Supremo Tribunal Federal, ativismo judicial e a (in)efetividade dos direitos fundamentais

Resumo: No presente artigo será conceituado o fenômeno conhecido por ativismo judicial e investigado sua ocorrência perante o Supremo Tribunal Federal na garantia dos direitos fundamentais. Faremos um breve estudo sobre as origens do fenômeno e analisaremos o ativismo judicial na perspectiva dos direitos fundamentais. A análise do ativismo judicial se concentrará na jurisdição constitucional a cargo do Supremo Tribunal Federal. A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica, além de consultas a documentos eletrônicos pertinentes ao assunto. Por fim, faremos uma análise da viabilidade do ativismo judicial para salvaguarda dos direitos fundamentais, em cumprimento ao art. 5, § 1º, da Constituição Federal de 1988.[1]

Palavras-chave: Ativismo judicial. Jurisdição constitucional. Supremo Tribunal Federal. (In)efetividade dos direitos fundamentais.

Abstract: In the present article will be conceptualized the phenomenon known as judicial activism and investigated their occurrence before the Supreme Court to guarantee basic rights. We will make a brief study on the origins of the phenomenon and analyze the judicial activism from the perspective of fundamental rights. The analysis of judicial activism will focus on the constitutional jurisdiction in charge of the Supreme Court. The methodology used was the literature research, and consultations relevant to the subject electronic documents. Finally, we will analyze the viability of judicial activism for the protection of fundamental rights in compliance with art. 5, § 1, of the Constitution.

Keywords: Judicial activism. Constitutional jurisdiction. Federal Supreme Court. (In)effectiveness of fundamental rights.

Sumário: 1. Introdução.2 .origens do ativismo judicial. 2.1. O pós-positivismo. 2.2. O constitucionalismo. 2.3. A jurisdição constitucional. 2.4. A colaboração entre os poderes. 3. O ativismo judicial. 3.1. Conceito. 3.2. A distinção entre o ativismo judicial e a judicialização da política. 3.3. Concepções acerca da jurisdição constitucional: procedimentalistas vs substancialistas. 4. O ativismo judicial e os direitos fundamentais. 4.1. Conceito e características dos direitos fundamentais. 4.2 gerações dimensões categorias ou espécies de direitos fundamentais. 4.3. A efetividade dos direitos fundamentais. 4.4oativismo judicial como garantia dos direitos fundamentais.5. O ativismo judicial no supremo tribunal federal em matéria de direitos fundamentais. 5.1. Estudos de casos. 5.1.1 Mandados de Injunção n 670 708 e 712 direito de greve. 5.1.2Súmula Vinculante n. 11usoexcepcional de algemas. 5.1.3 Recursos Extraordinários n 349703 e 466343 e Habeas Corpus n 87585 depositário infiel. 5.1.4 Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 132 união homoafetiva. 5.1.5 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 54 feto anencéfalo. 6.conclusão. Referencias

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tratará de um tema extremamente palpitante, qual seja: o ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal. Há muitas discussões acerca do papel da Suprema Corte e principalmente dos seus limites. Não raro o exercício da jurisdição constitucional suscita uma atuação em questões de ordem política, social e econômica. É nesse prisma que está posta a problemática.

O fenômeno do ativismo judicial é comumente analisado sob uma perspectiva negativa, como uma atuação indevida do Poder Judiciário na esfera de atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo. Porém como veremos o ativismo judicial não é um mal em si, podemos extrair das decisões da Suprema Corte exemplos de decisões ativistas que demonstraram um efetivo compromisso com a “guarda da Constituição”.

A pesquisa é essencialmente bibliográfica, baseada na análise da doutrina especializada e se restringirá a jurisdição constitucional no STF.

O ponto central da nossa análise será a garantia da efetividade dos direitos fundamentais nos termos do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988, pelo qual abordaremos a atuação do STF na garantia desses direitos.

Ao fim do estudo, sem a menor pretensão de exaurimos o tema, concluiremos sobre a necessidade ou não de uma atuação ativista por parte do STF na garantia dos direitos fundamentais, e se essa atuação proativa invade ou não as atribuições dos demais poderes.

2 ORIGENS DO ATIVISMO JUDICIAL

Antes de adentrar no mérito do trabalho, é necessária uma breve digressão acerca das origens do fenômeno do ativismo judicial, ou seja, as bases filosóficas do objeto sob análise.

2.1 O PÓS-POSITIVISMO

De início é imprescindível esclarecer que o termo pós-positivismo não é um consenso entre os juristas, seja por sua aceitação não unânime, seja por sua ideia de superação/evolução em relação ao positivismo jurídico

Segundo Dimoulis (2006, p. 48-49) o termo pós-positivismo é praticamente desconhecido fora do Brasil, possuindo uma conotação moralista e idealista.

Não obstante a discussão acerca de sua consistência teórica, o que vem a ser o pós-positivismo?

Consiste num marco teórico que estabelece um contraponto ao positivismo jurídico, fazendo uma abordagem do Direito interligada com a moral, incorporando valores como justiça e o bem comum.

Para Luís Roberto Barroso o pós-positivismo:

“(…) é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais.” (BARROSO, 2007, p. 327)

Nesse sentido, o objetivo do pós-positivismo é a busca pela justiça, através do reconhecimento da normatividade dos princípios jurídicos ao lado das regras, contribuindo para uma coalização entre a moral e o direito.

Não se trata do retorno ao jusnaturalismo, mas uma nova concepção do direito, preocupada com sua efetividade.

Dimitri Dimoulis (2006, p. 47) assinala duas tendências que cercam as teorias pós-positivistas:

A primeira, idealista, busca orientação no jusnaturalismo e propõe adaptar o direito a exigências decorrentes de imperativos superiores, tais como a justiça, o bem comum e a moralidade.

A segunda, de cunho, sociológico, propõe adaptar exigências decorrentes da evolução da sociedade. Ao moldar o direito a partir das mudanças sociais.

 Portanto, o movimento pós-positivista ganha espaço na segunda metade do século XX, propondo uma evolução ao positivismo exegético, ampliando o mecanismo da hermenêutica constitucional e concebendo os princípios como normas jurídicas.

Essa releitura da ciência jurídica, seja qual for à nomenclatura que lhe seja atribuída, contribui para expansão do leque hermenêutico disponibilizado ao intérprete, para o bem da efetividade dos direitos.

A ciência jurídica que experimentou o positivismo exegético do código napoleônico de 1804, no qual o intérprete estava vinculado aos ditames da lei, vivencia uma transformação dogmática, preocupada com a efetividade dos direitos, que amplia as possibilidades interpretativas, que variam de acordo com as nuanças do caso concreto, mas por óbvio sem burlar os preceitos legais.

Dentro deste contexto surge o fenômeno do ativismo judicial, pois se o intérprete não está limitado à letra da lei, é possível fazer uma construção hermenêutica a partir do caso concreto, em diálogo com os preceitos legais, de modo a não viola-los, mas a complementa-los.

2.2 O CONSTITUCIONALISMO

Para ZAGREBLESKY (apud TAVARES, 2003, p.99) o constitucionalismo consiste em um fenômeno político-social derivado das conquistas sociais (organização política, reivindicações populares, revoluções e guerras) e caracterizado pela defesa da limitação do poder estatal frente aos cidadãos, através de um “contrato” jurídico e político, alçado ao topo do ordenamento jurídico, denominado constituição.

Esse fenômeno surge como um contraponto ao regime absolutista, e compreende uma visão finalística da coisa pública, preocupada com o controle dos poderes do estado, garantindo os direitos dos cidadãos e a fiscalização da administração do erário.

 O constitucionalismo atingiu diversos estágios, que contribuíram para o seu desenvolvimento, entre eles: o constitucionalismo antigo, o constitucionalismo medieval, o constitucionalismo moderno e o constitucionalismo contemporâneo (também conhecido por neoconstitucionalismo).

O constitucionalismo denominado antigo, não compõe o conceito de constituição jurídica, mas sem dúvida é onde a ideia de constitucionalismo foi brotada.

Tavares (2003, p. 1) atribui o surgimento do constitucionalismo antigo aos Hebreus e aos Gregos. Aqueles tinham um estado teocrático, e portanto, eram regidos pela Bíblia, também conhecida como a “lei do senhor”, que tinha a função de limitar os poderes dos governantes. Estes estavam divididos em cidades estados, possuíam, portanto, uma divisão política, caracterizada por uma ordem hierárquica de normas e distribuições de competências entre as funções estatais.

O constitucionalismo medieval surge a partir de reivindicações populares em face do poder absoluto dos governantes, a exemplo da Magna Charta Libertatum de 1215 outorgada pelo Rei João, um marco na luta pela limitação do poder arbitrário do soberano, dispondo sobre os direitos dos cidadãos frente ao estado.

Bulos (2010, p. 74-75) assinala que nesta carta de direitos, havia a previsão do direito de petição, o tribunal do júri, o princípio do devido processo legal, o habeas corpus, o princípio do acesso à justiça, a liberdade de religião e aplicação proporcional das penas.

Após esse período surge, em meados do séc. XVIII, o constitucionalismo moderno, capitaneado pela Constituição norte americana de 1787 e pela Constituição Francesa de 1791 (primeira carta escrita da Europa).

Essa fase é a marca pelo denominado constitucionalismo liberal, onde as classes lutam pela garantia das liberdades.

Neste estágio do constitucionalismo há uma clara necessidade de constituições escritas, de modo a dar clareza, segurança e publicidade ao texto constitucional.

É por essa razão que a doutrina entende que, do ponto de vista formal, o constitucionalismo inicia-se com as cartas americanas de 1787 e francesa de 1791.

Por último chegamos ao constitucionalismo contemporâneo (também conhecido por neoconstitucionalismo). Preferimos a denominação, pois entendemos que não se trata de um novo constitucionalismo, mas um constitucionalismo aprimorado, fruto das necessidades sociais e do debate doutrinário acerca do tema.

Para Carbonell (2009) advém do pós-guerra, e não se restringe a tratar da organização do estado, mas contempla um amplo catálogo de direitos fundamentais, estabelecendo uma transformação nas relações entre estado e cidadãos.

O constitucionalismo contemporâneo é caracterizado por constituições com amplo catálogo de direitos, normas de caráter axiológico (com valores como dignidade da pessoa humana, igualdade, moralidade, etc.), que contemplam instrumentos de garantias dos direitos e interferem sobremaneira em todo o ordenamento jurídico.

São exemplos as constituições da Itália de 1948, da Alemanha de 1949, da Espanha de 1978, de Portugal de 1976 e do Brasil de 1988.

Estas constituições trazem um amplo catálogo de direitos, muitos deles constituem cláusulas abertas e ensejam uma complementariedade interpretativa, a exemplo dos princípios constitucionais que trazem conceitos morais em sua gênese.

Para Barroso (2007, p. 5), essa fase do constitucionalismo tem como marco teórico a força normativa da constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o que ele chama de “nova interpretação constitucional”.

A força normativa da constituição representa a obrigatoriedade e a força vinculante das normas constitucionais, sejam elas regras ou princípios. Verdadeiro marco no estudo dessa temática é a obra do professor da Universidade de Freirbug (Alemanha) Konrad Hesse (2009) cujo título é A Força Normativa da Constituição. Para Hesse a Constituição tem força própria, vale por si mesma.

A expansão da jurisdição constitucional (tema que será abordado no tópico posterior) advém da criação de tribunais constitucionais e da introdução de mecanismos de controle de controle de constitucionalidade.

A “nova interpretação constitucional” decorre da força normativa da constituição, que difere dos métodos tradicionais de interpretação, levando em consideração um novo ramo da hermenêutica jurídica, a hermenêutica constitucional.

Há autores que criticam esse posicionamento, a exemplo do jurista Dimitri Dimoulis (2008, p. 53) que afirma que todos esses elementos estão presentes desde as origens do constitucionalismo, não havendo nada de novo na temática.

Não obstante as críticas do ilustre doutrinador, entendemos que os referidos elementos não estancam a definição do constitucionalismo contemporâneo, apenas facilitam a compreensão do fenômeno.

E ainda é errôneo dizer que desde o início as mencionadas características dessa fase do constitucionalismo estavam presentes. Pois como vimos alhures o constitucionalismo passou por diversas transformações desde o seu primórdio, na civilização Hebraica, até o presente.

Portanto, o constitucionalismo passou e passa pelas transformações, que foram descritas neste artigo. Porém esse fenômeno é dividido em vertentes apenas para fins didáticos e metodológicos, pois o constitucionalismo em essência é um só (do antigo ao contemporâneo).

Mas indubitavelmente, é aperfeiçoado na proporção dos anseios civilizatórios. Se de forma incipiente, o objetivo era tão somente limitar os poderes dos governantes; posteriormente foi racionalizar essa limitação na forma de textos escritos. E após, a luta é pela efetividade destes textos.

De modo que, como foi mostrado, o constitucionalismo vive um constante processo de aperfeiçoamento que está diretamente ligado aos objetivos da humanidade.

2.3 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

A palavra jurisdição vem da junção dos verbetes em latim juris (direito) + dicere (dizer), que compreende o poder-dever estatal de dizer o direito, pondo fim a um litígio, de modo a pacificar um conflito de interesses ou o declarando, por exemplo, no controle de constitucionalidade.

Em um estado de direito a função de pacificar os conflitos é conferida ao Estado, que através do Poder Judiciário, e por meio de um processo, resolve a lide.

Nesse sentido, havendo uma lide no sentido que atribui Carnelutti – um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida – as partes envolvidas devem provocar o Estado Juiz para que seja dada a solução para o caso de acordo com o direito.

Porém a lide não é um elemento essencial ao exercício da função jurisdicional, já que pode haver jurisdição sem um conflito de interesses imediato. Nesse sentido estamos com Alexandre Freitas Câmara (2011, p. 1) para quem a lide é um elemento acidental, pois no controle de constitucionalidade concentrado não há lide, e o processo é objetivo.

Nesse plano, a jurisdição constitucional é justamente “o dizer o direito” no processo constitucional, ou seja, o exercício do poder jurisdicional na guarda da constituição.

Esse poder é exercido através do controle de constitucionalidade e suas respectivas ações, recursos e remédios constitucionais.

 As origens da jurisdição constitucional remontam ao célebre caso Marbury v. Madson 5 U.S 137 (1803), pelo qual os juízes da Suprema Corte norte-americana se debruçaram sobre o conflito entre a Constituição e a legislação infraconstitucional, decidindo pela prevalência da primeira, criando o denominado judicial review.

A partir dessa decisão se consagra o modelo norte-americano de constitucionalidade, que ficou conhecido como controle difuso de constitucionalidade, pelo qual é conferida a todos os juízes a competência para declarar pela via incidental a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado. Esse modelo passou a ser seguido em muitos países da América Latina.

Para Dimoulis (2013, p. 43) o controle de constitucionalidade europeu tem outras origens. O Jurista alemão Georg Jellinek em meados de 1885 propunha a criação de uma corte constitucional, para o exercício do controle de constitucionalidade.

Pois para Jellinek a referida função deveria ser confiada a um tribunal, (órgão técnico) que em sua ótica não estava sujeito às influencias políticas do parlamento. Nesse sentido o órgão que cria a norma não pode ser o mesmo que a julga compatível ou incompatível com a constituição.

Em 1929 Carl Schimitt escreve a obra “O guardião da Constituição” pela qual defende que a guarda da constituição ou o controle de constitucionalidade seja feito pelo Reich (Poder Executivo).

Schimitt fundamenta sua posição afirmando ser o Reich (Poder Executivo) um poder neutro – no sentido atribuído por Benjamin Constant –, independente e democrático.

Sendo este último critério o baluarte da tese de Schimitt, quando este afirma que o verdadeiro defensor da constituição deve ser o chefe do Poder Executivo, eleito pelo povo, circunstância que o torna legitimado democrático para o exercício da função da guarda da constituição.

Contrapondo Schimitt e em sintonia com Jellinek, Hans Kelsen no ensaio “Quem deve ser o guardião da Constituição?” propõe que a função do controle de constitucionalidade seja atribuída ao poder jurisdicional do estado, na forma de uma corte constitucional, cuja função prioritária – se não exclusiva – seja a interpretação da constituição, numa análise puramente de direito e não de fato.

Para este legitimado doutrinador, não é plausível conceber que tal função seja exercida pelo poder legislativo, pois como este anularia uma lei por ele próprio concebida? Qual a isenção deste órgão na análise do controle de constitucionalidade?

Concordamos na totalidade com Kelsen e Jellinek, pois entendemos ser necessário que a função da guarda constituição seja exercida por um órgão independente, desvencilhado de interesses políticos. Como diz o próprio Kelsen (2003, p. 240): “ninguém pode ser juiz em causa própria”.

Esse entendimento, pelos mesmos motivos se aplica para o poder executivo, órgão que no passado exercia, com exclusividade, o controle de constitucionalidade, porém de duvidosa legitimidade. A referida função era atribuída ao monarca que a desempenhava de acordo com seus interesses, sem qualquer compromisso com a incolumidade do ordenamento jurídico.

Nesse prisma o princípio da soberania do parlamento não é mitigado, pois é exercido no legítimo processo legislativo, quando da atividade criativa do legislador na inovação do ordenamento jurídico.

Porém no plano do controle dos atos legislativos, deve estar presente a função jurisdicional do estado, a fim de que seja feita a análise da compatibilidade da lei com constituição, de modo a fiscalizar a aplicação dos dispositivos constitucionais.

Nesse prisma a Constituição da Áustria de 1920 adotou os ensinamentos de Hans Kelsen, ao contemplar o modelo de controle concentrado, cujo fundamento é a presença de um órgão específico criado para fazer a guarda da constituição.

Esse posicionamento foi seguido pelas constituições democráticas, de forma plena ou de forma parcial, o que nos leva a crer que a tese Kelsiana prevaleceu. Mas sem dúvida o mencionado debate teórico nos ajuda a compreender a razão de ser do controle de constitucionalidade e entender os desafios que o cercam.

2.4 A COLABORAÇÃO ENTRE OS PODERES

Na visão de José Afonso da Silva (2009, p. 109) o princípio da separação dos poderes é visto de uma nova forma a partir do movimento constitucionalista, não somente no aspecto clássico de divisão funcional do poder – passando pelas teorias de Aristóteles, John Locke e Montesquieu –, mas sob o paradigma da colaboração.

Isto é, os poderes interagem uns com os outros, através de mecanismos de cooperação e de controle recíprocos, nos limites estabelecidos pela Constituição. Até porque o poder estatal é uno, e, por conseguinte não comporta segmentações, de modo que a divisão funcional entre os poderes é meramente técnica.

Assim, os poderes são dotados de funções típicas e atípicas. Como exemplo do art. 62 da Constituição Federal de 1988, no qual confere a prerrogativa ao Presidente da República para editar Medida Provisória com força de lei, inovando o ordenamento jurídico, em bora não pelas “mãos” do Poder Legislativo.

Bem como o poder conferido ao Poder Legislativo de administrar seus próprios recursos, promovendo licitações ou concursos públicos ou a competência para instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito. Como dispõe os arts. 51, IV, e 52, XIII, ambos da Constituição Federal de 1988, por exemplo.

No Poder Judiciário também não é diferente, como é o caso do art. 96, I, da Constituição Federal de 1988, e seu respectivo rol de competências administrativas e legislativas.

Desse modo, os poderes não obstante possuírem a denominada especialização funcional, podem excepcionalmente exercer funções atribuídas a outros poderes, para o bem do cumprimento dos deveres constitucionais.

Tudo depende da forma como se concebe o direito, como afirma Inocêncio Mártires Coelho:

“Se, ao contrário, tivermos presente que a lei não esgota o Direito, antes exige, quando necessário, concretizá-lo para além do sentido literal dos enunciados normativos, a função do juiz não se resumirá a dizer um direito previamente posto e sobreposto, e tampouco a servir de mero porta-voz do legislador, como preconizava Montesquieu, que reduzia o juiz à condição de boca que pronuncia as palavras da lei, e a função de julgar, a uma espécie de prerrogativa de certo modo nula.” (COELHO, 2010, p. 1)

Portanto, o Poder Judiciário pode de forma atípica exercer função criativa no direito, muito embora esta não seja sua atribuição primordial, pois o legislador não é capaz de prevê todas as situações do cotidiano.

3 O ATIVISMO JUDICIAL

Neste capítulo será delineado o tema ativismo judicial, a partir do seu conceito e das posições doutrinárias favoráveis e críticas. Após enfrentaremos a diferença entre ativismo judicial e judicialização da política, e abordaremos a discussão entre as correntes doutrinárias procedimentalistas e substancialistas.

3.1 CONCEITO

Segundo Leal (2008, p. 18) a origem do termo ativismo judicial é atribuída ao jornalista norte-americano Arthur Schlesinger, quando em um artigo escrito para revista Fortune em janeiro de 1947, cujo titulo é The Supreme Court:1947, utilizou a expressão judicial activism[2].

O artigo de Schlesinger impulsionou o estudo do tema nos Estados Unidos, relacionando-o a atuação da Suprema Corte norte-americana em casos polêmicos, dotados de discussões políticas, embora as discussões sobre os limites da atuação da Suprema Corte já existissem.

No Brasil o tema ganha relevo a partir Constituição Federal de 1988, com teor analítico, que contempla um amplo catálogo de direitos fundamentais, e fortalece o controle de constitucionalidade. Aspectos que dão margem a uma atuação enérgica por parte dos Poderes, sobretudo do Judiciário, pois amplia o seu raio de atuação.

Quanto ao conceito, o ativismo judicial consiste numa conduta emanada do Poder Judiciário, na sua função constitucional de exercer a jurisdição, de dizer o direito diante de uma demanda, pela qual há uma atuação de natureza política em face da ausência de norma aplicável ou pela insuficiência desta diante das necessidades do caso concreto.

Luís Roberto Barroso define as seguintes características do ativismo judicial:

“(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. (BARROSO, 2009, p. 6)

Trata-se, portanto, de uma atuação mais incisiva por parte do Estado Juiz com fundamento na garantia dos direitos insculpidos na Constituição, diante da inércia dos outros poderes.

Em determinadas situações essa atuação ocorre em face da ausência de norma regulamentadora ou de uma omissão inconstitucional, adentrando na esfera de atribuição dos Poderes Executivo e Legislativo.

O Poder Judiciário, quando provocado, não pode ser mero espectador das arbitrariedades, das omissões e das lesões a direitos. Pelo contrário, deve dar efetividade aos direitos fundamentais, sendo efetivo guardião de seus preceitos. É isto que se entende por ativismo judicial.

É certo que o ativismo judicial não é aceito de forma unânime pela doutrina, pois parte dela o vê como algo negativo, concebendo-o de forma pejorativa, como se toda decisão judicial ativista fosse ilegítima. O que gera um dissenso quanto ao seu conceito.

Parte da doutrina crítica o ativismo judicial como um todo, por entender que o Judiciário não é um órgão legitimado democraticamente, por ofender o princípio da separação dos poderes e por promover a denominada “juristocracia” ou “a superioridade do Judiciário” frente os demais poderes.

Dessa maneira entende Ramos (2010, p. 116) para quem o ativismo judicial é a ultrapassagem dos limites da função jurisdicional em detrimento, sobretudo, da função legislativa.

Nesse diapasão Lenio Streck (2013, p. 18) afirma que com as posições ativistas do Poder Judiciário corremos o rico de fragilizar a produção democrática do direito, fazendo com que este seja construído a partir de argumentações teleológicas ou morais.

Para esse renomado doutrinador o único poder credenciado a função criativa no direito é o Poder Legislativo, realizando tal intento pela via do processo legislativo.

Esse posicionamento é conhecido como autocontenção judicial, postura extremamente conservadora que prefere presenciar uma flagrante violação de direitos do que correr o risco de ter uma corte ativista.

Luís Roberto Barroso define essa corrente da seguinte maneira:

“(i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas.” (BARROSO, 2009, p.7)

Favorável ao ativismo judicial, Inocêncio Mártires Coelho (2010) o tem como uma consequência natural do exercício da jurisdição constitucional na construção do direito.

Na mesma linha está Saul Tourinho Leal (2008, p. 146) para quem “não temos um tribunal ativista – no sentido pejorativo do termo – mas sim um tribunal altivo”.

Com isso Leal quer dizer que o Poder Judiciário apenas cumpre sua missão constitucional de guarda dos direitos e garantias fundamentais, reafirmando os dispositivos constitucionais e consagrando a democracia. Nem mais, nem menos.

Assim vimos por sucinta amostragem que estamos longe de um conceito unânime do que seja ativismo judicial. Muito menos em relação a postura a ser adotada pelo Poder Judiciário.

O certo é que o ativismo em si não é ruim, não podemos tachar uma conduta de negativa só pelo fato de ser atuante em determinadas ocasiões. Pelo contrário devemos analisar detidamente os fatos para tirarmos nossas próprias conclusões.

Pois como disse Barroso em entrevista concedida ao portal jurídico CONJUR, “o ativismo judicial é como colesterol tem do bom e do ruim”.[3] Ou seja, nem sempre uma postura ativista é desaconselhável, principalmente quando há uma flagrante ofensa a direitos fundamentais.

3.2 A DISTINÇÃO ENTRE O ATIVISMO JUDICIAL E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

É comum a confusão entre os termos ativismo judicial e judicialização da política. Para o bom desenvolvimento do tema é imprescindível à distinção.

A judicialização é uma circunstância fática pela qual há uma procura exponencial pelo Poder Judiciário para solução dos conflitos, impulsionada pelo advento da Constituição de 1988.

O Poder Judiciário passa a ser o palco central das discussões políticas, sociais e morais, pois não se omite a decidir, quando provocado tem o dever dizer o direito.

No Brasil o fenômeno é impulsionado com a Carta de 1988 que albergou um vasto rol de direitos e garantias fundamentais, alargando as possibilidades do controle judicial de constitucionalidade. Somado a isso o fortalecimento das funções essenciais à justiça, como por exemplo, a ampliação do papel do Ministério Público, a criação da Defensoria Pública e da Advocacia-Geral da União.

Sem dúvida a denominada crise de representatividade (falta de credibilidade no Poder Legislativo) contribui sobremaneira para o aumento da procura pelo Poder Judiciário. Os cidadãos insatisfeitos com a atuação do Poder Legislativo ou até mesmo a ausência dela, passam a se socorrer da jurisdição constitucional.

O que se percebe na prática é que o Poder Legislativo tem se acomodado com a atuação do Poder Judiciário de forma que em muitos casos é este último quem assume a responsabilidade de enfrentar questões de relevo para toda sociedade.

Por exemplo, quem enfrentou a discussão sobre a união estável entre casais homossexuais? O Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, tema que será abordado no capítulo 5.

Até o momento o Poder Legislativo não tomou uma posição definitiva sobre o tema, embora tramitem no Congresso Nacional diversos Projetos de Lei que versam sobre a questão[4].

Ao passo que o ativismo é uma postura do Poder Judiciário, que utilizando a Hermenêutica Constitucional e com o objetivo de dar efetividade aos direitos e garantias fundamentais, adentra nas atribuições tradicionais dos demais poderes.

Nesse sentido ativismo é contingencial, só é utilizado quando há uma clara omissão por parte dos Poderes Executivo e Legislativo ou quando a um vácuo normativo, onde a norma jurídica não foi capaz de infiltrar. Circunstância que enseja uma tomada de posição por parte do Judiciário diante da inércia dos outros poderes.

Portanto a judicialização é um fato: a procura pelo Poder Judiciário para resolução de questões políticas, sociais e morais contidas na Constituição. O ativismo judicial é uma conduta arrojada por parte do Judiciário diante da omissão por parte dos Poderes Executivo e Legislativo ou de um vácuo normativo.

3.3 CONCEPÇÕES ACERCA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: PROCEDIMENTALISTAS versus SUBSTANCIALISTAS

A aceitação ou não do ativismo judicial dependerá da concepção adotada pela jurisdição constitucional.

A concepção procedimentalista entende que a intervenção do Poder Judiciário deve cingir-se a fiscalização da regularidade do procedimento, não adentrando nos aspectos materiais da Constituição. O juiz não pode ultrapassar o que diz o texto constitucional ainda que a pretexto de garantir sua integridade.

É o exercício da Jurisdição Constitucional pela defesa do procedimento. Os defensores do procedimentalismo julgam ser antidemocrática qualquer análise do Poder Judiciário para além do texto constitucional.

A concepção substancialista defende uma maior intervenção do Poder Judiciário na defesa dos direitos fundamentais de modo a dar efetividade ao texto constitucional. Esta linha de pensamento se coaduna com a máxima da força normativa da constituição, capitaneada por Konrad Hesse, pela qual as normas constitucionais possuem força cogente, incidem diretamente, possuem plena eficácia.

O Supremo Tribunal Federal vem adotando em célebres casos submetidos a sua jurisdição a concepção substancialista. Podemos citar como exemplo os Mandados de Injunção nº. 670, 708 e 712 em que a Suprema Corte reconheceu a omissão legislativa quanto a regulamentação do art. 37, VII, da Constituição Federal de 1988 e garantiu o direito de greve aos servidores públicos mediante aplicação analógica da Lei n. 7.783/89 (lei de greve).

Caso o STF adotasse a concepção procedimentalistas até o presente os servidores públicos estariam privados do direito fundamental à greve. Mas felizmente a Suprema Corte não adotou a referida posição privilegiando a máxima efetividade do texto constitucional.

Outro exemplo foi o julgamento Conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 132 que reconheceram a união estável para casais homoafetivos, concedendo interpretação conforme a Constituição ao art.1723 do Código Civil. Neste caso a Suprema Corte garantiu o direito das minorias homossexuais à luz da Constituição Federal de 1988.

Portanto nossa posição é favorável à concepção substancialista, pois esse posicionamento é o mais eficaz na proteção dos direitos e garantias fundamentais, privilegiando as minorias (se for necessário para garantia de direitos) em detrimento de eventuais maiorias.

4 O ATIVISMO JUDICIAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Neste capítulo faremos um breve estudo sobre os direitos fundamentais, pois nosso objetivo é justamente defender a legitimidade do ativismo judicial para garantia destes direitos.

4.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Antes de partirmos para o conceito é necessário fazer uma breve distinção entre os direitos humanos e os direitos fundamentais.

Direitos Humanos correspondem a um conjunto de direitos consagrados no plano internacional, através de instrumentos jurídicos como Convenções e Tratados internacionais. Quando falamos em direitos fundamentais estamos nos referindo a direitos que não raro são também direitos humanos, mas estão inseridos no ordenamento jurídico interno de cada estado.

Feita esta breve distinção passaremos a tratar do nosso objeto de estudo.

Os direitos fundamentais são uma espécie qualificada de direitos que ocupam um espaço de destaque no ordenamento jurídico em razão da sua importância para pessoa humana. São direitos básicos para uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.

Por esta razão Jorge Miranda (2000, p. 52) nos ensina que os direitos fundamentais são direitos alçados a um grau de importância que incorporam os valores básicos da sociedade.

Em face de sua importância os direitos fundamentais normalmente encontram-se insculpidos na maioria dos textos constitucionais dos países considerados democráticos, a exemplo das constituições portuguesa e alemã. Devido ao grau de superioridade que as constituições possuem perante todo o ordenamento jurídico interno e também a proteção que os textos constitucionais possuem no que tange a impossibilidade de retrocesso como, por exemplo, o estabelecimento de cláusulas pétreas e o direito a um processo de emenda constitucional rígido.

Assim entende Dimoulis e Medeiros, in verbis:

“Direitos fundamentais são direitos públicos-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.” (DIMOULIS e MARTINS, 2012, p. 40).

Por isso os direitos fundamentais correspondem a um produto do constitucionalismo, pois estão diretamente associados à luta pela proteção dos direitos da pessoa em face do estado.

O que nos leva a considerar que não há estado de direito sem a previsão e a garantia dos direitos fundamentais, pois do contrário teremos um estado autoritário. Um estado só é de direito quando seu poder possui limites, e esses limites correspondem aos direitos fundamentais.

Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2009, p. 187) também conceituam os direitos fundamentais sob o aspecto da fundamentalidade formal e material.

O conceito da fundamentalidade formal diz respeito aos direitos fundamentais constantes do texto da Constituição. É, portanto, uma visão exegética dos direitos fundamentais.

Pela insuficiência do conceito retro apresentado surge o conceito da fundamentalidade material, que parte de uma análise contextual dos direitos fundamentais de acordo com o seu conteúdo, ainda que não constante expressamente no Texto constitucional.

Assim pode haver direitos humanos não expressos no texto constitucional, nos termos do art.5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

Dessa forma podemos considerar como constantes do bloco de direitos fundamentais além dos direitos presentes no Título II da Constituição Federal de 1988 – incluído os direitos sociais e políticos – outros dispositivos constitucionais.

Finalmente, os direitos fundamentais possuem características que realçam o grau de importância destes direitos. Com base na classificação esboçada por Alexandre de Moraes (2011, p. 22):

São direitos imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis, universais (abrange todos os indivíduos), efetivos (impõe ao estado o dever de efetiva-los), interdependentes (possuem conexão logica entre direitos e garantias) e complementares (não devem ser interpretados de forma isolada).

4.2 GERAÇÕES, DIMENSÕES, CATEGORIAS OU ESPÉCIES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A doutrina especializada tece críticas acerca da fragmentação dos direitos fundamentais em “gerações”. Sob a alegação de que estes se conjugam, de modo que os direitos de liberdade (civis e políticos) e os direitos de igualdade (econômicos, sociais e culturais) fazem parte de um único conjunto. Assim entendem Dimoulis e Martins (2012, p. 560 et. segs.).

Não obstante a relevância dos argumentos, entendemos que a divisão dos direitos fundamentais em gerações não tem o condão de segregar estes direitos sob um enfoque evolutivo. No qual um direito posterior exclui ou supera o anterior. Esse não é o objetivo.

Absolutamente, essa divisão é meramente exemplificativa, não tendo a pretensão de engessar a evolução dos direitos fundamentais, e muito menos nega-los. Dito isto passaremos a adotar o termo gerações.

Paulo Bonavides (2008, p. 562 et segs.) inspirado nas lições de Karel Vasak introduz no Brasil a teoria das gerações dos direitos fundamentais.

Para o renomado doutrinador a primeira geração diz respeito aos chamados direitos de liberdade (direitos civis e políticos advindos do séc. XVIII), são os chamados direitos de resistência oponíveis ao estado (subjetivos), tendo por titular o indivíduo. Impõe ao estado um dever de não fazer, constituído em prestações negativas. A exemplo do direito a propriedade, à vida, a liberdade de crença, de manifestação do pensamento, de locomoção, liberdade de associação, etc.

A segunda geração fica a cargo dos direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos que dominaram o séc. XX. Está presente na maioria das constituições dos países democráticos sob a forma de normas programáticas, fator que não afasta a aplicabilidade imediata de seus preceitos, podendo gerar omissões inconstitucionais. Constituem em prestações positivas (obrigações de fazer por parte do estado). Como o direito ao trabalho, a moradia, ao lazer, a educação, a seguridade e assistência social, etc.

A terceira geração é representada pelos chamados direitos metaindividuais. Compreende o direito a fraternidade, consubstanciado no desenvolvimento, meio ambiente, função social da propriedade, comunicação dentre outros (rol exemplificativo). Tendo como destinatária precípua toda a humanidade.

Essas são as três tradicionais gerações de direitos fundamentais, porém como é dever do direito acompanhar a evolução da sociedade foram surgindo outras gerações.

A exemplo da quarta geração que surge a partir da ideia de globalização dos direitos fundamentais, advindas do pós-segunda guerra mundial. Simboliza a busca pelo reconhecimento de direitos humanos a pessoa humana, independente de sua origem. São direitos fundamentais de quarta geração a democracia, a informação e o pluralismo.

Bonavides (2008, p. 579) assinala ainda a quinta geração de direitos fundamentais, fundada no direito a paz, objetivo de toda humanidade, pois a história mundial nos revela o custo de uma guerra e nos faz crer que não há como dar continuidade a luta pela efetivação de direitos se vivemos em um estado de beligerância. A verdade é que temos que rever o conceito de paz e refletir sobre o imperialismo das grandes nações.

Este é um retrato da luta inacabada pela efetivação de direitos. Sabemos que não estamos perto do fim, agora a luta é pela efetividade dos direitos fundamentais.

4.3 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a tratar de maneira específica da eficácia dos direitos fundamentais. E essa ênfase do Poder Constituinte não foi à toa, todos sabiam da dificuldade na aplicação dos direitos fundamentais.

Daí a necessidade de se ter um dispositivo na constituição versando exclusivamente sobre essa questão, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Dispositivo este que não obstante a clareza com que foi redigido suscitou e ainda suscita muitos questionamentos relacionados ao alcance da norma.

Parte da doutrina entende que o referido dispositivo não deve ser levado ao pé da letra, pois normas programáticas e de eficácia limitada não poderiam ter aplicação imediata ante a insuficiência prática.

Desta corrente, fazem parte: André Ramos Tavares, Celso Ribeiro Bastos e Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Para André Ramos Tavares:

“Não há como pretender a aplicação imediata, irrestrita, em sua integridade, de direitos não definidos de maneira adequada, cuja própria hipótese de incidência ou estrutura ficam por meio de lei”. (TAVARES, 2003, p. 524)

Nesse diapasão Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 393) explica que a regra do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988 cede em duas ocasiões, quais sejam: quando a Constituição condicionar expressamente o exercício do direito a lei ou quando o preceito constitucional for destituído de elementos mínimos que assegurem a sua aplicação.

Assevera, por último, Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2012, p. 1.402) para quem somente as normas de eficácia plena têm aplicação imediata.

São favoráveis a aplicação direita e imediata: Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck, George Marmelstein, Eros Roberto Grau e Jorge Miranda.

Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 269) nos ensina que os direitos fundamentais são presumidamente de eficácia plena, porém reconhece a existência de direitos de baixa densidade normativa que ensejam certa graduação da sua aplicabilidade, o que não retira a eficácia da norma jurídica.

Jorge Miranda (2000, p. 311) salienta que os direitos fundamentais não dependem do legislador infraconstitucional para ter eficácia jurídica, sustentando com base na conhecida expressão atribuída a Hebert Krüger segundo a qual: “não são os direitos fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais”.

Para George Marmelstein (2008, p. 293) a aplicação imediata dos direitos fundamentais é consequência natural da supremacia desses direitos, pois não teria sentido estabelecer condições para aplicação dos direitos fundamentais a uma incerta regulamentação legislativa.

Entendemos, data vênia aos posicionamentos em contrário, desarrazoado o entendimento de que existem direitos fundamentais que não podem ser aplicados, pois na constituição não existem palavras vazias, o constituinte foi claro ao dispor que os direitos fundamentais possuem aplicação imediata.

Ainda que seja uma norma de eficácia contida ou limitada, não deixa de ser uma norma dotada de alguma eficácia jurídica, cabendo ao intérprete extrair todos os elementos hábeis a conceder a eficácia necessária para o bem da efetividade da norma, ainda que para isso tenha que adotar posturas ativistas.

Já que o art. 5º, XXXII, que trata da defesa do consumidor, antes da edição da Lei nº. 8.078/90 era uma norma de eficácia limitada e nem por isso impediria o estado de efetivar sua aplicação. Por exemplo: um juiz reconhecer a vulnerabilidade de um consumidor diante de um caso concreto ou a administração Pública criar um órgão específico para defesa do consumidor.

Portanto, a ausência da edição de um ato legislativo não inviabiliza a eficácia jurídica dos direitos fundamentais. Admitimos que em determinados casos a edição de uma lei que complemente ou que complete as diretrizes estabelecidas pelo constituinte é relevante para efetividade dos direitos, mas não é imprescindível para sua aplicação.

4.4 O ATIVISMO JUDICIAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em nosso entendimento o ativismo judicial enquanto conduta proativa do Poder Judiciário se justifica na medida excepcional em que for utilizado para garantia dos direitos fundamentais.

Não se justifica termos uma Constituição repleta de direitos se não podemos bem utilizá-los. É necessário que o Judiciário, quando provocado atue de forma efetiva tal como um “oráculo constitucional” de modo a dar eficácia aos seus dispositivos.

Caso contrário teremos uma Constituição simbólica, na perspectiva de Marcelo Neves (2007, p. 23), segundo o qual em brilhante tese sustenta que na dogmática jurídica há um predomínio do simbolismo em detrimento da função jurídico instrumental.

O desafio contemporâneo do direito é a sua eficácia, pois analisando toda a história do constitucionalismo constatamos que a luta pela consagração dos direitos nos rendeu diversos frutos, o que nos falta é efetivá-los. Devemos nos afastar ao máximo do fetichismo do discurso formalista e nos voltar para função social do direito.

Nesse sentido a falta de eficácia dos dispositivos constitucionais leva-nos a descrença do próprio sistema jurídico, de sorte que não podemos consentir com a mera declaração de direitos, mas proporcionar à luz da Constituição a eficácia dos direitos fundamentais.

5 O ATIVISMO JUDICIAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM MATÉRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Supremo Tribunal Federal vem tendo nos últimos anos uma posição de destaque no cenário político nacional, devido a uma pauta recheada de temas que não raro ultrapassam as fronteiras da seara jurídica e adentram em questões, sociais, econômicas e políticas.

Não devemos criticar a Suprema Corte por esta intervenção em outros campos do saber, pois é uma função inerente ao exercício da jurisdição constitucional, notadamente de uma corte constitucional com a honrosa atribuição de “guardiã da Constituição”.

Somado a isso a crise de representatividade em que vivemos tanto por parte do Poder Executivo e principalmente pelo Poder Legislativo que tem se omitido constantemente sobre questões de alta relevância para nação.

Surge então o Poder Judiciário como último socorro do cidadão para garantia de seus direitos.

5.1 ESTUDOS DE CASOS

Partiremos para um breve estudo de casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal que deram ensejo a “decisões ativistas”, mas que garantiram a eficácia dos direitos fundamentais, por meio de posicionamentos coerentes com a concepção substancialista da jurisdição constitucional.

5.1.1 Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712 (direito de greve)

Nesse julgado o Supremo Tribunal Federal apreciou os Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, que visavam garantir o exercício do direito fundamental à greve para os servidores públicos conforme estabelece o art. 37, VI da Constituição Federal de 1988.

A Suprema Corte declarou a omissão legislativa diante da ausência de regulamentação do exercício do direito fundamental à greve para os servidores públicos, aplicando de forma analógica a Lei nº. 7.783/89 (lei de greve) destinada ao setor privado.

Com isso o STF garantiu o direito fundamental ao exercício da greve para os servidores públicos suprindo a indevida omissão legislativa e garantindo a eficácia do direito vindicado.

5.1.2 Súmula Vinculante nº. 11 (uso excepcional de algemas)

Por meio da referida Súmula Vinculante o Supremo Tribunal Federal disciplinou o uso excepcional de algemas, não obstante a ausência de previsão expressa no texto constitucional e no Código de Processo Penal, mas com base no princípio da dignidade da pessoa humana – fundamento da República Federativa do Brasil.

Nesse caso o STF utilizou o instrumento da Súmula Vinculante, prevista no art. 103-A da Constituição Federal de 1998 (função atípica) para dar efetividade ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e da integridade física.

5.1.3 Recursos Extraordinários nº 349703 e 466343 e Habeas Corpus nº 87585 (depositário infiel)

A partir do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE 349703) e (RE 466343) e do Habeas Corpus (HC 87585) o STF reformulou sua jurisprudência ao decidir que a prisão civil do depositário infiel é ilícita, independente da modalidade de depósito, salvo o devedor de alimentos em face da relevância da prestação.

Nessa decisão o STF deu nova interpretação ao inciso do art. 5º, LXVII da Constituição Federal de 1988, restringindo a prisão civil ao devedor de alimentos, em consonância com os direitos fundamentais.

5.1.4 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 (união homoafetiva):

O STF ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, apesar de na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil não haver permissão expressa para esse tipo de relacionamento.

A Suprema Corte nos brindou com uma decisão em sintonia com o direito fundamental à liberdade e a dignidade da pessoa humana, proibindo a discriminação das pessoas em razão do sexo.

5.1.5 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (feto anencéfalo)

No julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 o STF concedeu interpretação conforme do art. 128 do Código Penal para descriminalizar o aborto realizado em fetos anencéfalos (sem cérebro), reconhecendo o direito fundamental à dignidade da gestante.

CONCLUSÃO

O ativismo judicial não é um mal em si, vimos que são plenamente toleráveis posições proativas do Poder Judiciário quando for necessário dar eficácia aos direitos fundamentais.

Entendemos que o princípio da Separação dos Poderes não é ofendido quando uma decisão judicial é proferida sob o fundamento de garantir os direitos fundamentais, pois essa função é inerente ao exercício da jurisdição constitucional. Não deve o Judiciário assumir um posicionamento meramente declaratório diante de omissões inconstitucionais.

Se a Constituição Federal de 1988 confere ao Supremo Tribunal Federal o dever de guardar os preceitos constitucionais por meio do controle de constitucionalidade, é plenamente justificável uma posição altiva por parte desta Corte. Do contrário teremos uma constituição ineficaz, simbólica.

Os casos submetidos ao Excelso Pretório envolvendo a temática dos direitos fundamentais, nos quais a Corte adotou posicionamentos substancialistas, nos mostra que as soluções dadas pela corte na resolução das demandas deram plena eficácia a direitos outrora ineficazes, apenas constantes no texto constitucional, o que nos faz crer que é possível juridicamente o Judiciário exercer uma função atípica nesta perspectiva.

Evidentemente o ativismo judicial é medida de caráter excepcional, sob pena de a Suprema Corte violar a separação dos poderes. Absolutamente, não é isso que propomos.

A proposta é que o STF deve sim ser ativista quando houver uma omissão inconstitucional por parte de algum dos poderes, com base nos mecanismos jurídicos idôneos e eficazes para alcançar tal fim (controle de constitucionalidade). Sempre fundamentando suas decisões, em conformidade com o art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988.

Afinal os Ministros do STF podem não ter sido eleitos diretamente pelos eleitores brasileiros, mas foram nomeados e submetidos à sabatina por seus representantes e agem em conformidade com a Constituição da República Federativa do Brasil.

O ativismo que defendemos se restringe a matéria dos direitos fundamentais, e sob o fundamento de lhes dar plena eficácia. O apresentamos como solução dada pelo Poder Judiciário para o cumprimento do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

Vimos casos julgados pelo STF envolvendo o direito a greve, a integridade física, a dignidade da pessoa humana e à vida, que caso não fossem julgados até o momento permaneceríamos à mercê de uma legislação incompleta ou até mesmo inexistente.

Este é o ponto em questão. A busca pela eficácia dos direitos fundamentais sob a colaboração dos três Poderes da República, uns controlando os outros, mas sem deixar de cumprir os deveres impostos pela Constituição.

Se tivermos logrado contribuir para um estudo isento do fenômeno do ativismo judicial como via excepcional para efetividade dos direitos fundamentais, concluiremos com a sensação de dever cumprido.

 

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Natal/RN, artigo científico depositado em 12 de maio de 2014.
 
Notas:
[1] Artigo apresentado à Universidade Potiguar – UnP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Leonardo Medeiros Msc. em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor da Universidade Potiguar.

[2] No vernáculo significa ativismo judicial.

[3] HAIDAR, Rodrigo. Entrevista: Luís Roberto Barroso, advogado constitucionalista. CONJUR. São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/>.Acesso em: 5 de maio 2014.

[4]Informação extraída a partir de consulta ao site Direito Homoafetivo. Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/projetos-de-lei.php> Acesso em: 5 de maio de 2014.


Informações Sobre o Autor

Matheus Gomes dos Santos

acadêmico de Direito pela Universidade Potiguar –UnP


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