Resumo : O presente trabalho visa debater a cobrança de taxas indevidas, considerada prática abusiva no Direito do Consumidor, em contratos de financiamento. Tal prática acentua a vulnerabilidade natural do consumidor perante o fornecedor, tendo em vista que a instituição financeira não pode repassar ao consumidor final os custos de seu próprio financiamento, onerando o consumidor por um serviço pelo qual não há contraprestação. Entretanto, o Banco Central emitiu as Resoluções 3518/07 e 3693/09, autorizando a cobrança das referidas taxas, se previstas contratualmente, ignorando as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Apesar delas, o Procon e grande parte das decisões dos tribunais brasileiros dispõe que tais taxas são abusivas, tornando-as ilegais, ao seguir a doutrina do abuso do direito. Ao regular a cobrança, a jurisprudência brasileira impede o enriquecimento ilícito das instituições financeiras capaz de causar dano ao consumidor, a parte mais fraca da relação[1].
Palavras-chave: Direito do consumidor. Contratos de financiamento. Taxas indevidas. TAC. Banco Central.
Abstract: This paper aims to discuss the charging of improper fees, considered abusing practice in Consumer Law, in financing contracts. This practice enhances the natural vulnerability of the consumer to the supplier, given that the financial institution cannot pass to the final consumer the costs of its own funding, burdening the consumer for a service for which there is no consideration. However, the Central Bank issued the Resolutions 3518/07 and 3693/09, authorizing the collection of such fees, if provided contractually, ignoring the provisions of the Consumer Protection Code. Despite these, the Procon and most of the decisions of the courts of Brazil provides that such fees are abusive, making them illegal, to follow the doctrine of abuse of rights. By regulating the charging, Brazilian jurisprudence prevents the unlawful enrichment of the financial institutions capable of damage the consumer, the weakest part of the relationship.
Keywords: Consumer law. Financing contracts. Improper rate. Central Bank.
Sumário: Introdução. 1. Práticas abusivas. 1.1. Do abuso do Direito. 1.2. Do abuso do Direito nas relações de consumo e o CDC. 1.3 Dos critérios de constatação de abuso. 1.4 Das práticas abusivas no Direito do Consumidor. 2. Das taxas indevidas cobradas em fincanciamentos e sua abusividade. 3. Resoluções do Banco Central e implicações. 4. Jurisprudência. Conclusão.
Introdução
Por dois anos consecutivos (2011/2012) as instituições financeiras vem liderando o ranking divulgado pela Fundação Procon (Órgão de Defesa e Proteção do Consumidor), referente às reclamações que recebem diariamente. E essa procura ao referido órgão se deve, principalmente, às taxas indevidas em contratos de financiamento.
Essa cobrança de serviços que os consumidores, em sua maioria, desconhecem, constitui prática abusiva na relação de comércio, cujas características e teor essenciais são legalmente previstos: devem se sustentar sobre a boa-fé e a equidade. A abusividade caminha em sentido inverso ao da lei, sendo meio de desequilíbrio entre fornecedor e consumidor, sendo esta não só a parte mais fraca da relação, mas também a menos informada.
Tais instituições financeiras, enquanto fornecedoras de um serviço – o de emprestar, basicamente – devem se enquadrar nos limites do Código de Defesa do Consumidor, mas respondem, também, e diretamente, a outro órgão: o Banco Central do Brasil. Ocorre que este, recentemente, indo de encontro ao que o mencionado dispositivo legal determina, elaborou resoluções que autorizam a cobrança de taxas específicas em contratos de financiamento.
Diante disso, as instituições financeiras passaram a utilizar de tais resoluções para fundamentar a cobrança das taxas. Mas então, fazê-lo é ou não legítimo? Até que ponto o Banco Central pode interferir? São essas questões, dadas na fronteira entre o que é abusivo e o que é devido, que o presente trabalho visa discutir.
1 Práticas Abusivas
1.1 Do abuso do Direito
A abusividade tem origem na Teoria do Abuso do Direito. Hoje tal teoria é aceita pela jurisprudência e pela doutrina, embora a mesma já tenha sido muito atacada. Acreditava-se que se existe o direito não pode haver abuso, tratando-se, pois, de uma expressão logomáquica. Porém a realidade do exercício de vários direitos subjetivos acabou por demonstrar que alguns casos não se caracterizavam por ilicitude, mas apenas como o excesso do exercício de um direito adquirido que acabava por causar dano alguém.
O próprio Código Civil brasileiro de 2002, em seu art. 187, dispõe que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes”. Outro exemplo de legislação brasileira que acatou tal teoria é o Código de Defesa do Consumidor, lei n. 8.078, de 11/09/1990.
1.2 Do abuso do Direito nas relações de consumo e o CDC
O sistema capitalista e a sociedade moderna trouxeram novas espécies de relações jurídicas, que juntamente com a liberalidade contratual do negócio, dera origem a situações em que o princípio da igualdade das partes é posto em cheque.A aparente indissolubilidade das obrigações contraídas mostra-se como amarras para a parte mais fraca da relação jurídica.
O art. 170 da referida Carta Magna impõe a existência digna conforme os ditames da justiça social à ordem econômica, trazendo princípios como o da defesa do consumidor. Neste sentido, a Constituição Federal Brasileira de 1988 procurou reduzir as desigualdades causadas por este modelo econômico, de maneira que acavala o interesse social ao individual e egoísta, visando ao equilíbrio das partes envolvidas na relação consumerista (consumidor e fornecedor). Para isto, mostrou-se necessária o abrandamento da liberdade de contratação.
Assim, a encontro da Teoria do Abuso, toda relação contratual que dê vantagem exagerada a uma das partes deve ser deduzida em juízo. Constituindo, então, uma possibilidade de emancipação dos acertados das amarras contratuais que se mostram abusivas. O Código de Defesa do Consumidor, dispôs de forma pioneira sobre as relações de consumo que envolve. O referido instrumento legal busca inferir práticas consideradas abusivas no Direito do consumidor, tanto no âmbito contratual, quanto no extracontratual. Tais práticas acentuam drasticamente a vulnerabilidade natural do consumidor (parte mais fraca da relação) perante o fornecedor (parte mais forte da relação).
Desta maneira, o Código torna efetivamente públicas as relações vistas hodiernamente como estritamente privadas. Insere uma nova ética ao mercado, responsabilizando socialmente os agentes do mesmo.
1.3 Dos critérios de constatação de abuso
Antes da constatação do abuso de direito mostra-se necessária para compreensão dos critérios usados para considerar uma prática abusiva. O Código de Defesa do Consumidor adota critérios finalistas (objetivos) para basear tal constatação. A seguir serão elencados alguns destes critérios, sendo que para que se constate a manifestação abusiva é necessário que a observância de, ao menos, um desses.
1.3.1. A desproporcionalidade
O fornecedor deve sempre procurar a alternativa menos gravosa para o consumidor na hora de buscar aquilo que deseja, em nome do princípio da proporcionalidade, positivado no art. 6º do CDC. A ausência disso implica em desproporcionalidade
1.3.2. O desvio da função social
O diploma regulador do direito consumerista é o interesse social (art.1º, do CDC), deve-se respeitar a função social para qual o instituto jurídico foi criado, contrapondo a subjetividade ao interesse coletivo.
1.3.3. O desvio da função econômica
A finalidade econômica da pessoa jurídica atuante no mercado consumerista não deve visar puramente o lucro, mas a correspondência dos objetivos elencados no estatuto social, que lhe deu origem.
1.3.4. A incompatibilidade com a equidade
O CDC acrescentou à equidade, que preferencia funções de suprir lacunas e de subsídio científico para a ampliação do direito, na análise dos contratos.
1.3.5. A incompatibilidade com a boa-fé
O principio da boa-fé não visa a analise do aspecto psicológico, mas sua análise objetiva. Seu princípio fundamental é o limite do comportamento das partes, estas devem agir com lealdade e confiança. É obrigatório, por exemplo, o cumprimento da oferta e a prevenção das lesões morais, particulares, coletivos e difusos.
1.4 Das práticas abusivas no Direito do Consumidor
O Art. 39, do CDC, traz que é “vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas”:
– O condicionamento do fornecimento de um produto ou de serviço à outros sem justa causa, a limites quantitativos, conhecido como venda casada;
– A recusa do fornecedor em vender produto estocado ou apresentado na vitrine da loja;e atendimento às demandas dos consumidores,
– O envio de qualquer produto ou fornecimento de qualquer serviço, sem solicitação prévia;
– Prevalecimento, para fornecer seus produtos ou serviços, da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social;
– Exigir vantagem manifestamente excessiva ou desproporcionais do consumidor;
– Execução de serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor;
– Repasse de informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
– Fornecimento de qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes;
– Recuso da venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento;
– Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
– Deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação;
– Aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido;
Marcos Dessaune elencou, em seu livro "Histórias de um Superconsumidor", 33 práticas abusivas frequentes no Brasil, dentre elas estão:
– Dar o troco em balas e chicletes, prática comum em Supermercados e padarias;
– Vinculação de hospedagem à pacotes em alta temporada;
– Tentativa de extinguir responsabilidade por pertences pessoais deixados nos automóveis em estacionamentos privados, por meio de aviso explícito no estabelecimento;
– Limitação de tempo de internação contrário à prescrição médica pelos planos de saúde;
– Cobrança de juros capitalizada mensalmente;
– Cobrança, feita por instituições bancárias, por serviços de terceiros, sem o verdadeiro consentimento.
2 Das taxas indevidas cobradas em financiamentos e sua abusividade
Deve-se entender o vocábulo “taxa” na sua acepção mais ampla, de todo e qualquer pacto ou estipulação contratual, escrito ou verbal, de todas as formas possíveis de fazerem nascer relações jurídicas de consumo[2].
A definição de abusividade inclui as ideias de prejuízo substancial e inevitável, de razoabilidade e de inescrupulosidade. Para a primeira corrente, seria abusiva a taxa que causasse ao consumidor prejuízo grave (substancial), do qual não pudesse se liberar (inevitável); para a segunda, abusiva seria a taxa que dele exigisse uma prestação além do razoável, de acordo com os critérios fornecidos pelo senso comum; por último, seria abusiva a taxa reveladora de inescrupulosidade por parte do fornecedor, com ofensa aos bons costumes e aos princípios da boa-fé e da equidade, acarrentando desequilíbrio contratual. Bourguignie já sugeriu solução mais ampla: é proibido qualquer ato pelo qual o comerciante prejudica de maneira real o consumidor[3], a parte mais fraca na relação contratual de consumo.
Segundo Plínio Gustavo Prado Garcia, em Multas tributária indevidas, deixará de ser razoável a taxa capaz de conduzir o consumidor a uma situação de indevida perda patrimonial. A razoabilidade da taxa está intimamente ligada à própria proporcionalidade que deve haver entre os fatos que lhe deram causa, e os efeitos alcançados pelo consumidor. Se a própria taxa inviabiliza o pagamento da obrigação principal pelo consumidor, ou porque o leve a um estado próximo da insolvência ou de penúria, ou porque seja de difícil satisfação, quando antes devam ser satisfeitas obrigações inerentes à sua subsistência, à subsistência de sua família, ou à subsistência de seus empregados, tudo isso estará a apontar para tal taxa um efeito expropriatório, confiscatório.
“Pode-se definir o abuso do direito como o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem”[4]. Ou seja, caracteriza-se pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular.
“A legislação brasileira, adotando a doutrina do abuso do direito, acabou por regular uma série de ações e condutas que outrora eram tidas como meras práticas abusivas, tornando-as ilícitas”[5].
O Código do Consumidor nacional não determinou a abusividade; ao contrário, ordenou uma lista e instituiu duas cláusulas gerais que a identificam, a ser interpretadas em favor do aderente: a cláusula da lesão enorme e a cláusula da boa-fé.
O sistema de listas tipifica as situações de abusividade mais ocorrentes no universo jurídico, oferecendo uma enumeração dos casos mais graves. O sistema de cláusula geral adota certos valores que, uma vez ultrapassados exigem revisão. A legislação brasileira, procurando beneficiar-se da vantagem do controle prévio e abstrato do sistema de listas e do controle concreto do sistema de cláusulas gerais adotou um sistema misto. O art. 51 enumera na maior parte de seus incisos as hipóteses constantes da lista de cláusulas proibidas[6].
Além destas, o Ministério da Justiça através da Secretaria de Direito Econômico, publicou uma série de portarias acrescendo outras cláusulas abusivas ao rol do art. 51. Por uma questão de legalidade, estas portarias possuem eficácia limitada ao âmbito administrativo, mas servem de parâmetro para o judiciário, podendo ser utilizadas em conjunto com as cláusulas gerais[7].
São sete as cobranças abusivas mais comuns no mercado imobiliário, segundo o presidente da Amspa (Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências): taxa Sati, assessoria imobiliária, comissão do corretor, transferência do imóvel (taxa de “cessão do contrato ou de renúncia”), taxa de interveniência, taxa de administração e taxa de obra. As instituições de financiamento de veículos têm por praxe cobrar a TAC (Taxa de Abertura de Crédito, também conhecida como taxa de Cadastro, utilizada para a pesquisa em cadastros de proteção ao crédito), TEC (Taxa de Emissão de Carnê), a TR (Taxa de Retorno – aplica de forma aleatória a cobrança entre 1 a 10% do valor total financiado como comissão para os vendedores de carro), a TLA (Taxa de Liquidação Antecipada – no caso de quitação de débito antes da data prevista pelo financiamento), a Taxa de Serviço de Terceiros (cobrada em contratos de financiamento entre duas partes (consumidor e fornecedor)) e a Taxa de Avaliação (cobrança pela avaliação do bem que está sendo entregue pelo fornecedor), entre outras taxas ilegais, que não podem ser cobradas, tendo em vista que a instituição financeira não pode repassar ao consumidor final os custos de seu próprio financiamento, onerando o consumidor por um serviço pelo qual não há contraprestação. A fundação PROCON SP também considera a cobrança de emissão de boleto e do registro de contrato indevida, por exigir do consumidor vantagem excessiva, ao estabelecer a prevalência do fornecedor sobre fraqueza ou ignorância do consumidor, impingindo-lhe seus produtos ou serviços.
O financiamento é prática muito procurada pela população em meio à sociedade consumista, ao possibilitar o parcelamento da compra de bens que os consumidores passariam anos para guardar o dinheiro necessário para comprar à vista. Contudo, ao financiar o bem, os bancos vêm adicionando ao montante total taxas que se mostram abusivas, muitas vezes escritas em letras pequenas do contrato. Estas taxas não são claramente especificadas para o consumidor antes da assinatura do contrato.
Os valores que haja o sujeito passivo indevidamente pago no período não prescrito poderão ser por ele reclamados na via judicial, por meio de ação adequada. A preferência, em tais casos, deve recair na ação declaratória objetivando assegurar o direito à compensação do que indevidamente pagou, com o que venha a dever ao mesmo sujeito ativo. Não tendo com que compensar, restará a ação de repetição de indébito, caso em que deverá o titular desse crédito aguardar o desfecho da ação, para obter o ressarcimento em dinheiro.
Seu crédito será representado pelo valor atualizado das penalidades indevidamente pagas, acrescido de juros compensatórios desde a data de cada pagamento indevido, e juros de mora a contar da citação.
3. Resoluções do Banco Central e implicações
O Banco Central do Brasil constitui autarquia Federal criada em 1964 pela Lei n° 4.595, cujos artigos 8° a 16 estabelecem as atribuições e competências do referido órgão. Paralelamente, a Lei n° 9.069, promulgada no ano de 1995, com a criação do Plano Real, determinou, em seu art. 8°, “que o Banco Central do Brasil funcionará como secretaria executiva do Conselho Monetário Nacional”.
Vislumbrando o art.10 da Lei 4595/64, nota-se que, dentre as atribuições conferidas ao Banco Central, compete-lhe cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 9°), exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (art. 10, VI) e exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas (art. 10, IX).
É no sentido de suas atribuições que o Banco Central elaborou as Resoluções 3518/07 e 3693/09, autorizando a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e da Taxa de Emissão de Carnê (TEC), pelos Bancos e demais instituições bancárias, se previstas contratualmente. O ato do BACEN de regular as taxas é legal, mas quanto ao conteúdo das resoluções, não se pode dizer o mesmo.
Na verdade, o poder regulatório do Banco Central é objeto de controvérsias, mas sua legitimidade está no fato de que o Poder Executivo, para garantir um exercício mais eficaz de suas funções, as distribui, criando diferentes órgãos, como o Conselho Monetário Nacional, cujo principal agente é o Banco Central do Brasil. E tal delegação é constitucionalmente prevista, utilizando como exemplo o setor de telecomunicações:
“Art. 21. Compete à União: (…)
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.”
Para que esses órgãos possam atuar e cumprir efetivamente suas atribuições, como a de, no caso do BC, “exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas”, se fazem necessárias resoluções, como as elaboradas pelo referido órgão.
“O poder regulador se fundamenta na lei, embora tendo aptidão para inovar, deve obedecer aos padrões básicos mínimos configurados na lei, no que diz respeito aos princípios, finalidades e objeto. O poder regulador deve obediência, também, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, em termos de sua adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Nesse sentido podendo ter controlada sua atuação por parte do Poder Judiciário”[8].
Ao autorizar a cobrança das referidas taxas, o BC ignora as disposições do Código de Defesa do Consumidor, pressupondo um poder que não possui, já que não detém força para alterar a lei vigente, e se encontra num patamar inferior às leis ordinárias – das quais o CDC faz parte – na hierarquia das normas brasileiras. Cabe enfatizar, mais uma vez, que o Banco Central não possui competência para legislar, mas somente regular.
O Código de Defesa do Consumidor assim dispõe:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)
IV- estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.”
Assim, não é válida a utilização das resoluções do Banco Central pelos Bancos e demais instituições financeiras para legitimar a cobrança de quaisquer taxas, nesse caso, especificamente, a Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e a Taxa de Emissão de Boleto Bancário.
Tais resoluções ainda se referem à previsão contratual dessas tarifas, pressupondo que pudesse haver, ou não, a anuência do consumidor. Mas há que se considerar que essas cláusulas não são negociáveis: ou se anui ao contrato como um todo, ou não, uma vez que se tratam, em sua maioria, de contratos de financiamento. Estes integram o disposto no CDC em seu art. 54: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Assim, a despeito das resoluções do Banco Central, o Procon continua a notificar as instituições financeiras à respeito de tais práticas abusivas, porque entende, devidamente, que são atos de má-fé das mesmas o de cobrar taxas que dizem respeito a atribuições que lhes cabem, e não aos consumidores. E o fazem mesmo tendo ciência disso, uma vez que já foram, por diversas vezes, notificados.
4 Jurisprudencia
Feitas todas essas consideração sobre taxas abusivas e, mais especificamente sobre as taxas cobradas por instituições financeiras como a Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e Taxa de Emissão de Carnê (TEC), é necessário agora analisar qual é o entendimento dos tribunais brasileiros acerca do tema. Podendo a partir disso, mostrar que as decisões, algumas vezes, entram em conflito com as determinações do Banco Central, já expostas neste artigo.
Além disso, a partir da pesquisa jurisprudencial a respeito da cobrança dessas taxas, foi possível notar que a questão é delicada, pois algumas decisões acreditam ser legal a cobrança da TAC e TEC quando essas forem previamente contratadas, como pode ser percebido na seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça, em que o relator foi seguido pelos outros quatro ministros que deram seus pareceres.
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO LIMITAÇÃO COM BASE NO DECRETO 22.626/33. ABUSIVIDADE. NÃO DEMONSTRADA. SÚMULA 382/STJ. TARIFA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO (TEC). POSSIBILIDADE. COBRANÇA.
2. As tarifas de abertura de crédito (TAC) e emissão de carnê (TEC), por não estarem encartadas nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções 2.303/1996 e 3.518/2007 do CMN), e ostentarem natureza de remuneração pelo serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor, quando efetivamente contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo certo que somente com a demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do agente financeiro é que podem ser consideradas ilegais e abusivas, o que não ocorreu no caso presente. Precedentes.” [9]
Entretanto, grande parte das decisões acredita que tais taxas são cobradas indevidamente, o que entra em desacordo com as resoluções propostas pelo Banco Central. E que pode ser claramente percebido nas seguintes decisões tomadas no estado do Paraná:
“APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO (…)ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE TAC E TEC (…) 3. É abusiva a cobrança da TAC e TEC, na medida em que transfere à parte vulnerável na relação contratual, despesas administrativas que, na realidade, são inerentes à própria atividade da instituição financeira.”[10]
“APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CONTRATO DE CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR. (…). TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC) E TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO (TEC). ILEGALIDADE. FATO GERADOR QUE É CONSEQUENCIA INERENTE À AQUISIÇÃO DO CRÉDITO. (…)[11]
(…) AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO – (…). TARIFA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC) E TAXA DE EMISSÃO DE COBRANÇA (TEC). ABUSIVIDADE RECONHECIDA
(…). A cobrança da tarifa de abertura de crédito e emissão de boleto mostra-se abusiva porque atende ao exclusivo interesse do banco, e está relacionada ao custo e risco da operação financeira. Desta forma, não guarda relação com a outorga de crédito que, por sua vez, tem sua utilização condicionada ao pagamento de juros remuneratórios. (…)”[12]
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REVISIONAL DE CONTRATO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. (…) COBRANÇA DE TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC) E TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). ABUSIVIDADE. EXPURGO. (…) 5. "São indevidas as tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC) por se constituírem abusivas, beneficiando somente a sociedade de crédito no custeio das suas atividades administrativas em detrimento da parte mais fraca da relação – o consumidor." (…)[13]
Conclusão
Tendo em vista o já exposto sobre a Teoria do Abuso de Direito e suas implicações sobre a abordagem feita pelo Direito do Consumidor, que sempre trata o consumidor como a parte mais vulnerável de uma relação comercial, buscando responsabilizar a parte mais forte pelos abusos que normalmente exerce; considera-se que existem determinadas práticas abusivas e que devem ser banidas.
Como especificado neste artigo, uma das práticas abusivas mais recorrente é a cobrança de taxas indevidas em operações de financiamento, sendo destacadas entre elas a TAC (Taxa de Abertura de Cadastro) e a TEC (Taxa de Emissão de Carnê). E são consideradas abusivas porque, como já exposto acima, a instituição financeira não pode repassar ao consumidor final os custos de seu próprio financiamento, onerando o consumidor por um serviço pelo qual não há contraprestação.
Entretanto, surge uma grande discussão em torno dessa questão por conta de resoluções emitidas pelo Banco Central que permitem a cobrança de tais taxas por instituições financeiras. Mesmo o Banco Central tendo a capacidade de discorrer sobre questões financeiras, sua função não pode infligir o que é disposto por legislação ordinária, mais especificamente, pelo Código de Defesa do Consumidor a partir do qual é possível depreender que tais cobranças são abusivas.
Tendo em vista o choque entre o que é disposto pelo Banco Central e pelo Código de Defesa do Consumidor, alguns tribunais brasileiros dispõem que, quando estabelecidas previamente em contrato e respeitando os limites de cobrança estabelecidos pelo CMN, essas taxas são legais.
Entretanto, outros tribunais decidem o contrário e o Código do Consumidor aponta também para o fato de que tais taxas são abusivas e, portanto, ilegais. Dessa forma, a jurisprudência brasileira deve impedir a cobrança das mesmas tendo em vista o fato de que as instituições financeiras se apoiam no disposto pelo Banco Central para continuarem explorando o consumidor. Ao permitir tais cobranças, a jurisprudência brasileira torna-se conivente com o enriquecimento ilícito das instituições financeiras e consequente abuso do consumidor, o que é inadimissível.
Informações Sobre os Autores
Ana Cristina Alves de Paula
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual Paulista – campus de Franca e Trainee de Administrativo-Financeiro da EJUR – Empresa Júnior Jurídica
Lorena Peterneli
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual Paulista – campus de Franca e Trainee de Projetos da EJUR – Empresa Júnior Jurídica
Narayana Teixeira Vargas
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual Paulista – campus de Franca e Trainee de Projetos da EJUR – Empresa Júnior Jurídica
Paula Pedroso Mendonça
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual Paulista – campus de Franca e Trainee de Recursos Humanos da EJUR – Empresa Júnior Jurídica