Resumo: da leitura assídua e contínua da mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores, inferem-se valiosas e proveitosas novidades. É o que este escrito, em poucas palavras, pretende lançar ao atento leitor.
Palavras-chave: liberdade de imprensa; limites; assédio moral; ambiente de trabalho; casas de prostituição; adequação social; princípio da insignificância; bafômetro; constitucionalidade; e cyber-bullying.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Liberdade de Imprensa e os seus Limites; 3. Assédio Moral; 4. Casas de Prostituição e Adequação Social; 5. Princípio da Insignificância; 6. A Novela do Bafômetro; 7. Cyber-bullying, Span, Blog e outros Problemas; e 8. Conclusão.
1. Introdução
O singelo e discreto escrito tem por condão apresentar ao leitor algumas recentes decisões dos nossos principais tribunais, regadas de pequenos comentários, a fim de proporcionar ao estudante acesso a algumas atualidades pontuais.
Os comentários são estritamente sucintos, objetivando-se repassar o conteúdo das decisões referidas sem maiores circunlóquios. É o que se deve vislumbrar a seguir.
2. A Liberdade de Imprensa e os seus Limites
Até onde vai a liberdade de imprensa? Esse questionamento pode restar definitivamente esclarecido por meio da análise da mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a esse respeito, oportunidade em que vimos a Segunda Turma do (STF) negar provimento a agravo regimental em Agravo de Instrumento (AI 705630) que pretendia levar o STF a rever decisão que absolveu determinado jornalista do pagamento de indenização por danos morais.
No voto, confirmado à unanimidade pelos ministros da Segunda Turma, Celso de Mello afirmou que o conteúdo da nota publicada foi, na realidade, o exercício concreto da liberdade de expressão. No contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional.
O ministro explicou que a liberdade de imprensa compreende, dentre outras prerrogativas, o direito de informar, de buscar a informação, de opinar e de criticar. A crítica jornalística, portanto, é direito garantido na Constituição e plenamente aceitável contra aqueles que exercem funções públicas. O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas.
Em decorrência, pois, deste recente decisum do STF, pode-se concluir que a “crítica” faz parte de um conjunto de prerrogativas que consagram a liberdade de imprensa, desde que não composta de fatos inverídicos cujas inverdades sejam conhecidas daquele que as propala (o que redundaria nos crimes de difamação e/ou calúnia), bem como que a sua exteriorização não seja ornamentada com vocábulo desnecessário o qual concretize ofensa à dignidade e ao decoro (vitupério que ensejaria o crime de injúria).
3. Assédio Moral
Assédio moral não é, ainda, tipificado como crime específico. Por isso mesmo, imperioso escrever poucas palavras a seu respeito, diante do presente vácuo penal a ele relativo.
Assim sendo, você pode restar perplexo caso seja perseguido em seu trabalho. Imagine o seu superior procurando perturbar-lhe. Ele o insulta e o humilha. Você pode imaginar encontrar-se sem saída; precisa do emprego e sua vida passa a ser um tormento no âmbito profissional. O que fazer?
Nesses casos, a par da ausência de previsibilidade penal, você deve, mesmo assim, buscar o amparo da Justiça.
Muitos acreditam, é claro, que não haverá punição, porquanto difícil seria a comprovação de tais condutas ilícitas. Não obstante, ainda que sutis sejam os mecanismos do assédio, é perfeitamente viável responsabilizar o autor. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT), por exemplo, em 27 de janeiro deste ano, decidiu que o uso de mecanismos sutis e dissimulados de perseguição no ambiente acadêmico por superior hierárquico, tais como argumentação destrutiva; crítica exacerbada, supostamente derivada de rigor científico; elogio direto e crítica indireta, criando ambiguidade deterioradora da estabilidade psicológica do profissional; ameaças veladas de demissão, circulando entre docentes; intimidação de orientandos e profissionais próximos a não manterem contato com a vítima, com evidente objetivo de assediá-la, configura ato ilícito autorizador de reparação por danos morais.
O TRT entendeu haver o sujeito ativo da ilicitude agido de forma ilícita, mediante a prática de atos configuradores de assédio moral, em ofensa ao art. 5º, X, da Constituição da República (CF, art. 5º, X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação). Compreendeu-se na decisão, ainda, evidente o constrangimento, a dor e o sofrimento psicológico da vítima, decorrentes da ação da parte autora da ilicitude, configurando, assim, ato ilícito, o dano e o nexo causal, impondo-se a obrigação de indenizar.
É importante destacar aos leitores que a ação foi instruída com laudos médicos apresentados pela vítima os quais tencionaram consolidar nos autos o sofrimento físico e moral que lhe advinham do assédio. O resultado foi a imposição à parte sucumbente um valor provisório de indenização no montante de R$100.000,00 (cem mil reais). Dessa arte, embora possa parecer difícil à vítima, já fragilizada por uma situação de assédio, deter forças e capacidade de obter uma responsabilização do seu algoz pelos seus atos injustos, lembre-se que o seu direito de ação está previsto na Constituição Federal.
4. Casas de Prostituição e Adequação Social
A manutenção de prostíbulos é reprimida pela norma penal. Mais especificamente no artigo 229 do Código Penal consta a descrição do seguinte crime: “Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa”.
Muitos acreditam, não obstante, que referida conduta ilícita não mais comporta atitude repressiva do Estado, porquanto já se haveria consumado uma certa adequação social a respeito, ou seja, a sociedade já se acostumara com essa prática e já a aceitara naturalmente. Juízes, muitas vezes, decidem pela atipicidade penal em casos tais, livrando seus autores da imposição de pena.
Apesar disso, o nosso Supremo Tribunal Federal não aceita a aplicação do princípio da adequação social em casos tais. Com efeito, decidiu-se, recentemente, no Habeas Corpus 104467/RS, de 8/2/2011, que não compete ao órgão julgador descriminalizar conduta tipificada formal e materialmente pela legislação penal. Esse entendimento, note-se, partiu da 1ª Turma do STF.
A defesa sustentava que, de acordo com os princípios da fragmentariedade e da adequação social, a conduta perpetrada seria materialmente atípica, visto que, conforme se alegou, o caráter criminoso do fato estaria superado, por força dos costumes.
Todavia, na decisão, aduziu-se, inicialmente, que os bens jurídicos protegidos pela norma em questão seriam relevantes, razão pela qual imprescindível a tutela penal. Ademais, destacou-se que a alteração legislativa promovida pela recente Lei 12.015/2009 teria mantido a tipicidade da conduta imputada aos pacientes. Afirmou-se, outrossim, que caberia somente ao legislador o papel de revogar ou modificar a lei penal em vigor, de modo que inaplicável o princípio da adequação social ao caso.
É interessante, como se vê, que o STF mantenha um pensamento o qual para muitos ainda é conservador e injustificável nos tempos modernos. Contudo, não esqueçamos que são em ambientes tais, incontáveis vezes, onde se disseminam malefícios outros, tais como a prostituição infanto-juvenil e a perda dos valores morais mais básicos e imprescindíveis à Sociedade, como o respeito à família.
5. Princípio da Insignificância
O princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin, no século passado, permite ao aplicador da norma entender que determinado fato, formalmente tipificado como crime, seja considerado atípico em seu sentido material, em decorrência da ínfima ou inexistente lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma.
Não obstante, a insignificância é relativa. Ela depende do caso concreto. Não há uma regra inexorável aplicável a todos os fatos indistintamente. Por isso, alguns ficam perplexos ao perceberem que fulano, surpreendido furtando pequenos objetos em um supermercado, não foi preso e/ou condenado, sendo que beltrano, em situação idêntica, levou a pior!
O preceito em voga deve reunir quatro condições essenciais para a sua aplicação: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.
Muitos fatores externos influenciam na sua aplicação. A reincidência, por exemplo, inviabiliza-o. Por outro lado, é possível, segundo a Primeira Turma do STF, ser aplicado às condutas levadas a efeito por adolescentes infratores, ainda que eles não estejam sujeitos a penas, mas a medidas socioeducativas. A mesma Turma, ainda, negou um Habeas Corpus relativo ao furto de uma bicicleta avaliada em R$ 100,00. Ocorre que a vítima do crime era pobre, o que tornaria o valor do bem significativo.
Outro exemplo da relatividade deste instituto pode ser percebido, quando verificamos que o STF não o reconhece nos casos de posse de pequena quantia de entorpecentes para consumo próprio por militar em estabelecimento castrense. Na feliz manifestação do Ministro Ayres Brito, “o uso de drogas e o dever militar são como água e óleo, não se misturam”.
O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, afirma: “não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância típica a um furto de pequena monta”. Aduziu mais: “quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade, não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz sejam provocados”.
Assim, o instituto em tela é ótimo instrumento de justeza na aplicação da lei. Todavia, quando da sua utilização, nunca esqueçamos da assertiva de Juan Carlos Mendoza: “Sê justo. Antes de mais nada, verifica, nos conflitos, onde está a justiça; após, fundamenta-a no Direito”.
6. A Novela do Bafômetro
A temática em torno da obrigatoriedade, ou não, de submissão do motorista ao teste do bafômetro, bem como as consequências da sua postura em aceitá-lo ou não, constituem-se mesmo em uma novela que parece não ter fim.
Com efeito, o Conselho Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul decidiu impor sanções administrativas ao motorista que negar sua submissão ao teste. Na contramão de grande parcela de estudiosos, vejo a decisão como constitucional, pois é habitual nas relações entre Administração e administrados estes arcarem com sanções administrativas, quando optam pela inércia diante de certos comandos administrativos. Do contrário, a vida social seria mesmo um caos.
A questão, todavia, é que algumas pessoas estão confundindo princípios atinentes ao Direito Penal com o assunto em tela. Isso é compreensível, já que há uma situação inusitada dentro dessa temática, qual seja, a de que se o motorista aceitar o teste e o resultado apontar “concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas” a embriaguez passa a ser, além de uma infração administrativa, também uma infração penal. Aí está, portanto, a gênese de toda a confusão.
Em uma situação onde, em concurso formal, entrelaçam-se sanções administrativas e penais, a negativa do autor em produzir prova contra si jamais poderá prejudicar-lhe na seara “penal”. No âmbito administrativo, não obstante, visando ao interesse público e ao bem-estar social, o Estado ordena e, mantendo-se o administrado inerte, sofre ele, como sempre ocorreu, as sanções “administrativas” correspondentes. A questão é, desculpem-me, tão simples que me causa espécie tanta repercussão.
Superada, pois, a quaestio iuris, proponho, àqueles sedentos por controvérsias jurídicas, um debate bem mais interessante sobre a novela “Lei Seca”. Vejamo-lo: em uma blitz, um motorista é flagrado dirigindo embriagado. Por desconhecer os detalhes da lei, aceita o teste e, por isso, além das sanções administrativas, é preso. Logo em seguida, surge outro motorista embriagado. Por conhecer a lei, este último nega o teste e, em razão disso, sofre apenas as sanções administrativas. Na prática, friso, isso ocorre todos os dias. Essa situação é justa e constitucional?
7. Cyber-bullying, Spam, Blog e outros Problemas
Perseguição virtual, mensagens indesejadas em sua caixa postal, opiniões depreciativas em weblogs, etc. Hodiernamente, mais e mais processos sobre crimes digitais têm sido decididos pelos nossos tribunais. O grande problema é ainda não haver leis e conhecimento o suficiente sobre as questões judiciais relacionados à nova realidade digital. “É difícil punir crimes de informática atualmente, mesmo porque há um vácuo para tratar desses delitos”, aponta o ministro aposentado Costa Leite.
Um tema novo que gera controvérsia, por exemplo, é a possibilidade de dano moral pelo recebimento de spam. No Recurso Especial 844.736, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, foi discutido se mensagens com conteúdo pornográfico recebidas sem autorização do usuário gerariam direito à indenização. O relator considerou que haveria o dano moral. Entretanto, o restante da Turma teve entendimento diverso. Os demais ministros levaram em conta que há a possibilidade de o usuário adicionar filtros contra mensagens indesejadas. Para eles, a situação caracterizaria um mero dissabor, não bastando para configurar o dano moral. A Turma considerou que admitir o dano abriria um leque para incontáveis ações.
Outro problema enfrentado pelos tribunais atine ao local de competência para apreciação judicial do crime virtual. Efetivamente, os crimes cometidos via internet ou com o seu auxílio têm levantado várias questões internacionalmente quanto ao tema. No Conflito de Competência 107.938, da relatoria do ministro Jorge Mussi e julgado na Terceira Seção do STJ, o crime alvo da ação era o cometimento de racismo em um site de relacionamentos. Como no caso não haveria como comprovar o local físico de origem das mensagens, a Seção decidiu que o juízo que primeiro tomou conhecimento da causa deveria continuar responsável pelas questões, ou seja, o impasse foi dissolvido mediante o instituto da prevenção.
Por fim, temos ainda os blogs. Se uma ofensa é publicada em uma revista, por exemplo, e, logo após, em um blog, o STJ entende que, no caso da revista, o juízo competente é aquele de onde o periódico foi impresso. Já no caso do blog, é a do local em que o seu responsável encontrava-se, quando as notícias foram divulgadas. Como se vê, diante da nova realidade virtual, o STJ (Tribunal da Cidadania) vem, de forma elogiável, criando lógicas e coerentes soluções.
8. Conclusão
Como se viu, foram expostas algumas temáticas jurídicas atuais. A leitura e reflexão acerca dos seus temas, por meio da análise do que os tribunais superiores vêm decidindo ao seu respeito, permitem ao estudante posicionar-se com segurança e serenidade frente a eles. Foi isso, pois, o que se pretendeu neste resumido redigido.
Informações Sobre o Autor
Roger Spode Brutti
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)