Sociedade da informação e o direito na era digital

Os limites impostos pelos cientistas para o progresso da humanidade, tornaram-se, com o transcurso do tempo, meros marcos na evolução do conhecimento humano, posto que vêm sendo reiteradamente ultrapassados pelo desenvolvimento de novas tecnologias, dentre as quais assumem maior relevo, no contexto ora abordado, a revolução da informática e das telecomunicações, conforme demonstraremos no transcurso deste trabalho.

A explosão da utilização da Internet que vivenciamos em nosso quotidiano não seria possível sem o fenômeno da digitalização, ou seja, a introdução de tecnologia informática de ponta nos equipamentos e nas redes de telecomunicações. Aos poucos este avanço tornou possível a generalização do emprego da tecnologia de processamento e transmissão simultânea de diferentes tipos de informação (voz, dados e imagem), para todos os povos e locais, acabando por propiciar uma baixa sensível dos custos e preços destes serviços, além de fomentar a expansão dos mercados e o surgimento de novas necessidades dos seus usuários, espalhados por todo o globo.

Entretanto, como leciona Gustavo Testa Corrêa[1], a rapidez desse salto qualitativo e quantitativo de tecnologia mostrou-se incompatível com os conceitos e padrões contemporâneos, o que contribuiu para o surgimento de conflitos entre as novas tecnologias e o corpo social.

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A Ciência Jurídica não pode ficar inerte e alheia a essas transformações, devendo, necessariamente, acompanhar tal progresso ora criando dispositivos legais, ora alterando ou dando novas interpretações às regras jurídicas existentes em cada país.[2]

Especificamente tratando-se das relações virtuais, cumpre ao Direito, como ciência e mecanismo de controle social, fazer-se presente para conferir estabilidade e segurança às relações jurídicas que se estabelecem através da Internet, garantindo a efetividade do ordenamento vigente na transição, ao que parece, inevitável, do mundo real para o mundo digital.

Sem dúvida existe a necessidade de se repensar antigos dogmas jurídicos, com o objetivo de adaptá-los a uma nova realidade que se descortina diante de nossos olhos. De fato, o mundo virtual, em seu atual estágio de evolução, não se conforma com as normas existentes no mundo físico, o que vem causando uma série de incidentes, revelando que a regulamentação dessas relações virtuais deve estar na ordem do dia do legislador pátrio.

Vale lembrar que na década de 80, o computador era visto pela ciência como uma máquina qualquer, protegidos seus elementos constitutivos (hardware e software) pela legislação referente à propriedade intelectual. Nesta época, as lides envolvendo computadores e seus acessórios se resumiam e eram resolvidas no âmbito do Direito Civil, aplicando-se dispositivos de proteção aos direitos autorais.[3]

Sem embargo, tal entendimento é inadequado à atual demanda normativa dos usuários da Internet considerando, dentre outros fatores, o caráter multidisciplinar do tema. A necessidade de redefinição de alguns paradigmas sobre os quais está fundada a dogmática jurídica tradicional fica ainda mais evidente quando verificamos que uma punição imposta pelo ordenamento jurídico local pode se tornar potencialmente eficaz no mundo inteiro, violando princípios fundamentais para a Teoria Jurídica, como a da territorialidade e dos limites físicos da coisa julgada.

No plano sócio-econômico, por exemplo, estamos saindo de uma economia baseada em trocas de mercadorias e serviços tangíveis para uma outra, onde bens, serviços e valores são convertidos para sua expressão virtual, não havendo ainda uma precisa valoração e discussão sobre os paradigmas que devem nortear as relações nessa nova fronteira econômica, cujas possibilidades sequer foram esgotadas.

Ante o surgimento dessas novas figuras jurídicas, nossos legisladores têm uma importante decisão a tomar, qual seja, ou bem as adaptam ao sistema jurídico vigente, mediante uma interpretação doutrinária e jurisprudencial com supedâneo na doutrina tradicional, ou, ao contrário, estabelecem um marco jurídico próprio, devendo observar as bases histórico-jurídicas do nosso tempo, de modo a conferir segurança jurídica às relações eletrônicas.

A essa situação aplica-se com muita propriedade a assertiva de Hugo César Hoeschl, que chega a comparar a realidade e o regramento das relações virtuais com a noção de Direito Natural, em artigo[4] publicado e disponível on line:

Na realidade, as pessoas, no ciberespaço, fazem o que querem, respeitados os limites da natureza, da ciência, da força ou da ética, mas não do direito. Está vigente um ordenamento com peculiaridades mais próximas daquelas encontradas no direito natural, sob uma nova postura.

Neste horizonte de dúvidas e incertezas, resta configurada situação análoga àquela tão bem descrita por Platão em sua metáfora sobre as sobras na caverna, vez que os operadores do direito, em sua maioria, ainda não atentaram para a necessidade de se debruçar sobre o estudo dos impactos ocasionados pela Internet, e, em especial, a questão dos contratos eletrônicos, preferindo formar juízos baseados em meras sombras do que vem a ser verdadeiramente a utilização da grande rede mundial de computadores para a celebração virtual e quase imediata de negócios jurídicos.

Não percamos de vista de que estamos tratando de um universo ainda não tutelado por qualquer figura estatal dotada de supremacia, onde as relações, no âmbito interno, baseiam-se na ética e na moral individuais, vez que ainda não é possível falar em sanção de modo uniforme e oficial.

Este fato é muito bem descrito por José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto:

A Internet se traduz em um dos meios de comunicação mais completos já vislumbrados pela mente humana. A grande rede tornou possível a comunicação em nível global; pessoas de todo o mundo podem se relacionar, pesquisar novos assuntos, difundir suas idéias. (…) A internet é uma verdadeira praça pública, onde todos, independentemente de raça, cor e nacionalidade têm direito ao uso da palavra. È a versão moderna da Ágora da Grécia Antiga.[5]

Por conseguinte, acabamos por ter que nos familiarizar com um novo termo, a “netiqueta”, que exprime o conjunto de regras de comportamento nas relações virtuais, baseado na ética coletiva; ao que parece, o atual elemento disciplinador da Internet.

Este conjunto normativo está sendo forjado pela reiterada utilização de preceitos morais e de trato social, que se solidificam por uma prática contínua, através de protocolos e convênios para criação de institutos de autogestão das relações da WWW.

Tal quadro nos permite, sem exageros, ressaltar a importância da Internet como legítimo instrumento de progresso social, ou no dizer de Antônio Chaves[6]:

O fato de que o homem não pode mais dispensar o diálogo com o computador, se pode ter significado no âmbito individual da posição de cada um que o utiliza, tem certamente uma significação mais complexa no plano das relações sociais, quando o uso da máquina se torna um instrumento essencial da convivência social.

Os trabalhos doutrinários mais recentes apontam que uma das grandes mudanças verificadas nos últimos anos, com reflexos e repercussão ainda não totalmente determinados, foi ter a informação adquirido valor próprio, independente do suporte físico pelo qual é vinculada ou do meio para sua transmissão, passando ela mesma a ser objeto dos interesses jurídicos.

É baseado nesta constatação que o professor português Miguel Pupo Correia[7] redefine a noção de sociedade em nosso estágio atual, para adequá-la a esta nova realidade, passando a denominá-la “Sociedade da Informação”, conceito que pode ser sintetizado da seguinte forma:

Modo de desenvolvimento social e econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na actividade econômica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais.

Dentre as notas mais características da Sociedade da Informação, o já referido autor costuma ressaltar a desmaterialização dos suportes da informação (o que, noutras palavras, para os mais extremistas, marca o “fim do papel”) e a  globalização das fontes e da acessibilidade da informação, através da conjugação da tecnologia de telecomunicações com a informática (telemática), que converge para o que se convencionou designar “auto-estradas da informação”, uma extensa malha onde, em tese, será possível fundir todas as fontes de informação numa única base de dados acessível virtualmente por todos os usuários dela, potencialmente interconectados.

Desse modo, resta configurado um ambiente onde a imediatividade temporal e física do acesso à informação, dado à extrema funcionalidade e celeridade dos meios tecnológicos utilizados, proporciona o que podemos denominar “eliminação virtual das distâncias”. Além disso, cumpre ressaltar a democratividade, isto é, o barateamento do acesso à Internet, e conseqüentemente, a “igualização” de oportunidades aos potenciais usuários, sobretudo aos hiposuficientes.

Percebemos ainda que os elementos descritos acima não são estanques, ao contrário, estão intimamente relacionados, devendo ser interpretados em conjunto para se obter a exata compreensão do conceito sob análise.

Uma outra vertente que caracteriza a sociedade dos tempos da Internet é denominada tele-economia, ou seja, o fenômeno cada vez mais presente de utilização massiva de meios telemáticos como procedimento para a formalização e transmissão de declarações de vontade negociais, empregando-se uma grande variedade de instrumentos que propiciam uma ligação apenas virtual dos agentes do mercado, facilitando a globalização das transações comercias.[8]

Neste aspecto, torna-se necessário alertar que, a rigor, a Internet não envolve telecomunicações, como tradicional e amplamente entendidas, pois, na verdade, consiste num conjunto de tecnologias para acesso, distribuição e disseminação de informações em redes de computadores que apenas faz uso dos sistemas e da infra-estrutura de telecomunicações para viabilizar sua utilização.[9]

I – Internet: A rede mundial de computadores.

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Necessidade de precisar alguns conceitos

A estrutura que deu base à criação da Internet teve origem num sistema de interligação de redes de computadores nos Estados Unidos, para fins de proteção militar, por volta de 1957, capitaneado pela ARPA (Advanced Research Projects Agency), uma agência governamental criada para o desenvolvimento de projetos avançados de pesquisa.

O princípio que norteou seu desenvolvimento pode ser resumido na procura de vários caminhos para alcançar determinado ponto, ferramenta fundamental durante a guerra fria, pois, além de garantir o acesso remoto às informações, a inexistência de um centro único de emissão e recepção de dados permitiria que, mesmo em caso de confronto militar e destruição de parte do sistema, as informações continuassem a ser transmitidas, de maneira independente, através de áreas intactas da rede.

Assim, podemos afirmar, em linhas gerais, e de maneira bem simples, que a Internet se consubstancia na interligação de milhares de redes de computadores, que passam a funcionar como se fosse uma só, graças à utilização dos mesmos padrões de transmissão de dados das informações.

Com o tempo, as aplicações de cunho restritamente militar, passaram a ser utilizadas entre universidades e laboratórios de pesquisas iniciando a expansão da utilização da Internet. Faltava apenas a criação de um sistema que permitisse a seleção dentre os diversos documentos que versavam sobre determinado assunto. Tal avanço foi desenvolvido por Tim Burnes-Lee, que introduziu o acesso às informações por meio de hipertextos[10] (links).

Sobre este aspecto e antes de prosseguirmos na análise do tema, cumpre destacar lição do já citado Gustavo Testa Corrêa[11]: a Internet não é a World Wide Web, também chamada de WWW, pois, justamente devido a sua grande extensão e amplitude, aquela significa o meio pelo qual o correio eletrônico, os servidores FTP (file transference protocol, ou seja, protocolo de transferência de arquivos, usado para transferir arquivos de um computador para o outro), a WWW, o usenet (rede para distribuição de novos itens e mensagens) e outros serviços trafegam.

A WWW é um conjunto de padrões e tecnologias que possibilitam a utilização da Internet por meio dos programas navegadores (browsers), que por sua vez tiram todas as vantagens desse conjunto de padrões e tecnologias pela utilização do hipertexto e suas relações com a multimídia (som e imagem), proporcionando ao usuário maior facilidade na sua utilização, com a obtenção de melhores resultados.

Entretanto coube WWW a popularização da rede mundial de computadores (Internet), na medida em que propiciou aos seus usuários uma face (interface) mais acessível e interessante, através da utilização combinada de som, imagem e movimento.

Feitas essas considerações preliminares[12], devemos anotar ainda que o termo “Internet” pode ser enfocado sob dois modos distintos, embora complementares. Em primeiro lugar, pode designar seu aspecto meramente físico, se a considerarmos apenas sob prisma de seus elementos constitutivos e de sua topologia. Neste caso, a Internet é simplesmente uma rede de redes, produto da interconexão de um grande número de redes menores, cujo fator aglutinante é o conjunto de protocolos de comunicação.

Por outro lado, pode o termo exprimir seu caráter lógico, plano onde encontramos os serviços básicos e outros de valor agregado disponibilizados pela rede. Daqueles provêem a funcionalidade do sistema, incluindo correio eletrônico, transferência de arquivos (FTP), acesso remoto de computadores (telnet) e a navegação pelas páginas web. Já estes são serviços que, utilizando a base dos anteriores, oferecem prestações especializadas, como, v. g., transporte de áudio e vídeo, dentre outros.

Registre-se que a interligação física das redes é provida por meio de sistemas telefônicos das mais variadas espécies (fibras óticas, fios de cobre, transmissão via rádio, etc…), que interferem fundamentalmente na qualidade e velocidade do funcionamento da Internet.

Os dados oriundos dos computadores dos internautas são convertidos em sinais sonoros utilizando-se um modem, aparelho (hardware) através do qual é possível ao usuário conectar-se à Internet, diretamente pelo sistema telefônico, ou, como mais usual, conectando-se a um outro computador com mais recursos, denominado servidor. Este está conectado diretamente à WWW.

Uma vez conectado, cada computador passa a operar como integrante da rede, recebendo seu próprio endereço, denominado internet protocol (IP). Vale ressaltar que tais endereços são determinados por um código numérico, o qual é representado por uma série de palavras para facilitar a memorização, que são chamadas “nome de domínio” (domain name).[13]

De modo objetivo, podemos resumir o funcionamento da WWW, apresentando as fases obrigatórias por que passa uma transação entre computadores conectados à rede, que devem obedecer ao http[14], ou seja, protocolo de transferência de arquivos (hypertext transfer protocol) , a saber:

a) Conexão ® quando o programa de navegação (browsers)  do usuário (web client) tenta conectar-se com o servidor endereçado;

b) Requerimento ® quando o navegador especifica o tipo de servidor selecionado, utilizando o protocolo de transferência de arquivos (http);

c) Resposta ® fase de transação de informações entre o navegador e o servidor, permitindo o início da “navegação” pela WWW ; e

d)Fechamento ® fase onde a conexão com o servidor é terminada.

A experiência prática vem demonstrando que ainda não atingimos o limite dos recursos que a Internet pode disponibilizar. Dentre as principais formas de utilização, podemos destacar as de caráter interpessoal (uso do correio eletrônico), as de cunho interativo, como o acesso às páginas WWW, com as de aspecto intersistêmico, onde ocorrem as trocas de dados sem a intervenção humana[15].

II – O CIBERESPAÇO

Qualquer espaço social apto a ensejar relações intersubjetivas, antes do advento da Internet, parecia estar adstrito a uma barreira quase que intransponível, qual seja, a barreira da nacionalidade. Sem embargo, torna-se evidente que limitações espaciais existentes no território geográfico não se refletem do mesmo modo na geografia da WWW.

Ao utilizarmos a Internet, “navegamos” pelo que se convencionou chamar ciberespaço[16], ou melhor, um ambiente amplo e bastante complexo, gerado eletronicamente, que representa a rede atual de linhas de comunicação e bancos de dados, através da qual informações e pessoas circulam livremente, como se fossem a mesma coisa. Neste, os conceitos de interno e externo sofrem uma verdadeira inversão: o interno representa o que está na rede e o externo, o que está fora dela.

Feitas estas ponderações iniciais sobre o tema, devemos buscar destacar suas notas mais características. Dentre os vários autores que abordam o tema do ciberespaço, optamos por coligir o pensamento de Warrat[17], posto que apresenta argumentos esclarecedores das características do território virtual:

… definir ese no lugar en que virtualidad y realidad se mezclan descubriendo horizontes desconocidos que abrirán, creo, simultáneamente puertas del paraíso y del infierno. La gran revolución de la numerización generalizada, la compresión de datos e redes de información imposibles de controlar. La revolución de las redes de información, que hará desaparecer las pautas básicas con que hoy nos movemos en relación a los saberes, el tiempo u el espacio. Otras realidades bien distintas a las que el conocimiento de la modernidad nos colocó.

Ao abordarmos a questão do território, nos deparamos com outra questão correlata essencial para o deslinde de qualquer litígio envolvendo contratos eletrônicos, qual seja, a definição da lei aplicável ao caso e a determinação da competência para sua aplicação.

Antes mesmo da definição da competência, cumpre determinar qual a lei aplicável às transações via internet. Vale destacar que o emprego da tradicional regra locus regit actum às transações eletrônicas mostra-se tormentoso, posto que, na maioria das vezes torna-se difícil determinar o lugar no qual a obrigação se constitui. Daí porque parte da doutrina entender que a mesma não seria aplicável aos negócios jurídicos celebrados em meio eletrônico.

Para ilustrar a importância da determinação da lei aplicável às lides envolvendo transações eletrônicas cumpre coligir um exemplo: enquanto em uma jurisdição a colocação de um preço em uma página da web com opção de compra – que poderia equivaler a uma oferta, em outra, tal notícia equivaleria a um mero convite a ofertar. Temos, configurando, por conseguinte, o mais absoluto impasse, sendo imperiosa a definição da legislação competente ao deslinde do caso proposto.

Resta nos socorrermos à nossa Lei de Introdução ao Código Civil, que no seu art. 9.º determina que a obrigação resultante de um contrato reputa-se constituída no lugar em que reside o proponente. Há portanto uma pretensão absoluta de se considerar os negócios inter absents constituídos no lugar em que o proponente tiver sua residência, ainda que acidental, pouco importando a lex loci actum e a lei domiciliar do proponente ou aceitante.

Anote-se que a expressão residência não se confunde com o conceito de domicilio de forma que, o que realmente importa na determinação da legislação aplicável ao caso, não é o lugar onde se encontra o computador do qual provém a policitação, mas sim o lugar onde efetivamente resida o proponente. Dessa forma, independentemente de onde estiver localizado o computador base da homepage como também qualquer que seja a extensão do endereço do correio eletrônico (e-mail)  utilizado, a lei aplicável é a do foro do proponente.

Não obstante, há quem prefira sustentar a tese de que se deveria considerar extensão do e-mail, já que em, muitos casos, é praticamente impossível saber onde reside o proponente, dado o caráter transnacional da WWW. Parece-nos que para prevenir futuras controvérsias, o ideal seria a eleição do foro do contrato, devendo ainda os proponentes restringir o público consumidor que almejam atingir com suas ofertas.

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Mas as implicações da determinação da competência e da determinação da lei aplicável ainda não foram exauridas, pois o art. 17 da já mencionada LICC estabelece que a lei e as declarações de vontade estrangeiras não terão eficácia no Brasil quando houver ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes.

Neste contexto, inserem-se as regras de proteção e defesa das relações de consumo, posto que de ordem pública e indisponíveis, devendo forçosamente serem disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor. Importante ainda, quanto à questão do foro de eleição, é ter em mente que tal cláusula pode ser considerada abusiva se dificultar o acesso a Justiça ou o direito de defesa do consumidor, sendo, portanto, passível de anulação.

III – O COMÉRCIO ELETRÔNICO

Para alguns autores, a Internet nada mais é do que um novo meio de comunicação, como o telefone e o fax, e em se tratando de um simples meio, não traz qualquer inovação no campo jurídico. Seria apenas uma forma nova de se fazer as mesmas coisas que já se fazia antes dela, citando-se, como exemplo, o comércio eletrônico, que apesar de ser fruto da tecnologia, não deixa de ser um novo meio de se realizar uma das mais antigas atividades do Homem: o comércio.[18]

A notável expansão do comércio eletrônico (e-commerce) pode ser evidenciada dentre outros fatores pelo encurtamento e barateamento no processo de intermediação e distribuição, aumento da celeridade, redução dos custos administrativos e tributários. Malgrado tais vantagens, não percamos de vista que a Internet, sobretudo no Brasil, continua sendo um mundo sem regras, um mercado onde o comércio não pode florescer tranqüilamente por carecer de normas que o protejam completamente[19].

Quando se discute o tema da regulamentação do comércio eletrônico no Brasil, os debates logo se polarizam em duas correntes: (a) aqueles que entendem  não ser necessário o estabelecimento de uma nova legislação e (b) aqueles que acreditam que o este proporcione novas situações jurídicas que prescindem de regulamentação específica.

E pelo motivo das transações negociais por intermédio de meios eletrônicos serem virtuais e imateriais, é indispensável que esta regulamentação reconheça a complexidade da contratação e execução comercial dentro deste meio, adaptando os princípios gerias do Direito Contratual e Comercial com as particularidades resultantes das transações eletrônicas. Entretanto, já afirmamos que tão só essa mudança de comportamento e releitura de dispositivos vigentes não é suficiente às necessidades dos usuários da rede.

Devoto e Lynch[20] chegam a estabelecer os requisitos fundamentais para que o comércio eletrônico funcione na Internet, mencionando: (a) regras relacionadas com a propriedade, mormente quanto à identificação dos objetos de intercâmbio; (b) sistemas de pagamento dotados de segurança e (c) mecanismos de coerção de transgressões.

O relevante é que tais aspectos devam ser analisados sob prisma jurídico, o que implica na necessidade de determinação dos seguintes elementos: (a) jurisdição competente para resolver conflitos derivados de contratos eletrônicos; (b) legislação aplicável a estes contratos e (c) lugar, tempo e requisitos formais de sua celebração.

A importância da regulamentação do dinheiro eletrônico torna-se evidente quando tratamos da questão do cumprimento dos contratos virtuais, posto que, há de se adotar outras formas de cumprimento, que não se consubstanciem na utilização de papel moeda, sob pena de engessar o desenvolvimento do comércio eletrônico.[21]

Acreditamos que o que é essencial para aqueles que atuam no mercado das transações comercias no espaço virtual é a existência de regras claras e seguras. O atingimento de tal situação torna-se um pouco tormentoso, quando percebemos que nosso atual sistema jurídico encontra-se estruturado no uso de suportes escritos em papel para a emissão de declarações negociais.

Mais uma vez o problema que se apresenta é a ruptura de um paradigma, in casu, a transição do cumprimento das obrigações pactuadas em meio digital. O primeiro passo para a resolução da questão da utilização do dinheiro eletrônico é termos em consideração que o valor dos bits não está neles mesmos, mas sim na utilidade que eles podem proporcionar a alguém. Quanto maior for a utilidade que deles pode ser extraída, maior será o valor que terão.[22]

Vale anotar que o dinheiro eletrônico se distingue da transferência eletrônica de fundos (TEF), pois nesta existe a intervenção de um terceiro, em geral, uma instituição bancária, enquanto que naquele não há necessidade de autorização ou participação de terceiro. Por este motivo, alguns doutrinadores preferem reduzir a noção de e-cash a uma mera representação por meio de um suporte informático de depósitos de dinheiro ou outros valores ou ativos financeiros, até porque atualmente a maioria dos sistemas de e-cash são do tipo “pré-pago”.

Trata-se de uma discussão que está apenas iniciando, e que será definitivamente influenciada pela evolução, disseminação e comportamento das partes que negociam por meio eletrônico. O e-cash depende de tecnologia que está em constante mutação, não sendo possível, nos dias de hoje, delimitarmos de forma precisa quais as suas notas características, entretanto, não poderíamos nos furtar a apresentar alguns dos argumentos atualmente debatidos sobre este tema.

IV – MOMENTO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO ELETRÔNICO

Na Internet, os contratos podem ser celebrados, basicamente, através de duas formas: por meio de troca de correio eletrônico ou mediante o oferecimento de propostas em determinada homepage, com a correspondente aceitação da outra parte, que, pode ser manifestada por um simples click sobre o botão “concordo” que aparece na tela do computador[23].

Para fins de determinação do momento de perfeição do contrato celebrado por correio eletrônico pergunta-se qual o momento que deve ser considerada expedida a resposta do oblato: Quando este aperta o botão “envia” de sua caixa postal, quando a sua mensagem chega ao seu provedor de acesso, ou quando esta chega ao seu provedor do proponente?  Tal questão fica ainda mais árdua quando analisamos o tema da retratação, vez que nossa legislação dispõe que não será considerado celebrado o contrato se juntamente com a aceitação chegar a retratação, posto que, na Internet, tal situação pode, em alguns casos, ser eliminada.

O deslinde do problema apresentado requer a análise dos postulados da doutrina tradicional sobre o momento de formação dos contratos à distância, consagradas no Código Civil.

Segundo a legislação vigente, não é obrigatória a proposta se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita, considerando-se presente a pessoa que contrata por meio de telefone. Desse modo, aquele que conversa diretamente com o proponente é considerado presente, mesmo através de outro meio mais moderno de comunicação à distância, ainda que os interlocutores estejam em cidades diferentes, como o que ocorre, por exemplo com as conferências eletrônicas on line. Este dispositivo fundamenta-se na assertiva em que nestes casos não há intermediadores (no sentido clássico do termo) e nem grandes lapsos temporais que possam descaracterizar a instantaneidade da negociação.

Acontece que em sede de relações negociais virtuais, existe mais uma particularidade em relação à tradicional contratação entre ausentes por correspondência: a contratação entre ausentes ocorre em tempo real, isto é, a ausência passa a ser considerada em termos relativos[24].

De fato, existe uma nova temporalidade quando tratamos de transações por meio eletrônico. Esta é caracterizada pela simultaneidade e pela dissolução da distância entre as partes, configurando o que poderíamos denominar tempo virtual, que propicia aos contratantes interação quase imediata.[25]

Longe de encerrar uma contradição, tal peculiaridade aproxima os contratos eletrônicos dos contratos entre presentes, o que nos leva a situá-los numa zona intermediária entre estas duas espécies.

Por conseguinte, alguns autores consideram despiciendo tratar das clássicas teorias do conhecimento e da emissão em relação aos contratos eletrônicos, posto que a emissão da aceitação e a recepção podem ser produzidas quase em tempo real. Entretanto, não esqueçamos que tal entendimento não pode ser aplicado ao e-mail, posto que neste, além de verificarmos iter variado e passagem por diversos intermediários antes da sua chegada ao destino final, resta configurada uma quebra na instantaneidade da comunicação.

Não obstante, no campo doutrinário, várias teorias foram desenvolvidas ao longo do tempo, para disciplinar o momento da formação dos contratos, ou seja, a expedição da oferta e a manifestação de sua aceitação. A primeira teoria é a da informação ou cognição, pela qual o contrato é tido por celebrado no momento em que o policitante toma ciência da aceitação do oblato.

Seus defensores sustentam que não se pode dizer que um negócio jurídico esteja realizado sem que o proponente e o aceitante tenham conhecimento da vontade do outro. Tal teoria encontra-se em decadência diante da possibilidade de fraude e má-fé por parte do ofertante (dificuldade de prova).

A segunda teoria é a da agnição ou declaração, que reputa concluído o contrato no instante em que o oblato manifesta sua aquiescência à proposta. Esta teoria é subdividida em três diferentes modalidades, a saber: (a) declaração propriamente dita; (b) expedição (não basta a formulação da aceitação, é indispensável sua remessa) e (c) recepção (contrato concluído quando o policitante recebe efetivamente a resposta favorável, mesmo que não seja por ele lida).

Nossa lei substantiva civil, salvo exceções, consagrou a teoria da agnição na modalidade da expedição. Apesar de nossa lei substantiva civil haver adotado a teoria da expedição da aceitação, sob o ponto de vista do tempo do contrato, adotou como lugar da celebração do mesmo o da expedição da oferta.

Apresentado o sistema de contratação entre ausentes em nosso ordenamento, passamos a apresentar o modo de seu processamento, que ocorre em quatro fases distintas: (a) declaração, quando o receptor da oferta (oblato) expressa sua vontade de aceitar a mesma e celebrar o contrato; (b) expedição, momento em que o oblato envia a resposta favorável a contratação; (c) recepção, quando  a aceitação da oferta chega as mãos do proponente, mas não a seu conhecimento; e (d) conhecimento  quando o proponente conhece a aceitação.

Tal posicionamento doutrinário, acatado pelo ordenamento civil vigente é totalmente aplicável aos contratos celebrados por meio eletrônico, desde que interpretado de acordo com a realidade da Internet, como pontifica Rosana Silva Ribeiro[26], in verbis:

Entendemos que a melhor solução seria a que entende por recebido o e-mail quando há a descarga do arquivo no computador daquele a quem é feita a proposta, ou que aguarda a aceitação, independentemente da data em que o arquivo é recebido pelo provedor de acesso. De mais a mais, é sabido que, comumente, o login com o provedor pode apresentar problema, de forma que, por dias, o usuário pode vê-se impossibilitado de enviar ou receber e-mails, ou sequer conectar-se à rede.

Uma vez que demonstrada que tal teoria é aplicável às transações envolvendo comércio eletrônico, cumpre destacar os requisitos de validade da oferta formulada pela Internet, de modo a conferir segurança às relações virtuais:

a) a identificação do provedor, com especificação de sua localização física, isto é, de seu domicílio;

b) as características específicas do objeto do negócio, determinando-o de forma clara e precisa;

c) o preço, ou os critérios para sua determinação, no momento da emissão da aceitação;

d) despesas com transporte, devidamente separadas do preço;

e) forma de pagamento, modalidades e prazo de entrega;

f) por fim, o prazo de validade da oferta.

Na constante evolução do comércio eletrônico e, conseqüente das transações celebradas por meio eletrônico merece destaque uma figura jurídica forjada no direito norte-americano, denominada “não repúdio” (non repudiation).

Nos deparamos com este instituto quando uma determinada mensagem eletrônica adquire força vinculante ante a possibilidade da alegação de sua não existência, ou em outras palavras: as partes ficam vinculadas ao negócio de tal forma que não podem negar sua existência ou validade.

O instituto do “não repúdio” consiste na capacidade de provar a uma terceira pessoa que uma determinada mensagem eletrônica foi originada, admitida e enviada a uma determinada pessoa. Sob este aspecto, não devemos confundi-lo com a autenticidade ou integridade da mensagem. Naquele (não repúdio) deve prevalecer o elemento diferenciador, qual seja, sua eficácia probatória diante de terceiros.

Para conseguir-se o efeito do “não repúdio” faz-se necessário prévio acordo entre as partes, antes do envio das mensagens por meio eletrônico que pode ser obtido com a utilização da firma digital, que trataremos adiante.

Interessante ainda destacar que a aplicação das condições gerais em uma contratação eletrônica e o cabimento do Código de Defesa do Consumidor revestem-se de especial importância na modalidade de contratação onde a aceitação da proposta pode ser manifestada por um simples click do mouse sobre um botão disponibilizado no site do proponente.

Comumente detectamos nos contratos celebrados via Internet predisposição unilateral das cláusulas, geralmente elaboradas num alto grau de complexidade técnica dos termos empregados, o que torna difícil a cognoscibilidade de seu conteúdo, a despeito deste ter como características mais marcantes a generalidade, abstração e uniformidade de suas disposições e condicionar a eficácia concreta do negócio a integração destas. Junte-se a isso a instataneidade das transações, que com o advento da contratação por meios eletrônicos foi sensivelmente intensificada. Tais elementos permitem sua classificação como contratos de adesão[27].

Vale ressaltar que geralmente as cláusulas que configuram os contratos eletrônicos não se encontram presentes de forma direta, clara e visível no mesmo site onde deve emitir-se a aceitação. Via de regra, são disponibilizadas de maneira indireta, através de um link que envia o consumidor a outro sítio da WWW.

Tal situação faz com que em alguns casos estes point and click agreements  ou “contratos click” sejam celebrados com total desconhecimento das condições gerais que regem o contrato, ocasionando prejuízos para ambas as partes.  Neste aspecto, resta violado o direito à informação do consumidor consagrado no art. 6.º, inciso III do CDC, e, por conseguinte, viciado todo o negócio, vez que ante o desconhecimento das condições gerais, estas se tornam  destituídas de eficácia.

Apesar de relevante, o deslinde deste problema afigura-se bem simples. Para que o predisponente possa provar que os contratos que incorporam condições gerais foram celebrados com conhecimento expresso do usuário, basta inserir uma tela de visualização obrigatória, de modo que não seria possível acessar o formulário de aceitação sem ter um conhecimento efetivo das cláusulas. Outra saída é programar automaticamente o envio mediante correio eletrônico para a caixa postal do usuário das condições gerais.

Despiciendo registrar que apesar de abordarmos especificamente a questão do direito à informação nos contratos de adesão, todas as demais garantias asseguradas por lei ao consumidor são aplicáveis à contratação eletrônica.

V – A PROVA DOCUMENTAL ELETRÔNICA

De nada adianta o desenvolvimento da tecnologia da informação, para o aprimoramento do comércio virtual se juridicamente não for salvaguardado o objeto das relações advindas desse avanço.[28] Dessa assertiva, surge a necessidade de analisarmos as peculiaridades do documento eletrônico – sobretudo quando consideramos que eficácia probatória dos contratos eletrônicos está intimamente relacionada com a disciplina deste – partindo dos paradigmas atinentes à tradicional concepção de documento, antes de abordamos as modificações que o advento da era digital trouxe à compreensão esse instituto.

Vale destacar que desde o surgimento da escrita, esta forma passou a ser o modo ordinário de registro de todas as atividades dos homens. Graças à escrita, a memória dos fatos não se perdeu ao longo do tempo. Talvez dessa característica advenha a notória segurança que o homem, em suas relações, sobretudo no plano comercial, sente no documento escrito.[29]

Para a doutrina tradicional, dentre a qual se destaca o eminente professor José Frederico Marques, o documento registra fatos momentâneos e guarda características de poder, no futuro, ser visto como um fato ocorrido anteriormente.[30] Trata-se, por conseguinte, no dizer de Moacyr Amaral Santos, de uma coisa representativa de um fato, produto da atividade humana[31].

Partindo desta concepção, não se pode dizer, numa interpretação restrita e literal, que documento eletrônico é um documento, porque ele não é uma coisa, e portanto não pode ser representativa de um fato (trata-se, a priori, de um conjunto de bits, intangíveis por sua própria natureza). Por isso, Lima Neto conclui após a análise da teoria clássica e dos dispositivos legais que tratam do tema que a mera interpretação histórica não tem o condão de contemplar as peculiaridades técnico-informáticas da matéria. [32]

A solução é adotar um conceito mais amplo para documento, como atualmente vem reconhecendo a jurisprudência. Vale ressaltar que não existe diferença ontológica entre a tradicional noção de documento e a nova noção de documento eletrônico. Torna-se, portanto, necessário abandonar a noção puramente estrutural desse instituto, baseada na materialidade, para adotar sua noção funcional.

Dessa forma, malgrado não haver dúvida que historicamente o documento tem sido identificado como um escrito, nos dias atuais, seu conceito transcende o de simples escrito, desvinculando-se da clássica idéia de informação incorporada a um suporte físico. Aos poucos, nós estamos deixando a idéia de documento como escrito de natureza probatória (sentido estrito), para considerá-lo como coisa móvel (escrita ou não escrita) probatória (sentido amplo).

Esta orientação foi adotada pela UNCITRAL[33] na elaboração de sua lei modelo sobre comércio eletrônico, que exprime que quando cumpridas as necessidade básicas estabelecidas em lei para a validade do ato, aquelas devem ser consideradas satisfeitas, ainda que o tenham sido mediante o emprego de outra forma, que apesar de não prevista, não é vedada em lei. Este critério, vale dizer, mostra-se consentâneo com o princípio da instrumentalidade das formas, consagrado no arts. 154 e 244 do Código de Processo Civil Brasileiro

Esse critério implica aplicar às mensagens de dados um princípio de não discriminação a respeito das declarações de vontade, independentemente da forma que hajam sido expressadas. Neste sentido, os efeitos jurídicos desejados pelo emissor devem produzir-se com independência do suporte onde conste a declaração.

Não percamos de vista que estamos abordando de matéria de fundamental importância tanto na seara civil, substantiva, como no âmbito processual, vez que antes de tornar-se meio judicial de prova, o documento produz efeitos na vida real. Por este motivo é o direito substantivo e não o processual quem regula a formação do documento.

Dessa forma, cumpre analisarmos a questão sob a ótica do registro do fato, para podermos adequar o documento eletrônico às necessidades da sociedade, levando sempre em consideração que existem vários outros modos de se registrarem os acontecimentos ocorridos. Destarte, o documento eletrônico não se resume em escritos, podendo apresentar-se como um desenho, uma fotografia digitalizada, sons, vídeos, enfim, tudo que puder representar um fato e que esteja armazenado em um arquivo digital.

Neste particular, cumpre distinguir o suporte sobre o qual a expressão do fato é manifestada da própria noção de documento. Os suportes evoluem dia após dia, capazes de conter expressões de pensamento juridicamente relevantes, ou seja, passíveis de serem utilizadas como meio de prova.

Por isso, não há como negar a natureza de escrito do documento eletrônico, não importando que se apresente de forma direta (texto em claro, isto é, legível e entendível) ou em sua forma encriptada (quando só pode ser lido e entendido mediante procedimento informático específico).

E não se levante nenhum óbice devido à impossibilidade de consulta imediata do documento digital sem a utilização dos equipamentos adequados. Apesar do documento encontrar-se representado por uma tecnologia completamente nova, continua disponível, acessível e inteligível. O mesmo se verifica com a microfilmagem, por exemplo, que vem sendo utilizada rotineiramente nos assuntos bancários, sem obstáculos à sua validade.

Vale lembrar que não há por que se questionar a validade do documento eletrônico, até porque nosso ordenamento admite como válido um contrato verbal desde 1917.  O que se coloca em cheque é a sua eficácia probatória.  Já que a desmaterialização nada mais é do que a substituição do suporte clássico pelo magnético.[34] Ademais, o sistema jurídico brasileiro consagra dois princípios: liberdade probatória e livre convencimento motivado, que devem nortear sua admissibilidade e aproveitamento como meio de prova (art. 332[35], CPC).

Ao que parece, o verdadeiro problema reside na manipulação de seu conteúdo sem deixar vestígios das modificações realizadas. A questão primordial é de natureza probatória. Além disso, como ter garantias de cumprimento da avença celebrada por meio eletrônico se a relação virtual, no que concerne à prova documental, é etérea ?

VI – CONCLUSÃO

Considerando a gama de posições e a intensa discussão sobre a matéria, parece adequar-se perfeitamente a afirmativa de Joseph Rosenbaum: Navegando pelos caminhos do novo mundo do comércio sem papel talvez nós não tenhamos todas as respostas, mais ao menos estamos fazendo as perguntas certas.[36]

O objetivo do presente artigo não passa pela apresentação de soluções para os problemas descritos. Pretendeu-se descrever os diversos caminhos colocados a disposição do intérprete do direito, na longa jornada que está por vir. Nada obstante, os primeiros passos devem ser trilhado pela estrada da análise dos conceitos fundamentais que aqui se procurou introduzir na busca da compreensão do fenômeno da internet.

Não é raro encontramos operadores do direito que são contra as teses aqui mencionadas pelo simples fato de ignorar o que acontece no ambiente virtual, isto é, não aceitam porque não conhecem. Tal postura não se coaduna com uma teoria do direito que evolui no sentido de conferir ao intérprete um espaço de conformação cada vez mais importante.

 

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Notas:
[1]In Aspectos jurídicos da Internet, p. 02.
[2] SILVA, Rosana Ribeiro. Contratos Eletrônicos, p. 01.
[3] LIMA NETO, José Henrique B. Moreira. Aspectos Jurídicos do Documento Eletrônico, p. 01.
[4] In O ciberespaço e o Direito, p. 04.
[5] LIMA NETO, José Henrique Barbosa Moreira, Op. Cit., p. 01.
[6] In A informática no Direito de Autor Brasileiro, p. 03.
[7]  In Sociedade de Informação e Direito: A Assinatura Digital, p. 04.
[8] CORREIA, Miguel Pupo. Op. Cit., p. 08.
[9] LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o Direito no Ciberespaço, p. 02.
[10] Documentos que contêm palavras, ícones ou gráficos destacados do restante do documento.
[11] Op. Cit., pp. 08 e 10.
[12] Não obstante, na prática e sobretudo na incipiente doutrina jurídica sobre o assunto, os termos WWW e Internet são utilizados indistitivamente pela maioria dos autores. Embora registrada a distinção técnica entre ambos, trataremos os termos em questão como sinônimos.
[13] Os nomes de domínio são determinados de acordo com um sistema formado por múltiplos níveis, dentre os quais vale ressaltar os TLDS (Top Level Domains), que são o primeiro grupo de caracteres após o último ponto do nome de domínio propriamente dito (v.g. .com; .gov;.org, e etc…), como também aqueles que indicam o país de origem do usuário (.br, .fr…). Por fim cumpre anotar que os nomes de domínio devem ser únicos de modo a possibilitar o pleno funcionamento da rede, como também a localização exata dos seus inúmeros usuários.  (STUBER, Walter e FRANCO, Ana Cristina. Internet sob a ótica jurídica, p. 05)
[14] Não confundir com HTML, linguagem utilizada na arquitetura das páginas da web, código utilizado para fazer os documentos legíveis em todas as plataformas e programas da rede.
[15] O EDI (electronic data interchange) é uma sigla que designa um dado sistema informático que permite o intercâmbio de dados  em um formato pré-estabelecido, com o objetivo de realizar transações comerciais, e/ou administrativas de modo automático, vale dizer, de computador a outro computador, sem interferência humana.
[16] Termo criado em 1984,  por Willian Gibson, em sua obra Neuromancer.
[17] Citado por Hugo César Hoeschl, in O ciberespaço e o Direito, p. 03. Tal passagem, numa tradução livre, seria a seguinte:… Definir esse não-lugar em que a virtualidade e a realidade se mesclam, descobrindo horizontes desconhecidos que abrirão, creio, simultaneamente as portas do paraíso e do inferno. A grande revolução da numerização generalizada, a compressão de dados e redes de informação impossíveis de controlar. A revolução das redes de informação, que farão desaparecer as pautas básicas com que hoje nos movemos em relação aos saberes, o tempo e seu espaço. Outras realidades bem distintas daquelas que o conhecimento da modernidade nos colocou.
[18] VENTURA, Luis Henrique Pontes. Comércio Eletrônico, in Revista Jurídica Consulex, n.º 35, Nov/99, p.62
[19] Anote-se que existem duas categorias distintas de Comércio Eletrônico. Este pode ser exercido: (a) empresa – empresa, ou seja, permitindo a concretização de atividades-meio; e (b) empresa – consumidor final. Ambas promovem o fim dos intermediários  e o conseqüente barateamento das relações negociais.
[20] M. Devoto e H. M. Lynch  in  banca, comercio, moneda electrónica y la firma digital. Apud NAVARRETE, Miguel. Op. Cit., p. 12. 
[21] Voltando-nos a experiência alienígena, vamos verificar que na Espanha, o dinheiro eletrônico carece de eficácia liberatória, vale dizer, sua utilização não implica no cumprimento do pactuado virtualmente, até sua efetiva realização em papel moeda, como noticia o já mencionado Miguel Navarrete, Op. Cit, passim.
[22] GRECO FILHO, Marco. Internet e Direito, p. 19.
[23] Esta opção é utilizada principalmente em relações de consumo, equiparando-se aos contratos de adesão para fins de proteção ao consumidor, que trataremos mais adiante.
[24] NAVARRETE, Miguel. Op. Cit., passim.
[25] LORENZETTI, Ricardo Luiz. Op. Cit., p. 422
[26] In Contratos eletrônicos, p. 06.
[27] LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas, p. 27.
[28] Nos EUA já vigora desde janeiro de 2000 o Uniform Electronic Transactions Act, que concede à assinatura digital os mesmos efeitos legais da assinatura em papel.
[29] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, vol. 01, p. 509.
[30] Citado por Ângela Bittencourt Brasil, in Contratos virtuais, p. 03.
[31] In  Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, p. 385.
[32] Aspectos jurídicos do Documento Eletrônico, p. 04.
[33] UNCITRAL é a sigla de United Nations Commission on International Trade Law, uma Comissão das Nações Unidas (ONU) para fomento do Direito Comercial Internacional.
[34] QUEIROZ, Regis M. Soares. Assinatura Digital e o Tabelião Virtual, in  Direito e Internet, p. 381. 
[35]Art. 332 – Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”
[36] Tradução livre de frase citada por José Rogério Cruz e Tucci, in Direito Internet, p. 273. A afirmação na lingual original é a seguinte: “In navigation our way through the new world of commerce without paper, we may not have all the answers, but we are at least asking the right questions”. 

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcos A. de A. Ehrhardt Júnior

 

Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor Substituto de Direito Civil da UFAL. Professor de Direito Civil na graduação e na pós-graduação da Faculdade de Direito de Maceió (FADIMA), da Faculdade de Alagoas (FAL) e da Escola Superior de Administração e Marketing em Alagoas (ESAMC).

 


 

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