Resumo: Os precedentes vinculantes tiveram uma nova sistematização e maior abrangência com o novo Código de Processo Civil, o que visou trazer mais isonomia e segurança jurídica aos jurisdicionados, bem como mais celeridade ao trâmite processual. O presente artigo inicia por explorar a nomenclatura precedente e jurisprudência. Depois visa mostrar os aspectos gerais sobre as espécies formadoras de precedentes vinculantes, além das várias repercussões trazidas por eles frente a outros institutos do novo código. A seguir enfrenta a discussão sobre a constitucionalidade da nova previsão e discorre brevemente sobre o distinguishing e o overruling.
Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Precedentes judiciais. Julgamento de casos repetitivos. Vinculação obrigatória. Distinguishing. Overruling.
Abstract: The binding precedents had a new systematization and greater coverage with the new Civil Procedure Code, which aimed to bring more equality and legal certainty for the claimants and more quickly to procedural action. This article begins by exploring the precedent and jurisprudence nomenclature. After intends to show the general aspects of the forming species of judicial precedents and the various effects brought by them against other institutes of the new code. Following, faces the discussion of the constitutionality of the new forecast and talks briefly about distinguishing and overruling.
Keywords: Civil process. Binding precedentes. Trial of repetitive cases. Mandatory binding. Distinguishing and overruling.
Sumário: 1 Introdução – 2 Precedentes judiciais – 3 Aplicação dos recursos repetitivos – 4 Impactos da nova sistemática em outros institutos – 5 Sobre a constitucionalidade da nova sistemática – 6 Distinguishing e overruling – 7 Conclusão
1 Introdução
De acordo com a Exposição de Motivos do novo Código de Processo Civil – CPC/2015, o princípio do livre convencimento “em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a distorções do princípio da legalidade e à própria idéia, antes mencionada, de Estado Democrático de Direito. A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranqüilidade social e descrédito do Poder Judiciário”.
Nesta toada, a fim de evitar a quebra do princípio da isonomia e da segurança jurídica, valores colocados em relevo no CPC/2015, foram criados institutos processuais – a par dos antes existentes – que vinculam a atividade decisória dos juízes e tribunais. Trata-se dos precedentes vinculantes, sobre os quais se passará a expor brevemente.
Pretende-se com este texto demonstrar o acerto do novel legislador ao incorporar ao ordenamento os novos institutos supramencionados, que devem trazer mais racionalidade e presteza à atividade jurisdicional, na medida que obriga o julgador a seguir os precedentes vinculantes estabelecidos pelos tribunais, impedindo assim uma quase esquizofrenia judiciária[1], ao permitir que casos de igual conteúdo jurídico sejam julgados das formas mais diversas.
Como se verá, não há como deixar de reconhecer o maior acerto da tradição dos países do commom law em possuir um sistema há muitos anos baseado numa jurisprudência uniforme e vinculante, já que “a coerência entre as decisões judiciais não só é fundamental à afirmação, à autoridade e credibilidade do Poder Judiciário, como é imprescindível ao Estado de Direito[2]”, segundo MacCormick.
2 Precedentes judiciais
Pois bem, como o nome já diz, precedente é aquilo que precede.
No âmbito judicial não é diferente. Precedente Judicial é um julgado proferido pelos tribunais, especialmente os Tribunais Superiores, utilizado como fundamento em um julgamento posterior.
E para diferenciar os termos, vale aclarar que jurisprudência, por sua vez, traz uma concepção bem mais ampla, podendo ser definida como o conjunto de decisões dos tribunais sobre uma certa matéria jurídica, no mesmo sentido, aplicadas em outros processos como razão de decidir, o que engloba os precedentes, vinculantes e persuasivos.
Ainda sobre a nomenclatura precedente judicial, só será considerado precedente aquele julgado que transcender o caso concreto, ou seja, que ultrapasse os interesses subjetivos da causa e assim reflita em outros casos similares, para que possa ser invocado comparativamente, como paradigma, numa decisão posterior. “Por outro lado, algumas decisões nem tem o potencial de serem consideradas precedentes, como aquelas que se limitam a aplicar a letra da lei”[3], diz Marinoni.
Quanto à sua autoridade, o precedente judicial pode ser persuasivo ou vinculante, sendo óbvio que somente no segundo caso a sua observância é obrigatória.
O sistema dos precedentes vinculantes em referência, deriva da aproximação cada vez maior do nosso direito baseado na tradição romano-germânica (civil law[4]) ao sistema anglo-saxão (common law), prática, aliás, já iniciada com o pós-positivismo (ou neoconstitucionalismo[5]). E é possível notar que alguns institutos recentes criados pelo direito brasileiro o aproximam da cultura presente na tradição alienígena do "stare decisis"[6], ou seja o sistema da força obrigatória dos precedentes.
Existem algumas críticas quanto à validade do novo sistema, as quais serão exploradas mais abaixo, depois de uma apresentação dos institutos.
Cabe dizer também que os novos institutos que preveem os precedentes vinculantes no CPC/2015 visam atacar o problema das demandas repetitivas que apresentam questões (jurídicas e/ou fáticas) comuns, cuja resolução gera inúmeros problemas ao Poder Judiciário como um todo, especialmente o abarrotamento dos escaninhos de processos e a já mencionada falta de isonomia nos julgamentos, entre outras questões[7].
3 Aplicação dos recursos repetitivos
Entretanto, falemos especificamente do aumento do uso dos precedentes vinculantes no novo código. De proêmio é interessante dizer que a mais representativa novidade legislativa relativa ao tema está no artigo 927, que assim dispõe:
Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
É de se perceber que as previsões dos incisos I e II (decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e as súmulas vinculantes) já eram bem conhecidas na égide do CPC anterior, o que se dava, inclusive, por imperativos constitucionais.
Os recursos repetitivos (julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos), por sua vez, também já existiam no sistema processual civil anterior e agora foram aperfeiçoados no novo código, mas não se pode deixar de ser destacada a curial mudança trazida pelo novel código, que é força vinculante que no sistema anterior não lhe era dada. Agora, tal como ocorre nos outros instrumentos formadores de precedentes vinculantes do art. 927 acima, a aplicação dos recursos repetitivos é obrigatória. Diga-se, ainda, que mesmo quando tais acórdãos julgados por meio de recurso repetitivo não tenham transitado em julgado, a força vinculante se apresenta, conforme tem decidido o E. STJ[8].
De tal forma que em relação ao artigo 927 do CPC/2015, novidade mesmo são os institutos contidos na primeira parte do inciso III e nos incisos IV e V.
Assim, o novel legislador previu de forma inaugural em nosso processo civil os acórdãos proferidos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas (III), os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional (IV) e as orientações do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (V).
Na ordem trazida pelo mencionado artigo 927 do CPC/2015, a primeira novidade é a assunção de competência, que vem disciplinada a partir do artigo 947. Nela existe a necessidade de se uniformizar entendimento relativo a relevante questão jurídica que apresente grande repercussão social, em casos em que ainda não há repetição em múltiplos processos.
Já para a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR (artigos 976 a 987 do CPC/2015), ao contrário da assunção de competência, pressupõe-se a efetiva repetição de processos (macrolides) sobre a mesma questão de direito, associadamente ao risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976 do CPC/2015). O intuito do legislador foi o de diminuir o número de lides análogas, estabelecendo isonomia entre os jurisdicionados, ao selecionar um processo-piloto para estabelecer a regra a ser aplicável ao demais que versem sobre a mesma tese jurídica[9].
E, como dito, com o mesmo escopo das súmulas vinculantes agora há obrigatoriedade de observância das súmulas repressivas dos Tribunais Superiores nos julgamentos proferidos pelos juízes e tribunais (art. 927, IV). Não é inócua a menção específica que o dispositivo legal enfocado faz sobre súmulas do STF relativas a matéria constitucional e súmulas do STJ relativas a matéria infraconstitucional. É que atualmente existem diversas súmulas do STF disciplinando matérias processuais, por exemplo, que dizem respeito a matéria infraconstitucional, de forma que há doutrina afirmando que tais súmulas estariam agora superadas[10].
E no inciso V do art. 927 do CPC/2015 se disciplina que também são considerados precedentes vinculantes as orientações do plenário ou do órgão especial[11] dos tribunais locais a que o juízo estiver vinculado. Portanto, parece correto entender que as súmulas do tribunal a que o juiz estiver vinculado – mesmo as editadas antes do CPC/2015 e que não estiverem superadas – lhe são de observância obrigatória. E pelo teor do dispositivo legal comentado, depreende-se que não é necessário que o julgado proferido pelo plenário ou órgão especial do tribunal de segundo grau tenha sido sumulado para obter a força vinculante de que se está a tratar.
Outro ponto de destaque é que tais precedentes vinculantes repercutem também nos provimentos de urgência regulados no novo código. Com efeito, a tutela da evidência – que independe da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo – será concedida quando houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos[12] ou em súmula vinculante (art. 311, II do CPC/2015)[13].
Percebe-se que não foram expressamente contempladas no dispositivo legal supramencionado as súmulas repressivas dos Tribunais Superiores, donde poderia se pensar que eles não serviriam de base para a concessão de tutela da evidência. Nada obstante, ao que tudo indica, neste ponto o legislador disse menos do que deveria. Isso porque numa interpretação sistemática do código não há como deixar de incluir tais instrumentos como hipóteses viabilizadoras da concessão de tutela da evidência, vez que as súmulas repressivas, como visto, estão dispostas no rol do art. 927 do CPC/2015 (que enumera os precedentes vinculantes). Outrossim, o art. 332, I do CPC/2015, que trata das situações de improcedência liminar do pedido – chamado pela doutrina de julgamento antecipadíssimo da lide -, traz as súmulas repressivas como parâmetros para a aplicação do julgamento de improcedência liminar do pedido.
Outro conceito importante e que já vem tendo aplicação prática é a inserção da jurisprudência das turmas dos tribunais superiores como fonte de precedentes vinculantes. Com efeito, no mês de maio de 2016 foi publicada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a Portaria PGFN n. 502 que dentre outros temas regulamenta hipóteses em que os procuradores a ela submetidos ficam dispensados de apresentar contestação, contrarrazões, recursos, bem como ficam autorizados a requerer a desistência nos casos de existência de jurisprudência consolidada “pelas turmas do STJ regimentalmente competentes para apreciar a matéria, dede que infraconstitucional” (art. 2º, § 5º, III).
Trata-se de interpretação extensiva do conceito de precedente vinculante também que tem algum amparo na doutrina[14].
4 Impactos da nova sistemática em outros institutos
Outro impacto de relevo provocado pelo instituto em análise verifica-se ao notar que o CPC/2015 ampliou as hipóteses de exequibilidade da sentença, ou seja, aumentou as hipóteses em que a apelação será recebida apenas no efeito devolutivo ao permitir que as sentenças proferidas com base nos precedentes judiciais sejam executadas imediatamente, a teor do art. 1.012, § 1º, V do código, que reza que começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória (gênero que contempla a tutela de urgência e a tutela de evidência).
E no cumprimento provisório da sentença (impugnada por recurso despido de efeito suspensivo), a caução pode ser dispensada no caso de sentença em consonância com súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com o acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos (inciso IV do art. 521).
Outrossim, os precedentes vinculantes podem acarretar na improcedência liminar do pedido[15] – independentemente da citação do réu, portanto – nos casos de tese divergente da jurisprudência de súmula, recurso repetitivo, incidente de resolução de demandas repetitivas e súmula de tribunal de justiça sobre direito local (art. 332 do CPC/2015).
E para relembrar o que já se passava no CPC/73 no âmbito dos recursos repetitivos, uma vez escolhidos dois ou mais recursos representativos da controvérsia pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau (TJ ou TRF), serão eles remetidos ao STF ou ao STJ, conforme o caso, com a determinação de suspensão de todos os processos pendentes sobre idêntica questão de direito.
É muito importante perceber que para garantir a observância dos precedentes vinculantes, caberá Reclamação (art. 988 do CPC/2015), quando “o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia” (art. 992 do CPC/2015)[16].
Ainda quanto à Reclamação, o novo código prevê o cabimento de tal instituto processual não apenas quando houver negativa de aplicação da decisão de determinado tribunal, mas também quando houver aplicação indevida de tais decisões.
Outra questão digna de nota relacionada aos precedentes está nas previsões do reexame necessário (duplo grau obrigatório de jurisdição). De início, o sistema manteve a desnecessidade de aplicação do instituto em sentenças fundadas em súmulas, acórdãos proferidos em julgamentos de recursos repetitivos e entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (art. 496, §4º, I a III do CPC/2015). No sistema anterior já havia dispensa do reexame necessário quando a sentença estivesse fundada em jurisprudência do plenário do STF ou súmula de qualquer tribunal superior (§3º do art. 475 do CPC/73).
Portanto, as novidades relativamente à dispensa de reexame necessário ficam por conta dos novos instrumentos de precedentes vinculantes, conforme o inciso III do art. 496 em tela (entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em assunção de competência), que então proíbem a aplicação do instituto. Outro ponto de sensível diferença do sistema anterior, mas não diretamente ligado aos precedentes vinculantes, toca ao inciso IV do art. 496 que dispensa o reexame necessário, no que tange a “entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa”.
Neste ponto, fica claro que o texto do código está se referindo a matérias jurídicas já superadas, em razão especialmente do posicionamento dos tribunais acerca das questões, que então não merecem mais ser revisadas obrigatoriamente pelos tribunais de segundo grau. Seja como for, não há como pensar que seja obrigatório ao magistrado ter ciência acerca de todas as matérias jurídicas a que a administração pública, em seus mais variados âmbitos, desestimula a litigiosidade. Aliás, se até o direito municipal deve ter a sua vigência comprovada (art. 376 do CPC/2015), com muito mais razão tal deve ocorrer quanto a manifestação, parecer ou súmula administrativa, a que se refere o inciso IV do art. 496 do CPC/2015, que nada mais são que atos administrativos, os quais, diferentemente da lei não têm presunção geral de conhecimento. Destarte, inclusive, nas palavras de Cunha, “em razão do princípio da lealdade e boa-fé processual, cabe ao advogado público informar ao juiz para que haja expressa dispensa da remessa necessária, evitando-se o encaminhamento dos autos ao respectivo tribunal[17]”.
Já nos tribunais, o CPC/2015 prevê a função obstativa de recursos no caso de inobservância dos precedentes, de tal sorte que pode o relator negar provimento a recurso, com ou sem a apresentação de contrarrazões (art. 932, IV e V).
5 Sobre a constitucionalidade da nova sistemática
De tudo quanto dito sobre as novas modalidades de precedentes vinculantes, não há como deixar de registrar a polêmica já existente na doutrina acerca da constitucionalidade de tais instrumentos, diante do princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), pois tendo eles aplicação cogente, teriam o mesmo poder da lei, de forma que não poderia se aceitar sua força vinculante, vez que derivada de lei ordinária, ao contrário das súmulas vinculantes e julgamentos proferidos em controle concentrado/abstrato de constitucionalidade que derivam de imperativo constitucional[18].
Entretanto, tal argumento parece não resistir a uma análise histórica dos precedentes vinculantes do país.
Não é de hoje que se faz necessária a releitura do princípio da legalidade, pois pelo menos desde a CF/88 não são somente as espécies legislativas que dispõe de imperatividade. Com efeito, é certo que o constituinte originário já previu a obrigatoriedade dos precedentes advindos dos julgamentos proferidos em ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI) e que depois foram incorporados outros instrumentos relativos ao controle concentrado/abstrato, tais como a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) pela EC 3/93, e que também veio do texto da Carta Magna nova forma de vinculação dos julgamentos do Poder Judiciário na forma das súmulas vinculantes (art. 103-A da CF) trazidas pela EC 45/04.
Sabe-se que não houve maiores problemas no Brasil de aceitação dos novos formatos de vinculação de julgamentos por meio de emenda constitucional. Portanto a diferença agora seria eventual inconstitucionalidade dos novos instrumentos trazidos pelo CPC/2015 já que advindos de lei ordinária.
Ocorre que com as reformas do CPC/73 já existiam instrumentos que tornavam obrigatório o respeito aos precedentes (mesmo que não contidos na CF), o que se pode perceber, por exemplo, da repercussão geral (art. 543-A do CPC/73) quando o recurso extraordinário não poderia contrariar jurisprudência dominante ou súmula do STF. Havia também no código anterior a mesma força vinculante dos precedentes em outros institutos, como o caso do recurso de apelação, em que o relator não deveria receber o recurso se a sentença atacada estivesse fundada em súmula do STJ ou do STF (cf. art. 518 do CPC/73) e também nas hipóteses de dispensa de duplo grau de jurisdição quando a sentença estivesse fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula de tribunal superior, entre outras.
Por tais razões, acredita-se que não haverá maiores ecos nos tribunais relativamente às vozes contrárias à constitucionalidade dos novos instrumentos de precedentes vinculantes do CPC/2015.
6 Distinguishing e overruling
Indo além, é mister trazer a lume que o precedente é composto das circunstâncias de fato da controvérsia e da tese ou princípio jurídico contido na motivação do provimento. O que vincula no precedente é a ratio decidendi[19]. Por isso, quando invocado um precedente, as decisões judiciais deverão demonstrar razões determinantes porque o caso apreciado se ajusta ao precedente[20], de forma que servem como norte para a aplicação dos precedentes as considerações relativas do estrito nexo de causalidade jurídica entre o fato e a decisão.
Nesse ponto é que se inserem outras grandes novidades do CPC/2015 que são a técnica da distinção (distinguishing) e a demonstração da superação do precedente (overruling).
Em linhas bem gerais, no caso de não haver correspondência exata da razão de decidir do caso concreto com aquela do precedente, deverão ser indicadas pelo julgador os fundamentos determinantes pelos quais não deve ser aplicado aquele precedente vinculante, o que pode ocorrer pela técnica da distinção (distinguishing) ou demonstração da superação do precedente (overruling).
Ambas técnicas têm fundamento legal no art. 489, §1º, VI e outros dispositivos do CPC/2015, que dispõe que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Na distinção (distinguishing) deve então ser demonstrado que o caso em julgamento não deve ser julgado tal como o precedente vinculante análogo, posto que haveria distinção de situação fática ou mesmo de questão jurídica não examinada na formação do precedente vinculante.
Já a demonstração da superação do precedente (overruling), deverá comprovar a existência de mudança substancial da realidade, a revogação ou modificação da norma que embasou a tomada decisão em momento pretérito ou, ainda, a grave injustiça na aplicação do precedente.
Explorando um pouco mais essa questão, partindo do pressuposto que dificilmente deve vingar a tese doutrinária de que somente as súmulas repressivas e recursos repetitivos editados depois da vigência do CPC/2015 é que teriam o “poder” de vinculação, em relação ao overruling pensa-se que exista uma dificuldade extra a ser deparada por todos os operadores do direito neste momento inicial de vigência do novo código, que se refere à existência de vários precedentes vinculantes superados, o que se dá por várias razões, tais como: a) súmulas dos Tribunais Superiores já superadas desde antes da vigência do CPC/2015 em razão da alteração das leis materiais/substantivas a que elas se referem ; b) súmulas dos Tribunais Superiores superadas após a vigência do CPC/2015[21]; c) súmulas que não mais se compatibilizam com o sistema em razão de regularem matérias que não lhe são próprias (como o caso do STF disciplinando matéria infraconstitucional[22]);
Isto porque se de um lado foi necessário incrementar os mecanismos dos precedentes vinculantes no novo código, de outro o diploma viu-se no dever de estimular a uniformização de jurisprudência. Aliás, tal pode-se perceber, por exemplo do conteúdo do art. 926 que deixa registrado que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. É que se os juízes e tribunais agora tem que seguir um número muito maior de entendimentos fixados em precedentes vinculantes, é saudável e esperado que esta jurisprudência tenha organicidade e atualidade.
E tal diretriz fica muito clara na exposição de motivos do CPC/2015, que fala em: “imprimir maior grau de organicidade ao sistema”,“evitar a dispersão excessiva da jurisprudência”, “operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas”, “tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize” e “que seja a jurisprudência do STF e dos Tribunais superiores, efetivamente, norte para os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário”.
7 Conclusão
Pode-se perceber então que relativamente ao tema em análise, buscou-se no novo código prestigiar a isonomia e a estabilidade das relações jurídicas, ou seja, a segurança jurídica, evitando-se a loteria judiciária[23]. Esses são os grandes valores prestigiados pelo legislador no CPC/2015 quanto aos precedentes vinculantes.
Outra vantagem relativa à sistemática analisada, diz respeito a uma tendência de redução da litigiosidade, na medida que o jurisdicionado tenderá a sopesar melhor o acerto da decisão de ingresso de uma ação judicial ao estudar os precedentes vinculantes para verificar se não há entendimento fixado no sentido contrário da tese pretendida[24].
Uma das mais fortes resistências por parte do Poder Judiciário, em aceitar com inteireza o novel sistema dos precedentes, especialmente dos juízes de primeiro grau, estaria na alegada diminuição da liberdade interpretativa das leis em geral, no seu engessamento no ato de julgar. Considero que em certos pontos, com o aumento da cultura dos precedentes vinculantes do direito processual brasileiro (especialmente no processo civil, agora com o CPC/2015), realmente exista um menor espaço interpretativo das leis, mas isso é um pequeno custo a se pagar por uma justiça mais uniforme e racional. Outrossim, mesmo aplicando um precedente, nada impede que o magistrado lance no julgado os seus argumentos de discordância do tema vinculante, como registro de posição contrária, o que, ao final, pode também ter a função de ir aos poucos provocando mais discussão sobre matéria e eventual mudança do paradigma[25].
E por tudo quanto dito, parece muito acertada a opção do legislador no que se refere ao estabelecimento de novos precedentes vinculantes e aperfeiçoamento do sistema, o que no final das contas, além de trazer mais racionalidade/organicidade ao sistema e de prestigiar a isonomia (e segurança jurídica) no tratamento dos jurisdicionados, conforme declara o próprio código (artigo 927, § 4º), deve redundar mais celeridade processual[26], um carga de trabalho do Poder Judiciário – já que o tempo usado para decidir aqueles processos poderá ser mais eficazmente aproveitado em todos os outros, em cujo trâmite serão evidentemente menores os ditos “tempos mortos” (períodos em que nada acontece)”.
Informações Sobre o Autor
Renato Câmara Nigro
Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio Juiz Federal Substituto em Campinas