Ruptura na Adoção: As Consequências Jurídicas e Psíquicas Causadas Pela Tentativa de Famílias Biológicas em Reaverem os Menores Já Adotados

RUPTURE IN ADOPTION: THE LEGAL AND PSYCHIC CONSEQUENCES CAUSED BY THE ATTEMPT OF BIOLOGICAL FAMILIES TO RECOVER ALREADY ADOPTED MINORS

 

 

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Bianca Maria Barbosa Trindade [1]

Rosália Maria Carvalho Mourão [2]

Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA

 

Resumo: O objeto de estudo do presente artigo consiste na insegurança jurídica causada com a tentativa de recuperação de guarda de crianças já adotadas ou em processo de adoção, por famílias que por algum motivo não a detenham mais, tendo como objetivo geral analisar, embasado em casos ocorridos no país, as consequências geradas pela ruptura do laço afetivo criado entre os envolvidos na adoção. O método de estudo utilizado no desenvolvimento foi a pesquisa bibliográfica, se utilizando da abordagem do tipo dedutiva, levando a constatar que o melhor interesse da criança deve sempre ser levado em consideração como justificativa para tomada de qualquer decisão relacionada a isso.

Palavras-chave: adoção, criança, melhor interesse.

 

Abstract: The object of this article is legal uncertainty caused by the attempt to recover custody of already adopted children or in the process of adoption, by families that for some reason no longer hold them, having as a general objective to analyze, based on cases occurring in the country, the consequences generated by the break of the affective bond created among those involved in the adoption. The study method used in the development was bibliographic research, if using the deductive type approach, leading to the conclusion that the best interests of the child should always be taken into account as a justification for taking any decision related to this.

Keywords: adoption, child, best interest.

 

Sumário: Introdução. 1. Adoção. 1.1. Evolução histórica da adoção no Brasil. 1.2. Conceito. 1.3. A família como instrumento de proteção do indivíduo. 1.4. Modalidades de adoção no Brasil. 2. A insegurança jurídica causada pela ruptura da adoção e os prejuízos causados às crianças e famílias envolvidas. 3. A mitigação do Princípio da Prevalência da Família Natural face ao Princípio da Proteção Integral. Conclusão. Referências.                       

 

INTRODUÇÃO

O tema proposto neste artigo, tem por objetivo analisar as consequências geradas com uma possível ruptura da adoção já concluída ou em estágio já avançado, tanto para as crianças adotivas como para as famílias que acolheram e passaram a criar esses menores como filhos.

O processo adotivo no Brasil tende a ser bastante demorado e burocrático, trazendo consigo uma série de inseguranças para os envolvidos nele.  Os interessados na adoção encontram nela uma maneira de constituírem suas famílias, dando lar, acolhimento e principalmente afeto às crianças que por algum motivo encontram-se em abrigos à espera de um novo ambiente de acolhimento e proteção.

Aborda o assunto tendo por base a legislação vigente, sendo tratada desde a Constituição Federal, como também pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, além da Lei nº 12.010/2009, chamada de a nova lei de adoção.

O artigo 227 da Constituição Federal prevê como dever de toda família, de maneira prioritária, assegurar às suas crianças e adolescentes direitos como a vida, saúde, educação, lazer, respeito, e acima de tudo deixá-los a salvo de qualquer negligência, discriminação, exploração, violência ou qualquer situação que ofenda a sua integridade.

Ocorre que em muitas famílias o referido dispositivo legal não se perpetua, fazendo com que os menores tenham convivência com diversos problemas ofensivos a sua integridade física e psíquica, refletindo diretamente no crescimento e desenvolvimento dos mesmos.

Isso faz com que o Estado, com o propósito legal de assegurar a esse menor todos os seus direitos conferidos em lei, interfira na relação familiar no intuito de inserir a criança envolvida em um ambiente que lhe proporcione os meios adequados para seu crescimento saldável e longe de eventuais conflitos, dando além de outras alternativas, a adoção em todas as suas modalidades.

É válido ressaltar que assim como tudo que envolve crianças e adolescentes, o princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse do Menor devem sempre ser levados como regra primordial no processo adotivo.

O método de estudo utilizado no desenvolvimento do presente artigo foi a pesquisa bibliográfica, se utilizando da abordagem do tipo dedutiva, tomando por bases alguns casos ocorridos envolvendo o arrependimento de entrega do filho para a adoção e a consequente tentativa de recuperação do mesmo, que já tivera sido inserido em uma família adotiva.

Importante ressaltar que o presente trabalho visa demonstrar que a adoção não se trata de uma mera caridade, e que vínculos de amor e afeto são criados desde o começo do processo, que se ao final de tudo houver uma reversibilidade desse ato, e esse menor já inserido no seio familiar adotivo tiver de sair e se adaptar a outro ambiente, várias são as consequências criadas, tanto psicológicas como no próprio âmbito jurídico.

 

  1. ADOÇÃO

1.1 Evolução Histórica da adoção no Brasil

O instituto da adoção no Brasil é considerado um dos mais antigos que existe no ordenamento, posto que crianças abandonadas e sem um lar para sobreviver sempre foi uma dura realidade no país.

Desde o período da colonização se tem notícias de crianças adotadas pelas famílias mais ricas da época, onde era comum que por caridade ou por outros princípios, as crianças abandonadas ou até mesmo as ditas bastardas eram acolhidas nos lares de pessoas que detinham de condições para abrigarem esses menores.

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Nesse período, a situação dessas crianças não era de alguma maneira formalizada, muito pelo contrário, apesar de serem reconhecidos como “filhos de criação”, muitas vezes eram colocados para prestarem serviços dentro das casas como mão de obra gratuita, apesar de seus “acolhedores” passarem a imagem para a sociedade de cidadãos cristãos conforme os ditames da igreja sobre caridade.

Com isso, fica evidenciado que a prática da adoção no Brasil se iniciou e foi construída como forma de se conseguir trabalho gratuito mascarado pela caridade cristã pregada pela igreja na época, onde as crianças adotadas já eram colocadas em patamares de desigualdade com os filhos biológicos dos casais que os acolhiam.

Essa situação contribuiu significativamente como herança cultural para a chamada adoção à brasileira, onde até os anos 80 do século XX essa modalidade de adoção, que é atualmente proibida no país, era predominante na sociedade, e que até os dias atuais não se conseguiu evitar que tal prática ainda aconteça.

O nosso código civil de 1916 considerava como adoção simples a adoção tanto de menores de idade como também de maiores de idade, e permitia somente adotar os casais que não possuía filhos biológicos. Além disso, o ato era levado a efeito por meio de escritura pública e somente entre o adotado e o adotante é que se estabelecia o vínculo de parentesco, segundo Berenice (2016).

Ademais, nesse mesmo código, a adoção poderia ser revogada e o adotado de maneira alguma perdia o vínculo com sua família biológica. Mas, embora nos dias atuais as disposições do Código de 1916 não se perpetuem mais por motivos óbvios advindos da própria evolução da sociedade, se configurou como um importante avanço para época pelo simples fato de tratar diretamente sobre o instituto da adoção.

Nesse diapasão, surge a Lei nº 3.133 de 08 de maio de 1957 regulamentando a adoção nos termos do código de 16, em busca de melhorias que de fato beneficiassem as crianças, o que não vinha acontecendo.

Com o advento dessa nova lei aumentou-se as possibilidades de adotar, visto que permitia que os casais que já possuíssem filhos biológicos não seriam mais impedidos de adotarem mais crianças, podendo adotar também quem não possuía filhos, e os solteiros e desquitados também não estavam isentos de adotar. Além disso, a diferença de idade do adotante para o adotado reduziu de 50 anos para 30 anos, contudo o filho que havia sido adotado não iria ter direito à herança.

A legitimação adotiva veio prevista na Lei 4.655/65, o que configurou significativo avanço do instituto da adoção. Com ela o filho que havia sido adotado passava a ter praticamente os mesmos direitos conferidos ao filho biológico, com exceção dos direitos sucessórios, e fazia cessar vínculo existente com a família biológica do adotado.

E nesse mesmo sentido surgiu também a Lei nº 6.697/79, conhecida como Código de Menores, que substituiu a legitimação adotiva e dispôs sobre a adoção simples e a adoção plena. Nesse código, a adoção simples tratava-se das crianças entre sete anos e dezoito anos de idade, e a adoção plena manteve o mesmo espírito da legitimação. Aqui, o vínculo adotivo se estendia a toda a família dos adotantes e o nome dos avós do adotado passou a contar no seu registro de nascimento.

Mas a equiparação entre filhos biológicos e adotados só veio mesmo com a Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da proteção integral às crianças e adolescentes, em seu artigo 227, §6º, quando aduz que que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, além de proibir quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação entre os mesmos”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como base principiológica o mesmo princípio adotado pela CF/88, o da proteção integral. E no que a adoção trouxe consigo mudanças significativas e de importante aplicação, ao abolir a modalidade de adoção simples e adotar a adoção plena também a todos os menores de 18 anos, colocando a criança no seio familiar através do ato irrevogável da adoção, e atribuindo uma equiparação entre todos os filhos do adotante, sejam todos adotados ou não.

Apesar da consequente evolução trazida pelo ECA no sentido de proteger as crianças e adolescentes amparados por ele, alguns quesitos no que tange a adoção ainda dificultavam muito o processo para adotar. Por conta disso, foi sancionada em agosto de 2009 a Lei 12.010/09, mais conhecida como a nova lei de adoção, que disciplina uma série de mudanças na tentativa de aperfeiçoar ainda mais a adoção no Brasil, caso seja efetivamente cumprida.

Ademais, além da legislação já mencionada, dois tratados internacionais estão incorporados na legislação brasileira que também consistem em amparo à proteção das crianças e adolescentes, a Convenção da Haia de 21 de junho de 1999 e a Convenção sobre os Direitos da Criança de 20 de novembro de 1989.

Diante do exposto é perceptível que a adoção sempre esteve de alguma maneira amparada pelo ordenamento jurídico, uma pena que mesmo com tanta disposição legislativa o processo adotivo no Brasil não seja efetivo. A demora em conseguir adotar é o principal motivo que leva a desistência de casais em adotar uma criança.

Por óbvio existem muitos outros fatores que levam uma pessoa a desistir de adotar uma criança, mas a burocracia que é imposta pelo ordenamento jurídico vigente dificulta muito a cultura da adoção no Brasil, e a consequência disso é justamente a superlotação dos abrigos, onde os menores veem a possibilidade de conquistar uma família se distanciar a cada ano que permanecem nesses lares, visto que infelizmente quanto mais tempo uma criança permanece em um abrigo, menores são suas chances de ser adotada, devido sua idade já avançada.

Por conta desse impasse o processo adotivo no país tornou-se um processo até mesmo doloroso e incerto, por conta principalmente da demora em de fato efetivar a adoção, além de prejudicar também as crianças envolvidas e cada caso. O que se espera do Estado é justamente a garantia dos direitos inerentes a qualquer criança e adolescente disposto na própria Constituição.

 

1.2 Conceito

Segundo Maria Berenice Dias em seu Manual de Direito das Famílias “ O estado de filiação decorre de um fato (nascimento) ou de um ato jurídico: a adoção – ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela jurisdicional ” (DIAS, 2016, p. 478), que segundo a autora acaba criando um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre os envolvidos, que é similar ao de uma filiação biológica.

A adoção consiste em uma maneira de inserção de crianças e adolescentes que se encontram por algum motivo fora de um contexto familiar, vivendo muitas vezes sem a devida atenção e cuidado que todo menor necessita e tem direito. Mais que isso, é uma excelente alternativa de promover a constituição de uma família, beneficiando tanto o adotado como os adotantes, posto que se trata de uma modalidade de filiação baseada exclusivamente no amor.

Aquele que procura a adoção é movido pela vontade mais singela de ofertar amor, cuidado e proteção para pessoas que não desejam receber nada além disso. É propiciado a eles a paternidade/maternidade socioafetiva que não é baseada em um fator biológico, mas sim em um fator sociológico, fundado no desejo de amar ao próximo e de contrapartida receber o mesmo.

Contudo não se pode olhar para a doção apenas como uma busca desesperada de uma família para uma criança ou adolescente. Deve-se primeiramente observar o que melhor privilegiar o menor, além disso, observar todo o contexto familiar em que essa criança será colocada, e se atenderá todas as suas necessidades.

A Constituição Federal de 1988 assegura os mesmos direitos e qualificações aos filhos que são havidos ou não do casamento como também por adoção, demonstrando assim um tratamento igualitário entre os mesmos. Quando uma criança é de fato adotada, ela começa a fazer parte do ambiente familiar, se enraizando nos costumes e crenças de sua nova família, visto que se entende que terá os mesmos direitos e garantias, assim como deveres, dos outros filhos de seus adotantes.

O filho que é adotado adquire direito ao nome, alimentos, ao parentesco e à sucessão, e em contrapartida tem por deveres o respeito e a obediência com seus pais adotivos, bem como com todos que por ventura vierem a fazer parte de sua nova família.

O artigo 39, §1º do Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, onde o adotado rompe com todos os vínculos com sua família biológica. Com isso, o estatuto tenta assegurar a segurança jurídica de todo o procedimento de adoção, que no nosso país não é um processo rápido e fácil, pelo contrário. Além disso, o dispositivo tenta evitar qualquer tipo de arrependimento por parte dos adotantes, situação essa que não é mais incomum nos dias atuais.

Um ponto importante a se ressaltar é que a morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais biológicos do menor, conforme preceitua o artigo 49 do ECA, contudo, conforme Maria Berenice Dias, não existe nenhum impedimento dos pais naturais adotarem os filhos que já foram adotados e que porventura ficaram órfãos, apesar de haver uma certa resistência da doutrina quanto a isso.

Já o artigo 42 do mesmo Estatuto estipula que a idade mínima para poder adotar é 18 anos, e o §3º do mesmo dispositivo dispõe que a diferença de idade que deve haver entre o adotado e o adotante deverá ser de pelo menos 16 anos.  Esse distanciamento na idade consiste em uma tentativa de retratar a realidade, visto que é a diferença de anos para que ocorra a procriação, mas a jurisprudência vem admitindo uma certa flexibilização, em situações que se aproxima muito da idade mínima exigida.

Ademais, qualquer pessoa poderá adotar um menor, se essa for a sua vontade, seja ela solteira, casada, divorciada, posto que o legislador não faz nenhuma restrição quanto a isso. Válido dizer também que não existe exigência quanto a orientação sexual do adotante, e nem poderia existir, visto que adoção consiste em uma maneira de casais homoafetivos formarem sua família, a depender de seu desejo.

Também independe o estado civil do adotante conforme o §2º do artigo 42 do ECA: “Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”, logo é preciso haver a concordância do cônjuge ou do companheiro para tanto, como afirma o inciso I do artigo 165, do mesmo estatuto.

Quanto aos divorciados e ex-companheiros, a adoção poderá ser concedida conjuntamente desde que seja devidamente acordado a guarda e o regime de visitas, o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência, além de comprovar também a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, conforme o §4º do artigo 42, do ECA, e o parágrafo seguinte possibilita a guarda compartilhada desde que demonstrado o efetivo benefício ao adotando.

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  • A família como instrumento de proteção do indivíduo

Roberto Senise Lisboa, ao tratar sobre família e suas diversas formas de constituição afirma que “No Direito positivo brasileiro atual, a expressão “família”, na acepção jurídica do termo não se limita mais à noção religiosa católica” (LISBOA, 2013, p. 35). Ou seja, vários são os tipos de famílias, posto que o que vale é sua importância e significado maior.

A reunião de pessoas que constituem uma família, trata-se de um núcleo transmissor de valores, culturas e ensinamentos, que embasam o desenvolvimento de todos os indivíduos nela presente.

Com o decorrer dos anos, a concepção de família foi se modificando e se adequando ao contexto social de cada época. Antes o que se tinha era uma visão casamentária, em que só era possível ser considerada família aquela onde a reunião de pessoas adivinha do próprio casamento. A importância desse conjunto de pessoas era posta como segundo plano, enraizados a costumes e valores antigos que não mais fazem sentido nos dias de hoje.

Atualmente são admitidos os seguintes tipos de família: a) tradicional ou matrimonial, formada a partir do casamento civil; b) união estável, se configurando como uma inovação do código civil de 2002; c) monoparental, quando um dos pais da criança assume a responsabilidade pela sua criação, por exemplo; d) homoafetiva, formada com a união de duas pessoas do mesmo sexo; e) anaparental, formada sem a presença dos pais, devendo ser comprovada a estabilidade, a publicidade e a afetividade;  f) pluriparental, que ocorre quando há o divórcio; g) paralela, que consiste na família fora do casamento, conferida pela súmula 380 do STF; e h) eudemonista, que é considerada uma meta de família a ser alcançada, não importando qual seja o tipo de família.

Com isso fica demonstrado que não importa a maneira como uma família é constituída, e sim o seu propósito maior, que é o de conferir o afeto e a proteção aos seus integrantes, os protegendo contra as mazelas impostas pela sociedade como um todo.

No que concerne às crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 4º confere à família o dever de assegurar, com absoluta prioridade: “(…) a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, e nesse mesmo sentido, tal dever já era assegurado pela própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, a saber:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 1988)

Ao se reportarem a esse tema, os seguintes doutrinadores afirmam que: “A família é o lugar natural de crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente. É o núcleo central, que deve ser tutelado pelo Estado com vistas à continuidade e à preservação de unidade familiar”. (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2014, p.96).

É sabido que para um desenvolvimento completo e sadio toda criança necessita do convívio familiar, até mesmo para sua formação como pessoa, e essa não é a realidade da maioria das crianças e adolescentes do país, em que por motivos diversos encontram-se fora de um seio familiar, padecendo de cuidado, proteção e afeto que somente um ambiente em família pode proporcionar.

São vários os motivos que podem levar às crianças e adolescentes a se desvincularem do seu laço biológico. A exemplo têm-se a destituição do poder familiar, que ocorre quando o pai ou a mãe incorrerem em alguma hipótese estabelecida por lei, presente nos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil de 2002, conferindo assim desvio das suas funções de guarda e cuidado.

Situação essa verificada em decisão exarada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que comprovada a negligência nos cuidados com os filhos por parte dos pais, o poder familiar teve que ser retirado dos mesmos, a seguir exposta:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. MANUTENÇÃO DAS CRIANÇAS NA FAMÍLIA BIOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES FAMILIARES. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE CONDUZ à COLOCAÇÃO DAS CRIANÇAS EM FAMÍLIA SUBSTITUTA, NA MODALIDADE DE ADOÇÃO. SENTENÇA MANTIDA INTEGALMENTE (grifo nosso). Caso dos autos que os demandados negligenciaram nos cuidados em relação aos filhos, deixando-os em situação de vulnerabilidade, havendo necessidade de acolhimento institucional dos infantes. Incapacidade dos genitores no exercício parental comprovada pelos depoimentos prestados em juízo, bem como pelos laudos técnicos realizados na fase de cognição do processo. Ausência de outros familiares aptos para assumir as responsabilidades de criação e educação do grupo de irmãos. Melhor interesse da criança que conduz a destituição do poder familiar, possibilitando a colocação dos protegidos em família substituta, na modalidade adoção. Sentença originária integralmente mantida. Apelação desprovida”. (Apelação cível. Apl 70077432202. Relator: José Antônio Daltoe Cezar. Dj: 04/10/2018)

Ocorre que quando se vislumbra uma situação como esta, a melhor solução face ao menor envolvido é a sua reintegração em uma família substituta, posto que tudo o que se espera alcançar no desenvolvimento de um menor dentro de uma família é deixado de lado, devendo, nesse caso, o Estado intervir na situação a fim de garantir o melhor interesse da criança e do adolescente exposto a qualquer situação de risco.

A adoção, mais que um ato de amor e afeto, consiste, como nesses casos, em um ato de proteção e garantia dos direitos individuais dos menores envolvidos em situações de descuidado e riscos inerentes. Sendo através dela que esse menor poderá viver sob toda atenção que na maioria das vezes um abrigo com inúmeras crianças não consegue proporcionar.

Outra situação que merece atenção consiste exatamente nas condições de vida que são ofertadas pelos abrigos de crianças e adolescentes, que por conta da grande demanda de infantes não conseguem proporcionar uma atenção individualizada a cada um deles, o que não ocorre em uma família comum e estruturada.

A importância que uma família tem na vida e no desenvolvimento de uma criança é imensurável. É dentro do seio familiar que um menor aprende a lidar com pessoas de várias personalidades diferentes, situações adversas e experiências de vida que o impulsionam e ensinam a conviver socialmente e em sociedade.

Além disso, conviver em família constitui os valores, crenças e os princípios que irão permear toda a vida do menor, interferindo diretamente na maneira como lidar com toda e qualquer adversidade que porventura venham a enfrentar durante suas trajetórias.

 

  • Modalidades de adoção no Brasil

Maria Berenice Dias em seu mais recente livro intitulado de Filhos do Afeto – Questões jurídicas, ao se reportar à adoção afirma que “Adotar é, antes de tudo, um ato de amor. Nada mais é do que um movimento em direção ao outro. (…)” (DIAS, 2017, p. 72), e segundo a mesma, por existirem várias maneiras de amar, há também várias maneiras de se adotar.

Primeiramente têm-se a possibilidade da adoção individual, que ocorrerá quando somente uma pessoa adota uma criança. Aqui, o filho possuirá apenas um pai ou uma mãe, a depender de quem o adotou, e em seu registro de nascimento ficará registrado apenas o nome de seu adotante.

Como já explanado, o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente permite a adoção por qualquer pessoa maior de dezoito anos, independentemente de seu estado civil, seja ela casada, solteira, em união estável ou viúva, enfim, se se adequando ao referido artigo, poderá a mesma se candidatar à adoção.

Essa situação se assemelha às situações corriqueiras do cotidiano de pais biológicos que por algum motivo registram seus filhos com o nome de apenas um dos genitores, como ocorre com os chamados pejorativamente de filhos de mãe solteira, ou seja, crianças que não possuem o nome do pai na certidão de nascimento, ou por motivo de abandono ou de falta de conhecimento de quem seja.

Outro aspecto importante a se destacar, é que a adoção poderá ser exercida por pessoas de qualquer sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, situação essa já reconhecida como constitucional pelo próprio Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA E RESPECTIVAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. Adoção. ADI 4.277. Acórdão recorrido harmônico com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário ao qual se nega seguimento. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Paraná: “Apelação cível. Adoção por casal homoafetivo. Sentença terminativa. Questão de mérito e não de condição da ação. Habilitação deferida. Limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da orientação sexual dos adotantes. Inadmissível. Ausência de previsão legal. Apelo conhecido e provido” (STF, RE 846.102, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dj. 05.03.2015).

Ademais, importante salientar também, que como adoção de alguma maneira imita a vida real, o lapso temporal de 16 anos entre a idade do adotando e do adotado não deve ser contrariado, apesar de que dependendo da situação concreta esse espaço de tempo poderá ser flexibilizado, o que não é a regra.

Bem como também nos casos em que o adotante vive em união estável, ou seja, casado, apenas um do casal poderá adotar, apesar de haver a necessidade de consentimento do seu companheiro para adoção, mas isso não o impede de no futuro adotar esse menor. E se em algum momento vier a surgir vínculo de socioafetividade eles, o adotado poderá intentar uma ação declaratória de filiação para cobrar alimentos.

Já a adoção conjunta vem prevista no art. 42, §2º do ECA, onde é exigido o casamento civil ou que o casal mantenha união estável como pressuposto para que venha a ocorrer. E na situação de união estável deverão comprovar a estabilidade familiar.

Caso por algum motivo ocorra o divórcio ou a dissolução da união estável do casal que detém a guarda de uma criança, mesmo nessas situações o Estatuto possibilita a adoção desse menor, mas para que o ato de concretize é necessária a devida anuência de ambos no que tange a guarda e o regime de visitas do mesmo.

No caso da adoção anaparental, o que a configurará será a ausência de um ascendente no âmbito familiar. O exemplo mais nítido que se pode ter é, por exemplo, nos casos de irmãos que convivem sem que haja a presença de seus pais. E aqui não há a determinação de que necessariamente deva haver uma relação de parentesco entre os envolvidos, basta que seja reconhecida a presença de uma entidade familiar.

A adoção unilateral é outra modalidade de adoção que se configura quando decorrente de uma nova relação amorosa, fica possibilitado a adoção dos filhos provenientes de relações anteriores pelo novo parceiro.

“Trata-se de uma forma especial de adoção, que tem caráter híbrido, pois permite a substituição de somente um dos genitores e respectiva ascendência” (DIAS, 2016, p. 485). Aqui, vai ocorrer a exclusão do genitor biológico. Em termos exemplificativos, se o companheiro ou cônjuge de uma mulher adota o seu filho, esse passará a ser registrado no nome de sua mãe biológica e de seu adotante, passando a ter com este vínculo paterno, e o poder familiar será exercidos pelo dois (mãe e pai adotivo), e o parentesco será estabelecido com os parentes de ambos.

Uma situação relevante nos dias atuais, consiste na situação cada vez mais recorrente de registros de nascimento com o nome de dois pais, tanto o do pai biológico como o do adotante, e isso é o que se chama de multiparentalidade, cada vez mais presente na jurisprudência.   Nesta hipótese, ao invés de se deferir a adoção unilateral, apenas se acrescenta o nome do pai adotivo e os respectivos avós no registro do menor.

Com isso, haverá três possibilidades para se deferir a adoção unilateral: a) quando o filho é reconhecido apenas por um dos pais e o companheiro (a) resolve adotá-lo; b) quando é reconhecido por ambos os genitores, mas mesmo assim o atual companheiro (a) de um deles adota o filho; c) quando ocorrer o falecimento do pai biológico, e o cônjuge ou companheiro do sobrevivente adota o filho órfão.

A adoção afetiva também conhecida como adoção “à brasileira” não é adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, configurando até mesmo crime nos termos artigo 242 do Código Penal, em que se proíbe registrar o filho de outra pessoa como se seu fosse.

Apesar de configurar um delito culminando em pena de reclusão de dois a seis anos, não impede que tal prática se perpetue, não pelo intuito de praticarem um crime, mas sim por se originar de um vínculo afetivo.

O que pode ocorrer nesse tipo de situação, é por exemplo, nos casos de separação em que se rompe o vínculo afetivo do casal, e diante da obrigação de arcar com os alimentos em favor do filho adotado, o pai tenta a desconstituição do registro da criança na justiça por meio uma ação anulatória de paternidade. Ocorre que como o registro de um modo geral fora feito de modo espontâneo, a jurisprudência não admite de nenhuma maneira que registro de nascimento desse menor seja anulado, posto que o considera irreversível.

Contudo, de maneira alguma será imposto ao filho adotado a obrigatoriedade de permanecer com o nome de um pai no qual não tenha nenhum tipo de convivência e afeto. A ele é facultado permanecer ou não com o nome no registro, e caso entenda por não querer continuar vinculado a tal pessoa poderá buscar a desconstituição de paternidade.

Situação essa que fica evidenciada na seguinte jurisprudência oriunda do STJ:

“EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO. “ADOÇÃO À BRASILEIRA”. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. A chamada “adoção à brasileira”, muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida a condição resolutiva consistente no término do relacionamento com a genitora. (…) 5. A manutenção do registro de nascimento não retira da criança o direito de buscar sua identidade biológica e de ter, em seus assentos civis, o nome do verdadeiro pai. É sempre possível o desfazimento da adoção à brasileira mesmo nos casos de vínculo socioafetivo, se assim decidir o menor por ocasião da maioridade; assim como não decai seu direito de buscar a identidade biológica em qualquer caso, mesmo na hipótese de adoção regular. Precedentes. 6. Recurso especial não provido”. (STJ. RE 1352529. Rel. Luis Felipe Salomão. Dj 24.02.2015)

Por derradeiro têm-se a modalidade de adoção intuitu personae também denominada de adoção dirigida, consentida ou direta, que ao contrário do que se pensa costumeiramente não é proibida, e vem prevista no próprio Estatuto de forma expressa nos artigos 50, § 13 e 166.

Esse tipo de adoção ocorre quando a mãe por algum motivo deseja entregar seu filho à adoção, mas não quer que o mesmo fique por tempo indeterminado em abrigos até que pessoas indeterminadas os acolham.

O ordenamento prevê três modalidades legais de adoção consentida, todas previstas no § 13 do artigo 50, a saber:

“§ 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I – se tratar de pedido de adoção unilateral;

II – for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III – oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei”. (BRASIL, 1990)

Nessas situações, o procedimento de habilitação será dispensado, e além disso, em todas as hipóteses, os pais deverão consentir com a entrega do filho para adoção, a não ser que se tratem de pais desconhecidos ou então que tenham perdido por algum motivo o poder familiar sobre eles.

Não basta apenas o consentimento informal da entrega da criança para a adoção. O pedido para colocação em família substituta desse menor poderá ser feito diretamente no cartório e não se exige a presença de advogado para tanto. Mas para que o consentimento escrito tenha validade far-se-á necessário sua devida ratificação em audiência.

Válido ressaltar também que até o momento em que sair a publicação da sentença de adoção, o referido consentimento é retratável, ou seja, até esse dado momento os genitores têm a possibilidade de desistirem da adoção, o que acaba gerando uma grande insegurança nas famílias substitutas em que as crianças estão inseridas, ficando sujeitos a chantagens e até mesmo extorsões por parte dos pais desses menores.

Mas apesar das controvérsias que rodeiam tal modalidade de adoção, consiste em uma maneira de evitar a colocação de crianças em abrigos já superlotados, e inseri-los em um meio familiar já estruturado e adepto para recebê-las.

 

  1. A insegurança jurídica causada pela ruptura da adoção e os prejuízos causados às crianças e famílias envolvidas

Como já visto anteriormente, um dos requisitos exigidos para que ocorra a adoção dirigida é justamente o consentimento expresso dos pais para que de fato ocorra a ruptura definitiva de parentesco entre eles e o menor, possibilitando a entrega para adoção.

Ocorre que uma situação se mostra cada vez mais presente nos dias de hoje, em que pais se mostram arrependidos pela entrega da criança e recorrem à justiça na tentativa de recuperarem a guarda desse menor, retirando-os assim de suas famílias adotivas.

Trata-se de um assunto e uma situação bastante delicada, posto que vários são os envolvidos emocionalmente nisso, de um lado uma mãe e um pai biológico que por algum motivo desejam recuperar a guarda de seu filho, de outro uma família que acolheu esse menor, o educa e cuida como filho, proporciona todo o amparo e toda proteção legalmente exigido a ele, e por fim uma criança que nada tem a ver com a situação e se ver diante de uma disputa judicial.

O processo de adoção no nosso ordenamento jurídico consiste em um processo bastante lento e demorado, infelizmente, e toda essa demora acarreta uma série de consequências na vida das pessoas que passam por ele, tanto para os adultos que tentam constituir suas famílias e acolherem crianças que necessitam desse acolhimento, como para as próprias crianças, que esperam ansiosamente pelo desfecho disso.

Toda essa demora é ocasionada principalmente por toda a burocracia que envolve o processo de adoção. A exemplo disso, para que uma criança seja adotada, inicialmente deve ser concluído o processo de destituição do poder familiar de seus pais biológicos, e isso é um dos principais fatores na demora da efetivação da adoção.

Ocorre que como a adoção é tida como o último meio utilizado para inserir uma criança em um lar, são buscadas todas as possibilidades possíveis de inserção dos mesmos em sua família biológica, o que acaba tomando um tempo precioso de se deixar esse menor ser adotado, estamos falando de uma demora de ano até, para que algum parente dessa criança seja localizado, e com isso fica o questionamento: por que demandar tanto tempo à procura de alguém que abandonou um menor, ou não o procurou mais?

No ano de 2014 foi realizado um estudo a pedido do Conselho Nacional de Justiça sobre a incrível demora do processo de adoção em alguns estados do país, a pesquisa foi realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), e constatou que nas regiões de Centro-Oeste, Sul e Norte uma criança apta a adoção leva em média mais de dois anos para ser adotada, no Sudeste o tempo é de um ano e oito meses, enquanto que no Nordeste o tempo é bem reduzido se comparado aos demais, um pouco mais de seis meses.

O que se quer demonstrar com o exposto é que se mostra totalmente inviável e sem cabimento uma família adotiva passar por todo esse procedimento demorado e burocrático de adoção, e já com seu filho ou sua filha em casa ter que sequer pensar na possibilidade de devolvê-lo (a) para a família biológica desse menor, a mesma família que ou entregou espontaneamente ou abandonou em algum local.

O prejuízo emocional ocasionado por essa situação é imensurável, ainda mais levando em consideração que o convívio com esse menor já vem desde o processo de adoção em andamento. Uma das etapas do procedimento é justamente o período de convivência da criança a ser adotada com os pais que desejam adotar, em que ambos convivem para de fato constatar as reais condições da família, e acima de tudo para se construir bases sólidas entre eles visando um relacionamento totalmente harmônico.

Como já explanado nesse artigo, o melhor interesse da criança deve sempre prevalecer em detrimento aos interesses dos demais envolvidos nessa situação, assim como em qualquer outro processo em que ela faça parte.  A lei de adoção tenta assegurar ao máximo a segurança jurídica durante todo o decorrer da adoção, tentando evitar qualquer desfazimento do ato e gerar assim qualquer desconforto ou prejuízo a qualquer um dos envolvidos.

E não é corriqueiro encontrar em algumas jurisprudências no nosso ordenamento situações em que a parte biológica da criança não consiga rever a sua guarda, onde o que se leva em consideração é o melhor interesse do menor, que de maneira alguma pode ser deixado de lado em desfavor dos interesses de suas famílias.

No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se julgou pela improcedência do pedido de revisão acerca do não consentimento de guarda provisória à mãe biológica, tomando por justificativa a observância dos interesses da criança, como de fato deve ocorrer, a seguir exposta.

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DE GUARDA PROVISÓRIA DO FILHO À GENITORA. AGUARDAR INSTRUÇÃO DO FEITO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. O presente recurso tem por objetivo a reforma da decisão proferida nos autos da ação de guarda, que revogou a guarda provisória do filho à mãe. Pois bem. Entendo por manter a decisão agravada. Tal medida se faz necessária, ao menos por ora, pois julgo prudente aguardar a instrução do feito até que seja suficientemente analisada a capacidade da genitora em ter a guarda da criança. A fim de que seja assegurada a proteção e o melhor interesse do infante. Não se ignora o direito de convivência entre mãe e filha, todavia, devem ser observados, primordialmente, os interesses da criança, com o objetivo de assegurar o seu bem-estar. Recurso desprovido”. (Agravo de instrumento, AI 70078347358, Rel. José Antônio Daltoe Cezar, j. 04.10.2018).

Situação análoga a isso ocorreu no estado do Distrito federal, onde uma mãe tentou reaver a guarda de sua filha, fruto de uma relação incestuosa com o seu padrasto, e que assim que nasceu foi dada para adoção. Ao se passarem quatro meses do dia que entregou a menor, a mãe reclamou a guarda da criança sob a alegação que havia sido coagida a entregar a menor e, portanto, queria sua filha de volta.

No entanto, a referida criança já se encontrava inserida em uma família adotiva, e em julgamento de 1ª instância teve sentença favorável ao casal de pais adotivos da mesma, posto que a justiça entendeu que a mãe biológica não detinha de condições psíquicas e materiais para criar a menor, que insatisfeita impetrou recurso, em que no entendimento do TJ do Distrito Federal, o período longo de convivência com a família adotiva não deveria se sobressair sobre o direito da mãe biológica de criar a menor.

Por fim, ao chegar no STJ a decisão foi diferente, posto que ficou claro que os interesses da família estavam se sobressaindo ao interesse do menor, e com esse argumento a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, levando em consideração que a referência familiar que a criança tinha era justamente o da sua família adotiva e que uma nova adaptação seria muito prejudicial a ela, determinou que a mesma deveria continuar sob os seus cuidados.

Mas ao contrário disso, em algumas situações não é isso que vem ocorrendo, muito pelo contrário, pais adotivos estão se vendo obrigados a conviver com a insegurança de permanecerem com a guarda exclusiva de deus filhos adotivos.

Ocorre o seguinte, nos casos de destituição do poder familiar dos pais biológicos, mesmo depois de concluído todo o processo, esses mesmos pais biológicos podem entrar com ação rescisória questionando essa retirada do poder familiar dos filhos.

O que se questiona aqui é a insegurança jurídica causada nessas situações, posto que em alguns casos os filhos (que podem ser mais de um, e que podem estar inseridos em famílias diferentes) podem ter sido adotados a uma certa quantidade de tempo e quando já maiores configuram um problema ainda maior para os pais adotivos.

Válido ressaltar que mesmo que essa ação rescisória não seja julgada procedente já ocorreu todo um desgaste emocional nas famílias envolvidas, porque tanto os pais quanto os filhos, quando esses já entenderem a situação, serão obrigados a conviverem com possibilidade de uma ruptura no seio familiar deles, o que gera uma série de problemas, principalmente emocionais, no âmbito familiar.

Uma outra situação pertinente de se destacar ocorreu na cidade de Contagem, situada na região metropolitana de Belo Horizonte em Minas Gerais, onde um casal que por mais de dois anos criava uma criança e já estavam em fase final do processo de adoção se viram obrigados a devolver a criança a sua mãe biológica, que por conta de denúncia de maus tratos havia perdido a guarda da menor.

Ocorre que como o processo de adoção ainda não havia se findado e pautado no Estatuto da Criança e do Adolescente bem como na lei de adoção que possibilitam a reintegração do menor a sua família biológica de forma prioritária, a criança mesmo depois de morar por mais de dois anos com o casal que detinha sua guarda provisória, teve que ser entregue de volta.

Ocorre que o prazo de 120 dias para se concluir a adoção não se concretiza de maneira alguma na realidade brasileira, o que leva as famílias substitutas a conviverem por bastante tempo com os menores acolhidos, mesmo antes de concluído o processo de adoção. E isso torna impossível a criação do vínculo afetivo entre eles, até porque o intuito da convivência familiar é justamente esse, e diante desse quadro ter que de uma hora para outra se desfazer disso é algo totalmente impiedoso.

Com isso, fica evidenciado que a segurança jurídica no processo de adoção deve ser priorizada sempre, e se para isso for necessário que se reveja a aplicação de alguns dispositivos, que o faça, visto que a principal afetada com toda essa situação é a criança e seu desenvolvimento psíquico e emocional, que já vem afetado desde o momento em que ela se vê a disposição de alguém que a queira cuidar e acolher.

 

  1. A mitigação do Princípio da Prevalência da Família Natural face ao Princípio da Proteção Integral

O Princípio da Proteção Integral é originário do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, já mencionado anteriormente, e tem por finalidade garantir às crianças e aos adolescentes a efetivação dos seus direitos fundamentais, colocando-as como sujeitos de direitos, cabendo à família, a sociedade e ao Estado assegurá-los de maneira prioritária e indispensável.

No Estatuto da Criança e do Adolescente, tal princípio é considerado como basilar, posto que em todas as situações envolvendo menores, deverá prevalecer aquilo que melhor satisfazer a necessidades e o bem-estar dos mesmos.

Um dos desdobramentos desse princípio está no fato de oportunizar às crianças e adolescentes o convívio familiar, como já mencionado, por todos os motivos inerentes a importância dessa situação. E por conta disso, vem preconizado no artigo 19 do ECA, como direito dos infantes, serem criados e educados no seio de sua família, e abre margem para a colocação dos menores em famílias substitutas caso não seja possível o convívio com a biológica.

Aqui, o que sempre será levado em consideração será o que melhor beneficiará a criança ou o adolescente, proporcionado a eles condições dignas de crescimento e desenvolvimento, e é inquestionável que fazer parte de um ambiente familiar amparado por todo carinho, afeto e proteção é de suma importância para a concretização disso.

É oportunizado a eles o convívio e a identificação dos referenciais maternos e paternos, algo tão importante e necessário para o crescimento de qualquer indivíduo, conhecendo valores como o respeito e obediência, sem falar em todo o suporte na fase da adolescência e de transição para vida adulto, rompendo o estigma do abandono na vida deles.

Quando uma criança adentra em uma família adotiva ela começa a fazer parte de um ambiente familiar, passa a conviver diariamente com as pessoas já existentes nela, e quanto maior o período de convivência, maior será a ligação entre eles, por óbvio, e imaginar uma situação em que mesmo despois de proporcionado isso a ela, a mesma seja abruptamente retirada desse ambiente em que faz farte, não assegura a efetivação desse princípio.

É fato que o princípio da prevalência natural vem explicitamente trazido pelo Estatuto em questão, colocando a criança para adoção como último meio de inseri-la num seio familiar, o que não é incorreto, mas é válido ressaltar que a depender do caso concreto esse a aplicação desse princípio não necessariamente será a melhor solução na vida desse menor.

Quando uma criança é adotada, se seguido à risca os ditames legais, os familiares biológicos já foram buscados de todas as maneiras possíveis, com isso oportunizar que essa criança retorne ao ambiente familiar biológico de maneira abrupta e inesperada não se configura a melhor das opções.

Portanto, é necessária uma relativização da aplicação desse princípio nas situações de tentativa de mães ou pais biológicos de reaverem seus filhos já inseridos em processo de adoção, levando em consideração o convívio familiar e a referência de família que os mesmos possuem, que são os que foram desenvolvidos com suas novas famílias, assegurando assim o melhor atende aos seus interesses.

 

CONCLUSÃO

Como visto pelo exposto, no momento em que uma criança é colocada em convívio direto com uma família, os vínculos criados dessa relação irão perpetuar por todo o seu desenvolvimento humano. Não se pode deixar de lado, em momento algum, o melhor interesse desse menor, afinal o maior afetado por qualquer decisão que mude radicalmente sua vida é ele mesmo.

É necessário acima de tudo o cumprimento da legislação vigente, assegurando de maneira prioritária todos os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, levando em consideração que qualquer ruptura dos laços afetivos e familiares criados ao longo de seu crescimento afetarão diretamente todo o seu desenvolvimento.

Portanto, assegurar que a efetividade do processo de destituição do poder familiar de pais biológicos que negligenciaram os cuidados com seus filhos, ou que não possuam nenhuma condição básica de criá-los, consiste no melhor caminho para que não ocorra nenhum arrependimento futuro, bem como a certificação que o ato de adoção não será violado, em favor da própria segurança jurídica de todo o processo, que como já dito, é bastante custoso e burocrático, são maneiras de proteger os menores de consequências futuras talvez irreparáveis.

 

REFERÊNCIAS

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Disponível em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/10/familias-adotiva-e-biologica-disputam-guarda-de-crianca-na-justica-em-mg.html> Acesso em: 25. Out. 2019.

 

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ROSSATO, Luciano Alves, LÉPORE, Paulo Eduardo, SANCHES, Rogério Cunha. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo : Lei 8.069/1990. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

 

[1] Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA., [email protected].

[2] Orientadora, Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho, Mestra em Letras Português pela Universidade Federal do Piauí, [email protected].

 

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