Resumo: Este artigo pretende retratar o direcionamento majoritário da Doutrina e da Jurisprudência no trato de temas como Prescrição, Abandono de Cargo e Insanidade Mental no âmbito do processo administrativo disciplinar no Ministério Público de Pernambuco, tendo em mira que a legislação em vigor é silente quanto a questionamentos que exsurgem da análise de casos concretos, o que dá azo a diversas interpretações.
Palavras chave: Prescrição. Abandono de cargo. Insanidade mental.
Abstract: This article seeks to portray the direction of the majority of the Doctrine and Jurisprudence in dealing with issues such as prescription, Cargo and Abandonment of Insanity Mental under the administrative disciplinary proceedings, targeting the legislation is silent as to questions that exsurgem analysis concrete cases, which gives rise to various interpretations.
Keywords:Prescription. Abandonment of position. Insanity.
Introdução
Quando no desempenho de funções no âmbito correcional no Ministério Público de Pernambuco, observou-se a incidência de casos envolvendo temas como Prescrição, Abandono de Cargo e Insanidade Mental no âmbito do processo administrativo disciplinar, os quais exigiram um conhecimento técnico e uma pesquisa mais aprofundada, diante das controvérsias que advieram desses assuntos, ainda mais porque a legislação em vigor não foi capaz de satisfazer questionamentos que normalmente se sobressaem em temas dessa natureza, sendo necessária a busca, em nível doutrinário e jurisprudecial, de subsídios atualizados e consentâneos com a moderna tendência Processual Disciplinar para fundamentar ações e decisões na seara administrativo-disciplinar.
1. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCPILNAR
A Prescrição da Ação Disciplinar está disciplinada nos art. 89 e seguintes da Lei Complementar do Estado de Pernambuco nº 12/94, o qual estabelece que as faltas punidas com Advertência tem a extinção de punibilidade reconhecida pelo advento da prescrição com o lapso de 02 (dois) anos; a pena de Censura com 03(três) anos ; as faltas punidas com suspensão em 04 (quatro) anos e, finalmente, em 06 (seis) anos as faltas disciplinares punidas com as penas de remoção compulsória, disponibilidade compulsória, demissão, cassação da disponibilidade e da aposentadoria.
O que mais nos interessa está previsto no § 1° do mesmo artigo que diz:
“§ 1º – A prescrição começa a correr:
a) do dia em que a falta foi cometida;
b) do dia em que tenha cessado a continuação ou permanência;”
Na Lei Complementar do Estado de Pernanbuco n. 75/93 , art. 244, prescreverá em um ano, a falta punível com advertência ou censura; em dois anos, a falta punível com suspensão; em quatro anos, a falta punível com demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade.
O regramento legal estabelecido na lei complementar estadual quanto ao início da contagem do lapso prescricional é idêntico ao previsto na Lei Complementar n. 75/93, em seu art. 245.
Por sua vez, a lei 8.112/90 em seu art. 142, incisos e parágrafos, estabelece o prazo de 05 (cinco) anos para aplicação das penas de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; prazo de 2 (dois) anos para pena de suspensão; e prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a pena de Advertência.
Na lei 8.112/90 o termo inicial da prescrição é regulado de forma diferente, ou seja, o art. 142, §1° estabelece que o prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
1.1. Termo Inicial
Tarefa difícil é definir exatamente o termo inicial da prescrição disciplinar.
Como visto, o §1° art. 142 da lei 8.112/90 estabelece: “O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido”.
Ao comentar este dispositivo legal, Sebastião José Lessa (2006, p. 197) menciona que:
“A desnuda amplitude do dispositivo em comento, que não estabelece a data do fato como termo inicial da ação disciplinar, com efeito, reflete preliminarmente um mecanismo legal de defesa em proveito da Administração, buscando-se evitar que o servidor faltoso se beneficie através de eventual procedimento ardiloso visando ao encobrimento do fato transgressor.”
Menciona também o citado autor a Formulação nº 76 emitida pelo então DASP, órgão inserido na atual estrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, segundo a qual “A prescrição, nas infrações disciplinares, começa a correr do dia em que o fato se tornou conhecido”. (Grifo do autor)
Esse entendimento foi fundamentado em parecer do jurista Caio Tácito (in LESSA, 2006, p.281):
“O poder disciplinar, em que repousa a estabilidade das instituições administrativas, somente se poderá exercer, como é elementar, a partir do momento em que a falta se torne conhecida pela autoridade. Desde que, pelas circunstâncias de fato, a violação do dever funcional se acoberte no sigilo, subtraindo-se ao conhecimento normal da Administração, não se configura a noção de inércia no uso do poder disciplinar, que caracteriza a prescrição. Entendo, assim, que o curso da prescrição estabelecida no art. 213 do Estatuto (anterior estatuto dos Servidores- Lei. 1.711/52), (Grifo nosso), deve-se iniciar a partir da data em que o fato se tornar conhecido, embora já anteriormente consumado”. (Grifos do autor)
No mesmo sentido, decidiu o STF em sede de RE nº 78.949, julgamento em 23/05/1975, Relator Ministro Rodrigues Alckmin, conforme se vê a seguir:
“FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FALTA DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO .- 'DIES A QUO'. NAS FALTAS QUE SE SUBTRAEM, PELAS CIRCUNSTANCIAS DO FATO, AO CONHECIMENTO NORMAL DA ADMINISTRAÇÃO, O PRAZO PRESCRICIONAL SE INICIA COM A CIENCIA DA INFRAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.”
Nos autos do RMS 24737/DF, Relator Min. Carlos Britto, em julgamento datado de 01/06/2004, o STF se posicionou:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. PERCEPÇÃO DE PROVENTOS COM DOIS VENCIMENTOS (UM CARGO DE PROFESSOR E OUTRO TÉCNICO). POSSES ANTERIORES À EC 20/98. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. De acordo com o art. 142, inciso I, § 1º, da Lei nº 8.112/90, o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à demissão ou cassação de aposentadoria do servidor, começa a correr da data em que a Administração toma conhecimento do fato àquele imputado. O art. 11 da Emenda Constitucional 20/98 convalidou o reingresso — até a data da sua publicação — do inativo no serviço público, mediante concurso. Tal convalidação alcança os vencimentos em duplicidade, quando se tratar de cargos acumuláveis, na forma do art. 37, inciso XVI, da Magna Carta, vedada, apenas, a percepção de mais de uma aposentadoria. Recurso ordinário provido. Segurança concedida”. (Grifo nosso)
Sendo assim, comprovando-se, no caso concreto, a época em que a Administração teve ciência dos fatos, diretamente ou diante de circunstâncias especiais, como na decisão supra, é razoável admitir-se que a partir dali começa a fluir o prazo prescricional da ação disciplinar.
Ressalta-se, por importante, que o STF já decidiu que: “Não ocorre prescrição durante o período em que as autoridades administrativas promovem diligências, sem solucionar o processo”.
1.2. Interrupção do lapso prescricional
A lei Complementar do Estado de Pernambuco nº 12/94, em seu art. 89 e parágrafos dispõe que:
“[…]§ 2º – Interrompe-se o prazo da prescrição:
a) pela abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar, até decisão final proferida por autoridade competente;
b) quando do advento de decisão condenatória, ainda que sujeita a recurso administrativo;
c) pela citação na ação civil para perda do cargo.
§ 3º – Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.”
A Interrupção da prescrição está assim delineada na Lei Complementar LC 75/93:
“Art. 245. […]
Parágrafo único. Interrompem a prescrição a instauração de processo administrativo e a citação para a ação de perda do cargo”
A Lei nº 8.112/90 prescreve, no parágrafo 3º do art. 142 que: “A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente”.
No mesmo sentido o STF tende a considerar interrompido o prazo prescricional com a instauração do Processo Administrativo Disciplinar, conforme se vê da decisão emanada em sede do MS nº 25191/DF, Relatora Ministra Carmem Lúcia, julgamento em 19/11/2007:
“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE MAGISTRADO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO PARA INSTAURAR PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO TRABALHISTA. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA SINDICÂNCIA E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Competência do Tribunal Superior do Trabalho para julgar processo disciplinar do Impetrante decorrente da falta de quorum do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Precedentes. 2. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional não estabelece regras de prescrição da pretensão punitiva por faltas disciplinares praticadas por magistrados: aplicação subsidiária da Lei n. 8.112/90. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. O prazo prescricional previsto no art. 142 da Lei n. 8.112/90 iniciou-se a partir da expedição da Resolução n. 817/2001, do Tribunal Superior do Trabalho, e teve seu curso interrompido pela instauração do Processo Administrativo n. TRT-MA-0087/01, razão pela qual não ocorreu prescrição administrativa. 3. A instauração de sindicância, como medida preparatória, não prejudica o agente público: admissão pela jurisprudência. Precedentes. 4. O mandado de segurança não é a sede apropriada para se rediscutirem argumentos debatidos e analisados no curso do processo administrativo, diante da impossibilidade de dilação probatória nessa ação. Precedentes. 5. Segurança denegada”. (Grifo nosso)
No parágrafo 4º acrescenta que: “Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção”.
Para esclarecer o desiderato dos dispositivos legais apontados na lei 8.112/90, o Pleno do STF, em sede de MS nº 22.728-1 PR, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 13/11/1998 se posicionou:
“A interpretação mais consentânea com o sistema dessa Lei- que no art. 169, §2º, admite que a autoridade julgadora, que pode julgar fora do prazo legal, seja responsabilizada quando der causa à prescrição de infrações disciplinares capituladas também como crime, o que implica dizer que o prazo de prescrição pode correr antes da decisão final do processo- é a de que, em se tratando de inquérito, instaurado este a prescrição é interrompida, voltando esse prazo a correr novamente por inteiro a partir do momento em que a decisão definitiva não se der no prazo máximo de conclusão do inquérito que é de 140 dias (artigos 152, caput, combinado com o artigo 169, § 2º, ambos da lei 8.112/90).”
No mesmo sentido, a decisão da 2ª Turma do STF, nos autos do RMS 23436/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 24/08/1999 :
“PRESCRIÇÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – INTERRUPÇÃO. A interrupção prevista no § 3º do artigo 142 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, cessa uma vez ultrapassado o período de 140 dias alusivo à conclusão do processo disciplinar e à imposição de pena – artigos 152 e 167 da referida Lei – voltando a ter curso, na integralidade, o prazo prescricional. Precedente: Mandado de Segurança nº 22.728-1/PR, Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, acórdão publicado no Diário da Justiça de 13 de novembro de 1998.” (Grifo nosso)
Ainda o STF, dessa vez decisão do Pleno nos autos do MS 23176/RJ, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 19/05/1999:
“MANDADO DE SEGURANÇA – AUTORIDADE COATORA – DECRETO DE DEMISSÃO. O fato de o Ministro de Estado subscrever o decreto de demissão não o torna autoridade coatora. A responsabilidade, em si, pelo ato é do Chefe do Poder Executivo a quem ele auxilia. PRESCRIÇÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – INTERRUPÇÃO. A instauração de comissão de inquérito interrompe o qüinqüênio prescricional. Conforme precedente, este apenas volta a correr uma vez encerrado o prazo de cento e quarenta dias para a conclusão do processo administrativo (Mandados de Segurança nºs 22.278 e 22.679, relatados pelos Ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, respectivamente). MANDADO DE SEGURANÇA – PROVA. A inexistência de fase de instrução propriamente dita no mandado de segurança conduz à impropriedade de tal meio para comprovar a improcedência do que apurado em processo administrativo (Recurso em Mandado de Segurança nº 22.033, Relator Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça de 8 de setembro de 1995, e Mandado de Segurança nº 21.098-DF, redator designado para o acórdão Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça de 27 de março de 1992).” (Grifo nosso)
Dessa forma, no caso de uma pena demissionária, com a instauração do Processo Administrativo Disciplinar tem vez a interrupção do lapso prescricional, que fica interrompido por 140 (cento e quarenta) dias- prazo estabelecido na lei para a conclusão (art. 152) e julgamento (art. 167)- findo esse prazo sem julgamento, volta a correr por inteiro o prazo prescricional da ação disciplinar que é de 5 (cinco) anos.
É por isso que se diz que o prazo prescricional não deve ficar ao mero talante do julgador, pois pode fluir e se encerrar antes da decisão final do processo disciplinar.
Em se tratando de sindicância, o prazo, a partir da instauração, será de 80 (oitenta) dias e mais 2 (dois) anos ou 180 (cento e oitenta) dias, dependendo da espécie de pena, suspensão ou advertência.
Não é esse o entendimento de Ivan Barbosa Rigolin (2007, p. 292), para quem, uma vez instaurada a portaria do processo disciplinar, pode o processo ser iniciado a qualquer tempo (dentro das marcas prescricionais), continua o citado autor: “Uma vez tendo iniciado aquela acão, não mais pode ser atingida ela pela prescrição, a qual fica interrompida por tempo indeterminado, para possibiltar o processamento regular da mesma ação, e a conclusão em tempo suficiente”.
O mesmo autor, ao comentar o § 4° do art. 142 da lei 8.112/90, sustentou que, uma vez interrompido o prazo prescricional (pela instauração de sindicância ou processo administrativo) o prazo prescritivo deve ter sua contagem reiniciada de onde parou. É o que se conclui da seguinte passagem (RIGOLIN, 2007, p. 293):
“Não parece admissível que algum prazo prescricional, antes interrompido, quando cessada a interrupção volte ao seu marco inicial, a estaca zero, visto que este fato permitiria a Administração prorrogar indefinidamente, em direto prejuízo do servidor, os prazos prescricionais legais. Se, por exemplo, uma falta punivel com a demissão , e portanto prescritível em cinco anos, sabida pela Administração há quatro, sem nenhuma ação intentada, for objeto de sindicância mal instaurada e artificial , sem qualquer base de factibilidade , esse só fato serviria para apagar o quatriênio anterior, período que, somado a outro antes, faria prescrever a ação administrativa”.
Controvérsias à parte, o fato é que o STF, por meio de decisões prolatadas no MS n. 22.728/PR, RMS n. 23436/DF e MS n. 23176/RJ, analisados há pouco, estabeleceu a regra da prescrição intercorrente do processo administrativo disciplinar, o que ensejou novas implicações legais, conforme veremos a seguir.
A regra estabelecida pelo STF para a aplicação do §3° do art. 142 da lei 8.112/90 deve também ser aplicada para o §1° do mesmo artigo.
Mauro Roberto Gomes de Matos (2005, p. 55 e 56), assim definiu as implicações derivadas da adoção da Prescrição Intercorrente no processo administrativo disciplinar:
“[…] o princípio é o mesmo para o §1°, do art. 142, da Lei em comento, tendo em vista que a interrupção prevista, até a ciência da Administração Pública do fato investigado, cessa uma vez ultrapassado o período de 140 dias para o julgamento do processo administrativo disciplinar.
Esta é a conseqüência lógica da prescrição intercorrente reconhecida pelo STF, em razão de não ser admitida a interrupção do prazo da prescrição eternamente.
[…] a Administração Pública, se a pena da infração disciplinar for a de demissão, cassação da aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão, terá 140 dias corridos como interrupção da prescrição, tempo suficiente para o poder público tomar conhecimento de irregularidades, voltando a fluir o prazo prescricional normalmente.
[…] Dessa forma, o fluxo da prescrição volta a correr por inteiro se a Administração Pública não instaurar o processo administrativo disciplinar após 140 dias da data do fato tido como irregular. Assim, o dies a quo do prazo de prescrição da falta disciplinar, que não possua correlação com ilícito criminal é de 140 dias, contados do dia do cometimento do ato investigado.
[…] Assim, após 140 dias do ato administrativo tido como ilegal, a Administração Pública não poderá alegar que a prescrição está interrompida, pois este será o dies a quo para o início do prazo prescricional”.
Mister ressaltar que a jurisprudência atual entende não interromper o prazo prescricional procedimento anulado. É o que se vê no MS 8192 DF, STJ, relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJ de 26/06/2006: “Havendo anulação da sindicância, porque sua declaração determina a exclusão do mundo jurídico do ato viciado, o prazo prescricional da pretensão punitiva volta a ser contado da ciência, pela Administração, da prática do suposto ilícito administrativo.”
1.3. Suspensão da Prescrição
Segundo Sebastião José Lessa ( 2006, p. 281): “inexiste suspensão de prazo prescricional no Direito Disciplinar”.
No entanto, Reis (1999, p. 211) lembra que:
“A prescrição fica interrompida até a decisão final proferida por autoridade competente, diz a lei. Se, eventualmente, o julgamento do processo for feito por autoridade que não disponha de tal competência, esta irregularidade não tem o condão de eliminar a interrupção estabelecida pela regra geral, e, assim, a prescrição fica suspensa até que o processo seja regularizado, sanada a falha e haja a decisão por aquela autoridade a que a lei, expressamente, dá o poder de decidir.”
Por outro lado, conforme já esposado e em sentido contrário à jurisprudência dominante, Ivan Barbosa Rigolin (2007, p. 293) sustenta que a interrupcão da prescrição prevista no §4º do art. 142 da lei 8.112/90 não se trata de causa interruptiva da Prescrição, mas sim de causa Suspensiva, conforme se vê da seguinte passagem:
“Resulta claro, portanto, que o prazo prescricional cuja interrupção cesse deverá recomecar no ponto em que parou sua contagem, computados em favor do servidor todos os anos e mêses já corridos ate a interrupção, para apenas ser completado, se for o caso. E, uma vez completado, nenhum direito restará a Administracao para penalizar seu servidor, conforme a lei.”
Finalmente, não podemos nos furtar do seguinte entendimento esposado por Egberto Maia Luz (1999, p. 65):
“Outra questão que surge relativamente a prescrição é a relativa à suspensão de seu curso e, a respeito, podemos afirmar que duas hipóteses podem ser consideradas:
I- enquanto não resolvida em outro processo de qualquer natureza, questão de que dependa o reconhecimento da infração;
II- a partir da data do despacho que determinar a realização de perícia, ate a juntada do laudo aos autos”.
2. ABANDONO DE CARGO
O art. 53, §1° da lei Complementar nº 12/94 estabelece que:
“§1°- O Membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes casos:
I- prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em julgado;
II- exercício da Advocacia;
III- abandono de cargo por prazo superior a trinta dias corridos ou sessenta alternados;
IV- prática de Improbidade administrativa.
§2°- A ação civil para a perda do cargo será proposta pelo Procurador Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça, após autorização do Colégio de Procuradores, na forma desta Lei.”
Diz o art. 84 da mesma lei:
“A pena de demissão resulta de ação civil própria e é aplicada nos casos previstos no art. 53, §1°, I,II,III e IV desta Lei.”
Mais adiante, o art. 92, §1° precreve :
“Art. 92 – A apuração das infrações disciplinares será feita mediante processo de natureza administrativa, asseguradas as garantias da ampla defesa e do contraditório.
§ 1º – O processo disciplinar será:
I – ordinário, quando cabíveis as penas de suspensão, remoção compulsória, disponibilidade compulsória, cassação da aposentadoria ou da disponibilidade e
demissão;
II – sumário, nos casos de faltas apenadas com advertência ou censura. […]”
Neste caso específico de Abandono de cargo, o objetivo do processo disciplinar é a apuração e a comprovação do animus abandonandi ou animus delerinquendi, ou seja, vontade livre e consciente de abandonar o cargo.
Conforme Palhares Moreira Reis (1999, p. 264):
“Busca-se, em tais processos, saber do fato de abandonar o cargo ou da existência de uma habitual inassiduidade – que é a materialização da irregularidade – e da intenção do servidor em assim proceder, com os riscos naturais da perda e da capitulação do evento como crime contra a Administração Pública”.
A lei Complementar do Estado de Pernambuco n. 12/94, bem como a Lei Complementar n. 75/93 são silentes quanto ao procedimento específico na apuração de faltas envolvendo abandono de cargo. A lei 8.112/90 é mais detalhada e estabelece delineamentos mais precisos, conforme se pode observar no seu art. 140.
A primeira preocupação da citada lei é com a indicação da materialidade que, no caso de abandono de cargo, dar-se-á com a indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias.
2.1. Procedimentos da Comissão Processante
Nos termos do inciso II, do art. 140 citado, após a apresentação da defesa pelo servidor a comissão elaborará relatório conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do mesmo, em que resumirá as peças principais dos autos, indicará o respectivo dispositivo legal, opinará, na hipótese de abandono de cargo, sobre a intencionalidade da ausência ao serviço superior a trinta dias e remeterá o processo à autoridade instauradora para julgamento.
Segundo Ivan Barbosa Rigolin (2007, p.141), no caso de abandono de cargo:
“A Comissão concluirá pela efetiva culpabilidade do servidor, sendo que no caso de abandono de cargo o exame da comissão se deve deter sobre um ponto específico, o de saber de fato foram intencionais os mais de trinta dias de faltas consecutivas, ou se não foram. Se o servidor neste lapso tiver sido preso, por exemplo, ou atropelado e internado em hospital, decerto não terá sido intencional a sua ausência. Concluído o relatório pela intencionalidade das faltas, haverá de se opinar pela aplicação da sanção.”
Para a apuração do Abandono de cargo, portanto, dois importantes aspectos se sobressaem: a comprovação da materialidade da falta funcional e a caracterização da boa fé ou da má-fé do agente para este abandono.
Ao comentar a lei 8.112/90 Palhares Moreira Reis (1999, p. 266) descreve que:
“Evidentemente, a deflagração do processo é a comunicação à autoridade da existência de servidor em situação irregular, com ausência intencional do serviço por mais de 30 dias, seja pelo órgão de pessoal, seja pela sua unidade de lotação, ou até mesmo por denunciante, sempre com as cautelas legais e devida comprovação. Esta intencionalidade é, até então, presumida, pela inexistência de qualquer ato que justifique essa ausência.”
Pela dicção da Lei Complementar do Estado de Pernambuco nº 12/94, em seu art. 96, § 1º, para a instauração do Processo disciplinar é necessário que a Portaria seja instruída com Sindicância, se houver, ou com as provas já existentes.
Em se tratando de abandono de cargo é necessário, portanto, indicação de autoria e materialidade do evento. A indicação da materialidade compreende a indicação precisa do período de ausência intencional em prazo superior a 30 (trinta) dias.
Ainda Palhares Moreira Reis (1999, p.291), nos comentários à lei 8.112/90 preleciona:
“[…] é preciso que a ausência, por mais de 30 dias consecutivos, seja intencional, o que somente se pode apurar através de processo administrativo disciplinar não valendo a simples sindicância, pois se trata de mecanismo capaz de indicar a aplicação de penalidade maior, a de demissão. Feita, eventualmente, uma sindicância, indispensável se torna usá-la como peça inicial do processo disciplinar exigido pela lei.”
O abandono de cargo, portanto, tem natureza dolosa e a intencionalidade, ou o animus abandonandi, é fundamental para a aplicação da penalidade.
Neste assunto, a Jurisprudência do STJ, nos autos do MS n. 21.392, Relator Ministro Félix Fischer, em decisão datada de 17/12/2007, assim se posicionou:
“RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANCA – PROCESSO ADMINSTRATIVO DISCIPLINAR- SERVIDOR PUBLICO- ABANDONO DE CARGO MOTIVADO POR QUADRO DE DEPRESSAO- ANIMUS ABANDONANDI – NAO CONFIGURACAO.
I- É entendimento firmado no âmbito desta e. Corte que, para a tipificação da infração adminsitrativa de abandono de cargo, punível com demissão, faz-se necessário investigar a intenção deliberada do servidor de abandonar o cargo.[…]” ( Revista Zenite de Direito Admisntrativo, ano VIII, n. 94, Maio 2008/2009, p. 314)
2.2. Simultaneidade do Procedimento Penal e do procedimento Administrativo no Abandono de cargo
O abandono de cargo de que trata o art. 53, §1°, III, da Lei complementar nº 12/94 tem, igualmente, uma conotação com a figura estabelecida na lei penal em seu artigo 323 que assim estatui:
“abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. (…)”
Preleciona Carlos Creus (CREUS, 1981 In REIS, 1999 p. 190) :
“[…] em havendo indícios da existência de crime ou contravenção contra a Administração Pública, além da verificação e da sanção administrativa, a apuração e a punição decorrem de um processo via judicial, podendo este ser instaurado em paralelo à apuração administrativa, ou em consequência do resultado do processo disciplinar”.
Ao comentar o art. 171 da lei 8.112/90, Palhares Moreira Reis (1999, p. 198) destaca que:
“Se a infração disciplinar, ademais de violar normas administrativas, igualmente puder caracterizar-se como crime, o processo disciplinar, no seu original, deve ser encaminhado ao Ministério Público, para as providências da alçada deste. Fica na repartição o translado do inteiro teor do documento (diferentemente do que ocorre na sindicância, quando fica o original e segue a cópia para o Ministério Público). O translado do processo pode ser a própria segunda via, devidamente autenticada.”
A independência entre as Instâncias Administrativa e Penal é discussão há tempo superada, conforme se pode observar da dicção do art. 125 da própria lei 8.112/90 que prevê a possibilidade de cumulação das sanções civis, penais e administrativas.
O pleno do STF, por meio do Mandado de Segurança n. 23242/SP, proferida em 10/04/2002, Relator Ministro Carlos Veloso, assim se posicionou:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: DEMISSÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL. INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. PRESCRIÇÃO: Lei 8.112/90, art. 142. I. – Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. II. – Precedente do STF: MS 23.401-DF, Velloso, Plenário. III. – Na hipótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei 8.112/90, art. 142, § 2º. Inocorrência de prescrição, no caso. IV. – Alegação de flagrante preparado: alegação impertinente no procedimento administrativo. V. – Mandado de segurança indeferido.”
Sobre o assunto, o informativo Nº 93/STF, com o tema Independência das Instâncias Civil e Penal:
“O processo administrativo instaurado contra servidor público por falta disciplinar não está sujeito à conclusão do processo penal por crime contra a administração pública. Com esse entendimento, o Tribunal indeferiu mandado de segurança interposto contra ato de demissão de servidor após processo administrativo disciplinar, observando-se, ainda, que a instância criminal só alcança a administrativa quando aquela decidir pela inexistência do fato ou pela negativa de autoria. Vencido o Min. Marco Aurélio sob o fundamento de que, tratando-se dos mesmos fatos que foram enquadrados como crime contra a administração pública, o processo administrativo deveria permanecer sobrestado até o trânsito em julgado da ação penal. Precedentes citados: MS 21.332-DF (DJU de 7.5.93), MS 21.705-SC (DJU de 16.4.96), MS 21.113-DF (RTJ 134/1.105). MS 22.438-DF, rel. Min. Moreira Alves, 20.11.97)”.
O presente informativo basicamente repete o contido no art. 126 da lei 8.112/90.
Ainda no STF, em sede de HC 78051/PB, Relator Min. Sydnei Sanches, julgado em 10/11/98 pela primeira turma, num caso envolvendo Magistrado, decidiu:
“EMENTA: I Ação penal: independência da instância administrativa: não elide a ação penal pelo mesmo fato o arquivamento de procedimento administrativo contra magistrado por falta de provas. II – Prisão: execução em virtude de condenação em ação penal de competência originária dos Tribunais, sujeita unicamente a recursos extraordinário e especial, carentes de efeito suspensivo: legitimidade, conforme o entendimento dominante do STF; ressalva de posição pessoal do redator do acórdão. III – Tribunal de Justiça: processo penal contra juiz de Direito: quorum: necessária a participação da maioria absoluta de juízes efetivos do Tribunal competente. 1. Não havendo impedimento – ou suspeição que, para o efeito cogitado, ao impedimento se equipara (AOr 8, 13.9.89, Moreira, RTJ 131/949) -, da maioria dos membros efetivos do Tribunal de origem, não se desloca para o Supremo Tribunal a competência originária para o processo. 2. Aplicação, a fortiori, do critério do art. 24 de LOMAN: a) se o número de Desembargadores impedidos e suspeitos, somado aos dos licenciados por motivo de saúde impedir participe de sessão a maioria dos integrantes efetivos do Tribunal, impõe-se aguardar o retorno dos licenciados; b) se, no entanto, a soma dos desimpedidos em exercício aos temporariamente afastados, por motivos que não de saúde, formar a maioria do Tribunal, a solução será aguardar o retorno dos últimos ou, em caso de urgência, convocá-los de imediato. 3. Nulidade conseqüente da condenação em que a maioria absoluta do colegiado prolator do acórdão for composta por Juízes de Direito convocados para substituir Desembargadores ausentes por motivos diversos.”
Em outro caso, esse envolvendo Promotor de Justiça, no AI 25578, Relator Ministro Victor Nunes, julgado pela segunda turma em 16/01/1962, o STF assim entendeu:
“DEMISSAO DE PROMOTOR PÚBLICO COM BASE EM FALTA GRAVE, APURADA EM INQUERITO ADMINISTRATIVO. EMBORA A FALTA CONFIGURE CRIME, NÃO E A ADMINISTRAÇÃO OBRIGADA A AGUARDAR O PRONUNCIAMENTO DA JUSTIÇA CRIMINAL, ANTE O PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS JURISDIÇÕES.”
Em outra passagem, o STF além de confirmar que os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime (art. 142, § 2º da lei 8.112/90), reafirmou a possibilidade de instauração do processo administrativo disciplinar em faltas dessa natureza, independente da instauração de processo penal, conforme se vê da decisão proferida pelo Pleno, nos autos do MS 24013, datada de 31/03/2004, adiante transcrita:
“EMENTA: I. Processo administrativo disciplinar: renovação. Anulado integralmente o processo anterior dada a composição ilegal da comissão que o conduziu – e não, apenas, a sanção disciplinar nele aplicado -, não está a instauração do novo processo administrativo vinculado aos termos da portaria inaugural do primitivo. II. Infração disciplinar: irrelevância, para o cálculo da prescrição, da capitulação da infração disciplinar imputada no art. 132, XIII – conforme a portaria de instauração do processo administrativo anulado -, ou no art. 132, I – conforme a do que, em conseqüência se veio a renovar -, se, em ambos, o fato imputado ao servidor público – recebimento, em razão da função de vultosa importância em moeda estrangeira -, caracteriza o crime de corrupção passiva, em razão de cuja cominação penal se há de calcular a prescrição da sanção disciplinar administrativa, independentemente da instauração, ou não, de processo penal a respeito.”
Contudo, em que pese a independência das instâncias conforme demonstrado, ousamos sugerir que, face a gravidade da penalidade a ser aplicada nos casos de abandono de cargo, eventual apuração de falta dessa natureza perpetrada por Membro do Parquet precisa ser previamente apurada (ou pelo menos seguramente caracterizada) e, em sendo constatada a ilicitude administrativa, com o meios de prova dai advindos, será possível suscitar a responsabilização penal na esfera de atribuições do Procurador Geral de Justiça.
De outro modo, a abertura de processo disciplinar não requer obrigatoriamente o manejo da ação penal, visto que a própria apuração administrativa, no caso vertente, pode incidir em falta disciplinar que não seja necessariamente ilícito penal.
Por seu turno, a conduta disciplinar descrita no art. 53, §1°, III, da lei complementar n. 12/94 (Falta disciplinar de abandono de cargo) não é, necessariamente, a mesma conduta criminal prevista no art. 323 do Código Penal e aqui nos socorremos dos posicionamentos adotados por José Armando da Costa, com o artigo Estrutura jurídico- disciplinar do abandono de cargo, publicada na Revista Fórum Administrativo, Direito Público, Ano 2, n. 14, Abril de 2002, segundo o qual, ao comparar a infração penal do art. 323 com o ilícito disciplinar do art. 138, concluiu:
“Embora proponham-se em consonância com o princípio da continuidade do serviço público, a preservar a regularidade das atividades administrativas prestadas pelo Estado, diferenciam-se, em seu aspecto estrutural, os ilícitos penal e disciplinar do abandono de cargo […]
Como o traço fundamental do abandono, como delito penal, é a probabilidade de dano à regularidade do serviço, público, infere-se, obviamente, que ele ocorre tanto quando o servidor dele se afasta como quando ele não se apresenta no tempo devido.
O elemento subjetivo do tipo não é a manifestação direta da vontade de abandonar, e sim a liberalidade do ato com a consciência da possibilidade do dano que possa ser provocado por tal conduta omissiva.
Trata-se, como vemos, de crime próprio do funcionário contra a administração pública, o que não implica deduzir que todo abandono de cargo configure necessariamente os ilícitos penal e disciplinar. É possível que determinada conduta constitua apenas infração disciplinar, ou tão somente crime.
[…] ocorrendo voluntária ausência do serviço por mais de trinta dias consecutivos, e ainda que haja o cargo sido ocupado pelo respectivo substituto automático-, restará configurado o abandono disciplinar, nos termos do dispositivo legal acima mencionado (letra”a”), mas não se terá caracterizado, contudo, o abandono como delito penal (art. 323 do CP).”
Diferente é o que ocorre quando, em seu art. 132, I, a lei 8.112/90 determina que a pena de demissão é aplicada no caso de crime contra a administração pública. Nesse caso especifico, a Doutrina tende a afirmar que a demissão de servidor público fundamentada exclusivamente na prática de crime contra a Administracao Publica (art. 132, inc. I, da Lei 8.112/90) depende de sentença condenatória penal com trânsito em julgado. ( Revista Zênite de Direito Administrativo, Ano VIII, n. 92, Marco 2008/2009, p. 782).
Por fim, no MS 23474/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 14/09/2006 pelo pleno do STF, ressalte-se interessante decisão:
“EMENTA: Mandado Segurança. 2. Servidor Público. 3. Demissão. 4. Comissão disciplinar presidida por Promotor de Justiça, que se enquadra no conceito lato sensu de servidor público. 5. A demissão da impetrante grávida baseou-se em justa causa. 6. Legalidade do ato de demissão. 7. Ordem indeferida.”
2.3. Implicacões derivadas do Retorno do servidor ao exercicio do cargo
Abandono de cargo na seara administrativa é delito permanente, pois a continuação do delito fica à critério do agente, podendo a ação delituosa ser prorrogada ou cessada conforme sua vontade.
Diferentemente pode acontecer com o abandono de cargo previsto no art. 323 do Código Penal que pode ser classificado como instantâneo de efeitos permanentes, uma vez que sua consumação não se sujeita a tempo (não se exige a passagem dos 30 dias de falta ao serviço), mas à potencialidade lesiva acarretada pela ausência do agente público ao serviço. Suas conseqüências fogem, portanto, ao controle do infrator, não mais podendo ser contida com a sua deliberação.
Como delito permanente que é na seara administrativa, com o retorno voluntário do servidor ao cargo tem fim o estado de abandono e, se ainda não instaurado o processo disciplinar para a apuração da falta, não está configurado o ânimo de abandono para se aplicar a penalidade correspondente.
É o que decidiu o STJ, nos autos do RMS 16713/SP, Relator Ministro Paulo Medina, 6ª Turma, julgamento em 25/06/2004 conforme se vê a seguir:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR PÚBLICO. ABANDONO DE CARGO. ANIMUS ABANDONANDI. INEXISTÊNCIA. RETORNO AO SERVIÇO.
A infração administrativa de abandono do cargo pressupõe o elemento subjetivo do animus abandonandi. O retorno voluntário ao serviço, antes de instaurado processo
disciplinar tendente à aplicação da penalidade, afasta, inequivocamente, o ânimo de abandono. Sob outro prisma, a Administração, ao acolher o retorno do servidor, que reinicia suas atividades, toma atitude contrária à pena de demissão, incompatibilidade que implica em perdão tácito.
O ato disciplinar é vinculado, deixando a lei pequenas margens de discricionariedade à Administração, que não pode demitir ou aplicar quaisquer penalidades contrárias à lei, ou em desconformidade com suas disposições.”
A Advocacia Geral da União, nos autos do processo nº 23081.008297/91-60, Parecer nº GQ- 214, assim se posicionou:
“Na hipótese de abandono de cargo, não ocorre o mesmo como entendeu a SAJ: não houve sucessivos abandonos, mas um só abandono, uma só infração. De fato, não pode ser abandonado de novo o que já está abandonado. Para abandonar o cargo, é necessário que o servidor o esteja exercendo. Se o abandona, depois retorna e, novamente o abandona, aí sim, haverá mais de uma infração. Sem o retorno, o estado de abandono persiste independentemente do tempo transcorrido.”
3. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL NO PROCESSO DISCIPLINAR: SUSPENSÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR E AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES
Tem previsão no art. 160 da lei 8.112/90. Diz o citado artigo que, neste caso, a comissão processante precisará indicar à autoridade competente o fato, requerendo exame de sanidade mental por junta médica oficial da qual participe ao menos um médico psiquiatra. O processo não pode prosseguir sem o atendimento deste requerimento, dele não se podendo furtar a autoridade instauradora.
Segundo Ivan Barbosa Rigolin (2007, p. 319):
“Apenas junta médica oficial poderá atestar a insanidade do servidor, não se aceitando, como parece de óbvia conclusão, que o atestado de insanidade se origine de médico particular, que o forneça ao acusado ou a seu representante.”
E continua :
“Qualquer atestado dessa natureza servirá tão só como prova a favor do acusado, devendo nesse caso a Administração submeter o mesmo indiciado ao exame referido neste artigo, por junta médica oficial que confirme ou desminta o atestado carreado aos autos. Valerá sempre o laudo oficial, independentemente de sua conformidade ou desconformidade com aquele obtido particularmente.”
O parágrafo único do mesmo artigo determina que o incidente de sanidade mental fique em apenso ao processo principal e será processado em auto apartado.
Como consequência do exame, será emitido o laudo pericial pela junta médica oficial que consignará o resultado dos exames procedidos na pessoa do acusado.
O Manual de processo administrativo disciplinar da Controladoria Geral da União, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Apostila%20de%20Texto%20CGU.pdf., prevê as seguintes situações:
1) Se a junta médica oficial conclui que o servidor tinha capacidade à época do fato mas que é doente mental à época que corre o processo:
“O andamento do processo administrativo disciplinar fica suspenso (pelo limite máximo do prazo prescricional, que não se suspende) até que se comprove a cura, quando prosseguirá em seu curso normal de apuração da responsabilidade pelo ato (inclusive com a faculdade de se refazer atos de instrução que porventura tenham sido realizados sem sua presença);”
2) Se a junta médica comprova a incapacidade mental à época dos fatos e atesta que a capacidade de se autodeterminar permanece no decorrer do processo:
“Arquiva-se o processo administrativo disciplinar e remete-se apenas o processo do incidente de sanidade mental de volta ao Serviço Médico, a fim de que se opine sobre a necessidade de se conceder licença para tratamento de saúde (por no máximo 24 meses) e, após, esse período, aposentado por invalidez”;
3) Se a junta médica oficial atesta a incapacidade mental do servidor apenas à época da conduta tida como ilícito funcional, declarando-o normal na época em que é processado:
“A comissão processante relata o fato à autoridade instauradora, propondo o arquivamento do processo administrativo disciplinar, salvo se houver prejuízo a ser ressarcido ao erário, quando então prosseguirá com a presença do próprio acusado, pela inscrição em dívida ativa;”
4) Se a junta médica oficial atesta a incapacidade mental do servidor à época da conduta tida como ilícito funcional, como também à época do processo :
“A comissão processante relata o fato à autoridade instauradora, propondo o arquivamento do processo administrativo disciplinar, salvo se houver prejuízo a ser ressarcido ao erário, quando então, neste caso, prosseguirá, para inscrição em dívida ativa, com a presença do defensor, a ser designado para o processo de ressarcimento, ou por curador, se porventura existir, por designação do juízo civil em decorrência de interdição judicial.”
Segundo RIGOLIN (2007, p. 318) :
“Servidores atacados de insanidade mental serão aposentados por invalidez, na forma própria L. 8.112, art. 186, I e §1°. Servidor insano mentalmente, passível de aposentação, não pode ser objeto de penalização, quer administrativa, quer, como se sabe, civil ou penal.”
4. CONCLUSÃO
a) O art. 89, §1°, “a” e “b” da lei complementar n. 12/94 estabelece que a prescrição começa a correr do dia que a falta for cometida ou do dia em que tenha cessado a continuação ou permanência.
Não é o mesmo o entendimento esposado pela lei 8.112/90, em seu art. 142, § 1º segundo o qual o prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
A Doutrina dispensa severas críticas ao disposto no art. 142, §1° da lei 8.112/90.
A posição mais consentânea com a Jurisprudência predominante do STF, que estabeleceu a prescrição intercorrente, é a de que o prazo prescricional começa a fluir, no caso de faltas apenadas com demissão, 140 dias da data da falta cometida (Prazo suficiente para se instaurar e se concluir o processo administrativo disciplinar ordinário – conforme art. 96-A, §8°, da lei complementar Estadual, computando-se o prazo de prorrogação e prazo de julgamento).
Destaque-se que, em regra, a instauração de Sindicância não interrompe ao prazo de prescrição para aplicação de penalidade, salvo quando for instaurada como meio de aplicação de penalidade.
É o que decidiu o STJ , nos autos do MS n. 13.072/DF Relator Ministro Félix Fischer, DJ de 23/10/2008.)
“a sindicância só interrompe a precrição quando for meio sumário de apuração de infrações disciplinares que dispensem o processo administrativo disciplinar. Quando porém é utilizada com a finalidade de colher elementos preliminares de informação para futura instauração de processo administrativo disciplinar, esta não tem o condão de interromper o prazo prescricional para a adminsitração puinir determinado servidor, até porque ainda nesta fase preparatória não há qualquer acusação contra o servidor.”
b) Pode ser instaurado processo disciplinar por abandono de cargo independente de providências no âmbito penal, visto que as infrações previstas no art. 323 do CP e no art.138 da lei 8.112/90 não são necessariamente iguais. Em sendo constatado pela Administração, após regular apuração, que a conduta do art. 138 se subsume também no do art. 323 do CP deverão ser manejadas providências no âmbito penal.
O retorno do servidor ao serviço, após ter incorrido em abandono de cargo, com o acolhimento pela administração desse servidor que retoma suas atividades, sem que tenha sido aberto processo disciplinar para apuração da falta, configura perdão tácito, não podendo mais a administração aplicar a pena de demissão.
c) O incidente de insanidade mental exige perícia a ser requerida pela comissão processante e lavratura de laudo por junta médica oficial da qual participe ao menos um médico psiquiatra.
Em sendo constatado por meio desse laudo que o servidor era mentalmente incapaz à época dos fatos, e permanece assim no decorrer do processo, deve ser arquivado o processo administrativo disciplinar e remete-se apenas o processo do incidente de sanidade mental de volta ao Serviço Médico, a fim de que se opine sobre a necessidade de se conceder licença para tratamento de saúde (por no máximo 24 meses) e, após, esse período, aposentado por invalidez;
Se o servidor tinha capacidade à época do fato mas é doente mental à época que corre o processo este fica suspenso (pelo limite máximo do prazo prescricional) até que se comprove a cura, quando prosseguirá em seu curso normal de apuração da responsabilidade pelo ato (inclusive com a faculdade de se refazer atos de instrução que porventura tenham sido realizados sem sua presença).
Informações Sobre o Autor
Bruno Nogueira Ferraz
Graduado em ciências jurídicas pela Universidade Católica de Pernambuco é Analista Jurídico do Ministério Público Estadual Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola da Magistratura de Pernambuco e Capitão da reserva não remunerada da PMPE