Resumo: O presente trabalho tem por finalidade a análise da judicialização e do ativismo judicial nas hipóteses de omissão legislativa, tendo em vista a crescente intervenção judicial na vida brasileira. Em princípio aborda-se a questão da criação jurisprudencial em face do princípio da separação dos Poderes. Logo após, investiga-se quais são as limitações ao protagonismo judicial, buscando, ao final verificar a questão da legitimidade do judiciário, em face da separação dos poderes
Palavras-chave: Separação de Poderes. Judicialização. Ativismo judicial. Legitimidade.
1.INTRODUÇÃO
Com o advento da constitucionalização do Direito, todos os seus ramos, devem estar em consonância com os ditames constitucionais, observando seus princípios e mandamentos na elaboração, na interpretação e na aplicação da lei.
No presente trabalho, o cerne da questão é averiguar a legitimação e do ativismo judicial em decorrência da omissão legislativa.
Para tal, é utilizada a metodologia de revisão bibliográfica, tendo como fonte livros, artigos científicos, jurisprudência e legislação vigente, buscando formular problemas e construir hipóteses, sendo a intenção do trabalho provocar o questionamento e a reflexão sobre o tema.
Por tratar-se de uma pesquisa bibliográfica a principal fonte, o instrumento de coleta de dados é a compilação de informações retiradas da bibliografia analisada, objetivando a otimização do estudo realizado.
O método utilizado para a análise dos dados é o indutivo, ou seja, parte-se de princípios particulares que regem a matéria, para se chegar à análise do tema proposto.
Dessa forma, torna-se possível a observação dos fatos e/ou fenômenos cujos efeitos se deseja avaliar.
Como princípio fundante da ordem constitucional, temos a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, todas as relações jurídicas em que as pessoas estão envolvidas, sejam elas públicas ou privadas, devem pautar-se na dignidade da pessoa humana, mas muitas vezes o Legislativo, a quem cumpre o dever de regular essas relações, deixa de agir, havendo a intervenção judicial a fim de assegurar determinado direito, com vistas a garantir a dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, temos , também, como princípio fundante da ordem jurídica, a Separação dos Poderes.
Desse modo, busca-se fazer uma breve análise acerca do referido princípio – Separação dos Poderes – e sobre a judicialização do Direito; para, a seguir, analisar quais são as limitações impostas ao ativismo judicial no nosso ordenamento jurídico, verificando, por fim, até que ponto pode-se permitir o protagonismo judicial.
2 DESENVOLVIMENTO
Para a análise do questionamento, faz-se uma breve análise da separação dos poderes e da criação jurisprudencial, bem como dos remédios constitucionais aplicáveis em casos de omissão legislativa, bem como das limitações do protagonismo judicial.
2.1. A QUESTÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E A CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL
O artigo 2º, da Carta Magna, traz como cláusula pétrea o Princípio da Separação dos Poderes, estabelecendo a tripartição em Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como que os mesmos devem ser independentes e harmônicos entre si.
Michel Temer (2008, p. 120) entende que se equivocam os que utilizam a expressão “tripartição dos poderes”, já que o poder é uno e atributo do Estado, como forma de emanação da soberania.
Assim, devemos entender que o “Poder Estatal é um só, materializado na Constituição, de onde se extrai que a separação das funções deve funcionar como forma de viabilizar a máxima efetividade das normas constitucionais”( FREIRE JR., 2009)
Cada um desses Poderes – Legislativo, Executivo, Judiciário – exercem funções típicas, precípuas – legislar, executar, julgar, mas, também, funções secundárias.
Atualmente, diante da inércia dos demais Poderes, o Judiciário acaba tendo maior atuação, suprindo as lacunas existentes, mediante mecanismos previstos na Carta Política, tais como o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão, para permitir a efetivação dos direitos fundamentais, garantindo-se, assim, a supremacia da Constituição.
2.2. DOS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
Para melhor elucidar a questão, uma breve análise dos institutos constitucionais.
O mandado de injunção foi criado, pelo constituinte de 1988, com o intuito de dar maior efetividade à normas constitucionais, já que muitas vezes há uma inércia do legislador infraconstitucional em regulamentar os direitos decorrentes dessas normas.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão configura-se como uma modalidade de controle abstrato de constitucionalidade, sendo um processo objetivo de guarda do ordenamento constitucional, afetado pela alegada lacuna normativa ou pela existência de um ato normativo reputado insatisfatório ou insuficiente. Não se destina, portanto, à solução de controvérsia entre partes em litígio, operando seus efeitos tão-somente no plano normativo(BARROSO, 2006, p. 220).
O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso (1989), esclarece a diferença entre os dois institutos, esclarecendo que na ação de inconstitucionalidade por omissão, de competência exclusiva do STF, a matéria é versada apenas em abstrato, enquanto que no mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito que a Constituição concede é ineficaz ou inviável em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou tribunal, por força do próprio mandado de injunção, a integração do direito à ordem jurídica, assim tornando-o eficaz e exercitável, o que não ocorre na ação de inconstitucionalidade por omissão, que gera , declarada a inconstitucionalidade, a ciência ao Poder competente para que adote as medidas necessárias.
Apesar da distinção entre os institutos, durante muito tempo o mandado de injunção foi aplicado de forma inadequada, sendo-lhe dado os mesmos efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão.
Apenas em outubro de 2007, o STF superou as restrições da plena operacionalização do mandado de injunção, resgatando sua função original, qual seja sanar a omissão constitucional no caso concreto, entendendo que a separação dos poderes deve ser mitigada sempre que uma interpretação rígida desse princípio implicar na frustração dos princípios, regras e direitos estabelecidos pela Constituição.
Como se vê, o Judiciário quase sempre pode intervir, mas deve observar sua própria capacidade institucional.
Assim, cumpre, nesse momento, estabelecer a distinção entre judicialização e ativismo judicial.
De acordo com Luís Roberto Barroso (2009), o processo de judicialização implica as decisões tomadas por órgãos do Poder Judiciário, buscando solucionar questões de larga repercussão política ou social e não pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo, as instâncias políticas tradicionais, entendendo que no cenário brasileiro, a judicialização é um fato, uma circunstância decorrente do modelo constitucional adotado e não um mero exercício deliberado de vontade política, enquanto o ativismo judicial consiste na escolha de um modo específico e proativo de interpretação da Constituição, expandindo seu sentido e seu alcance.
Ainda de acordo com o ilustre professor Barroso, pode-se citar três causas para a judicialização no Direito pátrio.
A primeira seria o processo de redemocratização do país, culminando com a promulgação da atual Constituição. Esse processo fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, transformando-o em verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, mesmo em confronto com os demais poderes. Além disso, houve uma maior conscientização popular em relação aos seus direitos e, consequentemente, uma maior demanda perante juízes e tribunais em busca da proteção de seus interesses.
Outra causa seria a constitucionalização abrangente, trazendo para a Constituição inúmeras matérias que anteriormente eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária, que, hoje, o poder constituinte derivado quer suprimir – PEC 341/09.
Como última causa, temos o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.
O ativismo judicial, por seu turno, se manifesta através de condutas como a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto; imposição de condutas ou abstenções ao Poder Público, entre outras formas.
Essa distinção entre judicialização e ativismo judicial se faz importante para se averiguar se há legitimidade para esse tipo de atuação do Poder Judiciário , bem com se há riscos e consequências para a legitimidade democrática.
2.3. LIMITAÇÕES AOS PROTAGONISMO JUDICIAL
Em nosso ordenamento jurídico a regra é a discricionariedade do legislador em criar ou não uma lei. Contudo, quando se impõe ao órgão legisferante o dever de editar uma norma reguladora da atuação de preceito constitucional , e este não o faz, sua abstenção é ilegítima, devendo o judiciário, ao ser provocado, atuar em conformidade com a lei e na medida do que foi levado a sua apreciação.
Nessa linha de pensamento, Lênio Streck[1] aponta que a partir da nova ordem jurídica inaugurada pela Carta da República de 1988 “as inércias do executivo e falta de atuação do legislativo passam a poder ser supridas pelo judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito. Ou isto, ou tais mecanismos legais/constitucionais podem ser expungidos do texto magno.”
Cappelletti(1993), por sua vez, entende que apesar da ativação judicial ser desejada pela própria Constituição, essa ativação traz consigo três riscos: o primeiro consiste na dificuldade de se avaliar a discricionariedade administrativa e legislativa, quando isso depender de conhecimentos especializados ou de técnicas sofisticadas; o segundo óbice seria o da falta de efetividade do controle jurisdicional, principalmente em relação às decisões que impliquem em atividade continuada da Administração, e até na edição de diplomas legislativos; por fim, a legitimação democrática dos membros do Judiciário, pois estes são levados ao cargo que ocupam mediante concurso, carreira e nomeação, indagando qual o fundamento com que se dispõem a controlar os outros poderes, compostos de eleitos pelo povo.
Desse modo, recomenda uma autocontenção aos juízes, entendendo que os mesmos devem se submeter às opções exercidas pelos demais poderes, quando não ofendam a Constituição e as leis.
Barroso [2], por seu turno, no que diz respeito aos riscos à legitimidade democrática, entende que a razão dos membros do Judiciário não serem eleitos, são atenuados na medida em que juízes e tribunais se prendam à aplicação da Lei da Maior e das demais leis, atuando não por vontade própria, mas em representação indireta da vontade popular.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atual conjuntura jurídica brasileira, a judicialização e o ativismo judicial são traços marcantes. A judicialização é decorrente do modelo constitucional analítico e dos sistemas de controle de constitucionalidade existentes. Por seu lado, o ativismo decorre do modo de interpretar a Constituição, com uma postura proativa e expansiva , potencializando o sentido de alcance da norma além do estatuído pelo legislador ordinário.
Entendemos que o legislador não é o único responsável por viabilizar a Constituição, pois o judiciário tem a missão, estabelecida pela própria Carta Política, de impedir ações ou omissões contrárias ao texto constitucional. Assim, para o cumprimento desta missão, necessário se faz vislumbrar o princípio da separação de poderes/funções não como um fim em si mesmo, mas como um meio para a efetivação da Constituição, devendo o judiciário atuar na preservação da supremacia da Constituição.
Assim, sendo o Judiciário o guardião da Constituição deve agir como protagonista , atuando em prol da preservação dos direitos fundamentais e dos valores e princípios estatuídos pela Constituição, quando houver inércia e omissão dos demais poderes constituídos. Entretanto, deve existir uma limitação, pois deve o Poder Judiciário acatar as escolhas legítimas feitas pelo Legislativo, respeitando-se o princípio da Separação dos Poderes.
Sintetizando, com as palavras de Luís Roberto Barroso[3], o ativismo judicial “é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura.”
Por fim, diante da omissão legislativa, o protagonismo judicial é legítimo e não ofende ao princípio da Separação dos Poderes, posto que a atuação desse Poder é decorrente da própria Constituição; porém, a atividade do Judiciário deve ocorrer eventualmente e de forma controlada, dentro dos parâmetros estabelecidos no próprio texto constitucional.
Informações Sobre o Autor
Izimar Dalboni Cunha
Advogada e professora da Universidade Estácio de Sá, campus Nova Friburgo. Graduada em Letras e Direito. Especialista em Língua Portuguesa. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal e Pós-graduanda em Direito Constitucional