Resumo: O presente trabalho tem por objetivo abordar como as teorias que explicam os fenômenos da parassubordinação e da subordinação estrutural podem auxiliar na caracterização do vínculo empregatício do teletrabalhador. Parte-se de uma análise dos princípios que informam o direito do trabalho pátrio e que tutelam a figura do trabalhador, cuja relação de trabalho com o tomador de serviços vem, ao longo das décadas, sofrendo modificações significativas, mas nem sempre vantajosas, com um aumento da precarização do trabalho. Chega-se a conclusão de que não há necessidade de criação de uma nova figura jurídica – a do trabalhador parassubordinado, e, especificamente, no que concerne ao teletrabalhador, deve-se privilegiar o princípio da vedação do retrocesso social, garantindo-se ao mesmo os direitos expressos na Constituição e na legislação infraconstitucional.
Palavras-chave: teletrabalho, parassubordinação, subordinação estrutural, vínculo de emprego.
Abstract: This paper aims to discuss how the theories that explain the phenomena of parassubordinação and structural subordination can help characterize the teleworker’s employment. It starts with an analysis of the principles that inform the labor law and safeguarding the parental figure of the worker, whose working relationship with the policyholder services has, for decades, undergoing significant changes, but not always advantageous, with a increasing precariousness of work. We come to the conclusion that there is no need to create a new legal form – the worker parassubordinado, and specifically in relation to the teleworker, you should focus on the principle of social regression seal, assuring at the same rights expressed in the Constitution and constitutional legislation.
Keywords: teleworking, parasubordination at work, structural subordination, an employment relationship
Sumário: Introdução; 1. Princípios do direito do trabalho; 1.1 Conceito de princípio; 1.2 Princípios específicos do direito do trabalho; 1.2.1 Princípio da proteção; 1.2.2 Princípio da norma mais favorável; 1.2.3 Princípio da imperatividade das normas trabalhistas; 1.2.4 Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas; 1.2.5 Princípio da condição mais benéfica; 1.2.6 Princípio da inalterabilidade contratual lesiva; 1.2.7 Princípio da intangibilidade salarial; 1.2.8 Princípio da continuidade da relação de emprego; 1.2.9 Princípio da primazia da realidade sobre a forma; 2 A subordinação no contexto da relação de emprego; 2.1 A relação de emprego e seus requisitos fático-jurídicos; 2.1.1 Pessoalidade; 2.1.2 Onerosidade; 2.1.3 Não eventualidade; 2.1.4 Subordinação; 2.2. A relação de trabalho autônomo; 2.3 A subordinação e as novas formas de trabalho: o teletrabalho; 3. A caracterização do vínculo empregatício do teletrabalhador e sua relação com as teorias da parassubordinação e da subordinação estrutural; 3.1A Parassubordinação; 3.2 A subordinação estrutural; 3.3 Teletrabalhador: autônomo ou empregado?; conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, objetiva-se compreender, dentro de uma perspectiva principiológica, as novas relações de trabalho que vêm surgindo com a reestruturação produtiva do capitalismo, influenciada pela exacerbada concorrência, pela descentralização da produção e pela redução dos custos. Nesse contexto de ampliação das novas formas de tecnologia, cresceu a modalidade de trabalho a distância, personificada pela figura do teletrabalhador, o qual, pelo fato de não freqüentar o estabelecimento empresarial, não se submete à dimensão clássica da subordinação direta, circunstância que, muitas vezes, faz como que o mesmo seja tido por autônomo.
Considerando que um dos objetivos do direito do trabalho é garantir ao trabalhador uma constante evolução de seus direitos sociais, surgiu a teoria da subordinação estrutural, que procura garantir ao teletrabalhador, verificado o caso concreto, a condição de empregado, em contraposição ao que advoga a teoria da parassubordinação, simpática à criação de uma terceira espécie de trabalhador, nem empregado, nem autônomo, e sim parassubordinado, logo, com menos direitos que o trabalhador empregado, o que se conclui inadmissível no direito brasileiro.
Ver-se-á que, embora ainda não haja legislação tratando especificamente desse tema, já existem projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e algumas decisões judiciais enfrentando essa questão, porém, em ambos os casos, verificou-se a tendência de garantir aos trabalhadores parassubordinados o vínculo de emprego, utilizando-se, para tanto, a teoria da subordinação estrutural.
Seguindo uma linha de raciocínio lógica, optou-se por utilizar o método dedutivo, cuja pesquisa foi predominantemente bibliográfica. Ademais dividiu-se o trabalho em três capítulos. O primeiro trata dos princípios que informam o direito individual do trabalho e busca subsidiar as discussões travadas nos dois capítulos seguintes. O segundo aborda os requisitos e características que cercam a relação de emprego, com especial enfoque para a subordinação jurídica, a relação de trabalho autônomo e o teletrabalho, objeto maior deste estudo. Por fim, no terceiro e último capítulo, serão conceituadas e analisadas as teorias da parassubordinação e da subordinação estrutural e suas conexões com a interpretação que busca garantir ao teletrabalhador o vínculo de emprego.
Buscar adequar as modificações sofridas pela sociedade às regras do direito do trabalho, protetivo por sua própria natureza e essência, é um desafio árduo, vez que tem por adversário o lucro, objetivo maior do capitalismo. Desse modo, é o presente trabalho uma singela contribuição a essa batalha que já dura décadas, mas que conta com um argumento inarredável: a dignidade humana.
1. PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
1.1 Conceito de princípio
Traçar um conceito de princípio é tarefa árdua que tem atormentado a doutrina até os dias atuais. No entanto, já é consenso que, juntamente com as regras, são espécies de normas, usado como parâmetro para a construção de outras normas e, assim, sucessivamente. “Serve de diretriz, de arcabouço, de orientação para que a interpretação seja feita de uma certa maneira e, por isso, tem função interpretativa” (CASSAR, 2009, p. 129).
Nesse sentido, pertinente o ensinamento de Rodriguez (2002, p. 36): “[…] linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”.
Buscando uma conceituação mais técnica, Ávila (2006, p. 78-79) leciona:
“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”.
Denota-se, assim, que os princípios não possuem apenas função supletiva de lacunas, como dispõem os arts. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, 126 do Código de Processo Civil e 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, mas também as funções normativa e interpretativa. A primeira, decorre de sua dimensão fundamentadora de todo o sistema jurídico e, embora fruto de reflexões recentes, foi bem recepcionada pela doutrina mundial, passando, então, o princípio a ser entendido como uma espécie de norma, ao lado das regras, também tendo por função regular um caso concreto (BOBBIO, 2004). A segunda, por fim, contribui “no processo de compreensão da regra, balizando-a à essência do conjunto do sistema jurídico” (DELGADO, 2004, p. 17).
1.2 Princípios específicos do direito do trabalho
Sabe-se que enumerar um rol de princípios que baseiam e norteiam determinado ramo do direito sempre é tarefa árdua, que divide a doutrina e, consequentemente, acarreta em posicionamentos diversos. Diante disso, optou-se pelas diretrizes traçadas por Delgado (2004), o qual defende, na verdade, não um rol taxatixo de princípios, mas um núcleo basilar composto de nove diretrizes principiológicas, as quais, por sua vez, não deixam de se comunicar, a todo tempo, com outros princípios e com o restante do arcabouço jurídico, já que o direito é um sistema.
Desse modo, serão aqui analisados nove princípios, considerados por Delgado (2004, p. 81) como o “núcleo basilar de princípios especiais do Direito do Trabalho”.
Ressalte-se, por fim, que a compreensão de tais princípios é requisito para que se enfrente a problemática que cerca o enquadramento do teletrabalhador na legislação atual, se empregado ou autônomo, bem como se há necessidade de criação de um novo enquadramento jurídico que não seja tão benéfico quanto à CLT, nem tão despojado quanto o regramento do autônomo.
1.2.1 Princípio da proteção
Também conhecido por denominações diversas como princípio tutelar, tuitivo, protetivo, dentre outros, parte do pressuposto de que, em razão de ser hipossuficiente, o empregado deve ser protegido pela legislação material trabalhista, razão pela qual os institutos, regras, princípios e presunções do Direito do Trabalho visam, regra geral, a retificar ou atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio observado no contrato de trabalho (DELGADO, 2004). Revela-se tal princípio como inspirador de todos os demais peculiares ao direito trabalhista, os quais, por sua vez, norteiam todo um complexo de regras e institutos que regulam a relação empregatícia.
1.2.2 Princípio da norma mais favorável
O conteúdo jurídico desse princípio é claramente explicado por Delgado (2004, p. 84): ”[…] o operador do direito do trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante da elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto), ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista)”.
A aplicação desse princípio em quaisquer dessas três possibilidades deve, no entanto, levar em conta não interesses individuais, mas coletivos. Isso porque, segundo Delgado (2004), a aplicação do princípio não pode se dá de forma casuística, cooptando regras favoráveis de cada matéria em diferentes diplomas normativos. Embora exista quem defenda tal prática, chamada teoria da acumulação ou atomística, ela é rechaçada pela doutrina e jurisprudência nacional, que adota a teoria do conglobamento. Sobre ela, Delgado (2004, p. 86) ensina que “[…] o operador jurídico deve buscar a regra mais favorável enfocando globalmente o conjunto de regras componentes do sistema, discriminando no máximo os preceitos em função da matéria, de modo a não perder, ao longo desse processo, o caráter sistemático da ordem jurídica e os sentidos lógico e teleológico básicos que sempre devem informar o fenômeno do direito”.
Diferentemente de outros autores, Delgado (2004) inclui a proposição do in dúbio pro misero, também chamada in dúbio pro operario, dentro da diretriz da norma mais favorável, particularmente em seu contexto interpretativo. Ocorre que nesse caso específico, confronta-se um caso concreto regido por uma determinada regra que comporta, geralmente em razão de má redação, duas ou mais interpretações, gerando, assim, um conflito não de normas, mas de interpretação.
Como a própria diretriz adianta, o conflito interpretativo deve se resolver a partir de uma interpretação que seja mais favorável ao trabalhador, tendo em vista sua hipossuficiência jurídica e o fato de, em regra, não ter a chance de discutir as cláusulas do contrato de trabalho, geralmente do tipo adesão.
1.2.3 Princípio da imperatividade das normas trabalhistas
Em razão de sua hipossuficiência do obreiro, mesmo o direito do trabalho sendo ramo do direito privado, onde geralmente se dá prevalência à autonomia da vontade, cujo resultado é uma grande quantidade de regras dispositivas, a regra geral é que as disposições normativas laborais são de caráter cogente, ou seja, imperativas, não comportando afastamento de sua aplicação por vontade das partes.
Na realidade, a tutela normativa mínima é regulamentada pelo Estado e dever ser integralmente cumprida, restando às partes negociarem, sob a livre manifestação da vontade, preceitos que estejam acima do mínimo legal, tudo com vistas a evitar os desmandos do capitalismo em busca do lucro e preservar a dignidade humana do trabalhador.
1.2.4 Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas
Em decorrência do princípio da imperatividade acima analisado, surge o princípio da indisponibilidade, cujo conteúdo jurídico tem por meta restringir a liberdade do empregado em se despojar de direitos que lhe são assegurados pela legislação e por instrumentos normativos coletivos (acordos e convenções coletivas de trabalho). Tem aplicação, segundo Delgado (2004), não só atos unilaterais, como a renúncia, mas sobretudo em atos bilaterais como a transação. Essa indisponibilidade encontra-se prevista nos seguintes dispositivos da CLT (BRASIL, 1943):
“Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.
Desse modo, o obreiro, seja por ato unilateral (renúncia) ou bilateral (transação) não pode dispor de direitos trabalhistas assegurados pela legislação e, se o fizer, tal ato será considerado nulo, arcando o empregador com todas as verbas devidas e não honradas durante e após o término do contrato de trabalho.
1.2.5 Princípio da condição mais benéfica
Com base constitucional no art, 7º, XXXVI, da CF/88, previsto na CLT (art. 468) e com aplicação reconhecida pela jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (Súmulas 51 e 288), tal princípio, de acordo com Delgado (2004, p. 96): “[…] informa que cláusulas contratuais benéficas somente poderão ser suprimidas caso suplantadas por cláusula posterior ainda mais favorável, mantendo-se intocadas (direito adquirido) em face de qualquer subseqüente alteração menos vantajosa do contrato ou regulamento de empresa […]”.
1.2.6 Princípio da inalterabilidade contratual lesiva
Inspirado na regra civilista do pacta sunt servanda, referido princípio tem aplicação ímpar no direito laboral, visando à proteção do trabalhador, pois, em regra, vedam-se toda e qualquer alteração que gere prejuízo ao mesmo. Ainda que sobrevenham para o empregador situações desfavoráveis, o que poderia ensejar a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, o mesmo deve honrar com os valores decorrentes dos direitos trabalhistas de seus empregados, haja vista que o art. 2º da CLT determina ser do empregador os riscos inerentes ao empreendimento do qual é titular, tenha ou não o mesmo fim econômico (DONATO, 2008).
1.2.7 Princípio da intangibilidade salarial
Em razão de sua natureza jurídica alimentar, embora não se preste, por óbvio, só à alimentação do trabalhador, mas também a todas as necessidades típicas do ser humano, conforme arts. 81, da CLT e 6º, caput, da CF/88, o salário goza de proteção jurídica, a qual, segundo Delgado (2004, p. 100), projeta-se em inúmeras direções: “Garantia do valor do salário; garantias contra mudanças contratuais e normativas que provoquem a redução do salário […]; garantias contra práticas que prejudiquem seu efetivo montante […]; finalmente, garantias contra interesses contrapostos de credores diversos, sejam do empregador, sejam do próprio empregado”.
Apesar de tais garantias, não se pode entendê-las como absolutas, vez que comportam exceções, tendo por exemplos: a) a falta de legislação que proteja o salário das perdas inflacionárias; b) a possibilidade de redução salarial por meio de negociação coletiva (art. 7º, VI, CF/88); c) a possibilidade de descontos no salário em caso de prejuízo causado pelo trabalhador (art. 462, CLT); d) a possibilidade de penhora para pagamento de pensão alimentícia; e) a permissividade de descontos por moradia fornecida pelo empregador, mesmo quando para a prestação do serviço, nos casos dos empregados domésticos (Lei n. 5859/72) e dos rurais (Lei n. 5889/73); dentre outros.
1.2.8 Princípio da continuidade da relação de emprego
Por ter o salário caráter alimentar e por ser a necessidade de alimentação contínua, tanto para o empregado, quanto para seus dependentes, mostra-se razoável o entendimento de que o emprego, em regra, por ser a fonte do salário, não deve ser temporário, e sim permanente. Dessa lógica decorre o referido princípio, que acabou por tornar exceção no direito do trabalho os contratos por prazo determinado.
Delgado (2004) entende que a permanência no emprego traz ao obreiro, além da garantia de alimentação, pelos menos três outras vantagens: a) a possibilidade de serem agregados ao contrato mais direitos e melhorias dos já assegurados, a exemplo do aumento salarial; b) o melhoramento da qualificação educacional profissional do obreiro em razão de investimentos feitos pelo empregador e, por fim; c) a melhor e mais sólida afirmação social do indivíduo na sociedade, permitindo que o mesmo estruture e planeje sua vida sem as incertezas e vicissitudes típicas de um vínculo empregatício precário.
1.2.9 Princípio da primazia da realidade sobre a forma
Também chamado de princípio do contrato realidade, tal preceito encontra origem na regra civilista de que o julgador deve decidir o conflito atentando mais para a real vontade das partes, que para a forma como a mesma foi revelada (geralmente escrita). Assim, no direito do trabalho, deve-se privilegiar o que ocorre no plano dos fatos, tendo por contexto a relação de trabalho, em detrimento do que as partes convencionaram por escrito. Nas palavras de Delgado (2004, p. 102): “[…] o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços.
Esse princípio é útil não somente para revelar juridicamente situações ocultadas propositadamente no curso da relação de emprego, que poderiam gerar prejuízos ao obreiro (nos casos de verbas salariais pagas além do descrito na CTPS, p. ex.) e ao Poder Público (adiamento da assinatura da CTPS para que o obreiro possa gozar do seguro-desemprego), mas também para caracterizar a própria relação de emprego, inúmeras vezes mascarada por outras figuras jurídicas como falsas sociedades limitadas, estágio, “pejotização”, dentre outros.
Com precisão, Rodriguez (2002, p. 221) discorre que “esse desajuste entre os fatos e a forma pode ter diferentes procedências: 1) resultar de uma intenção deliberada de fingir ou simular uma situação jurídica distinta da real […]; 2) provir de um erro. Esse erro geralmente recai na qualificação do trabalhador e pode estar mais ou menos contaminado de elementos intencionais derivados da falta de consulta adequada ou oportuna […]; 3) derivar de uma falta de atualização dos dados. O contrato de trabalho é um contrato dinâmico, no qual vão constantemente mudando as condições da prestação dos serviços. Para que os documentos reflitam fielmente as modificações produzidas, devem ser permanentemente atualizados. Qualquer omissão ou atraso determina um desajuste entre o que surge dos elementos formais e o que resulta da realidade; 4) originar-se da falta de cumprimento de requisitos formais. […] Em qualquer das quatro hipóteses que mencionamos, os fatos primam sobre as formas. Não é necessário analisar e pesar o grau de intencionalidade ou de responsabilidade de cada uma das partes. O que interessa é determinar o que ocorre no terreno dos fatos, o que poderia ser provado na forma e pelos meios de que se disponham em cada caso. Porém, demonstrados os fatos, eles não podem ser contrapesados ou neutralizados por documentos ou formalidades”.
No caso do presente trabalho, esse princípio assume importância singular em razão de que, nem todo teletrabalhador, pode ser enquadrado na figura de empregado, vez que, para isso precisam estar caracterizados os quaro requisitos fático-jurídicos que caracterizam tal condição: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação na prestação de serviços, os quais devem ser aferidos em cada situação em concreto.
2 A SUBORDINAÇÃO NO CONTEXTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO
2.1 A relação de emprego e seus requisitos fático-jurídicos
Reza o art. 442 da CLT que o “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (BRASIL, 1943), logo, depreende-se que para o contrato de trabalho existir, há que serem preenchidos os requisitos da relação de emprego, os quais estão explícita e implicitamente dispostos nos caputs dos arts. 2º e 3º do texto celetista (BRASIL, 1943), conforme a seguir:
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Da reflexão jurídica acerca de tais dispositivos, a doutrina e a jurisprudência identificam, de forma pacífica, pelo menos quatro requisitos considerados essenciais para a formação do vínculo empregatício e, por conseguinte, para a existência do contrato de trabalho: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
2.1.1 Pessoalidade
Em razão de o trabalho ser prestado por pessoa física, uma das características do contrato de trabalho é o fato de ser personalíssimo, ou seja intuitu personae, infungível, pois realizado com certa e determinada pessoa, a qual não poderá, no curso da relação de emprego, fazer-se substituir por outra, sob pena de descaracterização do vínculo (MARTINS, 2010).
Por óbvio que tal requisito, no contexto do trabalho prestado à distância, é de verificação mais complexa, porém, pode ser suprido em razão das peculiaridades do trabalho prestado, já que, em regra, é realizado por profissional especializado em determinada área de atuação, o que torna sua substituição não impossível, mas rara de ocorrer.
2.1.2 Onerosidade
Elemento fundamental para a configuração da relação de emprego, a onerosidade diz respeito ao empregador, que deve pagar salário ao empregado pela contraprestação dos serviços prestados, e ao empregado, que deve prestar serviços a seu empregador, o que representa para ambos um ônus.
O objetivo do empregado ao firmar o contrato é o de receber salário, daí se diz que há animus contrahendi, ou seja, ânimo, motivo do obreiro prestar serviços em troca de uma contraprestação direta paga pelo tomador, circunstância que revela o aspecto subjetivo da onerosidade, enquanto o aspecto objetivo é o próprio recebimento do salário (GARCIA, 2010).
2.1.3 Não eventualidade
Diversas teorias buscam explicar a não eventualidade da prestação de serviços, porém, o entendimento de tal requisito requer a conjugação das mesmas. Certo é que, para os fins da CLT, em razão de uma interpretação teleológica, eventualidade não é o mesmo que intermitência, pois ainda que a prestação de serviços seja descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade, tendo em vista ser possível uma jornada contratual inferior à jornada legal, inclusive em relação aos dias da semana (DELGADO, 2010).
Seguindo essa linha de pensamento, Delgado (2010, p. 276) enumera cinco características básicas do trabalho eventual: “a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência em uma organização com ânimo definitivo; b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços; c) curta duração do trabalho prestado; d) natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do empreendimento tomador dos serviços; e) em consequência, a natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins normais do empreendimento”.
Assim, para que reste caracterizada a relação de emprego, faz-se necessário que o trabalho seja prestado de forma permanente, ainda que de forma descontínua, em curto período ou em apenas alguns dias da semana, não se qualificando como trabalho esporádico.
2.1.4 Subordinação
Nascimento (2010) afirma que o vocábulo subordinação é de origem latina, provindo de sub = baixo, ordinare = ordenar. Desse modo, subordinação é tida como submetimento, sujeição ao poder de outrem, às ordens de terceiros, uma posição de dependência. No Brasil, embora a doutrina prefira a expressão subordinação, a CLT, em seu art. 2º, consagrou o termo dependência.
No concernente às espécies, Barros (2010) leciona que os termos dependência e subordinação foram qualificados como técnica, econômica, social e jurídica.
A subordinação técnica decorre do fato de, por ser o empregador proprietário dos meios e produção, detém o mesmo a técnica produtiva e, em razão disso, os empregados devem se submeter a seu comando. De outro lado, Partindo-se do pressuposto de que o empregado precisa do emprego e do correspondente salário para sobreviver, tendo em vista sua hipossuficiência econômica, afirmava-se que o mesmo subordina-se economicamente ao empregador, representando uma projeção enfática da assimetria econômica que separa empregado e empregador (DELGADO, 2010).
A conjugação da subordinação de caráter técnico com a de caráter econômico dá origem à subordinação social. Todavia, tais qualificações são tidas como inadequadas pela doutrina e jurisprudência, vez que desconsidera o liame jurídico que une o empregado ao empregador, qual seja, o contrato de trabalho. Em função disso, o critério mais aceito é o da subordinação jurídica, que traduz um estado de dependência em potencial cuja origem é o liame contratual, seja celebrado de forma tácita, ou expressa, na forma do art. 442 da CLT.
Colin (apud MORAES FILHO; MORAES, 2010, p. 277) apresenta valioso ensinamento sobre o assunto ao afirmar que: “por subordinação entende-se um estado de dependência real criado por um direito, o direito de o empregador comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens. Eis a razão pela qual chamou-se a esta subordinação de jurídica, para opô-la, principalmente, à subordinação econômica e à subordinação técnica que comporta também uma direção a dar aos trabalhos do empregado, mas direção que emanaria apenas de um especialista. […] Direção e fiscalização, tais são então os dois pólos da subordinação jurídica”.
Desse modo, em razão dos poderes do empregador, cujo nascedouro é o contrato de trabalho, o empregado tem a obrigação de obediência, que pode ser direta, em potencial, ou mesmo tênue, como no caso de altos empregados. Em razão dessa subordinação, pode o empregador dirigir, regulamentar e fiscalizar a prestação de serviços por parte do empregado, bem como puni-lo nos casos e nos termos permitidos pela legislação.
Considerando tal circunstância, Barros (2010, p. 268) leciona que “esse poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante, tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados, mesmo porque, em relação aos trabalhadores intelectuais, ela é difícil de ocorrer. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. […] o que interessa é a possibilidade que assiste ao empregador de intervir na atividade do empregado. Por isso, nem sempre a subordinação jurídica se manifesta pela submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens.
Resta pacífico, desse modo, que a subordinação se verifica mesmo em um estado de potencialidade, isto é, o empregado exerce suas atividades tendo plena ciência da prerrogativa, do poder conferido ao seu empregador em razão do contrato, ainda que este o materialize ou não.
2.2 A relação de trabalho autônomo
De forma majoritária, a doutrina considera que o elemento diferenciador entre o trabalhador empregado e o autônomo é a subordinação, independentemente de sua espécie. Ademais, em razão de exercer suas atividades por conta própria, o trabalhador autônomo acaba por assumir todos os riscos técnicos e econômicos de sua atividade. Nesse sentido, Nascimento (2010, p. 352): “[…] trabalhador autônomo é aquele que não transfere para terceiro o poder de organização da sua atividade. Assim, auto-organizando-se, ao se submete ao poder de controle e ao poder disciplinar de outrem. O autônomo exerce atividade econômico-social por sua atividade, sua conveniência, ou os imperativos das circunstâncias, de acordo com o modo de trabalho que julga adequado aos fins a que se propõe”.
Na mesma linha de pensamento, Romita (2005, p. 12) leciona que o trabalho é considerado autônomo “[…] quando o trabalhador se obriga não a prestar […] a sua energia de trabalho, mas executar ou fornecer a um tomador uma obra determinada ou um serviço e conjunto, encarado como o resultado de sua atividade, que é exercida fora do âmbito da organização econômica do tomador. Essa atividade é desempenhada pelo trabalhador só ou com auxílio de terceiros, com organização própria e por sua inteira iniciativa, com livre escolha de lugar, tempo e modo de execução e, por isso, sem qualquer vínculo de subordinação com o tomador”.
No Brasil, a relação de trabalho autônomo está regulada nos arts. 539 a 609 do Código Civil, onde é denominada de prestação de serviços; no art. 12, V, alínea ‘h’ da Lei n. 8.212/91, a qual permite ao mesmo gozo de benefícios previdenciários a partir de seu enquadramento como contribuinte individual, e no art. 511 da CLT, que possibilita ao mesmo organizar-se em entidades sindicais (NASCIMENTO 2009).
Em razão do fato de ser uma relação de prestação de serviços que acarreta menos custos ao tomador, por vontade deste, é comum que a mesma encubra de forma fraudulenta uma relação que, na verdade, é de emprego. Nesse contexto, assume grande importância o princípio da primazia da realidade, cuja aplicação permite ao julgador, no exercício de seu convencimento, conceder especial valor ao que, em verdade, opera-se no plano dos fatos. Inclusive, é por meio desse instrumento que poderão se identificados casos concretos de trabalho parassubordinados, em regra tachados de autônomos e, consequentemente, com garantias mínimas aos trabalhadores.
2.3 A subordinação e as novas formas de trabalho: o teletrabalho
Conforme entendimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “o teletrabalho é a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que se utilize uma nova tecnologia que facilite a comunicação” (JARDIM, 2003, p. 37).
Na Europa utiliza-se o termo telework, enquanto que nos EUA é mais usual o termo telecommuting, este último conceituado por Nilles (apud JARDIM, 2003, p.57) como
“[…] qualquer forma de substituição da viagem ao local de trabalho pelas tecnologias da informação – tais como meios de comunicações e computadores, movimentado-se o trabalho ao trabalhador, ao invés de moverem-se os trabalhadores ao local de trabalho.
A Carta Europeia para o Teletrabalho o define como “[…] um novo modo de organização e gestão do trabalho, que tem o potencial de contribuir significativamente à melhora da qualidade de vida, a práticas de trabalho sustentáveis e à igualdade de participação por parte dos cidadãos de todos os níveis, sendo tal atividade um componente chave da Sociedade da Informação, que pode afetar e beneficiar a um amplo conjunto de atividades econômicas, grandes organizações, pequenas e médias empresas, microempresas e autônomos, como também à operação e prestação de serviços públicos e a efetividade do processo político” (GBEZO apud ESTRADA, 2008).
Dos conceitos colocados, depreende-se que a subordinação pode, de fato, existir no teletrabalho, tendo em vista que a comunicação direta do tomador de serviços com o trabalhador pode ser substituído por contatos indiretos, utilizando-se os novos meios de comunicação inseridos com a revolução tecnológica e a internet. Por óbvio que essa nova forma de comunicação torna mais flexível e menos evidente a subordinação, tradicionalmente vista em sua dimensão clássica. Em decorrência de tal circunstância, muitos tomadores de serviços têm contratado esse tipo de trabalhador como autônomo e não como empregado, subjugando do mesmo direitos trabalhistas essenciais e garantidos pela Constituição.
A atual dinâmica global das relações de trabalho tem deixado cada vez mais próxima a relação de trabalho autônomo da relação de trabalho subordinado, o que tem gerado controvérsias acerca do adequado enquadramento de determinados trabalhadores, a exemplo daquele que, com certo nível intelectual, executa sua atividade utilizando meios como celulares, notebooks etc, e raramente freqüenta o estabelecimento empresarial. Nesse sentido, Menezes (2005, p. 431) assevera que “[…] a diferença entre trabalho subordinado e independente é cada vez mais tênue em determinados seguimentos da economia, sobretudo naqueles que, em sua estrutura operacional, utiliza os serviços de pequenas e microempresas, profissionais especializados, terceirização de serviços, trabalho a domicílio (teletrabalho, confecção, fabricação de componentes para a grande contratante, consultoria etc.), pequenas empreitadas e subempreitadas, firmas de distribuição e franchise. Difícil, não raro impossível, é distinguir nesse movediço terreno quem é trabalhador independente e quem não é, até porque, com freqüência, a fraude veste os empregados com o manto da autonomia”.
A relação de emprego, certamente, sempre terá por requisito a subordinação, embora se saiba que a mesma ora se manifesta de forma mais intensa, ora de forma mais leve. Essa última hipótese geralmente ocorre quando o empregado sobe na escala hierárquica da empresa ou quando o trabalho é de cunho técnico e intelectual (CASSAR, 2009), ou seja, “a subordinação varia de intensidade, passando do grau máximo ao mínimo, conforme a natureza da prestação de trabalho e à medida que se passa do trabalho prevalentemente material ao prevalentemente intelectual” (SANSEVERINO apud BARROS, 2010, p. 268).
A reorganização do processo de produção contemporâneo propiciou uma significativa redução da complexidade do trabalho, com o completo domínio do sistema produtivo, o que permitiu a flexibilização da rigidez da hierarquia e disciplina taylorista. Tal flexibilização passou, inclusive, a ser pressuposto do aumento da produtividade nos setores de grande concorrência mundial. Dessa maneira, o modelo de produção ordem-subordinação é substituído pelo modelo colaboração-dependência (MENDES; CHAVES JUNIOR, 2008).
Dentro da perspectiva do teletrabalho, cumpre examinar a existência e a intensidade da subordinação do prestador junto ao tomador de serviços, a fim de se poder concluir se há relação de emprego ou de trabalho autônomo. Para tanto, valiosa é a sistematização feita por Delgado (2010), para quem a subordinação compreende três dimensões: clássica, objetiva e estrutural. Nesse sentido, afirma o autor que “na essência, é trabalhador subordinado desde o humilde e tradicional obreiro que se submete à intensa pletora de ordens do tomador ao longo de sua prestação de serviços (subordinação clássica), como também aquele que realiza, ainda que sem incessantes ordens diretas, no plano manual e intelectual, os objetivos empresariais (subordinação objetiva), a par do prestador laborativo que, sem receber ordens diretas das chefias do tomador de serviços, nem exatamente realizar os objetivos do empreendimento (atividades-meio, por exemplo), acopla-se, estruturalmente, à organização e dinâmica operacional da empresa tomadora, qualquer que seja a sua função ou especialização, incorporando, necessariamente, a cultura cotidiana empresarial ao longo da prestação de serviços realizada (subordinação estrutural)”. (DELGADO, 2010, p. 284-285)
A compreensão de tais dimensões da subordinação permite ao intérprete adequar as modificações sociais ocorridas no mundo do trabalho ao longo dos últimos anos, atentando para a dimensão social e protetiva típica do direito trabalhista, ou seja, permitindo que a relação de emprego seja configurada mesmo se a subordinação não ocorrer de forma clássica.
Por fim, cumpre ressaltar que, atualmente, tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei (PL) tratando do tema. O primeiro, de n. 3.129/2004 (BRASIL, 2004), de autoria do Deputado Eduardo Valverde (PT/RO), já teve redação final aprovada pela Câmara, tendo sido enviado ao Senado em 20/11/2007, é simplório e não esclarece a contento as peculiaridades que cercam o teletrabalho:
“PROJETO DE LEI Nº 3.129-C DE 2004
Altera o art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios de telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 6º Não se distingue entre trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”(NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação”.
Já o segundo, de nº 4.505/2008 (BRASIL, 2008), de autoria do Deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB/ES) é bem mais completo e, atualmente, já com parecer aprovado por todas as comissões da câmara, aguarda julgamento de recurso por parte da mesa diretora no sentido de ser levado para votação em plenário. Seu teor é o seguinte:
“PROJETO DE LEI Nº 4505 DE 2008
Regulamenta o trabalho à distância, conceitua e disciplina as relações de teletrabalho e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Para os fins desta Lei, entende-se como teletrabalho todas as formas de trabalho desenvolvidas sob controle de um empregador ou para um cliente, por um empregado ou trabalhador autônomo de forma regular e por uma cota superior a quarenta por cento do tempo de trabalho em um ou mais lugares diversos do local de trabalho regular, sendo utilizadas para realização das atividades laborativas tecnologias informáticas e de telecomunicações.
Parágrafo único. Entende-se por local de trabalho regular a sede da empresa ou qualquer outro local onde normalmente ocorre a produção e/ou são normalmente esperados os resultados do exercício laborativo.
Art. 2º O teletrabalho poderá ser realizado em centros de teletrabalho, assim conceituados como edificações idealizadas para o teletrabalho, dotadas de aparelhos de informática e de telecomunicação, e destinadas à utilização pelos empregados de uma ou várias empresas ou pelos trabalhadores autônomos classificados como teletrabalhadores, não sendo considerados locais de trabalho regulares.
Art. 3º O teletrabalho deve servir como instrumento para o aumento dos índices de emprego, além de patrocinador a inserção de trabalhadores com reduzida capacidade física no mercado de trabalho, estimulando ainda o crescimento econômico eco-compatível.
Art. 4º O Estado brasileiro adotará as medidas necessárias para:
a) estimular a criação de postos de teletrabalho;
b) potencializar a competitividade industrial incentivando
a adoção do teletrabalho nas empresas privadas e na Administração Pública;
c) aumentar a capacitação profissional dos trabalhadores via mecanismos tradicionais e inovativos de formação;
d) promover novas formas de organização do trabalho baseadas no teletrabalho nos setores privado e público.
Art. 5º A relação de emprego no teletrabalho terá como fundamentos os mesmos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, atendendo aos princípios e prerrogativas ali dispostos, em especial em seu art. 3º, ressalvadas as disposições e particularidades aplicáveis ao tema e previstas nesta Lei, bem como em convenção coletiva ou acordo coletivo.
Art. 6º São direitos do empregado teletrabalhador:
a) igualdade de tratamento no que diz respeito à filiação sindical, participação na negociação coletiva, proteção à saúde, segurança social e estabilidade no emprego, além da garantia à não discriminação e acesso à qualificação e informação profissionais;
b) proteção ao salário, férias e sua respectiva remuneração, gozo de feriados, licenças previstas na CLT e faltas por doença;
c) segurança, higiene e saúde no trabalho observadas as disposições do art. 7º;
d) ressarcimento dos gastos extraordinários decorrentes das funções inerentes ao teletrabalho e não previstos na remuneração, observadas as disposições do art. 7º.
Parágrafo único. Em razão do caráter de controle de jornada aberta e, via de regra, de forma virtual, aos empregados teletrabalhadores não será contemplado o direito às horas extras, devendo a remuneração ajustar-se às horas normais de trabalho.
Art. 7º São deveres do empregado teletrabalhador:
a) habitualidade e pessoalidade na execução de suas funções;
b) informação periódica de acordo com as diretrizes empregatícias previamente estabelecidas, seja de forma on line ou offline;
c) manutenção adequada dos equipamentos e materiais que lhe forem disponibilizados pelo empregador, bem como conservação e asseio do seu ambiente de trabalho, observadas as normas de segurança, higiene e saúde no trabalho;
d) prestação de contas quanto aos gastos ordinários e extraordinários decorrentes das funções inerentes à devida execução do trabalho.
Art. 8º O contrato de teletrabalho deverá ser escrito contemplando todos os direitos e deveres referenciados nesta Lei, bem como aqueles específicos à função que será exercida pelo empregado teletrabalhador, determinando, mesmo que em instrução de trabalho anexa, os bens a serem disponibilizados ao empregado e o local de trabalho, com indicação objetiva da carga horária, que não poderá ultrapassar a prevista na CLT.
Parágrafo único. A carga horária obedecerá ao disposto no art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, sendo permitido o trabalho nos finais de semana, uma vez que se trata de jornada de trabalho aberta, sendo devidas, porém, as proporcionalidades referentes ao repouso semanal remunerado.
Art. 9º Nos casos de trabalho transnacional, deverá ser aplicada a lei do local da prestação do serviço, salvo disposição contratual em contrário.
Art. 10 Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
Neste PL, observa-se um maior cuidado do legislador em garantir aos teletrabalhadores os mesmos direitos assegurados aos trabalhadores urbanos, regidos pela CLT.
Infelizmente, todavia, nenhum dos dois projetos enfrenta a questão do trabalho parassubordinado e das várias dimensões da subordinação, conforme se verá no capítulo seguinte. De todo o modo, considera-se salutar a iniciativa parlamentar em tratar de um tema atual e que clama por uma segurança jurídica que somente a lei pode oferecer.
3 A CARACTERIZAÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO DO TELETRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM AS TEORIAS DA PARASSUBORDINAÇÃO E DA SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL
3.1 A Parassubordinação
A origem da parassubordinação remonta à Itália, quando da reforma de seu Codice de Procedura Civile (Código de Procedimento Civil), em 1973, cujo objetivo era melhor distribuir o ônus da prova nas lides envolvendo trabalhadores representantes comerciais, que embora tivessem certa autonomia na prestação de serviços, tinham sua atividade continuamente coordenada pelo tomador de serviços. Era o marco legal sobre o qual, então, passou a se debruçar a doutrina sobre o tema (AMANTHÉA, 2008).
Essa mudança na legislação da Itália, país desenvolvido e que já nos idos da década de 70 experimentava um acentuado aumento na complexidade das relações trabalhistas, fenômeno do mundo moderno dominado pelo modo de produção capitalista, ensejou maior estudo científico, a fim de melhor caracterizar determinadas circunstâncias que envolvem a prestação de serviços por pessoas físicas.
Seguindo uma tendência mundial de descentralização das relações produtivas e de flexibilização dos direitos trabalhistas, o Brasil enfrenta grandes conflitos no mundo do trabalho, agravados pelo ancilosamento da legislação do trabalho, em especial a CLT, que data de 1943. Essa legislação anacrônica ainda consagra a dicotomia entre trabalho subordinado (regido pela CLT) e trabalho autônomo (regido pelo Código Civil), não regulando situações novas, de rearranjo das relações entre tomadores e prestadores de serviços. De acordo com Romita (2003, p. 219/220), “estão destinadas ao desaparecimento as relações de trabalho que perduram durante o arco da inteira vida produtiva. As formas de trabalho integradas na empresa tendem a perder espaço e passam a ocupar cada vez mais o espaço situado na zona cinzenta entre a subordinação e a autonomia (trabalho coordenado)”.
Por ser a relação de emprego a que garante o maior rol de garantias trabalhistas, é normal que trabalhadores até então tidos por autônomos, mas que identifiquem algumas características como pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e, sobretudo, subordinação, requeiram que tal relação seja caracterizada como de emprego, em busca de melhorar sua condição humana.
Sabe-se que o principal elemento diferenciador entre a relação de trabalho autônomo e a de emprego é a subordinação e que a mesma pode se manifestar, principalmente em razão das novas tecnologias e da complexidade hierárquica das organizações, em vários graus. Nesse contexto, surge o que a doutrina denomina de trabalho parassubordinado, que, no pensamento de Nascimento (2010, p. 418): “[…] é uma categoria intermediária entre o autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais, entre as quais se situam, como a representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação. Seria a hipótese, se cabível, do trabalho autônomo com características assemelháveis ao trabalho subordinado”.
Em ensinamento semelhante, Amanthéa (2008, p. 43) aduz que “[…] a parassubordinação pode ser conceituada como um contrato de colaboração coordenada e continuada, em que o prestador de serviços colabora à consecução de uma atividade de interesse da empresa, tendo seu trabalho coordenado conjuntamente com o tomador de serviços, numa relação continuada ou não eventual”. Esse entendimento também é acompanhado por Silva (2004, p. 102), o qual a define como as “relações de trabalho de natureza contínua, nas quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadram nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços, tudo conforme estipulado em contrato, visando colaborar para os fins do empreendimento”.
Provavelmente em razão de seu anacronismo, a arcabouço legislativo juslaboral no Brasil não prevê a figura do trabalho parassubordinado que, encontrando-se em zona turva entre o trabalho autônomo e o com vínculo empregatício, deixa trabalhadores e tomadores de serviços em completa insegurança jurídica, inserindo-se, nesse contexto, indubitavelmente, o teletrabalhador.
Na visão de Amanthéa (2008), para se entender o fenômeno da parassubordinação é necessário perquirir as características que cercam tanto relação de trabalho autônomo quanto a de emprego. A partir disso, o mesmo traz um exemplo para reflexão: “imagine-se que há um trabalhador autônomo e que o mesmo tenha o know-how de fazer determinada obra (para facilitar a visualização, por exemplo, um instrumento musical), e que tal artefato seja de interesse de determinada empresa, integrando-se o componente dentro de sua atividade-fim (a empresa produz instrumentos musicais em larga escala). A empresa contrata os serviços do prestador, que permanece como autônomo pois pode produzir e vender a outros seus instrumentos. Todavia tem um compromisso de entregar, de maneira contínua, determinado número de bens à empresa, que insere o produto dentro da sua atividade precípua (AMANTHÉA, 2008, p. 43).
Tendo em vista o exemplo acima, de fato, não há como enquadrar categoricamente tal relação como de emprego ou autônoma, vez que traz elementos de ambas. A autonomia se verifica pela liberdade do trabalhador em poder vender seus produtos a outros compradores e não só à empresa e produzir os bens no momento em que lhe aprouver; já a subordinação é pontuada no instante em que a obrigação deixa de ser instantânea e passa a ser contínua e coordenada pela empresa.
Poder-se-ia argumentar que, no presente caso, existe relação de emprego, nos moldes do art. 6º da CLT. Ocorre, todavia, que tal dispositivo determina que não haja discriminação de qualquer espécie entre o trabalho feito no domicílio do trabalhador e o prestado no estabelecimento do tomador. Para que tal discriminação não ocorra, é mister que não paire dúvida sobre a existência da relação de emprego. Logo, por não traçar os contornos exatos da subordinação nos trabalhos prestados em domicílio, tal artigo não resolve a problemática que aqui se enfrenta.
Por certo, o que torna o tema complexo é a existência de um trabalho aparentemente autônomo, mas que sofre coordenação do tomador de serviços, a qual, dependendo do grau, pode assumir contornos de subordinação. Nesse sentido, válido o ensinamento de Alves (2004, p. 89): “a coordenação da prestação é entendida como a sujeição do trabalhador às diretrizes do contratante acerca da modalidade da prestação, sem que haja, nesse contexto, subordinação no sentido clássico […]. É a atividade empresarial de coordenar o trabalho sem subordinar o trabalhador. É, ainda, a conexão funcional entre a atividade do prestador do trabalho e a organização do contratante, sendo que aquele se insere no contexto laborativo deste – no estabelecimento ou dinâmica empresarial – sem ser empregado, mas inserido em tal contexto de forma harmônica. Pode significar, ainda, que na coordenação há, em diversos casos, a organização conjunta da prestação laborativa entre contratante e contratado, cabendo exclusivamente àquele, entretanto, a responsabilidade sobre o empreendimento”.
Nesse diapasão, é certo que grande parte dos tomadores de serviços, dentro da visão capitalista de redução de custos e aumento do lucro, ao fazerem uso de mão-de-obra que se insira dentro dos liames do trabalho parassubordinado, de colaboração continuada e coordenada, caracterizam-no como autônomo. Por outro lado, os prestadores de serviços que se enquadrem dentro dessas características podem, com base nos princípios da proteção, da norma mais favorável e da primazia da realidade, requerer vínculo empregatício junto a seus tomadores de serviços, pois suas atividades, embora não se submetam à subordinação clássica, são exercidas sob subordinação estrutural, cuja teoria, até o momento, é a que melhor inclui os contornos do termo “coordenação continuada”.
3.2 A subordinação estrutural
Conforme referenciado na seção 2.2, Delgado (2010) aduz que, constituindo-se em um fenômeno social, a subordinação tem sofrido adequações ao longo dos dois últimos séculos, seja em razão de mudanças no mundo do trabalho, decorrentes da reestruturação do capitalismo, seja em razão de um novo olhar da ciência jurídica.
De fato, essa evolução da percepção da subordinação vem ocorrendo ao longo do tempo, valendo registrar que, antes de restar pacificado na doutrina a sua natureza jurídica, foi vista como de ordem econômica, técnica e social. A partir do instante em que a mesma é considerada jurídica, cumpre à doutrina analisar pormenorizadamente suas dimensões, as quais, na concepção de Delgado (2010), são três: clássica, objetiva e estrutural.
A subordinação clássica é concebida como a situação jurídica decorrente do contrato de trabalho, onde o empregado se compromete a acatar o poder de direção do empregador no que concerne ao modus operandi da atividade laboral, cuja intensidade a caracteriza como tal, sendo a espécie de subordinação que se originou juntamente com a relação empregatícia e que, até os dias atuais, é a mais recorrente no mundo do trabalho (DELGADO, 2010).
A subordinação objetiva, por sua vez, manifesta-se pela “integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços” (DELGADO, 2010, p. 283). Essa integração, segundo Vilhena (apud DELGADO, 2010, p. 284), materializa-se em uma “relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa, através da qual a atividade do trabalhador como que segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo o influxo próximo ou remoto de seus movimentos […]”.
Embora a construção teórica da dimensão objetiva da subordinação tenha sido válida, Delgado (2006) afirma que ela não se sedimentou completamente na área jurídica, vez que se mostrou incapaz de diferenciar, em diferentes casos concretos, entre o trabalho autônomo e o subordinado, principalmente quando a prestação de serviços se dava fora do estabelecimento da empresa.
Sobre a dimensão estrutural da subordinação, a mesma pode ser expressa “pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento” (DELGADO, 2006, p. 667).
Mendes e Chaves Júnior (2008) entendem ser necessário “ressignificar ou plurissignificar” a definição de subordinação jurídica, compreendendo-a de maneira dinâmica: “[…] a subordinação jurídica emerge não apenas do uso da voz do empregador, do supervisor, ou do capataz. Ela pode se formar na retina dos múltiplos agentes econômicos coordenados pela unidade central, de modo silencioso e aparentemente incolor e até indolor. A subordinação jurídica pode ser então “reticular”, também nesse sentido e através de instrumentos jurídicos de associação empresária, onde nenhuma atividade econômica especializada é desenvolvida pelo suposto empregador, que se envolve na produção de um determinado resultado pactuado com a unidade central. Suposto, não porque em verdade não o seja, mas por não ser o único empregador”.
Indubitavelmente, a solução trazida pela teoria da subordinação estrutural preenche as dúvidas surgidas com as modificações das relações de trabalho provocadas pela novo capitalismo e se mostra mais adequada ao contexto brasileiro que, em razão de ser um Estado Social, prescinde da criação de um figura jurídica entre o empregado e o autônomo, ou seja, o parassubordinado.
3.3 Teletrabalhador: autônomo ou empregado?
É justamente nesse ponto que a teoria do trabalho parassubordinado se conecta com as dimensões objetiva e estrutural da subordinação, permitindo que o trabalhador que exerça suas atividades dentro desse contexto, requeira seu enquadramento como empregado e, assim, possa usufruir todos os direitos sociais que lhe são garantidos pela legislação trabalhista. Isso porque, até o momento, não se tem construção doutrinária ou jurisprudencial sólida sobre o que é, de fato e de direito, a “coordenação continuada” da prestação de serviços, ao contrário da subordinação, cuja construção teórica já data de anos, sedo bastante densa.
Assim, em razão de todos esses fatores, a melhor conduta a ser adotada pelos operadores do direito acaso constatado, no caso concreto, que o trabalhador exercia seu labor dentro dos parâmetros da parassubordinação, é enquadrá-lo como empregado com subsídio na teoria da subordinação estrutural, pois, dessa forma, são privilegiados princípios que embasam o direito do trabalho e, além disso, evita-se a precarização das relações de trabalho, promovendo-se a dignidade humana, valor maior de nossa Carta Magna.
Não há que se perder de vista ser função do direito do trabalho, por meio de suas normas, permitir que a sociedade capitalista, estruturalmente desigual, consiga atingir padrões mínimos de justiça social, distribuindo aos trabalhadores ganhos do sistema econômico. Nesse sentido, importante reconhecer o vínculo de emprego como um dos mais eficazes instrumentos para esse fim, pois se sabe que a economia de mercado não busca a equidade e a justiça social, mas sim a eficiência, a produtividade e o lucro.
Cumpre aqui ressaltar o defendido por Gênova (2009, p. 59), que argumenta não ser apropriado chamar de trabalho parassubordinado o situado entre a zona cinzenta do trabalho autônomo e subordinado, vez que não há, até o momento, legislação que lhe seja aplicável, sendo melhor caracterizar tal fato como “obstáculo epistemológico no vínculo de trabalho”, cuja solução seria encontrada em uma análise apurada do caso concreto, buscando evidenciar ou não a subordinação em sua forma mais atual, como por exemplo a estrutural, caracterizando-se o vínculo ou como autônomo, ou como de emprego.
Estando presentes requisitos como a pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e o tríduo “colaboração e coordenação continuada”, poder-se-ia enquadrar, é verdade, tal relação como parassubordinada, no entanto, isso levaria o trabalhador, como já ressaltado, para um nimbo jurídico, sendo mais condizente com os princípios constitucionais enquadrá-lo como empregado, cuja subordinação evidenciada é a de dimensão estrutural.
De importância ímpar, justamente nessa linha de raciocínio, foi a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, ao julgar um caso envolvendo jornalista correspondente:
“EMENTA – PARASSUBORDINAÇÃO – JORNALISTA CORRESPONDENTE – NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – Encontra-se sob o manto da legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3º., da CLT, a pessoa física que prestou pessoalmente os serviços de correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de serviços avançam sobre o determinismo do art. 3º., da CLT, e alargam o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é, do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa, que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via terceirização, via parassubordinação, via micro ateliers satélites, adveio o denominado fenômeno da desverticalização da subordinação, que continua a ser o mesmo instituto, mas com traços modernos, com roupagem diferente, caracterizada por um sistema de coordenação, de amarração da prestação de serviços ao empreendimento por fios menos visíveis, por cordões menos densos. Contudo, os profissionais, principalmente os dotados de formação intelectual, transitam ao lado e se interpenetram na subordinação, para cujo centro são atraídos, não se inserindo na esfera contratual do trabalho autônomo, que, a cada dia, disputa mais espaço com o trabalho subordinado. Neste contexto social moderno, é preciso muito cuidado para que os valores jurídicos do trabalho não se curvem indistintamente aos fatores econômicos, devendo ambos serem avaliados à luz da formação histórica e dos princípios informadores do Direito do Trabalho, de onde nasce e para onde volta todo o sistema justrabalhista. O veio da integração objetiva do trabalhador num sistema de trocas coordenadas de necessidades, cria a figura da parassubordinação e não da para-autonomia. Se a região é de densa nebulosidade, isto é, de verdadeiro fog jurídico, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da CLT e não para dentro do Código Civil, que pouco valoriza e dignifica o trabalho do homem, que é muito livre para contratar, mas muito pouco livre para ajustar de maneira justa as cláusulas deste contrato” (TRT/MG – Proc. 00073.2005.103.03.00.5 – Recurso Ordinário – Rel. Designado: Juiz Luiz Otávio Renault. DJ/MG 01/10/2005) (BRASIL, 2005).
Esse mesmo Tribunal, dessa vez julgando demanda envolvendo um médico, assim decidiu:
“EMENTA: SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E OBJETIVADA, COM POUCOS TRAÇOS SUBJETIVOS – MÉDICOS E OUTROS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR OU DE ALTA QUALIFICAÇÃO CONTRATO DE EMPREGO – SUBORDINAÇÃO SEM AÇÃO E SEM ROSTO- RESTOS DE UM MODELO QUE SE DESPEDAÇOU E CUJOS FRAGMENTOS SE REDIRECIONAM PARA AS CÉLULAS DE TRABALHO COM OUTRA CONFORMAÇÃO- APROXIMAÇÃO DE CONCEITOS: NÃO EVENTUALIDADE E SUBORDINAÇÃO- NORMA-TEXTO E NORMA AMBIENTE -TIPO DO SERVIÇO PRESTADO E NÚCLEO MATRICIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL- IMPUTAÇÃO JURÍDICA QUE SE FAZ NECESSÁRIA SOB PENA DE DESPOVOAMENTO DA EMPRESA E DA SUA FUNÇÃO SOCIAL PARASSUBORDINÇÃO SENTIDO E SIGNIFICADO INTELIGÊNCIA DA EXPRESSÃO – Subordinação é,simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a sujeição, é a dependência que alguém se encontra frente a outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer, na sociedade info-info ( expressão do grande Chiarelli), baseada na informação e na informática, a subordinação não é mais a mesma de tempos atrás. Do plano subjetivo- corpo a corpo ou boca/ouvido- típica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial, própria do toyotismo, que se caracteriza pela qualidade total e pelo sistema just in time. Do modelo norte-americano de plantas pesadas, com todas as consequências que lhe são inerentes (país de grande extensão territorial) passamos, pouco a pouco, para o modelo japonês (país de modesta dimensão territorial), de onde veio a concepção do small is beatiful. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto de suas presas. Enxugou-se; tornou-se ágil e flexível. Manteve-se fiel ao compromisso primeiro com o lucro. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras em células de produção, pelos próprios companheiros. Empregado é aquele que não faz o que quer e, sob essa ótica, não se pode negar que haja uma transferência de parte do seu livre arbítrio em troca de salário. Empregado é quem faz o que lhe é determinado por quem comanda a sua prestação de serviços. Autônomo, ao revés, e aquele que dita as suas próprias normas. Tem a liberdade de trabalhar, pouco ou muito, e até de não trabalhar. Faz o que quer, como quer e quando quer, respeitando, obviamente, os contratos que livremente celebra. Diz-se que a subordinação é jurídica: nasce e morre para e no contrato de emprego, dela se servindo a empregadora, dentro da lei, para atingir aos seus objetivos. Liricamente, haveria um sistema de freios e contrapesos, porque todo direito (principalmente de pessoa para pessoa, de subordinante para subordinado) tem de ser exercido com parcimônia, sem abuso. Cruamente, sabe-se que não é bem assim. Faltam ao empregado o freio e o contrapeso, vale dizer, o direito de resistência, que é irmão gêmeo da garantia de emprego. Assim, a subordinação deve ser analisada como quem descortina o vale do alto de uma montanha – repleto de encantos e de cantos, de segredos e de gredas. Múltiplas e diversificadas são as formas de subordinação: inclusive aquela caracterizada por muita sub e pouca ação. As suas cores, as suas tonalidades e sonoridades variam: a voz da tomadora de serviços pode ser grave ou aguda, como pode ser um sussurro, ou mesmo o silêncio. A subordinação objetiva aproxima-se muito da não eventualidade: não importa a expressão temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria até que para a identificação da subordinação se agregou uma novidade: núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente, mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma periferia: cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia. Cidadãos incluídos e excluídos. Trabalhadores com vínculo e sem vínculo empregatício. Trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. Sob essa ótica de inserção objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produção são empregados. Na zona grise, em meio ao fog jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma interpretação teleológica desaguadora na configuração do vínculo empregatício. Entendimento contrário, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social, passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma produz sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga as características da não eventualidade; a ausência de comandos não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que, modernamente, face à empresa flexível, adquire, cada dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica. Nessa perspectiva de mudança de eixo, a subordinação deixa de caracterizar-se pela ação. Subordinação sem ação. Restos de um modelo taylorista/fordista que se despedaçou e cujos gomos ou fragmentos se redirecionam para as células de trabalho. Tempos info-info, nova fórmula, que se decompõe da seguinte maneira: sub(sob)ord(ordem)inação(destituída de ação). A preposição para significa, segundo Cândido Jucá, “na direção de; com destino a” (Dicionário Escolar de Dificuldades da Língua Portuguesa), pelo que a parassubordinação denota um tipo de trabalho que se dirige, que se destina à subordinação e não à autonomia, senão a expressão seria outra para-autônomo. A legislação trabalhista brasileira não prevê a figura do parassubordinado, que, se admitida por migração, deve ter uma inteligência de natureza inclusiva, de modo a valorizar o trabalho do homem numa sociedade em mudanças e em fase de assimilação de valores neoliberais. Não precisamos reproduzir cegamente soluções alienígenas, distante das nossas experiências, para que não corramos o risco de positivar o que não vivenciamos. O Direito deve ser o reflexo de experiências vividas pela sociedade onde se pretende seja instituído e aplicado e não o receptáculo de uma vivência de país estrangeiro. Nem tudo que é bom para os europeus é bom para os brasileiros e vice-versa. Assim, se se quer copiar a figura do parassubordinado, não previsto na nossa legislação com direitos próprios, então que se faça essa movimentação na direção do subordinado com todos as vantagens previstas na CLT e não no sentido contrário de sua identificação com o autônomo, gerando um tercius genus, isto é, o para-autônomo. Portanto, parassubordinação dentro e não além do modelo traçado no art. 3o.., da CLT, que necessita de uma intro legere em consonância com a realidade social” (TRT/MG – Proc. 00546.2007.091.03.00.0 – Recurso Ordinário – Rel. Designado: Juiz Luiz Otávio Renault. DJ/MG 23.02.2008) (BRASIL, 2008).
Com efeito, o TRT da 3ª Região coloca-se na vanguarda em decisões nessa seara, valendo citar, também, uma envolvendo um professor, cujas aulas eram ministradas à distância:
“EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO – PROFESSOR – CURSOS À DISTÂNCIA. Como bem destaca a r. sentença recorrida, o reclamante foi contratado intuitu personae para trabalhar no assessoramento dos cursos à distância. A intermitência invocada pela reclamada não descaracteriza o vínculo jurídico de emprego entre o professor e a instituição de ensino, por não ser imprescindível que o empregado compareça ao estabelecimento de ensino todos os dias, especialmente no presente caso concreto, por ter sido contratado o reclamante para trabalhar na execução do Projeto Pedagógico dos Cursos à Distância instituído pela Universidade reclamada, portanto só comparecendo às atividades presenciais com a freqüência que lhe for determinada pelo empregador, o que não descaracteriza a “não-eventualidade” do vínculo jurídico contratual que preside o relacionamento jurídico entre as partes. Em se tratando de ensino à distância não é imprescindível a presença física do empregado no estabelecimento de ensino diariamente para que haja a configuração da relação de emprego, como ocorre com o trabalho externo e com o teletrabalho. Quem se insere num Projeto Pedagógico de Cursos à Distância, trabalha para o empregador em casa, participa de uma equipe de teletrabalho ou que seja contratado para trabalhar on line sozinho em casa, tem plenamente preenchido o requisito da não eventualidade necessária para a proclamação judicial da existência do vínculo jurídico de emprego. Os cursos à distância até podem ter curta duração, ser seqüenciados ou ser descontinuados, o que depende exclusivamente do poder de comando empresário e não da vontade individual dos professores contratados. A atividade empresarial de educação superior adotada pela reclamada é permanente, como instituição de ensino superior privada – uma Universidade particular – , cuja característica de permanência fundamenta o princípio jurídico da continuidade da relação de emprego, de molde a afastar a suposta eventualidade por ela invocada. (TRT/MG – Proc. 00423.2009.042.03.00.1 – Recurso Ordinário – Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida. DJ/MG 08.02.2010) (BRASIL, 2010″)”.
Outro caso concreto bastante corriqueiro e que frequenta os Tribunais trata dos diretores de sociedades anônimas que não ostentam a condição de empregados, ou seja, aqueles chamados “executivos”. Nesses casos, quando caracterizada sua falta de autonomia gerencial, o que enseja um tratamento típico de empregado, é comum serem requeridas horas-extras em razão do tempo despendido ao trabalho de forma virtual, quando o mesmo estava em momentos de lazer, por exemplo.
Com efeito, tendo por base os exemplos dos julgados acima, já subsistem teses no sentido de que as novas formas de trabalho criadas pela reestruturação do sistema capitalista não podem e nem devem desnudar de direitos os trabalhadores. Nesse sentido, lecionam Mendes e Chaves Júnior (2008):” […] discordamos dos que entendem não haver subordinação nas hipóteses de trabalho “autônomos-dependentes. A ‘subordinação’ neste contexto subsiste, ainda que difusa, latente e diferida, justificando, dessa forma, a extensão a eles dos direitos celetistas. O trabalhador supostamente autônomo, mas habitualmente inserido na atividade produtiva alheia, a despeito de ter controle relativo sobre o próprio trabalho, não detém nenhum controle sobre a atividade econômica. Exemplo disso, podemos citar a hipótese do motorista agregado, que é proprietário do caminhão em que trabalha (meio de produção) e ainda que tenha liberdade relativa sobre a execução do trabalho, nada delibera sobre os dois fatores determinantes da legítima autonomia, como, por exemplo, para quem e quando será prestado o serviço”.
Com efeito, em um contexto atual de crescimento econômico mas de manutenção das desigualdades sociais, chega a ser um contrasenso advogar um pensamento que vá de encontro ao interesse da classe trabalhadora, mormente aquela que é induzida a crer que desenvolve trabalho autônomo quando, na verdade, com base na teoria da subordinação estrutural, mantém relação de emprego com seu tomador de serviços. Ademais, por força do princípio da vedação do retrocesso social, situações concretas de trabalhadores que se enquadrem no conceito de parassubordinação não poderão, nem mesmo por lei, terem menos direitos trabalhistas que os empregados típicos.
Desse modo, havendo similitude entre o trabalho “autônomo-coordenado” e os empregados clássicos, manda a boa regra de hermenêutica não reduzir o potencial expansivo e protetivo do direito do trabalho. Isso porque a isonomia dos trabalhadores decorre do próprio texto magno, direcionada aos trabalhadores urbanos, rurais (caput do Art. 7º) e avulsos (inciso XXXIV).
CONCLUSÃO
As transformações do sistema capitalista acarretaram profundas modificações na sociedade contemporânea, tanto em aspectos econômicos, como culturais, geográficos e políticos. Desse contexto de mudanças também foram alvo as relações de trabalho, as quais, em décadas passadas foram objeto de intensa regulação estatal, o que ajudou a materializar, em parte, o chamado Estado Social.
Nas últimas décadas, no entanto, essas mesmas relações outrora protegidas passaram a sofrer uma intensa campanha de desregulamentação e flexibilização, a fim de atender aos interesses do capitalismo que, em razão do aumento da competitividade, precisou reduzir custos de produção e aumentar o lucro, permitindo, assim, novos investimentos.
Desse modo, no intuito de resguardar os direitos até então conquistados pelos trabalhadores, o direito do trabalho assume importância ímpar, vez que os princípios que o informam, muitos deles já constitucionalizados, não autorizam a redução de garantias trabalhistas. Ademais, com o surgimento de novas relações de trabalho, sobretudo influenciadas pelo avanço na tecnologia dos meios de comunicação, passaram a surgir questionamentos sobre institutos jurídicos como a subordinação, essencial para se distinguir entre trabalhadores com vínculo empregatício e autônomos, os quais podem ser respondidos com base nos próprios princípios, vistos, no entanto, sob um novo enfoque.
A subordinação, então, passa a ser compreendida sob as dimensões clássica, objetiva e estrutural, sendo que esta última pode ser usada como parâmetro para garantir ao teletrabalhador a condição de empregado e não de autônomo, desde, é claro, que preenchidos requisitos como pessoalidade, onerosidade e não eventualidade.
A parassubordinação, por outro lado, embora identifique um vazio na legislação no que tange a relações que possuem um misto de dependência e autonomia, tende a ser encarada pelos empregadores como mais uma hipótese de flexibilização, o que deve ser rechaçado pelo legislador brasileiro.
Como fruto de um novo contexto do modo de produção capitalista, aliado ao avanço da tecnologia, o teletrabalhador deve, a despeito de manter certa autonomia na consecução de suas atividades, preenchidos os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, ser considerado empregado, pois certamente, tal entendimento é o que privilegia não só os princípios do direito do trabalho, mas também aqueles insculpidos na Constituição, cujo mais importante é o da dignidade humana.
Informações Sobre o Autor
Ives Faiad Freitas
é pós-graduado em Direito Processual e Constitucional pela UNISUL, pós-graduando em Direito do Trabalho pela UNIP, Analista Judiciário do TRT 8a Região e professor de Direito e Processo do Trabalho das Faculdades FABRAN e FAMAP, em Macapá-AP