Soma de garantias nos Contratos de Consumo


No mercado de consumo, costumamos encontrar dúvidas de Consumidores quanto às garantias dos produtos por eles adquiridos e dos serviços lhes prestados. Qual o prazo que se deve reclamar por um vício (“defeito”) encontrado em produtos? O prazo fornecido em Termo de Garantia pelos Fornecedores já abrange aquele previsto no Código de Defesa do Consumidor-CDC, ou devem cumprir uma sequência temporal, somando-os? Qual das garantias inicia-se primeiro, a contratual ou a legal? Se o vício não puder ser descoberto inicialmente, em virtude da dificuldade na constatação, perde-se o direito de reclamar em momento futuro, ou há um prazo específico para este caso?


Propomo-nos a dirimir, ainda que em uma análise teórico-pragmática e rápida, essas indagações frequentes e de utilidade coletiva e cotidiana.


Sempre que há a aquisição de um produto (o mesmo raciocínio se aplica à prestação de serviços), incide uma garantia tachada de “legal”, por decorrer de imposição da Lei, de maneira imperativa e taxativa, ou seja, decorrente de uma relação de ordem pública, na qual o Estado-Legislador impõe uma proteção mínima às relações de consumo, cuja reclamação deva ser feita em um determinado período de tempo, a fim de impor segurança aos Consumidores. Esse intervalo para reclamação por vícios situa-se no artigo 26 do CDC: 30 (trinta) dias para fornecimento de serviços e de produtos não duráveis e 90 (noventa) dias para os duráveis.


No mesmo viés, há também uma garantia ofertada livremente, segundo a discricionariedade do Fornecedor, podendo ser fixada de maneira unilateral, independentemente do acordo de vontades com o Consumidor. Esta garantia é conhecida como “contratual” ou “convencional”. Costuma-se afirmar ser um “plus”, um bônus ou acréscimo ao Consumidor, como forma de se lhe estender a proteção contratual, assim como uma maneira de os Fornecedores se afirmarem no mercado de consumo em primazia a outros concorrentes, em inequívoca caracterização da livre concorrência democrática.


Em linha de interpretação adequada e razoável (teleológica e sistemática), asseveramos que essas garantias se somam, computando-se uma após a outra, consoante determina o artigo 50 do CDC, para o qual “a garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito”. Logo, após entrega efetiva de um produto, inicia-se a contagem do prazo previsto no Termo de Garantia (ou recibos, pré-contratos, escritos particulares), se houver, para a reclamação do vício encontrado. Apenas após o decurso completo desse prazo previsto contratualmente (garantia “limitada” e/ ou “estendida”) é que se deve iniciar o de 30 (trinta) ou 90 (noventa) dias previsto no Código do Consumidor.


É falaciosa e de má-fé a recusa dos Fornecedores em assegurar a adequação dos produtos e serviços alegando decurso do prazo contratual, quando na verdade ainda estaria em fluxo a garantia legal, que sobrevém àquela, somando-a. Ademais, viola a Boa-fé Objetiva (dever de lealdade, transparência, informação, cooperação), que deve reger todas as relações contratuais, não só as de consumo, a forma que alguns Fornecedores vêm “interpretando” essas garantias.


Como assim? É-lhes vedado prever em Termo de Garantia, por exemplo, que um aparelho celular está garantido por 1 (um) ano, sem nele haver qualquer ressalva expressa e clara, e quando da apresentação pelo Consumidor para conserto alegarem decurso completo da garantia, pois o período garantido já abrangia os 90 (noventa) dias assegurados pelo CDC. Não podem eles alterar a garantia legal e dela dispor, segundo seu interesse unilateral, uma vez que esta decorre de disposição imperativa de lei, sendo, pois, indisponível. Se houvesse no Termo previsão manifesta de que a garantia contratual já abarcava a legal, haveria licitude e legitimidade na previsão, por assegurar o direito à informação dos Consumidores e à clareza na publicidade. O prazo contratual, a bem da verdade, seria de 9 (nove) meses e o legal de “3 (três) meses”. A mera afirmação de que essa contagem não sucessiva (e sim simultânea) estava prevista em Contrato que segue o Termo de Garantia denota má-fé, incapaz de evitar o efetivo prazo, do exemplo acima, de 1 ano e 3 meses de proteção.


Maior utilidade terá essa afirmação quando se está diante de “vício oculto”, isto é, aquele que não pode ser evidenciado por uma simples análise de adequação do produto no momento da aquisição, não se constatando, a exemplo, no momento da compra, vício em bateria de aparelhos celulares, em motor de carros, em sistema elétrico de apartamento em condomínios edilícios, dentre outros vários. Em verdade, a contagem do prazo legal só se iniciará a partir do momento da descoberta do vício, e não de sua ocorrência, ainda que já tenha fluído inteiramente a garantia contratual (CDC, artigo 26, § 3.°).


Caso o Consumidor não tenha sua reclamação, comprovadamente formulada perante o Fornecedor (mediante Carta com Aviso de Recebimento e autenticação do conteúdo em Cartório, número de protocolo do Serviço de Atendimento ao Consumidor) atendida procedente e em tempo razoável, deve procurar as Entidades competentes, como Procon, Defensoria Pública, OAB (Comissão de Relações de Consumo e Proteção dos Consumidores) e Ministério Público (quando envolver direitos indisponíveis, difusos, que ultrapassem a pretensão individual do interessado).


 



Informações Sobre o Autor

Ígor Araújo de Arruda

Defensor Público na Defensoria Pública do Estado de Pernambuco DPE/PE desde outubro de 2015. Foi Defensor Público no Estado do Maranhão DPE/MA entre 23/04/2012 e 30/09/2015. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp/LFG. Aprovado Defensor Público no 1. concurso público da Defensoria Pública do Estado da Paraíba DPE/PB 2014/5. Professor-orientador de curso preparatório para concursos públicos das Carreiras Jurídicas. Criador-moderador da página social “Defensoria Pública Modo de fazer”


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