Resumo: O ensaio trata dos fundamentos da síndrome de burnout bem como das consequências desse processo apresentadas pelo trabalhador e desvela o controle exercido pelas organizações que pode acarretar o estresse profissional e a exaustão emocional
Este ensaio tem como tema os fundamentos da síndrome de burnout, bem como as consequências desse processo apresentadas pelo trabalhador e os interesses das organizações.
Burnout é uma palavra de origem inglesa, que literalmente significa “perder o fogo” ou “queimar para fora” – burn-out, e representa um estado físico de esgotamento, “no qual o sujeito perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não importam mais.” (Isaac Aisenberg Ferenhof e Ester Ferenhof apud MINARDI, 2010, p. 145).
A transformação econômica mundial, que tem como característica a supervalorização do capital financeiro, denota uma crise estrutural que vem aumentando desde a década de 1970. Isto tem provocado nas organizações uma pressão para gerar fluxo de caixa, o que faz com que elas deixem para segundo plano a criação de produtos e serviços com qualidade, além do fato de que as organizações enfraquecem. Essa tendência gera uma administração de resultados ao invés de propiciar às pessoas a capacidade de ganhar a vida, realizar conquistas, e cada vez mais se sacrificam em suas aspirações pelo bem das empresas. (CASTRO, 2012, p. 15). Assim, resulta que cada vez mais as empresas têm na administração dos recursos humanos a redução de custos, seja no corte de pessoal, diminuição de salários ou aumento da carga de trabalho, e aumento de horas extras. (CASTRO, 2012, p. 16).
Em razão dessa realidade econômica, as organizações prestadoras de serviços, que embora cresçam em importância e necessidade na sociedade, enfrentam uma crise, pois seus profissionais estão perdendo o idealismo e o comprometimento pelo trabalho que realizam, ficando descrentes, descomprometidos e omissos em relação aos serviços que prestam à população. Em relação à sociedade, observa-se um grande desapontamento com os profissionais e com as organizações. O que revela um grave problema social. (CASTRO, 2012, p. 16).
Nesse contexto socioeconômico que supervaloriza o capital financeiro e desvaloriza o trabalho humano, se faz necessário compreender como surgiu o burnout – a partir da década de 1970. De acordo com os estudiosos Maslach e Shaufeli, o “burnout primeiro emergiu como um problema social e não como um construto acadêmico”. A descoberta e a definição não derivaram previamente de uma teoria, mas de vários anos de pesquisa exploratória. Freudenberger (1974), após várias observações clínicas com voluntários da área de saúde, identificou neles uma diminuição gradual de suas energias nas suas tarefas, falta de motivação e de comprometimento para o trabalho, acompanhados de fadiga e frustração pelas demandas excessivas. Das observações, restou que o desencadeante desse quadro seria a exaustão emocional em razão de sobrecarga e frustração no trabalho, que numa fase prévia de entusiasmo era substituída por uma vivência de tédio, de irritabilidade e de mau humor. Essas manifestações evoluem, em seguida, para um quadro clínico constituído por falta de controle emocional, irritabilidade, perturbações do sono e sinais depressivos de desilusão e falta de disposição para o trabalho. (CASTRO, 2012, p. 17).
Freudenberger chega, então, com essas observações, à descoberta de burnout como sendo uma “síndrome psicológica decorrente da tensão emocional crônica, vivida pelos profissionais cujo trabalho envolve o relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e/ou assistência.” (Seligmann-Silva apud CASTRO, 2012, p. 18).
As pesquisas realizadas permitem concluir que a definição de burnout é multidimensional, pois compreende um conjunto de três dimensões essenciais que especificam o fenômeno, nas palavras de Maslach (1993): a exaustão emocional (EE), a despersonalização (D) e a perda da realização pessoal (PRP). (CASTRO, 2012, p. 18/19).
A dimensão de exaustão emocional (EE) é caracterizada pelo fato da pessoa estar exaurida, esgotada, sem energia e incapaz de recuperar-se de um dia para o outro. A dimensão de despersonalização (D) é caracterizada pelo fato da pessoa se sentir descrente, distante, frio e indiferente em relação ao trabalho e aos seus colegas de trabalho. A dimensão de perda da realização pessoal (PRP) ocorre quando a pessoa se sente ineficiente, incapaz e certa de que seu trabalho não faz falta. (CASTRO, 2012, p. 19).
Freudenberger afirma que “burnout ocorre como consequência da perda de um ideal” (apud CASTRO, 2012, p. 26). Assim, estudiosos concluem que o desenvolvimento de burnout ocorre devido à sobrecarga do trabalho presente nas profissões de ajuda e assistência e a falta de suporte nas relações interpessoais são as maiores causas de estresse crônico. (CASTRO, 2012, p. 30).
Então, temos que a partir da década de 1970, com a mudança econômica das organizações da sociedade capitalista, trouxe um novo problema psicológico, que faz parte da vida organizacional e do trabalho – o burnout.
O trabalhador depara nas empresas com a “quantofrenia” ou a doença da medida, que consiste em traduzir de maneira sistemática os fenômenos sociais e humanos em linguagem matemática. (GAULEJAC, 2007, p. 94).
Essa doença da medida repousa sobre a crença de que a objetividade nada é senão a tradução da realidade em termos matemáticos. Isso representa que a empresa esquece que é, antes de tudo, um sistema social, uma produção humana e instável, aberta e incerta. Coloca sobre o mesmo plano a qualidade dos produtos, processos, resultados financeiros e da qualidade do compromisso dos empregados, o programa reduz o ser humano a um fator como outro qualquer. (GAULEJAC, 2007, p. 97/98).
Nesse desprestígio, a pessoa é acometida da síndrome de burnout, isso ocorre quando se dá conta pela perda de energia, sem condições para qualquer desempenho físico ou mental. Essa síndrome é conhecida também por: “estresse laboral assistencial, estresse profissional, estresse ocupacional, síndrome de queimar-se pelo trabalho, neurose profissional, neurose de excelência, síndrome de esgotamento profissional, síndrome do assistente desassistido e síndrome do cuidador descuidado”. (THOME, 2009, p. 95).
Num conceito clínico, a síndrome resulta de um conjunto de sintomas, como fadiga física e mental, falta de entusiasmo pelo trabalho e pela vida, sentimento de impotência e inutilidade, baixa autoestima, depressão e pode levar ao extremo de suicídio. Num conceito sociopsicológico, podemos detectar a exaustão emocional, despersonalização, insatisfação pessoal no trabalho e diminuição da realização profissional. (THOME, 2009, p. 95).
Para as organizações, o burnout representa um desajuste entre as necessidades apresentadas do trabalhador e os interesses da instituição. Numa concepção sócio-histórica, mais do que os fatores pessoais ou institucionais, a sociedade, cada vez mais individualista, favorece o burnout. (THOME, 2009, p. 96).
Para a psicóloga Ana Maria Benevides Pereira:
“Essa síndrome ocorre pela cronificação de um processo de estresse. Para fazer frente à sintomatologia física e psicológica experimentada, o profissional acaba por desenvolver o fenômeno da despersonalização, isto é, passa a ter um contato frio e impessoal, até mesmo cínico e irônico, com as pessoas receptoras de seu trabalho, como os clientes, pacientes, alunos, enfim, os usuários de seus serviços. (…). A sobrecarga tem sido uma das variáveis mais apontadas como predisponentes ao burnout. Diz respeito tanto à quantidade como à qualidade excessiva de demandas, que ultrapassam a capacidade de desempenho, por insuficiência técnica, de tempo ou de infraestrutura organizacional.” (apud THOME, 2009, p. 96/97).
Para Candy Florencio Thome, os sintomas do burnout são físicos, psíquicos, comportamentais e defensivos, que se tornam evidentes com o isolamento, sentimento de onipotência, perda de interesse pela vida profissional ou pelo lazer, absenteísmo, ímpetos de abandonar o emprego, ironia e cinismo. Ressalte-se que o burnout acomete pessoas normais, que são entusiastas e idealistas, mas em contato com o mundo do trabalho vão mudando e apresentando transtornos que acabam por interferir no pessoal, social e institucional. (THOME, 2009, p. 98).
Na nossa legislação, esta síndrome está prevista nas normas de auxílio ao trabalhador. A Lei 8.213/91, art. 20, inc. II, enuncia que as doenças ocupacionais são equiparáveis a acidente de trabalho e pressupõem a prova do nexo de causalidade entre o trabalho e o desenvolvimento ou agravamento da enfermidade. A doença profissional, prevista no art. 20, inc. I, é a determinada pela profissão, sendo que o nexo causal da doença com a atividade é presumida. (MINARDI, 2010, p. 148).
A síndrome de burnout acarreta ao portador incapacidade para o trabalho, e dessa forma, é necessário encaminhamento ao INSS para perícia do estado clínico e da incapacidade laborativa, para perceber o benefício auxílio-doença acidentário (MINARDI, 2010, p. 150).
O poder do empregador, que caracteriza a relação de emprego, não é ilimitado e não pode ser considerado um direito absoluto decorrente da propriedade privada, e deve ser focado nos princípios constitucionais e nos direitos fundamentais da pessoa humana. (MINARDI, 2010, p. 155).
O empregador deve agir conforme os preceitos constitucionais e infraconstitucionais de proteção à saúde física e mental do trabalhador, e ainda, limitar ou restringir, os poderes empresariais, no que diz respeito ao poder de direção. O limite de atuação do poder empregatício do empregador, desta forma, deve respeitar os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da solidariedade (CF, art. 3º, I) e da função social da propriedade (CF, art. 170, III), evitando abusos patronais, que revertam em prejuízos ao trabalhador, como no caso da síndrome de burnout. (MINARDI, 2010, p. 156).
No art. 187 do Código Civil temos a normatização da teoria do abuso de direito. Hoje, existe consenso que o abuso de direito está ligado à violação do princípio da boa-fé objetiva, que tem como objetivo inibir comportamentos que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção, pois só assim estaria a atingir a função social. (MINARDI, 2010, p. 157).
Dessa forma, a atividade empresarial não pode ser concebida como meio de interesse unilateral e egoísta do empregador, para que a qualquer custo, aferir lucros, tratando o trabalhador como mero objeto para alcançar esse fim. (MINARDI, 2010, p. 157).
Como o capital não consegue prescindir do trabalho humano, defende José Roberto Heloani:
“Essas formas de controle sutil sofisticam-se de tal maneira, que a dominação como meio de exercício do poder estará mais baseada na introjeção dessas normas ou regras das organizações do que numa repressão mais explícita. A empresa neocapitalista lidará basicamente com a gestão dessa dimensão psicológica de dominação.” (HELOANI, 2011, p. 102, grifo do autor).
Fica claro que transparece a dimensão implícita do poder, e pode-se muito bem compreender a “manipulação do inconsciente” praticada por algumas empresas. A excessiva competição e a pressão contínua no trabalho, o trabalhador tende a depender mais da organização, como processo de fusão afetiva, como um paradigma maternal, ou seja, protetora, com isso a empresa deve receber fidelidade e competência do trabalhador, no exercício de seu trabalho. O que induz a uma verdadeira economia de reciprocidade. (HELOANI, 2011, p. 108).
Nesse processo de manipulação, resulta que:
“Essas gramáticas inconscientes apropriaram-se das “virtudes” dos trabalhadores (como atenção, persistência e dedicação, entre outras) e, num processo de incorporação, as representaram como um produto da organização. Retoma-se assim a fusão afetiva “empresa-mãe” (protetora) que se identifica com o trabalhador – fruto direto da empresa – numa lógica em que a gestão dos códigos atinge o plano das representações. Dessa forma, implicitamente o trabalho subordina-se ao capital em três dimensões: afetiva, subjetiva e psicológica. A segurança é colocada do lado do capital, da empresa protetora, que exerce todo um processo de controle para impedir que o trabalho tenha autonomia e possa desligar-se de seu domínio. A não ser em poucas funções, o capital quer inibir a maturidade política do trabalho.” (HELOANI, 2011, p. 109).
A organização do trabalho é, sem dúvida, a causa de certas descompensações. Nesse fenômeno podemos observar, em relação ao ritmo de trabalho, como o aumento da cadência, a aceleração do tempo e a exigência de rendimento produtivo crescente conduzem a descompensações rápidas. Outro exemplo é em relação aos fins de semana, em que o ambiente da seção fica especial – explode a agressividade, a desordem até mesmo a parada na produção. Quando um carro da produção apresenta defeito, costumam até dizer: “é um carro de sexta-feira”. O sofrimento e a fadiga não são admitidos numa fábrica. (DEJOURS, 2015, p. 156 a 158).
Fica difícil de demonstrar a ligação perturbações psíquicas e condições de trabalho estressantes e/ou assediadoras, como assevera Gaulejac: “Como provar que uma depressão nervosa, uma úlcera no estômago ou um enfarto do miocárdio são a consequência direta da pressão do trabalho? É porosa a fronteira entre a doença mental e o sofrimento ligado a condições degradadas de trabalho.” (GAULEJAC, 2007, p. 231).
Para Christophe Dejours:
“Deve-se levar em consideração três componentes da relação homem-organização do trabalho: a fadiga, que faz com que o aparelho mental perca sua versatilidade; o sistema frustração-agressividade reativa, que deixa sem saída uma parte importante da energia pulsional; a organização do trabalho como correia de transmissão de uma vontade externa, que se opõe aos investimentos das pulsões e às sublimações. O defeito crônico de uma vida mental sem saída mantido pela organização do trabalho tem, provavelmente, um efeito que favorece as descompensações psiconeuróticas.” (DEJOURS, 2015, p. 159).
Considera-se, cientificamente relevante, para a compreensão sobre o processo de desenvolvimento de burnout, esclarecer o fracasso psíquico-existencial em articulação com a compreensão da lógica sócio-organizacional que está em sua base. É importante esclarecer que a lógica organizacional que está oculta aos estressores crônicos do trabalho, ou seja, sua estrutura, seu funcionamento e a lógica capaz de levar os sujeitos mais motivados e envolvidos a perderem o sentido, a fracassarem e a desenvolverem burnout. (CASTRO, 2012, p. 35).
O crescimento do mal-estar no trabalho, em especial o burnout, permite pressupor um processo progressivo de perda de laços de reciprocidade grupais no interior das empresas, uma tendência de aumento da luta serial e um desenvolvimento maior do poder de um grupo institucionalizado. (CASTRO, 2012, p. 63).
A síndrome de burnout é muito séria no mundo do trabalho. Cabe à psicologia, à sociologia do trabalho, às ciências da administração, entre outras, buscar respostas que ajudem na compreensão desse problema que tem relação com o mundo do trabalho. Mas o que fica demonstrado é que burnout é um problema típico do capitalismo flexível e do homem engendrado nesse novo capitalismo. (CASTRO, 2012, p. 37 e 39).
Estamos com Vincent de Gaulejac, que sugere uma nova forma de poder – utilizar o sistema disciplinar estudado por Michel Foucault para “tornar os corpos úteis, dóceis e produtivos”. O sistema de gestão “tem como objetivo a canalização da energia libidinal para transformá-la em força de trabalho e tornar a psiquê útil, dócil e produtiva.” (apud CASTRO, 2012, p. 14).
Informações Sobre o Autor
Ana Carolina Godoy Tercioti
Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas