Tempo e direito: parâmetros para a aplicação dos efeitos jurídicos da idade

Resumo: O presente artigo tem como objetivo a fixação de parâmetros para se determinar com exatidão a idade (para fins jurídicos) de um indivíduo, para que seja possível a aplicação correta e inequívoca de um ou outro dispositivo normativo – parâmetros sobre os quais a doutrina se silencia, e cuja inexistência e dubiedade geram injustiças e discordâncias. De forma mais específica, busca-se aqui oferecer, de forma clara e concisa, uma mandado interpretativo baseado em conceitos jurídicos e não-jurídicos já existentes, com o intuito de tornar clara a aplicabilidade dos efeitos jurídicos condicionadas à idade de uma pessoa natural, solucionando – para fins de exemplo – um caso-destaque de desacordo doutrinário.

Palavras chave: Aniversário. Estupro. Idade. Vítima. Vulnerável.[1]

Abstract: The purpose of this article is to establish parameters for accurately determining the age (for legal purposes) of an individual, so that the correct and unequivocal application of one or other normative device is possible – parameters on which the doctrine is silent , and whose inexistence and dubiety generate injustices and disagreements. More specifically, it is sought here to offer, in a clear and concise way, an interpretative mandate based on existing legal and non-legal concepts, with the purpose of clarifying the applicability of the legal effects conditioned to the age of a natural person, solving – for example purposes – a case-highlight of doctrinal disagreement.

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Keywords: Birthday. Rape. Age. Victim. Vulnerable.

Sumário: Introdução; 1. Conceitos e disposições preliminares; 1.1. Silêncio doutrinário; 1.2. Conceitos essenciais; 1.2.1. O tempo; 1.2.2. A idade; 1.2.3. Segundo, minuto, hora e dia; 1.2.4. O calendário comum e o ano civil; 2. A contagem do tempo; 2.1. Marcos inicial e final de uma contagem; 2.1.1. O Registro Civil de Nascimento: Início da contagem da idade; 2.1.2. O aniversário: Fim do ciclo de cada ano; 2.2. A natureza instantânea da idade exata; 3. Modulação temporal dos efeitos jurídicos da idade; 3.1. Dentro do Direito Penal; 3.1.1. Idade Formal; 3.1.2. Idade Material; 3.2. Fora do Direito Penal; 4. Da aplicabilidade dos parâmetros para a solução de controvérsias (caso destaque); 4.1. Doutrina majoritária; 4.1.1. Bruno Gilaberte; 4.1.2. Júlio Fabbrini Mirabete; 4.1.3. Damásio de Jesus; 4.1.4. Victor Eduardo Rios Gonçalves; 4.1.5. André Estefam; 4.1.6. Rogério Greco; 4.1.7. Luiz Regis Prado; 4.1.8. Válter Kenji Ishida; 4.2. Doutrina minoritária; 4.2.1. Fernando Capez; 4.2.2. Paulo César Busato; 4.2.3. Andréa Flores; 4.3. Comentários aos argumentos dos autores; 4.3.1. Interpretação extensiva; 4.3.2. Idade exata de 14 anos; 4.3.3. Do erro material no art. 213, § 1º; 4.3.3.1. Bruno Gilaberte; 4.3.3.2. Cristiano Rodrigues; 4.3.3.3. Júlio Fabbrini Mirabete; 4.3.3.4. Cezar Roberto Bitencourt; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico traz, em inúmeros atos normativos, dispositivos cujas redações fazem referência à idade de uma pessoa natural. Em verdade, a idade é um parâmetro relativamente estável para se medir o desenvolvimento tanto do discernimento quanto das aptidões físicas de uma pessoa média e, desta forma, acerta o legislador quando a utiliza em sua atividade legiferante para, por exemplo, tutelar de forma diferenciada as crianças, os adolescentes e os idosos. Em que pese a importância do fenômeno “idade” no ordenamento jurídico, pouco foi feito no sentido de se estabelecer critérios precisos para determiná-la.

1. CONCEITOS E DISPOSIÇÕES GERAIS

1.1 SILÊNCIO DOUTRINÁRIO

É curioso, embora infeliz, como a doutrina passou tanto tempo se furtando de abordar de forma franca e direta o assunto de que dispõe o presente artigo. Em verdade, a interpretação das normativas positivadas é feita de forma plástica no mundo da vida (respeitando-se princípio da Legalidade Estrita), de forma tal que fosse o caso de se deparar com uma situação fática em que importaria determinar de forma precisa a idade de um indivíduo, poderia o magistrado valer-se de conceitos e ferramentas hermenêuticas emprestadas, e resolver a questão jurídica de forma relativamente eficaz.

O problema, entretanto, não deve ser dado como irrelevante e muito menos como sanado: A academia não pode se dar ao luxo de deixar passar uma controvérsia no texto da lei de forma tão desidiosa. Em verdade, como será demonstrado pelo material referencial relativo ao caso-destaque, por muitas vezes os problemas formais causados pela inexistência dos parâmetros aqui abordados foram, data vênia, apenas citados pelos autores que, apesar de muitas vezes concordarem entre si quanto à qual seria a solução dotada da melhor justiça, não apresentaram um caminho lógico e congruente para a mesma.

1.2 CONCEITOS ESSENCIAIS

1.2.1 O TEMPO

Abstraindo elucubrações sobre a epistemologia/filosofia, entenda-se como “tempo”, no presente artigo, como o meio contínuo no qual todos os acontecimentos se sucedem de forma irreversível. Sua passagem, pela teoria tridimensional do direito de Miguel Reale, configura fato jurídico stricto sensu e ordinário.

1.2.2 A IDADE

O dicionário Koogan/Houaiss define o verbete ‘idade’ como sendo a “Duração da vida do homem e dos animais[…] Tempo transcorrido desde o nascimento”. O dicionário Michaelis, por sua vez, atribui ao mesmo vocábulo o seguinte significado: “Tempo de vida que se considera desde o nascimento até certa data, determinada como ponto de referência […] Duração da vida”. Ora, não há que se fazer confusão, portanto, quanto à definição de idade: consiste simplesmente no tempo transcorrido desde o nascimento de alguém até um dado momento.

1.2.3 SEGUNDO, MINUTO, HORA E DIA

Assinado em 20 de maio de 1875, a Convenção do Metro instituiu os órgãos internacionais que viriam a regulamentar o Sistema Internacional de Unidades (SI), a ser adotado por todos os países signatários (entre os quais o Brasil). Dispõe o SI, desde 1967, que um segundo corresponde “à duração de 9 192 631 770 períodos da radiação correspondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio-133”. A partir da medida básica do segundo, fixaram-se as durações das demais unidades de tempo, na proporção de 60 segundos por minuto e 60 minutos por hora, preservando-se a divisão do dia em 24 horas.

1.2.4 O CALENDÁRIO COMUM E O ANO CIVIL

Lê-se no Art. 10 do Código Penal de 1940:

“Art. 10 – O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.”

Lê-se na lei no 810/49, que dispõe sobre o ano civil:

“Art. 1º Considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.

Art. 2º Considera-se mês o período de tempo contado do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte.”

O ‘calendário comum’ citado acima não poderia ser outro senão o Calendário Gregoriano, vide que foi adotado por Portugal ainda em 1582 – época em que o Brasil existia na condição de colônia e, portanto, submetia-se a quaisquer tratados assinados pela metrópole lusitana. Desta forma posta, atrela-se o conceito do ano civil à forma do supracitado calendário, comportando suas particularidades quanto ao número de dias em cada mês e abarcando o advento do dia bissexto. Note-se também que as definições de ano e mês civis, postas pela lei, evidenciam a natureza cíclica das unidades de tempo, na medida em que um ano se inicia na ocasião imediata do término do outro, e de mesma forma funcionam os segundos, minutos e demais unidades.

2. A CONTAGEM DO TEMPO

2.1 MARCOS INICIAL E FINAL DE UMA CONTAGEM

Uma vez familiarizado com os conceitos apresentados no tópico 1.2, é possível ao leitor entender a maneira lógica de se utilizar as unidades menores de tempo para traçar de forma adequada os marcos de início e fim de uma dada contagem. Ora, se no dia 07/06/2018, após um almoço de negócios, o indivíduo A se despede do indivíduo B às 13:23 com a promessa de se encontrarem em 3 dias, é evidente que o momento combinado para o reencontro foi às 13:23 do dia 10/06/2017, visto que o cômputo do início se dá no momento da despedida e cada um dos três ciclos de um dia se encerra às 13:23 da data subsequente. Para que não reste absolutamente nenhuma dúvida: 3 dias nada são senão 72 horas!

2.1.1 O REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO: INÍCIO DA CONTAGEM DA IDADE

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Lê-se na redação da lei Lei nº 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos:

“Art. 55. O assento do nascimento deverá conter: 1° o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada;…”.

O Registro Civil de Nascimento (RCN) é de lavratura obrigatória mediante o nascimento de uma pessoa natural com vida, e nele deverá constar, como grifado o artigo acima, a hora certa ou aproximada do nascimento. Esta data e horário, por bem, serão o marco inicial da contagem do tempo à que se refere o conceito de idade abordado no tópico 1.2.1, de forma análoga ao exemplo dado no tópico anterior.

2.1.2 O ANIVERSÁRIO: O FIM DE CADA CICLO DE UM ANO

Ainda de forma análoga ao exemplo dado no tópico 2.1, será o marco real da completação de um ano de idade a data de aniversário da mesma, no horário disposto em seu RCN. Haveria, por conseguinte, de ser também o preciso momento em que, nos anos correspondentes, seriam concedidos ao indivíduo os ônus e prerrogativas decorrentes de sua idade. Esta equiparação, entretanto, resta incorreta, a ser explicado no tópico 3.1.

2.2 A NATUREZA INSTANTÂNEA DA IDADE EXATA

Trago, para melhor entendimento deste tópico, uma analogia. Digamos que Adamastor, na posse de uma garrafa com uma marcação que lhe divide o volume total em duas metades iguais, encheu-a até a boca numa torneira quebrada. Por certo, ao fim do processo, a garrafa teve, em algum momento, exatamente metade do seu volume preenchido e, em sabendo a vazão da torneira, seria possível inclusive determinar em quanto tempo a torneira o fez. Entretanto, visto que a torneira vazou água de forma contínua, transcorrida a mais ínfima fração de tempo subsequente à este exato momento em que a garrafa esteve perfeitamente preenchida até a metade, já se poderá dizer que seu volume em água passou da metade. A continuidade do fluxo d’água confere, à exatidão de seu volume, um caráter de transitoriedade instantânea.

De mesma forma ocorre com a passagem do tempo. Um marco temporal que determina o fim de um período somente será exato, perfeitamente inteiro, por uma fração infinitesimal de tempo, tal como a marcação na metade da garrafa, visto que o tempo, em si, é ininterrupto como a água que sai da torneira. Uma pessoa natural, por exemplo, nascida em 12 de Junho de 1995, às 16:34, considerar-se-á como tendo menos de catorze anos completos até a precisa hora de 16:34 de 12 de Junho de 2009, único instante em que sua idade cronológica será exatamente 14 anos, pois no instante seguinte, já terá ingressado no ciclo subsequente da contagem do tempo, tendo portanto mais de 14 anos completos.

3.MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS JURÍDICOS DA IDADE

3.1 DENTRO DO DIREITO PENAL

Lê-se no CP/40:

"Art. 10 – O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”

A jurisprudência é pacífica em computar a integridade do dia em que o indivíduo atinge a maioridade para todos os fins penais. Pautado nos artigos acima, dispôs sobre o assunto o egrégio Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. CRIME COMETIDO NO DIA EM QUE O AGENTE COMPLETOU 18 ANOS. IMPUTABILIDADE. 1. É imputável o agente que cometeu o delito no dia em que completou 18 anos, a despeito de ter nascido em fração de hora inferior ao exato momento do crime. 2. Recurso conhecido e provido

(STJ – REsp: 133579 SP 1997/0036461-5, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 29/03/2000, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 05.06.2000 p. 217 JBC vol. 46 p. 198 LEXSTJ vol. 133 p. 378 RT vol. 782 p. 551)

Acreditamos ser correta e conveniente a posição do STJ, na medida em que a desconsideração da hora do nascimento para o cômputo da idade no dia do aniversário não só respeita a redação da lei que dispõe sobre o ano civil, mas também zela pela segurança jurídica, evitando (ou ao menos dirimindo a possibilidade) que eventuais incertezas sobre a hora exata da consumação de um crime tragam dúvidas sobre a imputabilidade do agente delinquente. É preciso salientar, entretanto, que a interpretação do tribunal criou uma ficção jurídica, modulando temporalmente os efeitos legais da idade para que retroagissem (pasmem, do futuro) sobre indivíduos que, pelos critérios dispostos por todo o tópico 2 do presente trabalho, ainda não haviam atingido de fato a dita idade. Dividem-se as idades, portanto, em dois tipos: Uma adequada aos critérios cronológicos de forma estrita, e outra fruto da modulação temporal de seus respectivos efeitos jurídicos.

Um indivíduo nascido em 14 de julho de 2000 às 16:35, por exemplo, apenas atingirá a idade de 18 anos (pelo critério cronológico explicado no tópico 2) na exata hora de 16:35 do dia 14 de julho de 2018. Aplicando-se o entendimento jurisprudencial acima disposto, entretanto, podemos verificar a existência de um lapso temporal de 16 horas e 35 minutos no qual os efeitos jurídicos atribuídos à idade cronológica do agente já seriam manifestos desde antes, entre o primeiro instante do dia e o horário real equivalente ao do nascimento.

3.1.1 IDADE FORMAL

Entenda-se como Idade Formal a idade considerada para um determinado efeito jurídico no lapso que ocorre entre a meia-noite do dia anterior à seu aniversário e a hora equivalente à do nascimento. Repute-se, entretanto, uma observação de suma importância: apesar da decisão proferida pelo STJ importar somente a imputabilidade penal em dia de aniversário de 18 anos do agente delinquente, o texto do art. 10 do CP "O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo", utilizado para justificar o acórdão, aplica-se erga omnes, podendo-se desta forma aduzir uma interpretação expansiva tanto em um quesito subjetivo (incluindo-se todas as idades além dos referidos 18 anos), quanto num quesito objetivo (atingindo todos os efeitos jurídicos da idade, e não somente a imputabilidade). Desta forma, se um indivíduo é vítima de sequestro na data de seu aniversário de 60 anos, ainda que em hora anterior à equivalente a de seu nascimento, não estará o seu sequestrador incorrendo na modalidade simples do crime (art. 148, caput), mas sim na forma qualificada (art. 148,§ 1o, I), em virtude da idade formal da vítima.

3.1.2 IDADE MATERIAL

De maneira simples, entenda-se Idade Material como a medida real dos ciclos de contagem de tempo, cujo ciclo anual se completa de forma exata no horário equivalente ao do nascimento, na respectiva data de aniversário em cada ano civil (Explicado no tópico 2).

3.2 FORA DO DIREITO PENAL

Apesar de extensa busca, não encontramos para a esfera civil nenhum equivalente jurisprudencial do acórdão do STJ citado anteriormente. Também ao artigo que trata do prazo civil (art. 132 do Código Civil de 2002), de certa forma análogo ao art. 10 do CP/40 utilizado para justificar a decisão do tribunal, não faria sentido em se dar interpretação analógica, a se ver:

"Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento."

Ora, em se dando igual repercussão ao artigo acima, teríamos uma modulação temporal no sentido oposto! Excluindo-se o dia do começo, a Idade Formal atuaria em ultratividade sobre a Idade Material, adiando os efeitos jurídicos, o que não só seriam um disparate por si só, como se afastaria largamente do que é praticado no mundo da vida. Na prática, a sociedade civil ( com suas normativas de direito privado) e a própria Administração Pública tratam o aniversariante de forma análoga à posta pelo STJ. Não seria razoável, por exemplo, proibir o indivíduo que atingirá a Idade Material de 16 anos às 14:00 de um dia de eleição, de votar no turno da manhã.

Constata-se, portanto, que mesmo na ausência de tratativa jurisprudencial existe, na prática, uma Modulação Temporal dos Efeitos Jurídicos da Idade também na esfera cível, ainda que a Idade Formal consequente tenha fundamento consuetudinário.

4. DA APLICABILIDADE DOS PARÂMETROS PARA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS (CASO DESTAQUE)

Para que seja possível constatar claramente de que forma os parâmetros propostos neste trabalho podem pacificar entendimentos, escolhemos um caso discretamente debatido pela doutrina: uma suposta lacuna legal deixada pelo legislador após as alterações feitas ao código penal pela lei 12.015/09.

Dentre diversas outras mudanças, a lei deu nova redação ao art. 213 (estupro), trazendo uma qualificadora com o seguinte texto em seu §1º: “Se da conduta resultam lesões corporais graves, ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos”; ao passo que a redação do art. 217-A (estupro de vulnerável) escreve “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. Abriu-se a discussão, a partir disso, sobre em que tipo encaixar o agente criminoso que pratique estupro contra menor no dia de seu décimo-quarto aniversário, que supostamente não possui nem mais, nem menos de 14 anos.

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Separamos, no tópico seguinte, as colocações de diversos autores sobre o assunto, comentando, caso a caso, em que pontos diverge nosso entendimento do deles, com a devida vênia.

4.1. DOUTRINA MAJORITÁRIA

4.1.1. BRUNO GILABERTE

“Caso a vítima seja estuprada no dia em que completa quatorze anos, haverá incidência do tipo qualificado? Desde logo, por razões de lógica, a resposta positiva se impõe. Afinal, não haveria justificativa plausível por punir tal estupro de forma mais branda, já que a vítima necessita de especial salvaguarda. Negando a incidência da qualificadora sobre a hipótese, consagrar-se-ia absurda proteção insuficiente, violadora da proporcionalidade que deve nortear a aplicação da lei."

4.1.2. JÚLIO FABBRINI MIRABETE

“Incide a qualificadora se a vítima tem 14 anos no momento do crime, porque é maior de 14 anos aquele que já completou essa idade. A vítima tem 14 anos de idade a partir do primeiro instante do dia de seu aniversário.”

4.1.3. DAMÁSIO DE JESUS

“Pergunta-se, diante disso, qual o enquadramento legal quando o estupro é cometido com pessoa no dia de seu 14º aniversário? Entendemos que deve incidir a qualificadora do art. 213, sob pena de se recair no absurdo de considerar o ato estupro simples. Explica-se: se alguém for vítima do crime no dia de seu 14º aniversário (pela literalidade do texto), não há estupro de vulnerável (art. 217-A) ou estupro qualificado (art. 213, § 1.o). Se a infração ocorrer um dia depois, todavia, incide a circunstância mencionada, submetendo o agente a uma pena maior. Essa exegese é absurda e deve ser corrigida mediante a interpretação extensiva do Texto Legal. Daí resulta que a conduta relativa ao constrangimento de alguém ao cometimento de ato libidinoso, mediante violência ou grave ameaça, no dia de seu 14º aniversário, deve subsumir-se à figura típica do art. 213, § 1.o, do CP.”

4.1.4. VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES

“Se o ato sexual for realizado na data do 14º aniversário e houver consentimento do menor, o fato será considerado atípico. Se o agente, todavia tiver empregado violência ou grave ameaça em tal oportunidade, responderá por estupro qualificado pela idade da vítima (arts. 213, § 1º).”

4.1.5. ANDRÉ ESTEFAM

“Note-se que o confronto entre os arts. 213, § 1º, e 217-A demonstra que houve uma injustificável lacuna na lei, ou seja, como se deve classificar juridicamente o ato libidinoso forçado praticado com pessoas de exatos 14 anos (vale dizer, no dia do 14º aniversário da vítima)?

Uma Interpretação puramente literal poderia conduzir à (errônea) conclusão de que há estupro simples. Fundamento: quem possui exatos 14 anos não é alcançado pela qualificadora do § 1º (a qual exige pessoa maior de 14) e, de modo similar, não há estupro de vulnerável (art. 217-A) porque este somente existe quando o sujeito passivo é menor de 14. O absurdo desta conclusão, todavia, demonstra que com ela não se pode anuir. A caracterização do estupro simples deve, desde logo, ser afastada, caso contrário, constranger adolescente no dia de seu 14º aniversário à prática de atos libidinosos, mediante violência ou grave ameaça, seria punido menos severamente que fazê-lo no dia seguinte (até que completasse a idade adulta). É evidente que a mens legis jamais foi a de ‘presentear’ a vítima com semelhante proteção deficiente.

Remanescem, então, duas possibilidades: considerar a subsunção ao estupro qualificado (art. 213, § 1º) ou ao estupro de vulnerável (art. 217-A). A pena menor cominada ao primeiro revela que, por analogia in bonam partem, somente pode ser essa a solução.”

4.1.6. ROGÉRIO GRECO

"Na verdade, no primeiro instante após completar essa idade prevista pelo tipo penal a pessoa já é considerada maior de… Não há necessidade, portanto, que se passe um dia inteiro para, somente após, ou seja, no dia seguinte, entender que a vítima, no caso do artigo em estudo, é considerada maior de 14 (catorze) anos, para efeitos de reconhecimento da qualificadora. […] Assim, […] se o agente vier a praticar o delito de estupro no dia em que a vítima completava 14 (catorze) anos, deverá ser reconhecido o delito qualificado, se esse dado, ou seja, a idade da vítima, era de seu conhecimento."

4.1.7 LUIZ REGIS PRADO

“Na hipótese de o crime ser praticado no dia exato em que a vítima faz 14 (catorze) anos, entende-se que não se trata de estupro de vulnerável (art. 217-A), pois não mais seria menor de 14 (catorze) anos, e sim de estupro qualificado, visto que apesar de não ser maior de 14 (catorze) anos no dia de seu aniversário, é menor de 18 (dezoito) anos.

4.1.8. VÁLTER KENJI ISHIDA

“Crime praticado contra vítima que está fazendo 14 anos: questão recai sobre o fato do crime ser praticado no dia do aniversário em que a vítima faz 14 anos. Nesse caso, tecnicamente, não é menor de 14, pois possui 14 e não é maior de 14 no dia do seu aniversário (Damásio, Código penal anotado, p. 769, citando TJSP, Acrim 109.791, JTJ 135; 418 e 419). Assim, predomina na doutrina, o entendimento de que não se trata de estupro de vulnerável (art. 217-A) e nem se aplica a qualificadora do § 1º do art. 213 porque a lei fala em ‘maior de 14’ (Rogério Sanches Cunha, Comentários à reforma criminal de 2009, p. 37). Seria o estupro simples do art. 213, caput, do CP. Entendemos contudo que se possa fazer outra leitura. A norma do § 1º coloca o termo ‘ou’ impondo duas alternativas: ou a vítima é menor de 18 ou a vítima é maior de 14 anos. Veja-se por exemplo que, quando o legislador quis as duas conduções, utilizou a palavra ‘e’, como no art 218-B, § 2º, inciso I. Assim, mantendo a interpretação acima, a qualificadora contra vítima que faz aniversário´na data do crime se mantém porque se atendeu uma das condições: ser menor de 18 anos. Logicamente, se a vítima é menor de 14, também atendeu esse requisito. Ocorre que , pelo princípio da especialidade, aplica-se a norma do art. 217-A (estupro de vulnerável). Outra interpretação que se pode fazer é a extensiva: a expressão ‘maior de 14 anos’ abarca a vítima que faz aniversário no dia do crime. No sentido de que, no dia do aniversário, há exclusão da qualificadora, pois o direito penal despreza as frações (Masson, Direito penal, v. 3, p. 22).”

4.2 DOUTRINA MINORITÁRIA

4.2.1 FERNANDO CAPEZ

“Note-se que o legislador incorreu em grave equívoco, na medida em que, se o crime for praticado contra vítima no dia do seu 14º aniversário, não haverá o delito do art. 217-A nem a qualificadora do art. 213 do CP. Poderá existir, no caso, o estupro na forma simples, se houver emprego de violência ou grave ameaça. Ocorrendo o consentimento do ofendido, o fato será atípico, sendo a lei, neste ponto, benéfica para o agente, devendo retroagir para alcançá-lo”

4.2.2 PAULO CÉSAR BUSATO

“Rogério Greco sustenta que a interpretação deve ser de que aquele que tem 14 anos completos já é maior de 14 anos, dando a interpretação extensiva, a abrigar, na forma agravada de estupro, a vítima que é agredida justamente quando tem 14 anos.

Conquanto seja esse o entendimento que possivelmente se ajusta à pretensão do legislador, é certo que não foi isso que ele fez,e também é certo que não é possível impor-se uma interpretação de uma norma de imputação em caráter extensivo, sob pena de violação direta ao princípio de legalidade e, com isto, do Estado de Direito.

O imperdoável equívoco do legislador não pode ser resolvido à custa de ilegalidades geradoras de pena, razão pela qual, lamentavelmente, não há solução possível diversa da consideração de que o crime em questão é de estupro em sua modalidade fundamental.”

4.2.3 ANDRÉA FLORES

“Assim, vê-se que o legislador equivocou-se na redação de tal qualificadora, pois excluiu a vítima com idade igual a 14 anos, ou seja, no dia do seu 14º aniversário. Ciente de que há vozes contrárias, defendemos não poder incidir a qualificadora em comento quando a vítima é estuprada no dia do seu 14º aniversário, sob pena de violação ao Princípio da Legalidade, com o uso da analogia in malam partem.”

4.3 COMENTÁRIOS AOS ARGUMENTOS DOS AUTORES

4.3.1 INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

Damásio, Estefam, Gilaberte e Busato apontam, de forma direta e acertada, que a mens legis jamais poderia ser a de punir com menos severidade o estupro cometido no dia do aniversário de 14 anos da vítima. Os dois primeiros doutrinadores (acrescidos de Ishida) defendem, entretanto, que a exegese deve ser sanada através da aplicação da ferramenta hermenêutica da Interpretação Extensiva – prática tal que, para os mesmos, não viola o princípio da Legalidade em virtude de não se tratar de analogia (conforme defendido por Flores). Sobre isso, dispôs o STF:

CONSTITUCIONAL E PENAL. ACESSÓRIOS DE CELULAR APREENDIDOS NO AMBIENTE CARCERÁRIO. FALTA GRAVE CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA AO ART. 50, VII, DA LEI 7.210/84, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 11. 466/2007. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE.

1. Pratica infração grave, na forma prevista no art. 50, VII, da Lei 7.210/84, com as alterações introduzidas pela Lei 11.466/2007, o condenado à pena privativa de liberdade que é flagrado na posse de acessórios de aparelhos celulares em unidade prisional.

2. A interpretação extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens legis.

3. A punição imposta ao condenado por falta grave acarreta a perda dos dias remidos, conforme previsto no art. 127 da Lei 7.210/84 e na Súmula Vinculante nº 9, e a conseqüente interrupção do lapso exigido para a progressão de regime.

4. Negar provimento ao recurso.

(RHC 106481, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 08/02/2011). (g.n.)

Busato, por outro lado, diverge do entendimento acima disposto alegando que, apesar da violação da lógica da justiça, a interpretação extensiva (que ele erroneamente associa ao posicionamento de Greco, acreditamos) vai de encontro ao princípio da reserva legal. Neste ponto concordamos com Busato, ao entendermos que o Direito Penal existe não só para punir mas também para proteger o punido das arbitrariedades do estado.

4.3.2 IDADE EXATA DE 14 ANOS

A defesa dos três autores citados da doutrina minoritária depende da ideia de que, durante a integralidade do dia do aniversário, a vítima possui 14 anos exatos. Discordamos deste entendimento conforme argumentos dispostos nos tópicos 2.2 e 3.1, em que entendemos que a idade exata possui natureza instantânea e que, legalmente, há que se considerar a modulação temporal dos efeitos jurídicos da idade.

Pela mesma razão, concordamos com os posicionamentos de Mirabeti e Greco, questionando educadamente, entretanto, a falta de explicações sobre as razões que os levaram à esta conclusão.

4.3.3 DO ERRO MATERIAL NO ART. 213, §

Prado e Ishida defendem uma justificativa baseada na ideia de que a vítima, apesar de não se enquadrar na expressão “maior de 14”, o faz em “menor de 18”, de forma tal permitir a incidência da qualificadora, que não se aplicaria para os menores de 14 em virtude da especialidade do art 217-A. Passou desapercebido para os dois autores, entretanto, que em se assumindo esta possibilidade, dever-se-ia também aplicar a qualificadora para todo e qualquer estupro contra maior de 14 anos, já vedado o argumento do princípio da especialidade vide que a qualificadora é por natureza mais especial que o tipo fundamental, não sendo possível admitir a inversão de seus papéis sem obliterar qualquer perspectiva de lógica. Acrescenta-se também que isso seria usar um erro do legislador para corrigir o outro, dado que a conjunção “ou” foi empregada incorretamente. Sobre isso, falam alguns autores.

4.3.3.1 BRUNO GILABERTE

"Evidente que a conjunção 'ou', presente no tipo penal, deve ser interpretada como aditiva, para que não haja qualquer incoerência."

4.3.3.2 CRISTIANO RODRIGUES

"Para concluir a análise crítica a respeito das novas formas qualificadas do estupro, não podemos deixar de ressaltar o vergonhoso erro material presente no § 1º do art. 213, que afirmou ser estupro qualificado quando a vítima for 'menor de 18 ou maior de 14 anos' (grifo nosso), quando, na verdade, deveria ter dito 'menor de 18 e maior de 14 anos'. Se fizéssemos uma interpretação exclusivamente literal do dispositivo na Lei chegaríamos ao absurdo de que, em face da nova disposição, o estupro simples teria deixado de existir, e todas as formas de estupro seriam qualificadas e com pena de 8 a 12 anos, já que todasas pessoas, necessariamente, ou são menores de 18, ou são maiores de 14 anos."

4.3.3.3 JÚLIO FABBRINI MIRABETE

“Há erro evidente na redação do dispositivo que se refere ao ‘menor de 18 ou maior de 14 anos’. O equívoco não prejudica a aplicação da norma.”

4.3.3.4 CEZAR ROBERTO BITENCOURT

“Vítima menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos qualifica igualmente o crime de estupro (§ 1º). Equivocou-se o legislador ao empregar a conjunção alternativa ‘ou’ em lugar da conjunção opositiva ‘e’.”

CONCLUSÃO

Como feito com o caso-modelo, a aplicação dos parâmetros definidos neste trabalho pode dirimir e resolver uma relativamente ampla gama de discussões doutrinárias no que diz respeito da aplicabilidade ou não de determinada normativa em detrimento de outra, havendo dúvida quanto a idade do indivíduo-objeto.

 

Referências
[1] GILABERTE, Bruno. Direito penal: crimes contra a dignidade sexual. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos Editora, 2014. p. 24
[2] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1532.
[3] JESUS, Damásio de. Direito penal, 3o volume: parte especial: crimes contra a propriedade imaterial a crimes contra a paz pública – 23. ed. – São Paulo: Saraiva, 2015. p. 127.
[4] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial (arts. 184 a 359-H) – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 124.
[5] ESTEFAM, André. Direito penal, volume 2: parte especial (arts. 121 a 234-B) – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 721.
[6] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III – 13. ed. Niteróis, RJ: Impetus, 2016. p. 23.
[7] PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal, Volume III: parte especial: crimes contra o pátrio poder, tutela, curatela: crimes contra a incolumidade pública: crimes contra a fé pública – 2 ed. rev., atual. e reform. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 185.
[8] ISHIDA, Válter Kenji. Curso de direito penal – 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 477
[9] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial, arts. 213 a 359-H — 15. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017.
[10] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte especial 2 – 3 ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 859.
[11] FLORES, Andréa. Manual de direito penal. 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. p. 459.
[12] RODRIGUES, Cristiano. Temas controvertidos do Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 223.
[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 4: crimes contra a dignidade sexual até crimes contra a fé pública – 11. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 59. Nota de Rodapé.

Notas

[1] Trabalho orientado pelo Prof. Maurício Cerqueira Lima, Promotor de Justiça do Estado da Bahia, com atribuições na 8ª Vara de Família de Salvador. Possui graduação em CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS pela Universidade Católica do Salvador – UCSal (1992). Especialização em Ciências Criminais e Segurança Pública pela Universidade Jorge Amado – Unijorge. 2009. Concluinte de pós graduação em Filosofia pela Universidade Estácio de Sá. É escritor.

Informações Sobre o Autor

Mateus Ribeiro Lima

Acadêmico de Direito no Centro Universitário Jorge Amado


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