Superendividamento fenômeno jurídico da Pós-Modernidade

Resumo: O tema proposto tem fundamento no fenômeno jurídico do SUPERENDIVIDAMENTO, que consiste na perda do controle excessivo em consumir, em geral consumidor leigo e de boa-fé, diante da facilidade de crédito, acumulando volumes insuperáveis de dívidas superiores à sua renda. O presente artigo, consubstanciado na presumível iminência de alteração do Código de Defesa do Consumidor, em vista do PL do Senado Federal Nº 283/12, em discussão na Câmara dos Deputados; objetiva a discussão conjecturada dos impactos trazidos pela inovação da Lei, analisando seus efeitos práticos, de modo a agregar valores à ciência do Direito.

Abstract: The proposed theme is founded on the legal phenomenon of over-indebtedness, which is the loss of control over consuming in general consumer layman and in good faith, on the credit facility, accumulating insurmountable amounts of debt higher than their income. This article, embodied in the presumed imminence of change of the Consumer Protection Code, PL view of the Senate No. 283/12, under discussion in the House of Representatives; objective discussion conjectured impacts brought by the innovation of Law, analyzing its practical effects, to add value to the science of law.

Sumário:  1. Contexto Histórico; 2. A transposição para Pós-modernidade; 3. O Superendividamento Contemporâneo; 4. Aspectos relevantes do Projeto de Lei N 283/12; 5. Considerações finais.

I.Contexto Histórico.

Para aclarar a compreensão do presente artigo, se faz necessária uma breve introdução do contexto histórico até a situação atual denominada de “pós-modernidade”, onde está inserida a hodierna sociedade de consumo. Partindo-se da Modernidade que permeou o Séc. XIX, até meados da segunda metade do Sec. XX, a humanidade presenciou transformações radicais do seu contexto Político, social e econômico. Desde a Revolução industrial até primórdios do final da II Guerra Mundial, os países devastados no campoeconômico e estrutural, sentiram a necessidade de Paz e reconstrução e, abdicando-se do contexto bélico, para o surgimento de uma nova fase de  desenvolvimento, que, a partir, da segunda metade do Sec. XXI, se estruturou as“Revoluções Tecnológicas”, já inseridas dentro do modelo capitalista, de modo que,emergiu o distanciamento do consumidor frente o titânico poderio econômico do fornecedor, quer pela ausência de informações de origem, fabricação, produção e importação de produtos ou serviços, ou pela desigualdade econômica, traçando, a partir daí, critérios notórios de desigualdades materiais,com desafios inovadores do Sec. XXI à superar, dentro do contexto atual pós-modernidade.

II. A transposição para Pós-modernidade.

Ainda na idade moderna, o protestantismo estabeleceu o valor da honestidade, como premissa aos homens honrados, de modo que a “dívida” para com o próximo, era socialmente reprovável, levando a indução lógica, de que os tratos firmados eram em regra cumpridos; porém com o advento da “Sociedade de Consumo”, promovida inauguralmente pelo Estado em meados de 2000, através de políticas econômicas de acesso ao crédito, transformou radicalmente o valor instituído pela religião.

A cultura à época, era do “consumo de subsistência”, adaptada para satisfação das necessidades básicas do homem; todavia, os tempos atuais, dão contada economia industrial, adaptada às necessidades imaginárias, expandidas pela fantasia humana, onde o consumo exagerado é ideologia cotidiana, sob o prisma da felicidade e bem-estar promovidos pela conquista do “ter”, afastando-se do postulado religioso: “ser”.

A Sociedade encontra-se desmaterializada, despersonalizada e globalizada aos produtos e serviços de massa, em detrimento da facilidade ao crédito e das técnicas modernas de publicidade indissolúveis nelas inseridas, cujos métodos científicos implicam em averiguação dos hábitos de consumo, visando a fidelização (catividade) do cliente frente às inovações tecnológicas e “sedutoras” de produtos e serviços.

III. O Superendividamento Contemporâneo.

A legislação pátria caminha indolente acerca da realidade do Superendividamento, tendo a justiça, envidado esforço tremendo para mitigar os efeitos das consequências para o consumidor, que fragilizado pela sua condição de “hipervulnerabilidade e insolvência”, se mostra “marginalizado” no contexto social, não possuindo pujança para reversibilidade de seu quadro, quer pela insuficiência de aquisição de bens indispensáveis à sua sobrevivência, quer pelos juros amontoados que somados e sobre todos, acaba por aniquilá-lo de vez e aprofundar ainda mais a sua crise existencial.

O Superendividamento à longo prazo, a permanecer à revelia da Lei, reverterá em ônus para toda a sociedade, haja vista que em detrimento do inadimplemento de uns, os fornecedores não terão outra alternativa a não ser forçosamente dividir os encargos dessas despesas, gerando efeito cascata e retributivo à toda coletividade.

No entanto, o que se busca precipuamente é promover não a remediação, mas a prevenção deste sujeito/consumidor; de modo que algumas medidas, em verdade amargas e à contrário senso dos fornecedores, beneficiarão à longo prazo aquele sujeito endividado, a fim de emergi-lo um futuro próximo ao consumo consciente, sustentável, onde suas necessidades sejam responsáveis e à altura de seus vencimentos e não da imperiosa necessidade imaginária e ilusória de bem-estar e satisfação.

IV. Aspectos relevantes do Projeto de Lei Nº 283/12.

As medidas importarão em instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento, renegociação das dívidas vencidas e vincendas, por meio da revisão e repactuação da dívida, prescrição da pretensão dos consumidores, denotando prazos à consecução de suas necessidades prementes, de modo à aplicar o consumo consciente, suprimindo o consumo exagerado; estabelecer regras para prevenção de condutas abusivasdos fornecedores,que clandestinamente envolvam créditos, como realizar cobranças de qualquer quantia contestada pelo consumidor em compras realizadas com cartões de crédito ou meio similar enquanto não solucionada à controvérsia; impedir nos casos de utilização fraudulenta à solicitação de bloqueio, anulação e/ou restituição indevidamente sufragados de seu cartão de crédito ou meio similar, estabelecer a conciliação em todas as modalidades, seja preventiva e/ou repressiva; de modo a garantir o mínimo existencial e a dignidade humana do consumidor superendividado.

Contudo, a frente das inovações aguardadas com festejada ansiedade para os que se encontram nessa situação, o texto da lei carece algumas observações que silentemente afrontam as conquistas promovidas pelo CDC, dentre as quais, a condição do consumidor em estado de “superendividado”, sugere que ele seja elevado à categoria brilhantemente ilustrada por Cláudia Lima Marques, de “consumidor com hipossuficiênca agravada”, não pelo contexto pessoal, intrínseco e próprio do indivíduo, mas sim pela inserção deste no meio social em que vive, absolutamente desequilibrado nas relações de consumo e por conseguinte desprovido de proteção, bastando para tanto, notar sua condição contumaz, qual seja: a de sujeito superendividado!

Alusão se faz pela parte final do texto, que sugere alteração do Estatuto do Idoso, para “descriminalizar” a conduta de fornecedores de Operações de crédito, quando debruçarem a negativa do fornecimento de créditos ao idoso, sob o pretexto do seu superendividamento; fato este repugnante e absolutamente criticado, justamente por expor a constrangimento a intimidade do consumidor idoso e indubitavelmente antagônico à própria intenção da Lei, que sugere o tratamento e inserção deste sujeito no anseio social e não a sua exclusão, de modo que as conquistas alcançadas deste importante instrumento necessário ao exercício de sua cidadania, “crédito”, foram demasiadamente derrogadas pelo comentado Projeto de Lei.

V.  Considerações finais.

A sociedade Brasileira, diferentemente da cultura das sociedades modernas centrais, não foi preparada para as práticas sociais e institucionais do crédito fácil, induzindo o cidadão ao consumo desenfreado, com generalização de um tipo de personalidade de economia emocional burguesa, em todos os extratos das camadas sociais. A ascensão da classe C na economia brasileira e sua inserção no mercado de consumo, como forma prestigiada de “novo padrão adquirido”, notoriamente veloz, veio desprovida de substrato cultural e educacional capaz de acautelar as consequências do excesso de consumo, culminando em fenômenos como o ora estudado e a fórmula para evitar o ingresso de novos endividados e dar tratamento a quem já inserido está, como paradigma de aproximação dos níveis desejados de pacificação social já experimentados em outros países, seria sem sombra de dúvidas a sanção da Lei.


Informações Sobre o Autor

Valter Saladino Santi Junior

Servidor Público Advogado Pós Graduando em Direito Administrativo e Direito do Consumidor


logo Âmbito Jurídico