Resumo: O presente artigo tem por finalidade o estudo dos institutos da sucessão trabalhista e da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, em comparativo com as normas trabalhistas e cíveis aplicáveis a responsabilidade pessoal dos sócios da empresa, quanto aos créditos trabalhistas de seus empregados, dando enfoque a atual celeuma de se estabelecer os limites para responsabilização do sócio retirante.
Palavras-chave: Sucessão; desconsideração da personalidade jurídica; responsabilização; sócios; limites; novo CPC.
Sumário: Introdução. 1. Sucessão trabalhista e seus requisitos. 2. Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista e o novo CPC. 3. O limite temporal que baliza a responsabilização trabalhista do sócio retirante. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A sucessão trabalhista é caracterizada como um ato jurídico por meio do qual uma pessoa ou empresa, substitui outra em seus direitos e obrigações, acarretando consequências jurídicas na relação existente com terceiros.
No caso em estudo, o novo titular da empresa responderá pelo passado, presente e futuro dos contratos de emprego firmados pela empresa sucedida, além de eventuais dívidas trabalhistas do antigo empregador.
Entretanto, em determinadas situações, se pode verificar a responsabilização de sócios que já se retiraram da sociedade, para coibir a possibilidade de fraudes ou de incapacidade econômica do sucessor, à prejudicar direitos dos trabalhadores.
Os parâmetros e limites para essa responsabilização carecem de uma regulamentação específica na legislação trabalhista, abrindo margem a aplicação subsidiária de alguns dispositivos da legislação civil, o que tem gerado grande embate nos tribunais sobre sua aplicação ao processo do trabalho, com as mais variadas interpretações sobre o tema, como será exposto no presente estudo.
Ainda serão abordadas algumas questões relativas à aplicação subsidiária do novo Código de Processo Civil (CPC/2015) na execução trabalhista, em especial, as inovações trazidas ao novo procedimento desenhado para a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, objeto de inúmeras críticas da doutrina majoritária.
1. Sucessão trabalhista e seus requisitos
A transferência da titularidade da empresa para outra pessoa ou grupo societário, configura a sucessão dos direitos e obrigações da sociedade empresarial.
A sucessão trabalhista está prevista nos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quais, tratam das hipóteses de alterações afetas a estrutura jurídica da empresa, transcritos a seguir:
“Art. 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
Art. 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”.
Com base nesses dispositivos, se observa o intuito do legislador em preservar integralmente os direitos dos empregados, em casos de alteração na estrutura jurídica da empresa empregadora, que não pode afetar os contratos de trabalho firmados.
Para Maurício Godinho Delgado:
“A sucessão trabalhista resulta da convergência de três princípios informadores do Direito do Trabalho: em primeiro plano, o princípio da intangibilidade objetiva do contrato empregatício e o princípio da despersonalização da figura do empregador. Em segundo plano, se considerada a presença do segundo requisito do instituto sucessório, o princípio da continuidade do contrato de trabalho”.[1]
Assim sendo, a nova empresa formada, denominada sucessora ou nova empregadora, assume, dentre outras, as obrigações trabalhistas contraídas pela empresa sucedida, não podendo se valer de acordos ou convenções entre elas pactuadas, principalmente, de cláusulas de não responsabilização, para elidir os efeitos das disposições legais de ordem pública.
O instituto da sucessão trabalhista, como outros institutos do direito, vem sofrendo significativas modificações para se adequar as novas situações que vão surgindo no mundo jurídico e, como já anunciado acima, se configura pela mudança na propriedade da empresa ou alguma alteração significativa em sua estrutura jurídica (seja esta alteração realizada de modo formal ou informal).
O vínculo do empregado é com a empresa e, não, com a pessoa física de seus sócios, salvo na hipótese do empregador se dar apenas na pessoa física (inexistência de pessoa jurídica).
Os requisitos para a caracterização da sucessão de empregadores na seara trabalhista, pela doutrina clássica, se faz necessária a configuração de dois pressupostos indispensáveis: i) que um estabelecimento como unidade econômica passe de um para outro titular e, ii) a inexistência de ruptura na prestação de serviços pelo empregado, ou seja, a continuidade da prestação laborativa.
Há também uma nova visão desencadeada pela doutrina contemporânea, que dispensa o segundo requisito, defendendo a tese de que a continuidade na prestação de serviços pelo empregado não é condição essencial para configuração da sucessão.
Nessa linha, para que reste caracterizada a sucessão trabalhista, basta a alteração significativa na estrutura jurídica da empresa, que afete ou possa afetar os contratos de trabalho de seus empregados.
Por sua vez, a alteração na estrutura da empresa seria caracterizada tanto na transferência de toda a organização, como também, na transferência de apenas um ou alguns de seus estabelecimentos, desde que tenha o condão de ocasionar prejuízos à seus empregados.
No entanto, não se opera a sucessão trabalhista quando tenha havido a alienação de apenas parte de um negócio, que não possa ser considerado uma unidade econômico-produtiva autônoma, ou de algumas máquinas ou bens da empresa, vendidos como bens singulares.
De outro lado, mesmo quando a alteração na estrutura da empresa não for documentalmente registrada (modalidade informal), poderá ser reconhecida em juízo.
Maurício Godinho Delgado, destaca que não será toda e qualquer transferência interempresarial que será apta a provocar a sucessão trabalhista. Se ela vier acompanhada da continuidade da prestação laborativa para o novo titular, ocorrerá, sim é claro, a sucessão (vertente tradicional). Porém, não se verificando o segundo requisito, é preciso que se trate da transferência de universalidade empresarial que seja efetivamente apta a afetar os contratos de trabalho, sob pena de se estender em demasia o instituto sucessório, enxergando-o em qualquer negócio jurídico interempresarial.[2]
Quanto a transferência de patrimônio de uma empresa para outra, se deve observar ainda se a aquisição pela nova empresa se deu pela forma originária, através de leilão, desapropriação ou concessão de serviço público, quais, não atraem a sucessão, por exceções legais previstas em referidos institutos.
Há também previsão nos artigos 60, parágrafo único, e 141, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, afastando a sucessão dos créditos trabalhistas na alienação de ativos em processos de falência e recuperação judicial de empresas, visando à concretização dos valores constitucionais da livre iniciativa e da função social da propriedade (empresa).
Entretanto, para as demais formas de transferências de bens de uma empresa a outra, pouco importa o título jurídico que for atribuído a transação, já que será considerada aquisição pela modalidade derivada pela nova empresa, cuja modalidade, atrai a sucessão do presente estudo.
Merece destaque ainda o fato de que o patrimônio da empresa pode englobar, além de bens corpóreos ou materiais, bens incorpóreos, como, uma marca, uma patente, uma carteira de clientes, contratos em vigor, fundo de comércio, entre outros.
Tais bens, podem se desfazer com o passar do tempo, devendo sua transferência ser analisada caso a caso, para ilidir prejuízos a terceiros.
Em determinadas situações, a sucessão é caracterizada judicialmente pela identidade total ou parcial de patrimônio empresarial anterior, ou, se há continuidade da exploração da atividade econômica da empresa anterior pela nova, de modo que esta auferiu algum proveito nessas situações, à justificar sua responsabilização.
Nessa linha, importante observar que muitas vezes nos deparamos com algumas situações peculiares que a primeira vista, configurariam a sucessão em tela.
Como exemplo, podemos citar a instalação de uma nova empresa em um determinado ponto comercial, explorando atividade idêntica à exercida por empresa anterior naquele mesmo imóvel, qual, deixou inúmeras dívidas no mercado, inclusive, dívidas trabalhistas com seus antigos empregados.
A utilização de referido ponto comercial, considerado como um bem incorpóreo e, o exercício de atividade idêntica à anterior, a priori, representaria uma situação benéfica a nova empresa que poderia lhe amparar à angariar clientes, inclusive, da antiga empresa, abrindo a possibilidade de ser caracterizada a sucessão trabalhista, e a sua responsabilização por créditos inadimplidos pela empresa anterior, principalmente, na esfera trabalhista.
No entanto, ressalvadas as hipóteses de fraude, dissimulação ou atos similares tendentes a mascarar a real sucessão do empregador, tal situação, deve ser analisada com cuidado, sob pena de causar prejuízos à terceiros.
Imaginamos a situação de um imóvel que possui “destinação especifica” para um posto de combustível, por exemplo. Tal imóvel era locado pelo proprietário do bem, um terceiro, à uma empresa que encerrou suas atividades e deixou vários débitos com fornecedores, bem como, com seus antigos empregados.
Na hipótese em tela, considerando a destinação especifica daquele bem para referida atividade, o exercício da mesma atividade por uma nova empresa que se estabeleça naquele imóvel, já é esperado e, não pode, por si só, ser enquadrada na hipótese de sucessão trabalhista para responsabilização da nova empresa pelas dívidas deixadas pela anterior.
Não se pode imputar a esta nova empresa o pagamento das dívidas inadimplidas pela anterior, sob pena de se macular aquele ponto comercial à empresa devedora e, consequentemente, ao insucesso daquela, ocasionando prejuízos à terceiros que ali venham a se estabelecer, bem como, ao proprietário do imóvel, que usufruiu dos frutos de sua locação.
No mesmo passo, podemos citar como outro exemplo, um ponto comercial situado na conhecida “rua das noivas” na capital paulista, onde qualquer outra atividade que venha a ser instalada em referida localidade, que não esteja voltada a esse nicho, certamente não terá sucesso no empreendimento. Assim, não se pode se admitir a mácula eterna à um imóvel ou ponto comercial ou, seu atrelamento a determinada empresa devedora, sob pena de ocasionar diversos prejuízos à terceiros.
Assim, em determinados casos, não se pode atribuir a uma nova empresa que se estabeleça em determinado ponto comercial, que explore atividade diversa da exercida pela empresa anterior, para que não reste configurada a sucessão trabalhista, principalmente, quando o ponto comercial, possuir destinação especifica.
É certo que se restarem configurados outros requisitos, como identidade de sócios, de empregados, de patrimônio, dentre outros, ou ainda, as hipóteses de fraude, a sucessão poderá ser reconhecida, devendo se fazer uma análise minuciosa neste tipo de situação, caso a caso.
Em resumo, no caso do empregado não prestar serviços ao sucessor, segundo a nova vertente, deverá o julgador analisar atentamente as implicações da transferência empresarial em seu contrato de trabalho.
Como bem lembrado por Adriana Goulart de Sena:
“[…] o desafio ao intérprete e aplicador do direito é estabelecer, em cada caso, se o contrato de trabalho foi ou não afetado de forma relevante. Estabelecer o conceito de 'afetação relevante' será o ponto nevrálgico da questão sucessória.”[3]
Configurada a sucessão trabalhista, as empresas responderão solidariamente pelos créditos daqueles trabalhadores cujos contratos de trabalho estavam vigentes na época da sucessão, bem como, pelas dívidas dos contratos já extintos.
2. Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista e o novo CPC
Depois de iniciada a fase de execução do processo, sempre que não for encontrado patrimônio em nome da sociedade, quando ocorrer a dissolução ou extinção irregular desta, ou, quando os bens não forem localizados, tem sido aplicada na justiça do trabalho a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, ou, redirecionamento da execução, para atingir o patrimônio de seus sócios.
A responsabilização dos sócios também ocorre em casos que se verifique excesso de mandato e de atos praticados com violação ao contrato ou à lei, incluídos nestes, o contrato de trabalho e as leis trabalhistas, para que não se frustre a execução do crédito do empregado, na maioria das vezes de natureza alimentar, prestigiando o princípio protetivo do empregado, parte hipossuficiente da relação.
Embora a legislação trabalhista não possua norma que trate especificamente da aplicação desse instituto da seara cível, o artigo 8º da CLT, vem abalizar a aplicação subsidiaria de normas do direito comum, com base no artigo 765 da CLT, desde que haja compatibilidade com os princípios do direto do trabalho e ausência de norma aplicável, como ocorre na espécie.
O artigo 8º da CLT dispõe que:
“Art. 8º – as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único- O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.
Com base em referido dispositivo, com preocupação na proteção do trabalhador hipossuficiente e no caráter alimentar do crédito trabalhista, a justiça do trabalho tem aplicado a legislação subsidiária do direito comum, especialmente a prevista nos artigos 990 e 50 do Código Civil (Lei 10.406/2002) e, artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a balizar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para responsabilizar pessoalmente seus sócios.
Assim dispõem os dispositivos do Código Civil:
“Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Na mesma linha, temos as disposições previstas no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor sobre o tema:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. […]
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
Referidas normas, em conjunto com outros previstos na legislação comum pertinentes a sociedade empresarial, dão sustentação a inclusão dos sócios atuais e daqueles que já se retiraram da empresa, no polo passivo das execuções.
Sobre o objeto da desconsideração da personalidade jurídica, Fábio Ulhoa Coelho expõe que:
“O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude”.[4]
A desconsideração da personalidade jurídica é exceção à regra e deve ser aplicada com parcimônia, somente quando houver necessidade de despir a sociedade empresária e alcançar o patrimônio pessoal dos sócios.
Por oportuno, vale destacar as ponderações de Alexandre Couto Silva:
“Cumpre ressaltar que a doutrina da desconsideração não visa a anular a personalidade da pessoa jurídica, mas, apenas, desconsiderá-la pontualmente no caso concreto em relação às pessoas ou aos bens que através dela se ocultam, quando restar configurada sua utilização irregular ou ilegítima”.[5]
A responsabilização dos sócios pelos débitos trabalhistas da empresa, deriva da ausência de bens da executada, passíveis de garantir a satisfação da dívida, de modo que a fraude patrimonial é presumida, diante do inadimplemento da obrigação, de caráter alimentar.
A arrematar a questão, vale-se das José Affonso Dallegrave Neto sobre o tema:
“No Brasil, o instituto é de utilidade ímpar, haja vista a nossa execrável cultura de sonegação, torpeza e banalização do ilícito trabalhista.
Observa-se que a indústria da fraude à execução trabalhista foi aperfeiçoada de tal maneira, que o desafio hodierno não é mais atingir o sócio ostensivo, mas o sócio de fato que se encontra dissimulado pela presença de outros estrategicamente escolhidos pela sua condição de insolvente, os quais são vulgarmente chamados ‘laranjas’ ou ‘testas de ferro’.”[6]
A responsabilização dos sócios será subsidiária a responsabilização da empresa, mas, depois de esgotado os bens da sociedade, ocorrerá de forma pessoal, ilimitada e solidária com relação ao patrimônio de seus sócios.
Com a entrada em vigor da Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, Novo Código de Processo Civil, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) aprovou a Instrução Normativa nº 39/2016, qual dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015, aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.
E, no que toca o tema em questão, o artigo 6º de referida instrução normativa, dispõe que:
“Art. 6° Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878).
§ 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:
I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do art. 893, § 1º da CLT;
II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;
III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em incidente instaurado originariamente no tribunal (CPC, art. 932, inciso VI).
§ 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC”.
Pela nova norma processual civil, o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica será realizado através de um incidente processual, na fase de cognição ou de execução do processo, oportunizando aos sócios a oportunidade de apresentar sua defesa antes de sua efetiva inclusão no polo passivo do processo, suspendendo-o até o julgamento do incidente.
O instituto agora expressamente previsto na legislação processual civil, visa disciplinar o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica, garantindo o amplo direito de defesa e contraditório aos sócios da empresa, antes de sua efetiva inclusão no polo passivo da execução e, da constrição de seus bens.
Trata-se de uma inovação e disciplina do instituto, cujo procedimento adotado pelo legislador difere da prática até então adotada por muitos juízes e tribunais, e já vem sofrendo inúmeras críticas, principalmente, da doutrina majoritária trabalhista, que vislumbram que a instauração do incidente e suspensão do processo determinadas pelo CPC/2015, são incompatíveis com o processo do trabalho.
Tais procedimento seriam contrários aos princípios da simplicidade, efetividade e celeridade processual, incompatíveis com dispositivos da CLT, além de ocasionar ao devedor, a oportunidade de se desfazer de seus bens, antes de sua efetiva inclusão no processo, o que raramente acontecia pela sistemática anterior.
Naquela, muitas vezes o sócio acabava sendo surpreso e só tomava conhecimento da execução lhe direcionada, quando da penhora ou bloqueios de bens existentes em seu nome, já que sua defesa e contraditório se apresentavam diferidos.
A defesa do sócio executado era oportunizada após a garantia do juízo pela penhora (art. 884 CLT) ou, através de exceção de pré-executividade, independentemente da garantia do juízo.
Para o Juiz do Trabalho Ben-Hur Silveira Claus:
“Vale dizer: de um lado, o incidente não seria compatível com diversos princípios do Direito Processual do Trabalho; de outro lado, o incidente rompe com a simplificada e produtiva fórmula do contraditório diferido praticada no subsistema jurídico procedimental trabalhista, de modo que a aplicação do incidente ao subsistema jurídico trabalhista representaria histórico retrocesso procedimental, com prejuízo severo à efetividade da jurisdição e à própria realização dos direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal e na legislação trabalhista. “[7]
De outro lado, tal regulamentação também pode ser vista como uma medida à tutelar as garantias fundamentais do sócio, garantindo-lhe o devido processo legal e melhores condições para o amplo exercício do direito de defesa (art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal), principalmente, em um processo em fase de execução.
Em todos os casos, a decisão que determina a inclusão dos sócios na execução deve ser bem fundamentada pelo julgador, sendo certo que ainda teremos muitas discussões sobre o procedimento adequado a ser adotado pela justiça do trabalho.
Para aqueles que criticam a medida, temos que mesmo com a instauração do novo procedimento em questão, é viável ao magistrado, aplicar medidas cautelares no sentido de garantir a efetividade da execução e obstar que o sócio se desfaça de seu patrimônio durante referido procedimento.
Vale registrar ainda, os comandos contidos nos incisos II e VII, do artigo 790, do CPC/2015, que expressamente autorizam a execução de bens dos sócios da empresa, bem como, de outros eventuais responsáveis, em casos de desconsideração da personalidade jurídica, visando dar efetividade as execuções.
Por oportuno, cumpre mencionar na presente que a própria instrução normativa nº 39/2016, aprovada pelo TST não é exaustiva, tampouco, vinculante, abrindo margem para novas análises mais aprofundadas sobre a questão.
3. O limite temporal que baliza a responsabilização trabalhista do sócio retirante
A responsabilidade trabalhista dos sócios da empresa, em especial, a dos sócios que já se retiram da sociedade ou foram sucedidos, tem sido um tema de grande embate nos tribunais, devido a precariedade da legislação atual, qual, não regulamenta de forma precisa e objetiva a matéria no âmbito trabalhista.
Com relação aos sócios que ingressam em uma sociedade, com base na lei civil, em especial, pelas disposições dos artigos 1.025 e 1.146 do Código Civil, podemos concluir que estes serão responsabilizados pelas dívidas da sociedade, passadas, presentes e futuras.
Depois de esgotada a possibilidade de se satisfazer a execução pela constrição de bens da sociedade e dos atuais sócios, a justiça do trabalho tem determinado a responsabilização dos sócios que se retiraram da sociedade, principalmente, com base nos preceitos insculpidos nos artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil.
E nesse ponto, se enfrenta uma grande celeuma no tocante aos parâmetros e limites, para se estabelecer a responsabilidade do sócio retirante.
Pela leitura do parágrafo único, do artigo 1.003, do Código Civil, a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, seria por até dois anos da data de averbação da modificação do contrato, sendo este, o limite temporal previsto na lei comum para sua responsabilização.
Pedro Paulo Teixeira Manus assevera que:
“[…] Podemos afirmar que, abstratamente, o ex-sócio, após dois anos da averbação da alteração contratual por sua retirada da sociedade não mais responde pelas obrigações sociais. Todavia, no caso concreto, pode vir alguém a ser responsabilizado após tal lapso, se se constatar que a dívida com o empregado existia à época em que este ex-sócio pertencia à sociedade. Constatada a impossibilidade de satisfação do débito pela sociedade e pelos atuais sócios, pode este vir a ser chamado à responsabilidade”. [8]
Tal prazo, a princípio, seria superado apenas nas hipóteses em que exista nos autos, prova de fraude perpetrada pelo sócio, quanto da alteração contratual, tornando assim, a responsabilidade ilimitada, sob a égide do artigo 50 do Código Civil.
Sobre o tema, convém dar destaque a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região sobre o tema:
“FRAUDE. ALTERAÇÃO DO QUADRO SOCIETÁRIO COM A INCLUSÃO DE "LARANJA". DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA DIRECIONAR A EXECUÇÃO CONTRA OS EX-SÓCIOS. Nenhuma limitação legal conferida pela exclusão do quadro societário é aplicável a sócios retirantes que se utilizam da forma fraudulenta dos registros societários com vistas a escapar às responsabilidades pelos débitos, deixando como sócios registrados na JUCESP, "laranjas" que não detém qualquer patrimônio em seus nomes. A fraude, in casu, torna a responsabilidade dos sócios retirantes objetiva e ilimitada, não se beneficiando dos excludentes legais contidos nos arts. 1003 e 1032 do CC vez que agiram com evidente má-fé.Com efeito, a ficha de breve relato da JUCESP denota a má-fé dos sócios outrora integrantes do quadro da executada, e que deixaram o empreendimento na mão de pessoas sem qualquer idoneidade econômica, como é o caso do “réu”, que através de Inquérito Civil constatou-se ter sido admitido e registrado pela ré como faxineiro, denotando ter sido utilizado seu nome, com ou sem seu consentimento (não há dados para apreciação da questão) para constar do contrato social. Ou seja, a executada valeu-se da conhecida prática de blindar os sócios retirantes por meio da inclusão de "laranjas", inviabilizando as execuções. Constatada a fraude autoriza-se a desconsideração da personalidade jurídica para promover a execução contra os ex-sócios. Agravo de petição ao qual se dá provimento”.[9]
Sem qualquer prova de fraude à execução, a responsabilização configuraria uma afronta direta ao texto da lei e um abalo ao princípio da segurança jurídica, valorizado pelo legislador quando estabeleceu a referida limitação temporal.
Surge a dúvida quanto ao citado prazo de 02 (dois) anos previsto na lei comum, se este, seria o prazo limite para inclusão do ex-sócio no polo passivo da execução trabalhista (o que em muitos casos seria facilmente superado pela tempo de curso de um processo) ou, se referido prazo se estabeleceria sobre as obrigações contraídas pela sociedade, depois de sua saída, das quais, inclusive, não tenha participado.
Sobre a questão, vale destacar recente julgado do E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, da lavra da Desembargadora Iara Ramires da Silva de Castro, que computou o prazo de 02 anos da legislação comum, para limitar a responsabilidade do sócio retirante da data do ajuizamento da reclamação trabalhista.
A julgadora reformou a sentença de primeira instância, na qual, o magistrado havia responsabilizado o ex-sócio, de forma proporcional ao débito trabalhista, correspondente a fração da dívida pelos meses que teria se beneficiado dos serviços prestados pelo empregado, demonstrando a divergência de entendimentos. Vejamos:
“[…] Responsabilidade de sócio retirante – prescrição
O Juízo de origem rejeitou a exceção de pré-executividade pelo fundamento que os créditos na presente execução se referem ao período de 09/11/2009 a 19/02/2013, em que vigorou o contrato de trabalho do exequente. Tendo a excipiente se retirado da sociedade em 21/05/2010, se beneficiou da força de trabalho do trabalhador, razão porque foi responsabilizada em 15,38% (proporcional ao período de aproximadamente seis meses em que se beneficiou dos serviços prestados). Inconformada, a sócia executada, ora agravante, argumenta em resumo, que não é responsável pela execução trabalhista; que se retirou da sociedade mais de dois anos antes da propositura da ação trabalhista que resultou na presente execução e que se impõe a aplicação do disposto no art. 1032 do Código Civil. Com razão a agravante. É incontroverso que a execução ora discutida teve origem nos autos do Processo nº 0000822-63.2014.5.02.0051, ajuizada em 2014 por Caio Juliano Lourenço de Oliveira contra Sistema de Transportes Integrados Ltda EPP. Segundo ficha cadastral completa emitida pela JUCESP (fls. 261/264 do anexo), a agravante retirou-se da composição societária da reclamada em 21/05/2010. Ou seja a distribuição da ação ocorreu quatro anos após a retirada da sociedade. Cumpre enfatizar que foi determinado o prosseguimento da execução contra a agravante em 04/11/2015 (fato incontroverso – fl. 265 do anexo), ou seja, mais de cinco anos após sua retirada da sociedade, quando já não era responsável pelo crédito trabalhista debatido na presente execução. Aplicável ao feito o disposto nos artigos 1003, parágrafo único e 1032, do Código Civil: […] No caso em análise, é incabível a execução contra a agravante, eis que a preservação da segurança jurídica se sobrepõe ao direito individual do exequente. Reformo o decidido para excluir a agravante do polo passivo da execução. […]” [10]
Entendimento contrário ao esposado pela Ilustre Desembargadora, se extrai do julgado do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, a seguir transcrito:
“EXECUÇÃO EX-SÓCIO. RESPONSABILIDADE. 1. O Colegiado de origem manteve a sentença na qual consignado que -o embargante exerceu a função de diretor-presidente da primeira executada entre 20-06-1998 e 26-11-2003 e a presente RT fora proposta em 15-03-2004, portanto, dentro do prazo bienal consignado nos arts. 1003 e 1032 do CC. Registrou que o prazo disposto nos artigos 1003 e 1032 do Código Civil não se refere àquele destinado à proposição de ação contra o ex-sócio da empregadora, como defende o agravante. Esse prazo diz respeito ao período em que persiste a responsabilidade do sócio retirante pelas obrigações contraídas pela sociedade. 2. Solvida a controvérsia com fulcro na legislação infraconstitucional, em especial nos arts. 1003 e 1032 do CC, não há cogitar em afronta direta aos arts. 5º, II, XXII, LIV e LV, e 7º, XXIX, da Constituição Federal, nos moldes exigidos no art. 896, § 2º, da CLT. Agravo conhecido e não provido”.[11] (grifei)
Os recentes julgados colacionados no presente estudo, trazem a baile entendimentos recentes e totalmente distintos sobre a questão, demonstrando que o tema está longe de se pacificar e carece de uma regulamentação específica.
Novas óticas vem se formando sobre a questão e a despeito de ainda existirem divergências jurisprudências e doutrinárias, a corrente que tem se firmado atualmente, adota a própria CLT para balizar sua fundamentação e estabelecer o limite temporal para a responsabilização do sócio retirante.
Os adeptos desse entendimento aduzem ser incompatível com o direito do trabalho a limitação temporal disposta na legislação civil, dada a sua incompatibilidade com os preceitos insculpidos nos artigos 10 e 448 e da CLT, quais, não seriam omissos na matéria, e não admitem que o credor trabalhista suporte os prejuízos decorrentes da alteração da estrutura jurídica da empresa.
Ainda dão destaque para as disposições previstas no artigo 449 da CLT, que determinam que até mesmo em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa, subsistirão os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho.
A responsabilidade dos sócios pelas dívidas trabalhistas, se funda no aproveitamento da força de trabalho do empregado em razão de um empreendimento que visa o lucro, cujos riscos são assumidos pela sociedade empresarial. Basta, portanto, que o sócio retirante tenha integrado o quadro societário, simultaneamente à prestação de serviços do empregado, para que responda pela dívida trabalhista.
Nessa linha, o limite temporal para a responsabilização do antigo sócio, não estaria limitado pelas disposições previstas no Código Civil, em especial, no prazo de 02 (dois) anos disposto no parágrafo único, do artigo 1.003, daquela lei, mas sim, na identificação de ter ou não, o empregado realizado prestação de serviços à empresa enquanto o ex-sócio integrava seu quadro social, onde, assumiu os riscos do negócio e teria se beneficiado dos serviços do trabalhador.
Nessa linha, convém destacar precedente do Tribunal Superior do Trabalho:
“RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. EX-SÓCIOS (SÓCIOS RETIRANTES) DA SOCIEDADE REGIONAL SUDOESTE DE ENSINO S/C LTDA. LIMITE. ART. 1.032 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. […] O e. Tribunal manteve a r. sentença que condenara subsidiariamente os ex-sócios recorrentes da Sociedade Regional Sudoeste de Ensino S/C Ltda. O artigo 1032 do Código Civil Brasileiro estabelece que o sócio retirante, ou os seus herdeiros, continuam sendo responsáveis pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a sua saída da sociedade. A responsabilidade tem por objetivo distender o alcance das suas responsabilidades em relação ao inadimplemento das obrigações da sociedade, porquanto se aplica ao sócio que se retira da sociedade o princípio consagrado no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do Código Civil Brasileiro, qual seja, o – disregard of the legal entity – princípio da desconsideração da pessoa jurídica -. No entanto, a doutrina e a jurisprudência trabalhista têm por princípio a proteção do trabalhador, – art. 8º da CLT – adotando a teoria acima descrita – princípio da desconsideração da pessoa jurídica -, na hipótese em que a sociedade não possui bens suficientes para garantir a execução, visando a garantir os interesses contratuais do empregado, assim como preconizam que a responsabilidade do sócio retirante deve ser declarada caso o empregado tenha trabalhado durante a gestão do ex-sócio, ou seja, que efetivamente tenha o ex-sócio se beneficiado da força de trabalho do trabalhador. Deve ser considerado e analisado se os sócios remanescentes possuem, ou não, condições de suportar a dívida trabalhista e que tenha como fato gerador o período em que o sócio retirante ainda fazia parte do quadro societário. Com efeito, é fato incontroverso nos autos que os ex-sócios deixaram a sociedade em 30 de julho de 2003 (fl. 1752 – sentença), e que o empregado recorrido laborou para a 1ª ré de março de 2001 até 23/08/2006 (fl. 16), assim como ajuizou a reclamação trabalhista em 09/11/2006. Logo, os sócios retirantes devem ser responsabilizados subsidiariamente pelos créditos devidos ao autor da demanda. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e não provido.”[12]
Em consonância com o entendimento esposado pela corte superior, os aderentes a este raciocínio, entendem que não há omissão na CLT, quanto à responsabilidade dos sócios que pudesse atrair a aplicação complementar de regras do direito comum, porquanto o disposto nos artigos 10, 448 e 449 da CLT, dão pleno respaldo à responsabilização do sócio que se beneficiou de serviços do empregado.
Compatível com este entendimento, destaca-se decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:
“RESPONSABILIDADE DO EX-SÓCIO. LIMITE. A desconsideração da personalidade jurídica, decorrente da personificação da empresa, expressamente prevista no art. 2.º, da CLT, é aplicada na Justiça do Trabalho quando inexistentes bens da empresa capazes de satisfazer o débito trabalhista (artigos 592, II e 596, do Código de Processo Civil e 135, do Código Tributário Nacional). O redirecionamento da execução pode ocorrer em face de quaisquer sócios ou ex-sócios, minoritários ou majoritários, exercentes de cargo de gestão ou não, desde que tenham participado da sociedade no período de prestação de serviços do trabalhador, justamente em razão da natureza alimentar da verba devida. A responsabilidade do sócio retirante limita-se ao período em que integrou a sociedade e em que o trabalhador prestou serviços a esta, ou seja, no lapso em que se beneficiou dos serviços prestados pelo trabalhador. Na seara trabalhista não se aplica a regra do art. 1032, do Código Civil, ou outra análoga (art. 1.003, Parágrafo único), dada a sua incompatibilidade com os arts. 10 e 448, da CLT, que não admitem que o credor trabalhista suporte os prejuízos decorrentes da alteração da estrutura jurídica da empresa.”[13]
O mesmo tribunal editou em 2011, a OJ EX SE 40, que em seu inciso V, trata da matéria, visando uniformizar a questão no âmbito de referido tribunal, in verbis:
“V – Pessoa jurídica. Sócio retirante. Limite da responsabilidade. O sócio responde por parcelas devidas até a data da sua saída devidamente registrada no órgão oficial, exceto se houver constituição irregular da sociedade, quando a responsabilidade torna-se ilimitada”. (ex-OJ EX SE 19)
Apesar da jurisprudência caminhar nesse sentido, ainda é comum nos depararmos com decisões dos tribunais aplicando a limitação temporal da legislação comum, para se aferir a possibilidade de responsabilização do sócio retirante, computando-a, muitas vezes, da data do ajuizamento da ação, como exposto acima.
Entretanto, em algumas decisões contemporâneas, se verifica a aplicação da lei civil de forma a complementar os preceitos trabalhista, alcançando maior abrangência na responsabilização do sócio retirante e proteção ao empregado.
Assim, é possível verificar situações em que o sócio será responsabilizado quando se beneficiou do trabalho do empregado, ou ainda, quando a sociedade tenha inadimplido obrigações com este, dentro do prazo de 02 (dois) anos da averbação da alteração social, prazo pelo qual, a legislação civil teria lhe imposto responsabilidades, independente da natureza das obrigações contraídas pela sociedade.
Aqui temos as lições de Fabrício Zamprogna Matiello:
“A proteção dos credores é uma das principais preocupações do ordenamento jurídico quando a discussão diz respeito à responsabilidade do sócio que deixa a sociedade por simples retirada, exclusão ou morte. Em vista disso, preconiza a lei que a responsabilidade do sócio pelas obrigações sociais anteriores ao rompimento do liame com a pessoa jurídica persiste ainda por dois anos, contados da averbação da resolução da sociedade. Neste compasso, o sócio responde em conformidade com o contrato social durante os dois anos subsequentes à referida averbação, independentemente da natureza das obrigações pendentes quando ainda integrava o quadro societário.”[14] (grifei)
No mesmo passo, oportuno transcrever recente julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:
“EXECUÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SÓCIO RETIRANTE. CONFIGURAÇÃO. EXECUÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SÓCIO RETIRANTE. CONFIGURAÇÃO.
Beneficiando-se o sócio retirante dos serviços prestados pelo trabalhador, até a data em que se retirou do quadro societário da empresa executada, afigura-se pertinente sua inclusão no polo passivo da execução. Aplicação dos artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil.
EXECUÇÃO. SÓCIO RETIRANTE. RESPONSABILIDADE. LIMITAÇÃO.
Não presente a fraude, a responsabilidade solidária do sócio retirante deve ser apurada nos exatos termos do artigo 1.032 do Código Civil.”[15] (grifei)
Do mesmo tribunal regional, observa-se outra recente decisão, onde o julgador condiciona a responsabilização pelo prazo de 02 anos, desde que o sócio tenha se beneficiado do contrato de trabalho do empregado.
“SÓCIO RETIRANTE. RESPONSABILIDADE NÃO EXISTENTE. Nos termos da lei civil, a responsabilidade do sócio que se retirou da sociedade executada perdura por dois anos, porém, desde que ao tempo do contrato de trabalho tenha o ex-sócio integrado a sociedade empregadora. Inteligência dos artigos 1032 e 1033, parágrafo único, ambos do Código Civil”.[16]
Diante deste cenário, mostra-se imperiosa a regulamentação e uniformização da questão pelos órgãos competentes, a fim de unificar o entendimento aplicável a matéria, trazendo maior segurança jurídica as partes e aos operadores do direito.
Fabio Ulhôa Coelho, ao abordar o tema da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, assevera que:
“A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa. Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresariais, no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos em empresas menos conservadoras. Por fim, como direito-custo, a limitação possibilita a redução do preço de bens e serviços oferecidos ao mercado.”[17]
O doutrinador ainda reconhece que os credores da sociedade empresária não são iguais para receberem tratamento único pela legislação vigente.
Expõe que a norma prevista na legislação civil, em especial, o prazo lá disposto, visa tutelar o interesse dos credores negociais, quais, podem se defender das vicissitudes do negócio, e já computam esse risco, repassando-o a sociedade no preço de seus produtos e serviços.
De outro lado, temos os credores não-negociais, os quais, não possuem meios de se precaver da inadimplência futura da sociedade, dentre os quais, podemos destacar a classe de empregados, que necessitam de uma maior proteção do Estado.
Apontar o atual limite temporal para a responsabilização trabalhista do sócio retirante da sociedade, se mostra impossível, diante da divergência jurisprudencial destacada no presente.
Pelo princípio da proteção ao trabalhador, a tendência inclina-se no sentido de aplicar a mescla dos preceitos trabalhistas com os dispositivos da legislação civil, como visto em alguns dos julgados, qual, se mostra mais abrangente na busca de garantir efetividade à execução.
Assim, esgotadas as possibilidades de pagamento da dívida trabalhista pela empresa executada e sócios remanescentes, independentemente da data de propositura da ação e do transcurso de mais de 02 (dois) anos da averbação da retirada do sócio, deve-se perquirir se a dívida originou-se no lapso temporal em que o ex-sócio integrava os quadros da empresa, ou nos dois anos subsequentes à averbação de sua saída da sociedade, à justificar sua responsabilização pessoal.
CONCLUSÃO
A sucessão trabalhista possui natureza própria e decorre da relação de emprego, com características que a diferem da sucessão empresarial prevista na legislação comum, diante do princípio protetivo aplicado ao empregado.
Em se tratando de obrigações trabalhistas, o novo titular da empresa responde não só pelas dívidas decorrentes dos contratos vigentes, mas também, pelas dívidas relativas aos contratos já findados, ainda pendentes, como garantia que a lei dá ao empregado, parte hipossuficiente da relação, que as alterações na estrutura ou titularidade da empresa, sobre as quais não tem nenhum controle, não o afetarão.
Resta clara e pacífica a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para atingir o patrimônio de seus sócios, quando ocorrer o inadimplementos de obrigações trabalhistas.
Entretanto, referido instituto ainda carece de uma regulamentação específica, principalmente, no tocante ao procedimento adequado para sua realização na esfera trabalhista, diante do procedimento adotado pelo novo código de processo civil (CPC/2015), tido para muitos estudiosos, como incompatível com as regras do processo do trabalho.
Não diferente, diante da problemática apresentada para se estabelecer os parâmetros legais para a responsabilização pessoal dos sócios que se retiraram da sociedade, diante das divergência expostas, se mostra imperiosa a imediata regulamentação da matéria para unificar o entendimento, prestigiando o princípio da proteção ao trabalhador em consonância com a segurança jurídica e demais garantias fundamentais dos sócios de uma sociedade empresarial.
Enquanto a questão não sofrer a devida regulamentação pelas leis que disciplinam o processo do trabalho, estaremos em um mar de incertezas.
Para os mais esperançosos, há tendência de que seja aplicado o entendimento que mescla os dispositivos da legislação civil com os preceitos do direito do trabalho, qual, atinge uma maior cobertura na busca da efetividade da execução trabalhista.
Enfim, fica a esperança de que o processo do trabalho evolua em matéria executiva, a par da legislação comum, diante do caráter alimentar da maioria dos direitos tutelados, flexibilizando algumas de suas normas, para dar efetividade a execução e, entregar a tutela “completa” à parte, prestigiando o sentimento de justiça.
Informações Sobre o Autor
Willian Pestana
Advogado Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela ESA-SP Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade LEGALE