Resumo: O presente artigo jurídico tem por escopo apresentar o sistema televisivo brasileiro sob o aspecto constitucional e legal, inolvidando a sua realidade fática hodierna. Tal sistema é revelado e definido como serviço público de radiodifusão de sons e imagens, decorrendo, daí, um fluxo de normas (princípios e regras) que objetivam delinear o espaço pelo qual os executores do serviço possam exercer legitimamente a atividade televisiva brasileira. A observação do conteúdo das programações veiculadas pelas emissoras de TV à luz do modelo do serviço esboçado pela Constituição Federal de 1988 revela uma inadequação do serviço prestado pelos concessionários, permitindo, assim, a visualização de problemas relacionados à execução do serviço público prestado. Para além dos problemas revelados, conjecturou-se hipóteses jurídicas como forma de se solucionar as principais mazelas desveladas. Destarte, a importância social desse meio de comunicação mais disseminado no País torna substancialmente relevante uma reflexão sobre a sua capacidade de influência e propagação de informações.
Palavras chave: Serviço público. Televisão. Inconstitucionalidade. Fiscalização.
Abstract: The purpose of this article is to present the Brazilian television system under the constitutional and legal aspect, in order to present its current factual reality. Such a system is revealed and defined as a public service of broadcasting of sounds and images, resulting in a flow of rules (principles and rules) that aim to delineate the space through which the executors of the service can exercise legitimately the Brazilian television activity. The observation of the content of the programs broadcast by the TV stations in the light of the service model outlined in the Federal Constitution of 1988 reveals an inadequacy of the service provided by the concessionaires, thus allowing the visualization of problems related to the execution of the public service rendered. In addition to the problems revealed, were conjectured juridical hypotheses as a way to solve the main problems unveiled. Thus, the social importance of means of communication in Brazil makes a reflection about its capacity to influence and propagate information substantially relevant.
Keywords: Public service. TV. Unconstitutionality. Oversight.
Sumário: Introdução. 1. Contextualização histórica da regulamentação da radiodifusão no Brasil. 1.1. O Código Brasileiro de Telecomunicações. 2. A Constituição Federal de 1988 e sua política no setor. 3. Da inadequação substancial do serviço prestado. 3.1. Da (má) influência exercida através da Televisão. 4. Da imprescindibilidade de um controle televisivo eficaz. 4.1 Controle X Censura. 5. Da ineficácia da atual fiscalização e controle da Administração Pública. 5.1 Das hipóteses sugestivas para atenuação dos problemas farejados. Conclusão. Referências. Anexos
INTRODUÇÃO
A televisão, seguramente, é um dos principais meios de divulgação e disseminação de informações da nossa era. Percebe-se, então, de antemão e sem muitas dificuldades, a avultada relevância que esse sistema eletrônico possui para a sociedade que a utiliza. A importância dessa atividade de veiculação é tão excrescente que se constitui como o principal fundamento de sua natureza pública.
Tratando-se de um autêntico serviço público, a titularidade da execução do serviço de radiodifusão de sons e imagens (televisão) é atribuída à União, consoante expressa a alínea “a” contida no Inc. XII do art. 21 da Constituição Federal. Porém, o mesmo dispositivo valida a delegação do serviço a particulares pelo ente federativo, planeando justamente neste cerne o ponto nodal do presente tema.
Com efeito, a atividade prestada pelos concessionários deve receber o fluxo das normas de direito público, cabendo ao Estado regulamentar e controlar o serviço para adequá-lo às diretrizes constitucionais e legais presentes no ordenamento jurídico. Entretanto, percebe-se que este controle administrativo não é efetuado a contento e isto por mais de uma razão. A uma porque a televisão é um grande instrumento de concretização da democracia em função da possibilidade material que oferece à liberdade de expressão, a qual, por ser um direito fundamental, reclama muita cautela no momento de uma eventual compressão. E a duas porque a mídia televisiva tem uma forte relação com a política em função do robusto impacto social que exerce.
Destarte, o presente trabalho se propõe a investigar os principais problemas visualizados na execução do serviço e demonstrar a extensão de eventuais lesões morais e intelectuais que os usuários do serviço estão vulneráveis. Em outras palavras: Por que as determinações constitucionais não são adimplidas? Por que o principal diploma legal sobre a matéria mostra-se defasado? A falta de controle do conteúdo veiculado nas programações de TV ocasiona efeitos danosos à sociedade telespectadora? Em que proporção?
Mas não é só. Percebendo que a análise crítica do instituto com o consequente delineamento dos problemas é insuficiente para uma contribuição progressiva ao setor, a pesquisa pretende, ainda, conjecturar hipóteses como forma de levar ao leitor uma solução jurídica conveniente para a adequação do serviço à Lei.
Assim, para um melhor aprofundamento do tema e dos problemas relacionados, foram identificadas as razões que justificam a relevância do serviço público televisivo; destacado os bens jurídicos que são expressos em sua atividade, bem como aqueles que são violentados; demonstrado a necessidade de regulamentação e controle da atividade realizada pelos concessionários à luz dos problemas identificados; analisado a figura sui generis do contrato de concessão do serviço; conjecturado soluções aos problemas demonstrados e verificado, à luz do campo teórico existente, a plausibilidade das hipóteses propostas para a solução dos problemas revelados.
Para tal mister, além da utilização da pesquisa bibliográfica e da consulta as principais determinações legais emanadas do ordenamento jurídico pátrio, foram coletadas informações atinentes às ações processuais ajuizadas no judiciário brasileiro, como parte empírica de analisar a efetividade do controle jurisdicional tupiniquim no serviço público, além de pesquisas que demonstram o grau de influência que a TV exerce na sociedade.
Com o intuito de situar o leitor na contextualização histórica da regulamentação da radiodifusão no Brasil, o primeiro capítulo apresenta as principais fontes legais do serviço, desde o início do controle estatal até o advento daquele que viria a ser o primeiro diploma legal específico sobre a matéria, a saber, o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT. Nos capítulos seguintes a pesquisa é desenvolvida de forma a vivificar substancialmente a metodologia descrita.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA REGULAMENTAÇÃO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL
A primeira regulamentação da radiodifusão no Brasil ocorreu na década de 1930, quando, no Governo Vargas, adveio o Decreto n.º 20.047/31, posteriormente regulamentado pelo Decreto n.º 21.111/32. A partir de tal diploma, as transmissões radiofônicas (a TV ainda não havia surgido) passaram a ser disciplinadas por tal norma, a qual estabeleceu uma finalidade educacional ao serviço, atribuiu o monopólio de exploração do serviço à União e permitiu a delegação da atividade pública a entes particulares, senão vejamos: “Art. 12. O serviço de radiodifusão é considerado de interesse nacional e de finalidade educacional.§1º O Governo da União promoverá a unificação dos serviços de radiodifusão, no sentido de constituir uma rede nacional que atenda aos objetivos de tais serviços. §2º As estações da rede nacional de radiodifusão poderão ser instaladas e trafegadas, mediante concessão, por sociedades civis ou empresas brasileiras idôneas, ou pela própria União, obedecendo a todas as exigências educacionais e técnicas que forem estabelecidas pelo Governo Federal.” (grifo nosso)
Esse sistema legal, constituído por tais Decretos, foi mantido pela Constituição de 1934, a qual reproduziu a regra de competência privativa da União para a exploração do serviço, estabelecendo, ainda, restrições à propriedade das empresas “jornalísticas, políticas ou noticiosas”: “Art 5º – Compete privativamente à União:(…)VIII – explorar ou dar em concessão os serviços telégrafos, radiocomunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado. Art 131 – É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acionistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas.”[1]
Na constituição de 1937, os dispositivos insculpidas nos decretos foram mantidos, dada a força política e a atração econômica desse veículo de comunicação no meio social, com o destaque de que, pela primeira vez, o termo radiodifusão foi empregado no texto constitucional.
Na Carta Magna de 1946 tais dispositivos foram igualmente mantidos e, o Texto de 1967, assim como os antecedentes, repete a regra da competência privada da União para exploração e regulamentação dos serviços de telecomunicações, prevendo, porém, a necessidade de assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional para a concessão e instalação de meios de comunicação em áreas indispensáveis à segurança nacional[2].
Deste modo, o sistema constituído pelos Decretos n.ºs 20.047/31 e 21.111/32, vigeu até o advento do Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei n.º 4.117/1962, o qual passou a ser a principal fonte legal específica de regulamentação do serviço de radiodifusão, revogando os diplomas anteriores.
1.1. O CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES (CBT)
Com a popularização do rádio brasileiro em 1940, o despontar da televisão em 1950[3], os avanços tecnológicos ocorridos na época e uma forte pressão proveniente dos empresários da radiodifusão em função da insegurança jurídica que argumentavam estarem submetidos[4] – consubstanciada no sistema de censura prévia e de um suposto controle abusivo governamental em suas programações -, tornou-se imperioso uma novel legislação que se adequasse à nova realidade tecnológica vigente, razão pela qual tais fatos impulsionaram a instituição do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) – Lei n.º 4.117/1962.
Mantendo a titularidade do serviço à União, o CBT permitiu a delegação da execução da atividade pública a entes particulares: “Art. 32. Os serviços de radiodifusão, nos quais se compreendem os de televisão, serão executados diretamente pela União ou através de concessão, autorização ou permissão. Art. 33. Os serviços de telecomunicações, não executados diretamente pela União, poderão ser explorados por concessão, autorização ou permissão, observadas as disposições da presente lei. §3º Os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez) anos para o serviço de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o de televisão, podendo ser renovados por períodos sucessivos e iguais se os concessionários houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais, mantido a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público (art. 29, X)”.
Quanto à finalidade do serviço, dispôs: Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas: (…) d) os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das emprêsas de radiodifusão estão subordinadas às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País; (…).
Inobstante o artigo 38, alínea d determinar que toda programação das emissoras de radiodifusão deve estar subordinada às finalidades educativas e culturais, visando os superiores interesses do País, Gaspar Viana denuncia a omissão do CBT no que toca a questões importantes para o progresso do setor, tal qual o próprio estabelecimento de normas fundamentais sobre a programação das emissoras e suas finalidades[5].
Deveras, a inserção de apenas um isolado preceito normativo relativo à submissão do conteúdo veiculado no sistema radiodifusor à finalidade educacional e cultural não foi suficiente ao sucesso do próprio dispositivo legal, o qual se tornou estéril e obsoleto, dentre outras razões, em virtude de sua parte final que atrelava a finalidade do serviço aos superiores interesses do País, silenciando sobre a própria definição do que vem a ser um “superior interesse do país”, motivo pelo qual o alcance de discricionariedade do aplicador/integrador da norma tornou-se tão elevado que acabou por embaraçar qualquer tentativa séria de dar efetividade ao mandamento legal.
Tampouco o Decreto n.º 52.795/63, que aprovou o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, específico para os veículos de radiodifusão sonora e de sons e imagens, estabelecendo a finalidade do serviço[6], teve aptidão para levar aos usuários do serviço uma fonte de libertação através da educação e cultura. Isso porque apenas cinco meses após o lançamento do Decreto ocorreu o Golpe de Estado de 1964 que levou o país a um período ditatorial, deslocando a finalidade do serviço público aos interesses militares de dominação.
Destarte, incomplexo perceber que essa legislação solitária, a qual continua sendo o regulamento básico sobre a radiodifusão por razões que serão delineadas oportunamente, é inócua à germinação de uma programação eminentemente sadia, o que ocasiona, fatalmente, a imprescindibilidade de uma candente diretriz político-jurídica que afinque ao serviço um arquétipo substancial de finalidades bem tracejadas. Nossa atual Carta Magna o fez.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SUA POLÍTICA NO SETOR
Abandonando o regime de ditadura militar que intervinha rijamente no setor, principalmente através da censura e de alianças políticas com as emissoras televisivas[7], a Constituição Federal de 1988, agora democrática e liberal, inicia o capítulo que trata da comunicação social garantindo a plena liberdade de comunicação: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” (grifo nosso)
Com a ressalva de que qualquer veículo de comunicação somente poderá curvar-se à contenção Política Estatal na exclusiva hipótese de disposições constitucionais atinentes, fez bem o Órgão Constituinte ao elaborar um conjunto de princípios e preceitos relativos ao conteúdo veiculado nas programações de televisão, consoante algumas prescrições dos artigos 220 e 221, senão vejamos: “Art. 220. (…) §3º Compete à lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (…) Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”.
Com efeito, as prescrições citadas delineiam substancialmente a finalidade precípua do serviço, impõem limites valorativos ao conteúdo veiculado nas programações televisivas e asseguram aos usuários do serviço a disposição de meios legais específicos de combate às eventuais mazelas alastradas pelos executores da atividade pública.
Impondo-se o princípio da máxima efetividade constitucional que orienta o exegeta a desempenhar uma interpretação que privilegie a máxima efetividade das normas constitucionais – por não existirem aquelas que sejam meramente aconselhatórias -, percebe-se que os princípios insculpidos no artigo 221 (exceto o Inc. III) têm densidade suficiente para serem aplicados no serviço público desde seu nascimento, malgrado o inciso IV determinar o respeito à valores éticos e sociais, omitindo a delimitação de seu conteúdo.
Isso porque tais valores são todos aqueles que gravitam em torno da própria Constituição e que fundamentam a sua própria razão de existência. Nesse diapasão, Fontes Junior entende que tais valores estão presentes na própria Carta Magna, onde destaca os amplos princípios e objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, a saber, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação[8].
Portanto, observa-se que a Maior Lei Brasileira determina expressamente que o serviço público de radiodifusão de sons e imagens seja um veículo que transmita, em seu maior tempo diário[9], educação, cultura (nacional e regional), informação e arte, sempre resguardando os valores éticos e sociais da sociedade.
Destarte, uma vez que a grande maioria dos executores do serviço são entes particulares concessionários do Poder Público concedente, torna-se premente um rigor fiscalizatório, por parte do Estado, no que toca à observação do conteúdo veiculado nas programações de televisão à luz das imposições constitucionais no setor, porquanto é dever da Administração Pública adequar o serviço público ao modelo esboçado e anunciado pela Lei, em caso de violação dos executores do serviço aos próprios ditames legais[10].
Visto o modelo do serviço de radiodifusão de sons e imagens delineado pela Carta Magna, resta saber não apenas se os executores da atividade pública desempenham o serviço substancialmente de maneira legal, mas, outrossim, se a Administração Pública realiza seu dever de salvaguarda para a hipótese de inadequação substancial do serviço prestado pelos particulares.
3. DA INADEQUAÇÃO SUBSTANCIAL DO SERVIÇO PRESTADO
Dada a evidência de que a maioria dos executores da radiodifusão brasileira são entidades particulares – concessionários –, torna-se premente investigar a razão pela qual esses entes privados têm a intenção de executar o serviço público televisivo, com vistas a desvelar a práxis que configura a atividade pública desempenhada por delegação.
Ora, é amplamente sabido que as empresas privadas objetivam lucro na execução de suas atividades e, ipso facto, com os delegatários da radiodifusão não é diferente. Com o objetivo de obter o maior proveito pecuniário possível, as emissoras concessionárias executam a atividade televisiva de forma a proporcionar o seu primordial interesse capitalista. Nesse diapasão, alerta Fontes Júnior: “(…) destinando-se prioritariamente ao lucro proporcionado pela publicidade, a televisão privada vende uma audiência aos patrocinadores, sendo tanto mais eficiente a atividade quanto maior for a assistência do canal. Delineia-se assim a face cruel deste modelo, posto que produz uma programação destinada em razão direta da capacidade de consumo das diversas faixas de audiência, o que conduz à crescente exclusão das camadas sociais mais pobres da população, coincidentes com os grupos tradicionalmente excluídos e discriminados por critérios raciais, étnicos ou pelo simples fato de serem pobres.”[11]
Adverte-se que não se olvida a perfeita possibilidade de congruência do Poder Público firmar um contrato de concessão com um ente privado – o qual sempre objetiva lucro – para a execução de um serviço público, haja vista que os interesses podem e devem ocorrer de modo que cada qual tenha sucesso em relação às suas conveniências manifestadas no pacto contratual.
O que figura-se inadmissível é a hipótese de uma atividade pública que deve ser executada com finalidade pública e social ser desvirtuada vultuosamente aos interesses do particular que a exerce, ocasionando, assim, uma ignominiosa lesão as normas jurídicas que afincam o modo pelo qual a atividade pública deve ser exercida.
Esse é o cenário que não escapa à realidade televisiva brasileira, de sorte que, objetivando angariar a maior audiência possível, as emissoras tupiniquins veiculam todo tipo de matéria (objeto da programação) que traga consigo o condão de acorrentar a atenção dos telespectadores, os quais antes de exercer uma crítica sobre o conteúdo da programação e assim poder filtrar as moléstias alguergadas no objeto veiculado – mudando de canal ou desligando o televisor v.g. –, a assistem calorosamente com o intuito de ver o final do enredo orquestrado por alguém que, em contraste com o dever constitucional de selecionar os conteúdos transmitidos, visa tão somente intensificar a sua capacidade lucrativa. Eis a pertinência da denúncia de FONTES JÚNIOR (2001, pág. 117): “Assiste-se também na televisão privada à crescente degradação da programação, conduzida pela ditadura dos índices de audiência, atualmente acompanhados diretamente pelos apresentadores dos talk shows, que controlam as atrações em razão dos resultados captados em tempo real por sofisticados instrumentos de medição de assistência.[12] (grifo nosso)”
Como visto, o interesse dos executores do serviço público resume-se, primordialmente ao angariamento de lucro proporcionado pela publicidade que, em última análise, financia a programação veiculada. Nessa esteira: “Como um dos mais influentes meios de comunicação social, a televisão deveria receber efetivamente um tratamento privilegiado, de sorte a se evitar que interesses privados tenham tanta influência sobre a definição da programação veiculada, resguardando, assim, os princípios consagrados no art. 221 da CF/88, válidos para a programação televisiva. Isso porque a disputa pela audiência a qualquer preço não pode representar elemento primordial da definição dos objetivos da televisão brasileira, sob pena de degradação do seu conteúdo, algo claramente observável na programação atual dos canais abertos.”[13] (grifo nosso)
Destarte, o produto dessa conjuntura só poderia resultar em uma programação degradada que, além de intentar agrilhoar a mente dos telespectadores através de uma variedade de técnicas persuasivas (v.g., mensagem subliminar), induz e compele ao consumo de produtos e serviços desnecessários – os quais muitas vezes são prejudiciais à saúde –, traduzindo a ideia de que sem os quais o homem não poderia se realizar, razão pela qual seria ultrapassado e rejeitado por aqueles que “adquiriram o tênis com a mais nova tecnologia”[14].
Daí a perceber a íntima relação existente entre o serviço e a publicidade, denotando, assim, o caráter comercial da televisão, como bem assevera RODRIGUES JÚNIOR (2009, pág. 18): “(…) os interesses e a busca desenfreada pelo lucro dificultam (ou até mesmo impedem) que os meios de comunicação social desfrutem de sua liberdade de expressão para informar a opinião pública e disseminar ideias e opiniões de verdadeiro interesse público.”[15]
Mas não é somente a estrutura comercial da televisão que ocasiona o envilecimento da programação veiculada, exercendo a política[16], outrossim, um árdego impacto contraproducente sobre o conteúdo das programações televisivas.
Com efeito, a Política Estatal originária atinente ao setor televisivo traçada pela Constituição da República de 1988 enquadrava os serviços públicos de radiodifusão como espécie do gênero serviços de telecomunicações, razão pela qual as regras gerais concernentes a este último seriam aplicadas àquele.
Ocorre que com a reforma administrativa efetuada pelo Estado através da Emenda Constitucional n.º 8/95, rompeu-se com a classificação, recorrente desde os primórdios, dos serviços de rádio e televisão como espécie do gênero telecomunicações. Tal inovação jurídica é assim descrita por CÉSAR RAMOS (2000, pág. 169): “[…] rádio e televisão eram, como não poderiam deixar de ser, serviços de telecomunicações. Isto até que, mais de seis décadas depois, o legislador decidisse inovar, ao reformar, em 15 de agosto de 1995, a Constituição Federal no tocante aos serviços de telecomunicações. Por um estranho desígnio político legislativo, até agora escassamente conhecido, por isto pouquíssimo debatido no Brasil, a radiodifusão deixou de ser serviço de telecomunicações para se transformar em um serviço por si só singular, criando uma situação técnico-jurídica inédita no mundo de repercussões ainda por verificar.”[17]
Para explicar tal incidente inovador, o autor supracitado sustenta a tese segundo a qual durante o período de quase seis meses que se passou entre a apresentação da PEC e sua aprovação no Congresso Nacional, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), mediante intenso lobby junto aos congressistas, teria optado por apartar a radiodifusão da classificação de serviços de telecomunicações para esquivar-se do âmbito de controle do novo órgão regulador do setor: “Os órgãos reguladores sempre foram um elemento decisivo nas pautas políticas da ABERT. Desde que o regime militar pôs fim ao CONTEL, centralizando no Ministério das Comunicações todo o poder de política para o setor, esta situação jamais deixou de servir aos interesses do lobby da radiodifusão. Acesso e informação privilegiados, intransparência, capacidade de impor nomes de dirigentes estatais – de ministros a chefes de departamentos e serviços. Tudo isso beneficiava a indústria da radiodifusão e não foi por outra razão que, durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, a Comunicação Social tornou-se o capítulo mais polêmico. Mais polêmico até do que a reforma agrária. E, entre os pontos de maior polarização, estava a proposta, encaminhada pela Federação Nacional dos Jornalistas, de instituição de um Conselho Nacional de Comunicação, com poder de elaborar políticas e regular, de forma colegiada, todo o setor, inclusive, e, principalmente, a radiodifusão. […] Assim, dada essa história, antiga e recente, de rejeição a órgãos reguladores, por que iria agora a ABERT submeter-se a um deles? […] para assegurar a continuidade de sua maior autonomia possível diante dos poderes estatais e dos controles da sociedade, a indústria da radiodifusão optou pela inovação técnico-jurídica de situar-se como serviço singular, constitucionalmente estabelecido, e não como serviço de telecomunicações, tal qual ocorre nos demais países do mundo.”[18]
Deveras, a alteração constitucional operada pela Emenda n.º 8/95 determinou a criação de um Órgão regulador para os serviços de telecomunicações, razão pela qual foi elaborada a Lei n.º 9.472/97 – Lei Geral de Telecomunicações (LGT) –, a qual criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – como entidade integrante da Administração Pública Federal Indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a primordial função de fiscalizar, controlar, regular e adequar os serviços de telecomunicações às determinações legais.
Porém, como visto, a mesma alteração constitucional excluiu os serviços de radiodifusão como gênero dos serviços de telecomunicações, fato que promoveu a insubmissão dos concessionários executores do serviço televisivo à Lei criadora da ANATEL, motivo por que o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT – (Lei n.º 4.117/1962) continua sendo o principal diploma normativo do setor. É exatamente o que se depreende do art. 215 das “Disposições Finais Transitórias” da Lei Geral de Telecomunicações: “Art. 215. Ficam revogados: I – a Lei nº 4.117 de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão.” (grifo nosso)
Tal acontecido supracitado revela-se como um dos exemplos reais de interferência política no ramo da comunicação social e constitui objeto de crítica por um dos maiores administrativistas brasileiros, qual seja, BANDEIRA DE MELLO (2001, páginas 484-485): “Pior, entretanto, é a situação em relação a alguns serviços de telecomunicações: os de radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e televisão), que, a teor do art. 221 da mesma lei 9.472 (Lei da ANATEL), terão sua outorga excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no âmbito de competência do Executivo. Como se sabe, a distribuição de canais de televisão e de rádio, tradicionalmente é feita ao sabor do Executivo, para atender a interesses pessoais ou políticos de pessoas ou grupos, sem quaisquer critérios objetivos que permitam controlar-lhes a juridicidade.”[19] (grifo nosso)
Ao observar a forte penetração da política no serviço televisivo, é natural inquirir sobre os principais objetivos dos agentes políticos ao realizarem políticas de boa vizinhança que têm por objeto alguma espécie de regramento ao serviço de radiodifusão de sons e imagens executado pelas emissoras de TV.
Nesse diapasão, pode-se conjecturar que o interesse político de agentes estadistas na televisão irradia-se em várias vertentes, dentre as quais destaca-se o forte impacto social que a televisão exerce com capacidade de formar a “opinião pública” tão necessária a criação de uma imagem de valor às instituições e agentes políticos, como bem assevera BONAVIDES (2001, páginas 462-463): “Na sociedade de massas, de índole coletivista, a opinião parece ´racionalizada´ em suas fontes formadoras, mediante o emprego da técnica, com todos os recursos científicos de comunicação de massas – a imprensa, o rádio e a televisão – deliberadamente conjugados, a compor um extenso laboratório de ´criação´ da opinião, para atender a interesses maciços de grupos ou poderes governantes, acreditando-se, no entanto cada vez menos no teor racional dessa opinião, que todos reconhecem ou proclamam uma força feita irretorquivelmente de sentimentos e emoções. […] Os jornais, as estações de rádio e televisão, seus redatores, seus colaboradores, seus comentaristas, escrevendo as colunas políticas e sociais, programando os noticiários, preparando as emissões radiofônicas, fazendo os grandes êxitos da televisão, constituem os veículos que conduzem a opinião e a elaboram (quando não a recebem já elaborada, com a palavra de ordem, que ´vem lá de cima´), pois as massas, salvo parcelas humanas sociologicamente irrelevantes, se cingem simplesmente a recebê-la e adotá-la de maneira passiva, dando-lhe chancela de ´pública´ […].”[20]
Ex positis, percebe-se que a última preocupação dos concessionários do serviço de radiodifusão é a de ter compromisso social na veiculação de suas programações, governando a atividade televisiva ao seu talante para que atinja a sua verdadeira finalidade, qual seja, obter proveitos próprios – econômicos ou políticos – com ou sem o conluio de agentes políticos.
Daí a perceber limpidamente o desvio de finalidade do serviço público operado pelos concessionários, o que ocasiona consequentemente a inadequação substancial do serviço prestado, motivo pelo qual torna-se indispensável dar eficácia social aos dispositivos constitucionais atinentes à televisão para, somente então, vivificar as letras da lei até então olvidadas pelo Estado.
3.1. DA (MÁ) INFLUÊNCIA EXERCIDA ATRAVÉS DA TELEVISÃO
Demonstrado que o serviço de radiodifusão de sons e imagens não é executado de forma constitucional, volta-se, doravante, à reflexão sobre os efeitos de uma programação veiculada de maneira a atrair a atenção dos telespectadores – seja, como visto, para angariar audiência e assim obter lucro, seja para promover a “opinião pública” –. Nessa linha, perquire-se: Qual o grau de impacto que a TV exerce nos telespectadores?
Para se saber a extensão da influência da televisão diretamente nos usuários do serviço e indiretamente na sociedade como um todo, torna-se inadiável esclarecer que esta pesquisa intenciona verificar a força da TV no meio social sob duas óticas, quais sejam, a perspectiva comum identificada na experiência individual do senso comum – a qual prescinde de qualquer demonstração “científica”, bastando a natural impressão do indivíduo – e a perspectiva que traz em si algum nível de “cientificidade” em razão de sua característica estatística.
Sob o primeiro ângulo – senso comum –, o que há de se perceber é uma penetrante influência direta da televisão nos telespectadores em virtude da capacidade que o meio de comunicação mais acessível ao povo brasileiro tem de inculcar ideias e valores por meio de suas programações. Sob tal aspecto, assim pronuncia FONTES JÚNIOR (2001, pág. 17): “Com efeito, o nível de desenvolvimento de uma sociedade também pode ser aferido pela sua comunicação social: é que através desta são veiculados os valores culturais de um povo, revelando o seu comprometimento com o respeito aos direitos das pessoas e com a dignidade inerente à condição humana, constituindo-se este, seguramente, o melhor índice de medição do desenvolvimento humano.
Especialmente a partir da televisão, que veio a se tornar o grande veículo de comunicação de massas, a comunicação social, para além de refletir os valores sociais, passou também a fomentá-los, exercendo uma influência marcante na sociedade. Tornou-se assim um fenômeno incontornável, a ser considerado em qualquer instância em que se pense a vida de uma nação.”[21] (grifo nosso)
Ainda há uma influência indireta no corpo social na medida em que tais ideias e valores injetados nos usuários do serviço são comumente repassados por estes nas suas relações familiares, profissionais, políticas, religiosas e sociais. Deveras, os assuntos mais levantados e discutidos em reuniões sociais latu sensu normalmente são aqueles que estão em voga na TV, hipótese em que tende a limitar a habilidade do ser humano de debater assuntos mais próximos de si, os quais se fossem mais triscados certamente teriam o condão de aperfeiçoá-lo na sua trajetória de vida, diminuindo assim as suas possíveis deficiências pessoais.
A segunda ótica pela qual se discorrerá sobre o grau de influência da TV na sociedade é aquela que pretende trazer maior segurança e confiabilidade nas suas respostas em virtude de sua maneira sistemática e objetiva de se pesquisar. Tais estudos – os quais levantaram convincentes respostas da abrasada capacidade que a televisão tem se influenciar os seus telespectadores – foram anexados ao final deste trabalho em razão da melhor exposição em que se encontrará ao anexá-los como parte integrante desta pesquisa eminentemente jurídica.
Nada obstante, é possível inferir das pesquisas anexadas que há uma convergência conclusiva dos dois modos pelos quais este trabalho se dedicou a discorrer e demonstrar o alcance e a proporção que a radiodifusão de sons e imagens exerce sobre toda uma sociedade. Isso porque as duas perspectivas trabalhadas revelaram um afogueado impacto da TV sob seus telespectadores, razão pela qual pode-se dizer que uma corroborou a hipótese d´outra, favorecendo, ipso facto, uma resposta digna de plausibilidade.
Ex postis, reconhecendo que há influência da TV sob a sociedade e que, consoante tópico anterior, a execução do serviço mostra-se inadequada em razão da degradação da programação que é veiculada, pode-se concluir sem receio que há uma má influência exercida pela Televisão, consoante, outrossim, inferência da seguinte passagem protagonizada por Fontes Júnior: “[…] há uma convergência de opiniões para o fenômeno da ditadura da audiência, que leva as emissoras a buscar mais acontecimentos espetaculares, banalizando o trabalho jornalístico, sem responsabilidade ética ou para com a dignidade da pessoa humana, amiúde aviltada em nome dos lucros proporcionados pelos patrocinadores.”[22]
4. DA IMPRESCINDIBILIDADE DE UM CONTROLE TELEVISIVO EFICAZ
“[…] no Brasil a televisão é um poder sem controle. Na maioria dos países com democracias consolidadas secularmente existem regras e mecanismos claros impondo limites à TV. Aqui ela corre solta, regida por um Código de Radiodifusão de 1962, defasado tecnológica e culturalmente em mais de 50 anos. Quando foi aprovado, a nossa televisão era em preto-e-branco e a sociedade ainda não havia conhecido a mini-saia e a pílula anticoncepcional. Quem tem uma lei tão anacrônica, na verdade não tem lei alguma. É por isso que a televisão faz o que quer […]. No âmbito dos valores éticos, nós só chegamos a esse ponto porque sempre houve condescendência com aqueles que detêm concessões de canais de TV.”[23]
Visto a importância do serviço público de radiodifusão de sons e imagens para uma nação em virtude de suas imensas capacidades relatadas; visto a caracterização do serviço como público; visto as determinações constitucionais atinentes ao setor e posteriormente demonstrado a inadequação substancial do serviço prestado pelos concessionários, revela-se eminentemente imprescindível um rigor fiscalizatório por parte do Estado para que haja a adequação substancial do serviço prestado de forma inadequada. Aliás, essa é a conclusão lógica e inarredável que deriva de todos os aspectos negativos que gravitam em torno do serviço, os quais foram descritos nos tópicos anteriores.
Estriando as razões que conduzem à necessidade de um controle efetivo, para além da adequação do serviço aos ditames legais e constitucionais atinentes ao setor, RODRIGUES JÚNIOR (2009, pág. 144) leciona:“[…] os meios de comunicação social tornaram-se, principalmente com a televisão, um poder incontrolável dentro da democracia, daí por que é imprescindível a existência de controles efetivos sobre eles a fim de que sejam estabelecidos os limites de sua atuação e fixadas as respectivas responsabilidades pela ação ou omissão inadequadas ao regime democrático, visando a garantir, antes de tudo, “uma ordem de valores fundada no carácter transcendente da dignidade da pessoa humana”. […]
Em suma: a necessidade de controle efetivo dos meios de comunicação social é absolutamente imperiosa. No entanto, para que esse controle não seja arbitrário, devem ser observados dois fatores fundamentais: a garantia da pluralidade de ideias e a garantia de qualidade da programação.”[24] (grifo nosso)
Daí a perceber que para o citador autor o controle televisivo deve garantir a pluralidade de ideias – numa clara manifestação da democracia –, além de assegurar a qualidade da programação veiculada. Enquanto a primeira garantia deve tomar forma para se resguardar o serviço de uma uniformização ideológica, informativa e formativa de mentalidades que acarretariam a manipulação das massas, a segunda serviria para frear os abusos cometidos pelas emissoras em suas programações, como bem anota o autor: “[…] entretanto, a concorrência acirrada entre as empresas de mídia é fator preponderante para a péssima qualidade da grande maioria dos programas. Em busca da audiência, apela-se para todo e qualquer tipo de artifício, em total desconsideração com valores fundamentais da pessoa humana. Na verdade, a “informação televisiva é essencialmente um divertimento, um espetáculo”, e ela “se nutre fundamentalmente de sangue, de violência e de morte”, receita segura e sempre apta a seduzir o público.”[25]
Deveras, a imprescindibilidade de um controle efetivo se torna premente não apenas para se adequar o serviço às disposições legais e constitucionais atinentes especificamente ao setor, mas, outrossim, para florescer outros valores expressos na Carta Magna (a exemplo das duas garantias supra-citadas) em um meio de comunicação rijamente disseminador.
4.1. CONTROLE X CENSURA
Visto a necessidade premente de um controle a ser realizado pelo Poder Público – detentor da titularidade da execução do serviço – na atividade televisiva desempenhada delegadamente, forçoso reconhecer que se torna imperioso descortinar as distinções jurídicas de dois institutos, quais sejam, o controle administrativo e a censura, os quais, inobstante parecerem apresentar, à primeira vista, semelhanças e afinidades, estão essencialmente distanciados no quadro do ordenamento jurídico pátrio.
Com efeito, observa-se que tanto a censura como o controle administrativo (ou mesmo judicial, em última ratio) podem se caracterizar, juridicamente, como atos de intervenção – in specie, na execução do serviço público de radiodifusão de sons e imagens – que o Poder Público efetua como modo de adequar o serviço ao seu interesse. Enquanto o primeiro (censura) é inadmissível por imposição constitucional, o segundo (controle administrativo) enquadra-se, formal e substancialmente, de maneira absolutamente legal no Corpo de Leis Jurídicas Brasileiras, como segue pelas razões adiante estriadas.
No tocante à censura, dispõe a nossa Carta Política: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (…) § 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” (grifo nosso)
Deveras, a censura, bastante utilizada no período do regime militar autoritário brasileiro (1964-1985) para impedir, obstar e represar toda espécie de informação e manifestação que trouxesse consigo qualquer aptidão para embaraçar a política militarista, foi definitivamente abolida pela atual Constituição de 1988, razão pela qual qualquer balbuciação estatal em aplicá-la a quaisquer veículos de transmissão de informações estará inevitavelmente eivado de vício de inconstitucionalidade.
Diferentemente do que ocorre com o controle administrativo como demonstraremos ao diante, a censura se caracteriza pela arbitrariedade peculiar ao seu modo de ser. Tal característica é prognosticada pela incontestabilidade da decisão que censura algo, de modo que, uma vez lançada a censura (a posteriori) não haverá qualquer possibilidade de se discutir a decisão limitativa. Dito francamente: A decisão estatal de censura não permite controvérsia[26].
Ocorre que a maioria das vezes em que a censura se manifesta é a priori, ou seja, consiste na submissão à deliberação discricionária da Administração Pública do conteúdo de uma manifestação de pensamento como condição prévia de sua veiculação, pautada por critérios de ordem política ou moral (RODRIGUES JUNIOR, 2009, p. 153). Daí por que observa-se que esta forma de censura – a priori – normalmente encontra amparo legal nos ordenamentos jurídicos constituídos sob ditadura, motivo pelo qual não poderia eivar-se de vícios de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, o que tornaria difícil a visualização clara de suas distinções essenciais do controle administrativo.
Porém, é na função teleológica do instituto que se encontrará os verdadeiros fundamentos de sua existência e que o apartará definitivamente do conceito de controle administrativo.
Pois bem.
Malgrado gozar de sustentação lícita nas Legislações que o legitimam, a censura não cessará de carregar consigo a sua característica intrínseca de arbitrariedade, porquanto o próprio Ordenamento Jurídico que o chancela é arbitrário, isto é, foi instituído de modo outorgado sem a participação popular. Daí a perceber que os principais interesses que fundamentam a existência da censura restringem-se a pequenos grupos que controlam o Estado, o que implica em aplicar fundamentalmente a censura para a própria manutenção do sistema político de dominação implantado, desvirtuando, assim, os atos do Poder Público (normativos e administrativos) da finalidade social e do bem comum.
Já o controle administrativo se caracteriza não pela arbitrariedade, mas positivamente pela sua legitimação. Explica-se. O controle administrativo efetuado a posteriori traz consigo a oportunidade que os entes submetidos ao controle têm de discutir legalmente o ato (seja na forma administrativa ou mesmo na via judicial). Tal legitimação não apenas encontra guarida no contraditório vivo, mas, outrossim, na função teleológica do controle que aqui se defende, porquanto agora controla-se para uma substancial adequação do objeto ao interesse público e social, haja vista as determinações atinentes constantes no Ordenamento Jurídico constituído democraticamente, o que ocasiona um controle para o povo e pelo povo.
Visto as diferenças dos dois institutos e antes de passarmos para o tópico da realidade fiscal administrativa hodierna atinente ao serviço público, pode-se afirmar que “o controle administrativo a posteriori não deve ser encarado como censura, mas sim, como forma de garantir a qualidade da programação em observância aos ditames constitucionais (Idem, p. 155)”.
5. DA INEFICÁCIA DA ATUAL FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Visto os principais problemas atinentes à execução do serviço prestado pelos particulares – concessionários –, necessário tecer algumas considerações sobre o atual papel do Poder Público, sobretudo na sua função administrativa, de adequar o serviço público ao modelo projetado pela Constituição Federal, isto é, de coercitivamente fazer que se cumpra a lei.
Com efeito, nesse cenário de profunda degradação das programações de TV, o que importa agora é ajustar o serviço àquelas determinações legais e constitucionais concernentes ao setor, razão pela qual se faz urgente que se tenha algum compartimento administrativo no âmbito do Poder Executivo encarregado de fiscalizar e controlar a atividade televisiva. Nessa linha, FONTES JÚNIOR (2001, pág. 98) assevera: “Aliás, não se conhece nenhum país onde se tenha deixado o controle absoluto da programação aos próprios concessionários, posto que estes, além de atenderem às necessidades técnicas, também devem servir ao interesse público na sua programação; para exigir o adimplemento destes fins impõe-se o controle do Estado, através do qual corrige eventuais faltas e aplica penalidades administrativas, além de proceder ao histórico que norteará a eventual renovação da concessão.
Daí a necessidade de um órgão administrativo regulador da atividade, presente em todos os países, variando suas atribuições desde o controle total da atividade, como ocorre nos Estados Unidos da América, onde a poderosa FCC – Federal Communications Commision possui amplos poderes diretivos, chegando mesmo a gerar grande expectativa quanto à renovação das concessões, diante das sérias exigências da Comissão, até os países onde a comunicação social é formada por grandes oligopólios, com poder político capaz de inviabilizar qualquer tipo de controle sobre sua atividade, como é o caso do Brasil.”[27]
Quanto a isso, a nossa Maior Lei não se olvidou e o previu (órgão administrativo) no capítulo atinente à Comunicação Social: “Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”
Sendo uma norma constitucional de eficácia mediata, foi ela objeto de regulamentação pela Lei n.º 8.389/91, a qual deu ensejo à instituição do Conselho de Comunicação Social – CCS – como órgão auxiliar do Congresso Nacional. Malgrado a regulamentação do CCS tenha se dado em 1991, sua instalação no Congresso Nacional somente ocorreu em 2002 e, mesmo assim, não de forma efetiva em razão de sua atuação encontrar-se muito distante do objetivo original de defender projetos alheios a interesses corporativistas e político-partidários, conforme demonstra SCORSIM (2000, pág. 167): “Trata-se de uma função meramente consultiva e não normativa, não tendo competência para expedir atos administrativos que corrijam as distorções do funcionamento do serviço.”[28]
Com efeito, a Lei n.º 8.389 ao atribuir ao CCS a competência para a elaboração de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito da comunicação social, instituiu-o sem qualquer poder de decisão e dominado pelos interesses corporativos dos meios de comunicação social, frustrando a expectativa de criação de um órgão de controle eficiente e independente para disciplinar a atividade.
Portanto, verifica-se que atualmente não há um único órgão no âmbito da Administração Pública com atribuições fiscalizatórias e de efetivo controle ao serviço público, permanecendo este refugido de qualquer controle administrativo, cabendo tão somente ao Poder Judiciário resguardar os interesses difusos dos usuários do serviço televisivo.
Como se não bastasse esse cenário inócuo da Administração Pública, há, ainda, uma lacuna legal no ordenamento pátrio em razão da ausência de lei federal que deveria dispor sobre os meios legais específicos de defesa da pessoa e da família, a qual deveria estar a disposição da sociedade para resguardo das programações que contrariam os princípios que devem orientar a programação das emissoras de TV insculpidos na própria Constituição. É o que se depreende do Inc. II, §3º, art. 220, da Carta Política: Art. 220. […] § 3º – Compete à Lei Federal: II – Estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Daí a se falar em inconstitucionalidade por omissão, como bem observado por FONTES JÚNIOR (2001, pág. 103-104): “Observa-se assim que para a caracterização da situação de inconstitucionalidade por omissão, basta que a norma exigida não regulamente toda a matéria para a satisfação dos interesses constitucionalmente assegurados. […] Verifica-se, ainda, a inconstitucionalidade quanto à legislação que defenda a pessoa e a família da programação que lhes contrarie os valores éticos e sociais, referida no art. 220, § 3º, inciso II.”[29]
Somando-se esta lacuna legal ao obsoleto Código Brasileiro de Telecomunicações e a ausência de um órgão administrativo com atribuições de efetivo controle, o resultado só poderia originar na ineficiência legal e administrativa do Poder Público em adequar o serviço público àquilo que determina a lei (sobretudo a Constituição).
6. DAS HIPÓTESES SUGESTIVAS PARA ATENUAÇÃO DOS PROBLEMAS FAREJADOS
Após todo o panorama jurídico e fático que envolve o serviço público de radiodifusão de sons e imagens, pretende-se, doravante, conjecturar hipóteses como forma de possibilitar uma alternativa jurídica viável aos principais problemas (delineados nos tópicos anteriores) que giram em torno da atividade televisiva brasileira.
Com efeito, foram relatadas várias vicissitudes relacionadas à execução do serviço, dentre as quais destaca-se a lacuna legal que afeta a normatização e regulamentação concernentes ao serviço e ao usuário; a ineficiência da Administração em adequar o serviço aos ditames legais – consubstanciada principalmente em virtude da ausência de um órgão de controle e fiscalização efetivo –, além do defasado Código Brasileiro de Telecomunicações – principal diploma normativo do setor –.
Diante desse quadro problemático é que se irá lançar as sugestões jurígenas as quais serão propostas para a fulminação dos problemas descritos acima, exceto quanto ao problema tocante ao Código Brasileiro de Telecomunicações. Isso porque a Constituição Federal de 1988 reservou ao serviço público densidade normativa suficientemente espessa ao setor, razão pela qual se prescindirá de um discurso atinente a um novo diploma legal sobre a matéria.
Pois bem.
Quanto à lacuna legal, demonstrou-se estar caracterizado a inconstitucionalidade por omissão, que, segundo CUNHA JÚNIOR (2011, pág. 389), ocorre quando “devendo agir para tornar efetiva norma constitucional, o poder público cai inerte, abstendo-se indebitamente. Mas essa omissão pressupõe o não cumprimento de uma norma constitucional individualizada, ou seja, certa e determinada.”[30]
Tal norma, como visto, é aquela estampada no art. 220, § 3º, Inc.II, a qual, tendo como o destinatário o legislador (Congresso Nacional), determina a este o impulso e a criação de uma lei federal que efetivamente estabeleça meios específicos de combate às ulcerações propagadas através das programações de rádio e televisão.
Considerando que se trata de uma norma constitucional original (promulgada em 05 de outubro de 1988), não é nenhum absurdo em se dessumir que já se passou tempo suficiente para a instituição da lei, mormente em razão da relevância (consubstanciada na abrasada capacidade de disseminação de informação e conhecimento) que o serviço traz em si. Aliás, quanto ao momento da ocorrência da omissão inconstitucional, leciona CUNHA JÚNIOR (2011, pág. 399): “Desse modo, sopesadas todas as circunstâncias envolvidas com a situação concreta, se se dessumir que a medida reclamada, ao longo do tempo escoado, não só podia como devia ter sido produzida, em razão de sua importância e indispensabilidade para dar operatividade prática às normas constitucionais, restará ocorrida e caracterizada a inconstitucionalidade por omissão.”[31]
Quase 25 (vinte e cinco) anos após a promulgação da determinação constitucional o Estado insiste em se manter recalcitrante em uma das questões mais importantes para o povo brasileiro em razão de toda a relevância que circunda em torno do próprio serviço público, motivo pelo qual não há argumento suficientemente plausível que sustente a tese segundo a qual ainda não se teria passado tempo razoável para edição da medida faltante.
Como forma de se remediar tal situação é que se propõe o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão[32] a ser ajuizada por qualquer um dos legitimados (sobretudo pelo Procurador-Geral da República em virtude de seu dever constitucional de guardião da ordem jurídica, consoante expressa o caput do art. 127 da CF) perante o Supremo Tribunal Federal – Órgão Jurisdicional competente para decidir sobre postulações que envolvam controle abstrato de constitucionalidade.
Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, o art. 103, § 2º determina que este dê ciência ao poder competente para a adoção das providências cabíveis e, em se tratando de órgão administrativo, para suprir a omissão no prazo de trinta dias. Tal dispositivo constitucional reclama interpretação conjunta com outros preceitos constitucionais, sobretudo levando-se em consideração o princípio da efetividade constitucional, o que, in casu, autoriza o Poder Judiciário a estipular um prazo razoável para o suprimento da omissão por parte do Congresso Nacional. Mergulhando profundamente sobre tal hipótese, ensina CUNHA JÚNIOR (2001, pág. 413): “Logo, impõe-se defender um plus àquele efeito literal previsto no § 2º do art. 103 da Constituição, de tal modo que, para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento das omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeito gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso. Cuida-se, aí, de um verdadeiro efeito de solução, concebido para ser o único capaz de solucionar o problema da não efetividade das normas constitucionais em razão das omissões do poder público. Tal consequência, de ressaltar-se, longe de vulnerar o princípio da divisão de funções estatais, logra conciliar o princípio da autonomia do legislador e o princípio da prevalência da Constituição, que se traduz na exigência incondicional do efetivo cumprimento das normas constitucionais.”[33]
Com efeito, adotando-se essas medidas de maneira ordenada o resultado trará, então, a efetividade da determinação constitucional atinente à defesa dos usuários dos serviços de radiodifusão, além de pôr uma pá de cal ao problema revelado. Para tanto, conforme demonstrado, deve-se ajuizar uma ADIN por omissão que seguramente ocasionará uma decisão declaratória de inconstitucionalidade, a qual, devido ao princípio da efetividade da Constituição, deve trazer em si toda a capacidade de se fazer cumprir a lei. Não é outro o entendimento de JOSÉ AFONSO DA SILVA (1998, páginas 50-51) quanto à decisão da ADIN por omissão: “A mera ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impediria que a sentença que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam o princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais.”[34]
Eis aí, portanto, uma solução jurídica (eventualmente jurígena) que pretende aniquilar o grave problema que os usuários do serviço televisivo têm para se insurgir e combater efetivamente as programações perniciosas veiculadas pelo sistema de radiodifusão de sons e imagens, porquanto, dispondo de instrumentos específicos de controle da programação televisiva, o cidadão telespectador terá maiores possibilidades de se fazer germinar uma programação sadia.
Já em relação ao problema concernente à ineficiência da Administração Pública em adequar o serviço à Lei – consubstanciada principalmente em virtude da ausência de um órgão de controle efetivo ao setor –, aqui conjectura-se a própria criação de uma entidade com autonomia suficientemente vigorosa para não ceder a interesses políticos e econômicos que, ao longo da história, sempre mostraram-se presentes quando o assunto é a intervenção na radiodifusão de sons e imagens. Estás a propor uma Agência Reguladora ao setor – também de denominada de autarquia submetida a regime especial, conforme bem leciona CARVALHO FILHO (2011, pág. 447): “A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função primordial de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização.”[35]
Deveras, a criação de uma entidade integrante da Administração Pública indireta, com autonomia administrativa e financeira, além de poder normativo e técnico, com a exclusiva função de fiscalizar, controlar e adequar o serviço público de radiodifusão de sons e imagens, certamente viabilizaria o direito à programação sadia imposta pela Carta Magna de 1988.
Isso se diz porque a instituição de um ente com autonomia própria e atribuições específicas de ajustar o serviço público aos ditames legais e constitucionais pertinentes, funcionaria de modo a efetivamente se ter um serviço público de qualidade, cabendo inclusive aos usuários do serviço representarem à Agência para o efetivo cumprimento dos deveres constitucionais por parte das emissoras concessionárias do serviço.
Sobre a independência das Agências Reguladoras que acabam proporcionando aptidão suficiente a um serviço público de qualidade respeitando os direitos dos usuários do serviço, dispõe CARVALHO FILHO (2011, pág. 448): “Pode mesmo afirmar-se, sem receio de errar, que tais autarquias deverão ser fortes e atentas à área sob seu controle. Sem isso, surgirá o inevitável risco de que pessoas privadas pratiquem abuso de poder econômico, visando à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário de seus lucros. A Constituição já caracterizou essas formas de abuso (art. 173, § 4º), cabendo, dessa maneira, às novas agências autárquicas a relevante função de controle dos serviços e atividades exercidos sob o regime de concessão.”[36]
Destarte, a criação de uma forte entidade que tem por característica exercer e desenvolver as suas atividades de forma independente e descentralizada teria uma alta capacidade de produção na área que regula e controla, ocasionando uma possibilidade e viabilidade muito maior de efetivamente haver uma adequação do serviço público ao ordenamento jurídico, além de proporcionar aos usuários do serviço uma escorreita atividade prestada delegadamente pelos concessionários do serviço televisivo.
CONCLUSÃO
O enfrentamento da temática dos aspectos relacionados à televisão revelou uma robusta relevância que o próprio sistema televisivo possui para uma nação, o que corrobora, ainda mais a necessidade de se ter um serviço público de radiodifusão de sons e imagens que atenda as expectativas esperadas pelos usuários do serviço, muitas das quais, como visto, estão estampadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A demonstração do liame existente entre o serviço público televisivo com a política e o capitalismo desvelou a existência de uma atividade executada em consonância com os valores decorrentes das duas forças (política e capitalismo) de impacto sobre o serviço, os quais revelaram-se a par daqueles prestigiados na Carta Magna que constituem o principal fundamento dos preceitos e princípios atinentes à programação televisiva.
A partir de pesquisas coletadas e anexadas ao final deste trabalho, juntamente com a perspectiva comum sobre o tema, além do ponto de partida dos autores que tratam sobre a programação da televisão brasileira com um olhar crítico, foram confirmadas a vulcânica influência que a Televisão (e, pois, o serviço público) exerce não apenas ao usuário direto do serviço, mas, outrossim, sobre toda uma sociedade de massas globalizada.
Viu-se, após toda a narrativa da realidade fática do serviço público no Brasil com todos os seus problemas revelados, a imprescindibilidade da existência de um controle televisivo eficaz, elucidando sobre as distinções elementares de duas formas de controle que se distanciam em razão de suas respectivas legitimidades, quais sejam, o controle administrativo (legítimo) e a censura (ilegítima).
Por fim, conjecturou-se duas hipóteses para os dois graves problemas revelados – a ineficiência de o Estado adequar o serviço à lei e a sua omissão legislativa ao setor – como forma de se levar uma solução jurídica que tenha o condão de viabilizar um instruído progresso ao setor de grandíssima importância para um povo tão carente de cultura e civilidade.
Destarte, a preocupação desta pesquisa, a qual se iniciou a partir da percepção de que um grande sistema tecnológico pode viabilizar efeitos altamente positivos para uma nação, centrou-se em alguns aspectos centrais, a saber, a demonstração das principais normas (princípios e regras) atinentes ao serviço público de radiodifusão de sons e imagens; o escancaramento da real finalidade da execução do serviço televisivo brasileiro protagonizada pelos concessionários, além de todos os graves problemas que esta concessão traz consigo; a revelação da estridulosa influência e importância que o serviço tem para uma nação; e finalmente o conjecturamento de hipóteses para a fulminação das principais mazelas verificadas ao longo do trabalho.
Ex positis, forçoso reconhecer a entusiástica aptidão que o serviço público de radiodifusão de sons e imagens possui para servir como fonte de valores elementares de educação, cultura, conhecimento e informação relevante para uma sociedade ainda em desenvolvimento social, cultural e civil.
Afinal, quem tem a possibilidade de executar um serviço de tamanha relevância para indivíduos, sociedade e Estado deve exercê-lo com o maior zelo possível, pois a ação consubstanciada na atividade exercida trará, inevitavelmente, consequências estritamente proporcionais ao que é veiculado ou manifestado nas programações de TV, fato que gera uma grande responsabilidade para todos aqueles que executam o serviço público.
Que se possa e deva, então, manifestar tudo aquilo que tenha a dádiva de proporcionar os valores mais prestigiados e infelizmente mais lesionados de uma sociedade que promulga em sua principal Lei como objetivo fundamental de uma nação: construir uma sociedade justa, livre e solidária, além de promover o bem de todos, sem quaisquer distinções de qualquer natureza.
Informações Sobre o Autor
Pedro Machado Tavares
Servidor público concursado analista jurídico do Ministério Público do Estado da Bahia.