticos, que as Guardas Nacionais em geral são instituições violentas e inadequadas a governos democráticos, tendo sido instauradas somente por administrações reacionárias. Formado o conceito negativo acerca dessa milícia, reafirmam-se as deficiências da monarquia nacional.
Desarticulado o apoio dos militares à monarquia, Rui Barbosa conseguiu abalar o último pilar de sustentação da Coroa e, além disso, estabelecer uma força armada para a revolução federalista. Estava, portanto, encerrada a estratégia desestruturante. Acabadas as crenças na importância do poder central, na necessidade de fidelidade dos libertos para com o trono e na naturalidade das arbitrariedades cometidas contra os militares, faltava somente prescrever a solução para a carência nacional de legalidade, legitimidade e liberdade.
A inserção do federalismo no Brasil não se processaria simplesmente com a elaboração de um discurso antimonarquista, que tão somente unisse a sociedade em torno de qualquer opção que depusesse o Império. Era preciso canalizar todos os interesses para a teoria federalista, mostrando ser a federação das províncias a melhor solução para os problemas nacionais. É o momento construtivo da argumentação, no qual o autor preenche as lacunas do discurso monárquico, forjando a constituição do novo Brasil. Nesse sentido, Rui Barbosa tinha o desafio de aumentar a aceitação e a popularidade do partido republicano, único disposto a realmente inserir a federação, e de criar uma teria federalista para o Brasil, demonstrando ao povo as vantagens que tal forma de Estado traz consigo.
Desse modo, inicia-se a argumentação pró-federalista demonstrando que a federação era um sistema adaptável a toda e qualquer forma de governo. Embasado na defesa intransigente dos direitos individuais e da democracia, o autor demonstra que o respeito à Constituição e aos direitos civis são o pressuposto fundamental de qualquer Estado, independentemente da forma de governo vigente. Ora a federação garantia ao povo, por meio da repartição constitucional de competências, justamente uma maior vinculação do governo à lei máxima e, consequentemente, mais liberdade. Seria ela, então, plenamente adaptável ao regime monarquista brasileiro, caracterizando-se como o mecanismo hábil para atualizar nosso governo, permitindo a sadia perpetuação dele e sua inserção na era moderna e liberal. A monarquia federativa era, portanto, a única forma de arrefecer as correntes dissidentes.
Abertos os caminhos para a maior aceitação da doutrina federalista, Rui Barbosa passa a forjar as bases teóricas de seu federalismo. Nesse momento, à teoria da federação são associadas todas as vantagens que o regime decrépito da monarquia não estava proporcionando. A descentralização administrativa seria a primeira e principal vantagem da federação, pois implicaria a repartição de poder e o respeito à constituição, norma indicadora da competência de cada ente. O governo das leis, democrático e liberal surgiria finalmente no Brasil. Desconstrói-se, então, o mito de que a descentralização administrativa, elemento do federalismo, provocaria o esfacelamento da unidade nacional, especialmente no caso do Brasil, país continental. Argumenta-se, então, que ela diferiria essencialmente de descentralização política, sendo esta sim o fator desagregador da nação. De fato, a descentralização da administração de um país pressuporia a sua centralização política, que significa estarem os entes constitutivos da federação unidos a um objetivo comum, sendo representados por um ente comum, apesar de terem seus interesses locais específicos. Essa descentralização produziria uma cascata de poder, que fluiria do poder central da união, para os poderes descentralizados das províncias. É o modelo federalista centrífugo, por meio do qual as competências da União são claramente fixadas na constituição e os Estados membros seriam dotados de competência material remanescente[24].
Como consequência direta dessa descentralização administrativa ter-se-ia o fortalecimento do poder executivo provincial, e, portanto, a realização do antigo anseio social por liberdade econômica e administrativa, gerindo-se as localidades conforme suas necessidades. Por conseguinte, haveria um desenvolvimento do poder legislativo provincial tanto local quanto, sobretudo, federal. O fortalecimento do senado, como instituição representativa dos interesses provinciais, e a eleição própria dos governos provinciais, sem que houvesse qualquer indicação ou interferência do poder central eram inovações trazidas necessariamente pela federação. Um senado forte e não-vitalício, com mandatos de nove anos para que a rotatividade política mantivesse a representação sempre atual e consentânea com as reais necessidades provinciais, seria indispensável. Somente dessa forma, segundo Rui Barbosa, a União poderia compreender melhor as necessidades de cada região, formulando uma política de governo abrangente, mas não genérica, ou seja, sem ignorar os problemas típicos das regiões.
Enfim, associando a federação ao oposto da monarquia absolutista, Rui Barbosa construiu a aceitação social dos ideais federalistas e da república também já que o federalismo no Brasil estava diretamente relacionado a esse partido. A democracia, a vinculação à constituição e o liberalismo seriam implantados no Brasil por meio da federação, que se caracterizava mais ou menos como uma “mão invisível da política”, permitindo a cada ente federativo governar-se conforme seus interesses e prioridades, mantendo-se, porém, o “mercado político” sempre estável.
Conclusão: o federalismo de Rui Barbosa e sua originalidade no âmbito nacional.
Promulgada em 1891, a nova Constituição do Brasil trouxe como principal inovação, consagrada já no artigo primeiro, a República Federativa. Juntamente com a proibição de ingerência do governo federal nos “negócios peculiares aos Estados”[25], que seriam as antigas províncias do período imperial, foram estritamente fixadas, nos artigos 7º, 34, 48 e 60, as competências material e legislativa da União. Os Estados, portanto, ficaram com a competência residual, o que significa que poderiam agir livremente, desde que não se imiscuíssem no plexo de atribuições da União. Aos municípios, apesar de não terem sido eles tratados como entes federativos, foi teoricamente garantida plena autonomia administrativa no que dissesse respeito aos assuntos locais, conforme previsão do artigo 68. Assim como o poder Executivo, os poderes Legislativo e Judiciário foram divididos em duas esferas de competência, sendo o Supremo Tribunal Federal, o órgão neutro responsável pelo julgamento de quaisquer disputas entre a Federação e os Estados-membros. Por fim, a nova Constituição também garantiu textualmente a igualdade de todos os brasileiros perante a lei e uma série de outros direitos individuais típicos do liberalismo.
Dessa maneira, percebe-se que Rui Barbosa saiu vitorioso em sua empreitada federalista, liberal e democrática. O autor conseguiu, pois, positivar suas convicções pessoais não somente por ter participado da constituinte, mas também, e principalmente, por ter atuado publicamente durante longo período em defesa dos direitos civis, dos ideais liberalistas e, especialmente a partir de 1880, do federalismo[26]. Os artigos publicados no Diário de Notícias coroam seu agir estratégico, reunindo as principais críticas contra as insuficiências do modelo político-administrativo então vigente e aglutinando a luta federalista e antimonárquica. Rui Barbosa marca, portanto, a queda do império.
Saliente-se, porém, que aqui não se ignora o fato de o autor estar temporalmente localizado em momento propício da história do Brasil. Conforme destacado na literatura especializada[27], o País já vinha experimentando um contato com o federalismo desde 1831. A abdicação de dom Pedro I configurava momento favorável para uma revisão do projeto político, dando-se continuidade ao processo de construção do Estado nacional. As elites provinciais de então, por estarem desconectadas da elite política responsável pela tomada de decisões no Brasil, desejavam instituir mudanças na estrutura de governo, que lhes permitissem uma maior participação no processo decisório. Essa alteração se deu justamente pela implementação de reformas “federalizantes”. De fato, o grupo liberal, que saiu vitorioso em 1831, conseguiu positivar certa autonomia para as províncias, as quais passavam a ter Poder Legislativo próprio, liberdade para gestão de obras públicas e para criação de empregos provinciais, autonomia tributária e força policial própria[28]. Eram as reformas do Ato Adicional de 1834. Fortalecidas, por meio desse “avanço federalista”, as elites provinciais se aproximaram do jogo político nacional, tornando-se mais influentes e mais capazes de impor seus interesses. É exatamente essa ampliação de poderes que, ao final do século XIX, contribuirá como apoio político fortalecedor da luta federalista.
Esse processo político do começo do século XIX, entretanto, não retira a originalidade da campanha federalista ruiana. Primeiramente porque, dentro de uma perspectiva filosófica retórica[29], a construção da realidade em que se vive se dá por meio da convenção entre os seres humanos que interagem socialmente. Desprovidos de aparato cognitivo que os permita descrever o mundo como ele é, os homens criam retoricamente o seu mundo. Entretanto, esse processo criativo, que inclui também as modificações da “realidade” como no caso de Rui Barbosa, não é independente da existência do outro, dos processos criativos dos demais sujeitos. Há uma objetividade convencional. Dessa maneira, Rui Barbosa não seria capaz de alterar a retórica material do Brasil do século XIX se não houvesse um grupo organizado que também compartilhassem de suas ideias. Sem esse “eco social”, ele não seria considerado inovador ou político sábio, mas sim louco, já que sua percepção dos “fatos” destoaria da objetividade, representada pelas percepções de todo o restante da sociedade.
Por outro lado, sob uma perspectiva histórica, o “avanço federalista” da década de 30 do século XIX, implantou um federalismo incipiente, sem bases doutrinárias sólidas, voltado mais para o atendimento de necessidades práticas que se faziam imediatas. De fato, concomitantemente às demandas das elites provinciais por poder e por autonomia econômica, o Brasil passava por um processo de formação do Estado independente, o que impregnava a linguagem comum da crença na importância da unidade administrativa entre as províncias como forma de evitar a fragmentação política. Dessa maneira, expressando-se de maneira acanhada e sem qualquer base teórica federalista que se adaptasse às necessidades nacionais, o legislador não determinou precisamente a separação de competências ente as províncias e o governo central, apesar do ensaio realizado nos artigos 10º e 11[30] do Ato Adicional.
Como resposta a essas insuficiências e investigando a estrutura federativa de países como os Estado Unidos e a Argentina[31], Rui Barbosa apresentou uma teoria federalista. Essa teoria inovava e aprofundava em muitos pontos a incipiente descentralização realizada na década de 30 do século XIX. De fato, a repartição precisa de competências entre os entes federados feita pela via constitucional foi proposta como premissa básica para que a autonomia provincial pudesse se estabelecer. Sem ela não haveria efetiva descentralização administrativa que, conforme já demonstrado, era a chave do sistema federativo segundo Rui Barbosa. Esse equilibrado ajuste de atribuições evitaria um desajuste na seara tributária, permitindo que os Estados-membros possuíssem receitas mais compatíveis com as despesas que realizavam, tornando-se independentes financeiramente da União.
Além disso, o autor sempre defendeu uma estrutura de governo que fosse atrelada à defesa dos direitos civis, de típico viés liberalista. Admirador dos sistemas democráticos inglês e norte-americano, Rui Barbosa tentava inserir a democracia no Brasil, destacando os debates, como forma de esclarecimento e informação do povo, e o respeito à Constituição e às garantias individuais como pressupostos de modernização as nação. Esse projeto político não repudiava obviamente as elites, tendo-as em verdade percebido como aliadas para concretização das reformas, mas também não ignorava a importância do fortalecimento da sociedade, da conscientização política do povo e, sobretudo, da ativa participação deste, que conferia legitimidade ao governo. Essa consciência democrática foi mais pragmática e fervorosamente defendida por Rui Barbosa quando da Campanha Civilista[32], mas esteve sempre presente em seus escritos. Ora, a experiência descentralizadora vivenciada no Brasil no início do século XIX não tinha nenhum compromisso com a democratização nacional nem tampouco com uma reforma social, que inserisse o Brasil no nível europeu de modernidade. Objetivava-se tão somente garantir às elites provinciais participação política nas decisões do governo central e independência administrativa para desenvolverem-se de maneira mais adequada às suas necessidades[33].
Consequentemente, fica clara nesse sentido a vanguarda política do federalismo de Rui Barbosa, que, apesar de favorecido pelo curso da história nacional, foi capaz de criar elementos novos que o diferenciavam de outras propostas descentralizadoras. Daí a importância e a originalidade em território nacional da teoria ruiana.
Informações Sobre o Autor
Laila Iafah Goes Barreto
Graduada no Curso de Direito da Faculdade de Direito do Recife– CCJ – Universidade Federal de Pernambuco, mestranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista Capes