Tecnologias wireless demandam cuidados extras – a prática do wardriving e warchalking

Na área de tecnologia, os holofotes
estão agora apontados para a mobilidade, aplicações e dispositivos que
dispensam o uso de fios e cabos, com a formatação das chamadas redes wireless. Conceito já amplamente difundido nos
Estados Unidos ( exemplos como a rede de coffe shops Starbucks, que possui mais de 2000 hotspots
em suas lojas, a um custo de 6 dólares a hora ), em parte da Ásia e em alguns
países europeus, começamos a perceber seus
passos aqui no Brasil. Recentemente, um provedor de Internet começou a
fornecer conexão sem fio, e uma rede de restaurantes também começou a
transformar suas unidades em hotspots, ou
seja, pontos de conexão à Internet com uso de aplicativos wireless.
Além disso, iniciativas semelhantes  em aeroportos, hotéis, centros de eventos
e convenções demonstram o interesse e usabilidade das redes sem fio em terras
brasileiras. Apesar das barreiras de infra-estrutura, custos e dos baixos
níveis de inclusão digital, percebemos uma demanda crescente no meio
corporativo na adoção das chamadas wireless
networks
.

A tecnologia de comunicação  wireless
é composta de padrões estabelecidos pelo IEEE Institute of Electrical and Electronics Engineers
(www.ieee.org), uma associação sem fins lucrativos que reúne aproximadamente
380.000 membros, em 150 países. Composto de engenheiros das áreas de
telecomunicações, computação, eletrônica e ciências aeroespaciais, entre
outras, o IEEE definiu algo em torno de 900 padrões tecnológicos (standards) ativos e
utilizados pela indústria, e conta com mais 700 em desenvolvimento.

Os standards que recebem mais atenção ultimamente
correspondem à família de especificações batizada de 802.11. Estes padrões
especificam a interconexão de computadores, impressoras, dispositivos de vídeo
e demais aplicações através do conceito “over-the
air
”, ou seja, proporciona o estabelecimento de
redes e comunicações entre um aparelho cliente e uma estação ou ponto de
acesso, com o uso de microondas de frequência de
rádio. Estas redes são conhecidas como Wireless
Local Area Network ( Wlan
), e atualmente são
estabelecidas quatro especificações na família 802.11: 802.11, 802.11 a,
802.11 b, 802.11 g.
Estes standards utilizam-se do protocolo
conhecido como Ethernet, comum em computadores
pessoais e portáteis.  Outro termo
bastante utilizado é o Wi-Fi, acrômio
de Wireless Fidelity,
correspondendo ao padrão 802.11 b.

Redes de computadores são, por sua
própria natureza, passíveis de ataques e invasões, como temos observado em
intensa prática do chamado hackerismo, nas
variantes de conotação maléfica da palavra. Em recente pesquisa divulgada pela
consultoria mi2g  Intelligence Unit (www.mi2g.com), o Brasil abrange sete dos dez
mais ativos grupos responsáveis por invasão de sites no mês de Outubro
último. Mesmo passível de questionamentos, tais números indicam ser o Brasil
território fértil de mentes brilhantes capazes de causar prejuízos a redes de
computadores. Tais atitudes podem ser ampliadas e facilitadas com o uso de
redes wireless, pois é sabido que o quesito
segurança nestas aplicações ainda deixa muito a desejar. Temos, assim, práticas
típicas concernentes a redes sem fio, sejam estas comerciais ou não,  conhecidas como wardriving e warchalking.

Wardriving

O termo wardriving
foi escolhido por Peter Shipley (http://www.dis.org/shipley/) para
batizar a atividade de dirigir um automóvel à procura de redes sem fio abertas,
passíveis de invasão. Para efetuar a prática do wardriving,
são necessários um automóvel, um computador, uma placa Ethernet
configurada no modo “promíscuo” ( o dispositivo efetua
a interceptação e leitura dos pacotes de comunicação de maneira completa ), e
um tipo de antena, que pode ser posicionada dentro ou fora do veículo (uma lata
de famosa marca de batatas fritas norte-americana costuma ser utilizada para a
construção de antenas ) . Tal atividade não é danosa em si, pois alguns se
contentam em encontrar a rede wireless desprotegida,
enquanto outros efetuam login e uso destas
redes, o que já ultrapassa o escopo da atividade. Tivemos notícia, no ano
passado, da verificação de desproteção de uma rede wireless pertencente a um banco internacional na
zona Sul de São Paulo mediante wardriving,
entre outros casos semelhantes. Os aficionados em wardriving
consideram a atividade totalmente legítima.

Warchalking

Inspirado em prática surgida na
Grande Depressão norte-americana, quando andarilhos desempregados (conhecidos
como “hobos” )
criaram uma linguagem de marcas de giz
ou carvão em cercas, calçadas e paredes, indicando assim uns aos outros
o que esperar de determinados lugares, casas ou instituições onde poderiam
conseguir comida e abrigo temporário, o warchalking
é a  prática de escrever símbolos
indicando a existência de redes wireless e
informando sobre suas configurações. As marcas usualmente feitas em giz em
calçadas indicam a posição de redes sem fio, facilitando a localização para uso
de conexões alheias pelos simpatizantes da idéia.

Tais símbolos são descritos na
figura abaixo:

4427a

Fonte: Warchalking
– Collaborativelly creating a hobo-language for free
wireless networking

www.warchalking.org.

Nas legendas da figura acima, que é
uma etiqueta adesiva,  o
Open Node significa que a rede é vulnerável, Closed Node serve
para uma rede fechada, e a letra W dentro do círculo informa que a rede wireless utiliza o padrão de segurança WEP (Wireless Equivalent Privacy), com presença de criptografia.

Em cima de cada símbolo, temos o SSID
( Service Set Identifier), que funciona como uma senha para o login na rede, obtidos através de softwares
próprios conhecidos como sniffers.

Aqui, novamente, os praticantes do warchalking alegam que não pode ser configurado
crime rabiscar em calçadas e paredes, e não incitam o uso danoso de redes wireless alheias.

Esta prática se encontra em
crescimento em vários lugares do mundo,  particularmente na Inglaterra, onde
ocorreu um episódio em que estudantes utilizaram este meio para se reunirem na Bedford Square, em Londres,
usando a rede Wi-Fi de um escritório
localizado no térreo de um edifício. Fotos deste acontecimento podem ser
visualizadas no endereço http://www.aaschool.ac.uk/antennaa/workweb/.

Implicações legais

Tanto os wardrivers
quanto warchalkers que se consideram legítimos
defensores de suas categorias, inclusive com alguma organização, e alegam ser
totalmente legal o uso de ondas disponíveis no ar para conexão à Internet,
mesmo sendo estas ondas provenientes de dispositivos pertencentes a terceiros,
que investiram recursos em sua estruturação.

Os principais argumentos dos
praticantes para a defesa de sua legalidade é a garantia de liberdade de
utilização de ondas de rádio presentes no espaço aéreo. Nos Estados Unidos, o
órgão responsável pelas comunicações, o Federal Communications
Commission – FCC
reservou as estações usadas por
redes wireless para uso público, e esta falta
de regulamentação é utilizada como princípío de
legitimidade para a utilização de redes alheias que apresentam algum tipo de
abertura na estrutura, assim como na Inglaterra o Wireless
Telegraphy Act
não
prevê uso estritamente comercial das bandas utilizadas em aplicações Wi-Fi (há um pedido de uma
operadora local  para
utilização comercial do espectro 2.4GHz ) . Desde que não causem dano, os wardrivers e warchalkers
acreditam estar atuando dentro da legalidade e moralidade.

Três pontos a considerar,
enquadrando a matéria em território brasileiro: rastreamento, indicação
e utilização de redes pertencentes a terceiros.

O ato de rastrear redes sem fio com
utilização de equipamentos e softwares capazes de detectar sua presença
e configurações não é verificado como lesivo em si mesmo, apesar de ser o
início de uma possível invasão. O wardriving  é amplamente
utilizado por especilistas em segurança de redes para
teste e verificação de vulnerabilidades.

Indicar a presença de redes wireless com proteção deficiente pode ou não se
caracterizar ilícito, dependendo do grau e intenção. Em casos de configuração
danosa em decorrência de invasão de redes de comunicação, o apontador da brecha
pode ser caracterizado como co-autor do delito.

A utilização indevida de recursos de
comunicação alheios configura ilícito penal no Brasil. Alguns dispositivos em
nosso ordenamento jurídico já
descrevem a tipicidade de atos advindos do warchalking,
como o art. 155, § 3º do Código Penal, que define o chamado furto de sinal, o
art. 151, que dispõe sobre violação de correspondência, principalmente em seus
incisos II e IV,  e também os arts. 186 e 927 do Novo Código Civil, que genericamente
indicam a necessidade de ressarcimento em casos de danos a terceiros. Porém,
destacamos a previsão específica do enquadramento das consequências
do wardriving e warchalking
no Projeto de Lei nº 84, de 1999, aprovado em
Plenário da Cãmara recentemente, que dá nova redação
ao Código Penal Brasileiro.

No que tange a matéria aqui
visitada, o Projeto adita o ordenamento penalista
acrescendo a Seção V no Capítulo VI, Título I, a saber:

Seção V – Dos
Crimes contra a inviolabilidade de sistemas informatizados

Acesso indevido a meio eletrônico

Art. 154- A .
Acessar, indevidamente ou sem autorização, meio eletrônico ou sistema
informatizado:

Pena –
detenção, de três meses a um ano, e multa.”

A letra da lei prevê o  “acesso indevido”,
ou seja, uma consequência de práticas de wardriving e warchalking,
com a efetivação da ação de invadir uma rede wireless,
apenando com detenção e multa o invasor de redes e
sistemas informatizados.

O dispositivo é complementado com
necessidade de representação do interessado quando a rede invadida for privada,
porém inova ao incondicionar a ação penal quando o
delito for cometido contra a União, Estado, Município, empresa concessionária
de serviços públicos ou sociedade de economia mista. Nestes casos, o Ministério
Público pode se movimentar para a persecução penal do infrator.

Resta, porém, uma pergunta: como
aplicar praticamente uma sanção legal em casos de invasão de redes wireless mediante wardriving
e warchalking
?

É por demais subjetivo e difícil o
enquadramento legal de um indivíduo posicionado no meio de uma praça pública,
utilizando um dispositivo sem fio ( o que no Brasil,
por si só, já é pouco viável,  pois
exibir notebooks e pdas
é pouquíssimo aconselhável ) e conectado à Internet mediante uso de rede
alheia. A temporariedade da prática e sua dinâmica dificultam a aplicação de
qualquer sanção punitiva, já que a ação delituosa não é de fácil constatação.

A resposta para esta questão virá
com o tempo, e provavelmente será guiada pela própria tecnologia que gerou
estas práticas.

Vemos, portanto, que os desafios
inerentes ao uso da tecnologia no cotidiano das pessoas continuam, longe de
serem transpostos por simples previsão legal, e prometem ainda acaloradas
discussões.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rodney de Castro Peixoto

 

advogado especialista em tecnologia da informação, consultor de empresas de Internet, autor do livro “O Comércio Eletrônico e os Contratos” Ed. Forense, 2001, e professor do IPGA – Instituto de Pós-Graduação Avançada em Tecnologia e Negócios.

 


 

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