Teoria geral da obrigação solidária

Resumo: O presente estudo busca analisar as obrigações sob um enfoque teórico geral, isto é, apresentando os seus principais contornos. Assim, delinearemos um estudo a partir da caracterização legal da solidariedade, por meio de uma configuração da sua fonte legal e convencional, bem como avaliando a solidariedade ativa e a solidariedade passiva, a partir de seus principais elementos conceituais. Apresentaremos, também, alguns entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre os efeitos da solidariedade nas relações civis.


Sumário: 1. Introdução – 2. Caracterização das obrigações solidárias – 3. Fonte da solidariedade; 3.1 Distinção entre a obrigação solidária e a obrigação subsidiária – 4. As solidariedades ativa, passiva e mista – 5. Diferenças entre a indivisibilidade e a solidariedade. 6. Considerações finais – Referências.


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1.INTRODUÇÃO


A obrigação solidária, no contexto das modalidades obrigacionais, é um dos temas mais instigantes do Código Civil, estando presente no Livro I, da Parte Especial (artigos 264 a 285).


Pela quantidade de artigos destinados ao estudo da solidariedade apontados no Código, torna-se evidente a preocupação do legislador quanto à matéria. Sendo assim, a solidariedade apresenta forte incidência na jurisprudência, mas padece de pouca abordagem no campo doutrinário.


O Código Civil, em linhas gerais, também apresenta aspectos que delimitam premissas para o estudo das obrigações solidárias a partir do artigo 264, denominando essas premissas de “disposições gerais”. Pretendemos, assim, num primeiro ponto, caracterizar as obrigações solidárias. Num segundo ponto, buscaremos delinear a fonte da solidariedade, para, só assim, indicar uma distinção inicial e teórica entre a obrigação solidária e a obrigação subsidiária.


Num terceiro ponto, buscaremos traçar breves comentários sobre a solidariedade ativa e a solidariedade passiva. Por fim, passaremos para a delimitação da diferença entre a indivisibilidade e a solidariedade.


2.CARACTERIZAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS


Preliminarmente, esclarecemos que as obrigações solidárias são obrigações complexas, pois apresentam mais de um sujeito no pólo ativo e/ou no pólo passiva da relação obrigacional. Em razão dessa complexidade, algumas características apresentam-se diferenciadas se compararmos a solidariedade às obrigações simples (com apenas um sujeito no pólo ativo e no pólo passivo e, ainda, com a presença de um objeto).


Sabemos que o direito pessoal pode ser exercido quando se forma uma relação entre sujeitos (credor e devedor) em torno de uma prestação. Entretanto, ocorrendo a singularidade dos elementos sujeitos e objeto não há se falar em solidariedade, que só existe se “houver mais de um devedor ou se se apresentar mais de um credor, ou, ainda, se existir pluralidade de devedores e de credores simultaneamente” (DINIZ, 2009, p. 152).


Álvaro Villaça Azevedo (2004, p. 96) entende que, nesta classe de obrigações, concorrem vários credores, vários devedores ou vários credores e devedores ao mesmo tempo, sendo que cada credor terá o direito de exigir e cada devedor terá o dever de prestar, inteiramente, o objeto da prestação. Existe, assim sendo, solidariedade, “quando, na mesma relação jurídica obrigacional, concorre pluralidade de credores e ou de devedores, cada credor com direito e cada devedor obrigado à dívida toda, in solidum”.


O Código Civil português, no artigo 512[1], dispõe que:


“A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.”


No Direito Civil americano, a obrigação solidária é denominada de “joint obligation[2]”, sendo a obrigação pela qual vários devedores prometem ao credor cumprir o acordo. Quando a obrigação é estipulada apenas como solidária e os devedores não pagam inteiramente aquilo que se comprometeram, eles poderão ser forçados judicialmente a cumprir o acordo[3].


O Código Civil, em linhas gerais, delimita alguns traços marcantes das obrigações solidárias a partir do artigo 264, denominando essas delimitações de “disposições gerais”.


A solidariedade pode ser ativa, passiva ou mista. Ensina Lyra Júnior (2004, p. 29-62) que a solidariedade classifica-se essencialmente de acordo com a pluralidade subjetiva dos pólos ativo e passivo da obrigação. “Diz-se essencialmente, porque autores mais antigos, fortemente influenciados pelo romanismo, procuravam distinguir a solidariedade perfeita, ou correalidade, da solidariedade imperfeita”.


Segundo o artigo 264, a solidariedade ocorre quando a obrigação se encontra enfeixada num todo, podendo cada um dos vários credores exigir a totalidade da prestação, ou devendo cada um dos vários devedores pagar a dívida integral.


Antes de analisar as espécies de solidariedade, contudo, importa destacar as suas características. Podemos mencionar como características da obrigação solidária (explicada no artigo 266): 1) pluralidade das partes; 2) unidade da prestação; e 3) multiplicidade de vínculos.


Sobre a pluralidade de sujeitos, Caio Mário (2005, p. 47) explica que a classificação da solidariedade que adota o critério subjetivo, estabelece, pois, “agrupamentos tendo em vista os sujeitos da relação criada, a forma como suportam ou recebem o impacto do vínculo. Desta maneira, quando se alude a obrigação solidária não se abandona a análise do objeto, “mas atende-se à maneira de desenvolvimento da relação obrigacional, em função dos sujeitos”.


A unidade da prestação reside no aspecto do cumprimento da obrigação, isto é, quem for chamado para cumprir com a obrigação responde pelo a dívida na sua integralidade. Tal unidade, para Caio Mário (2005, p. 81), é objetiva, vez que se cada um dos devedores permanecer obrigado a uma prestação autônoma ou a uma fração da res debita, ou vice versa, se cada um dos credores tiver direito a uma quota-parte da coisa, não haverá a solidariedade.


Neste sentido, na obrigação solidária o credor que sem êxito exigiu de um devedor o pagamento poderá “voltar-se contra outro para cobrar integralmente a prestação, e assim por diante” (RODRIGUES, 2002, p. 74).


Quanto à multiplicidade de vínculos, devemos dividi-lo em vínculo interno[4] e vínculo externo. O vínculo interno se concentra entre os coobrigados, já o vínculo externo se forma entre os pólos ativo e passivo da obrigação. Exemplo: numa solidariedade ativa entre os co-credores João e Mateus e o devedor Josias, o vínculo interno se forma entre João e Mateus, já o vínculo externo entre João, Mateus e Josias. Nesse exemplo, o “credor que é beneficiado com o pagamento, ou algum outro modo de extinção da obrigação, responderá aos outros pelas partes que lhes competem” (ESPÍNOLA, 1999, p. 337).


Ressaltamos que a caracterização da solidariedade ativa, na relação externa, reside na estrutura formada entre os credores e o devedor comum, já que no que se refere à unidade jurídica da obrigação, esta condensa a aparência de que cada credor, em relação ao devedor, se apresenta como se fosse único.


Na solidariedade ativa, portanto, as relações internas são as que se passam entre os co-credores entre si. Aliás, uma das consequências de se estabelecer a relação interna é o jus variandi (direito de variar), que será melhor analisado no item 4. De outro modo, quanto à possibilidade de qualquer credor exigir o pagamento do devedor, temos aí a relação externa da solidariedade (PEREIRA, 2005, p. 88). Na solidariedade passiva, as relações internas, por sua vez, são as que se ajustam entre os co-devedores, podendo qualquer devedor pagar por inteiro ao credor comum.


3.FONTE DA SOLIDARIEDADE


Segundo o artigo 265, a fonte da solidariedade parte da premissa que a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. A fonte, portanto, se divide em: 1) solidariedade convencional; e 2) solidariedade legal.


No mesmo sentido, o Código Civil português[5] (artigo 513) dispõe sobre a fonte da solidariedade, a saber: “A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes”.


Na solidariedade convencional, temos a predominância da vontade estabelecida pelas partes em dado acordo como é o caso do contrato de fiança, no qual o fiador renuncia ao benefício de ordem (artigo 827, parágrafo único, do CC) e anui com a estipulação da cláusula de solidariedade, resta, assim, caracterizada a modalidade de solidariedade convencional (artigo 829).


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A solidariedade legal será indicada na própria norma. É aquela que deriva da vontade do legislador. Temos como exemplos: a solidariedade entre os comodatários em relação ao comodante (artigo 585); a solidariedade entre os autores cúmplices do ato ilícito[6] (artigo 942); e a solidariedade na relação locatícia, no mesmo imóvel predial urbano, quando existir mais de um locador ou mais de um locatário (artigo 2º, da Lei 8.245/91).


O artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) dispõe sobre um importante caso acerca da responsabilidade solidária, a saber: quando ocorrer vício do produto tanto o fornecedor como o produtor responderão pelos prejuízos suportados pelo consumidor.


Segue julgado sobre a solidariedade legal:


“Apelação cível- Ação de cobrança- Contrato de financiamento- Alienação fiduciária- Autorização e posterior cancelamento do financiamento pela instituição financeira- “Teoria do venire contra factum proprium” – Pagamento ao credor – Devido- Solidariedade legal- Existência O instituto da alienação fiduciária é uma relação jurídica que envolve três sujeitos processuais, o credor, o devedor e o financiador, havendo, pela sua própria natureza solidariedade legal quanto ao cumprimento das obrigações dele decorrentes, sendo o financiador responsável pelo pagamento ao credor, tendo autorizado o financiamento, induzindo o credor a erro, e, posteriormente, o cancelado, não podendo agir contra ato próprio (“Teoria do venire contra factum proprium”).” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível N° 1.0079.04.144155-5/001. Rel.: Des. Luciano Pinto. Publicação em: 13 jul. 2007). (Grifos nossos).


3.1 DISTINÇÃO ENTRE A OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA E A OBRIGAÇÃO SUBSIDIÁRIA


Já advertimos que nas obrigações solidárias concorrem vários credores, vários devedores ou vários credores e devedores ao mesmo tempo, sendo que cada credor terá o direito de exigir e cada devedor terá o dever de prestar, inteiramente, o objeto da prestação. Importa apresentarmos, neste ponto, um breve quadro das diferenças existentes entre as obrigações solidária e subsidiária.


Subsidiária é a responsabilidade assumida entre dois ou mais sujeitos obedecendo a certa ordem como é a responsabilidade dos sócios no que tange às obrigações da sociedade empresarial, na forma do artigo 1.024 do Código Civil. Isso significa dizer que a responsabilidade pelas dívidas da sociedade só surgirão quando o patrimônio da mesma for atingido, portanto, a responsabilidade do sócio é considerada indireta, eventual. Indicamos o presente julgado para elucidar o tema:


“A Turma considerou que não há violação à coisa julgada pelo fato de a parte excluída da relação processual de conhecimento ser incluída no pólo passivo da execução, devido à sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas contraídas pelo devedor (do título judicial), a qual é sócia e mantenedora. Assim, ainda que não tivesse participado dos autos da ação de indenização, sua responsabilidade patrimonial remanesceria pelo liame que a vincula ao devedor principal.” (STJ. REsp 225.051-DF. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo. Julgado em: 7 nov. 2000).


Neste sentido, podemos afirmar que a palavra subsidiária se refere a alguma coisa que se coloca em reforço de outra coisa. Como ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2009, p. 78), na responsabilidade subsidiária, um sujeito tem a dívida originária e o outro a responsabilidade por essa dívida. Assim, não sendo possível executar o efetivo devedor, quando ocorrer o inadimplemento da obrigação, podem ser executados os demais sujeitos envolvidos na relação obrigacional.


Torna-se fundamental, portanto, identificar a diferença entre a solidariedade e a subsidiariedade no caso concreto. Vejamos o interessante posicionamento do STJ no julgado abaixo:


“Trata-se de medida cautelar incidental interposta por empresa concessionária de energia elétrica (recorrente). Houve liminar concedida, que, posteriormente, foi revogada, mantendo-se somente o depósito judicial referente à cobrança de taxa de ocupação e utilização de faixa de domínio instituída pela Portaria Sup – DER n. 420/2000, a ser efetuado pela recorrente. No caso, a recorrente pediu autorização para execução de obras sem a assinatura do termo de uso de faixa de domínio ou rodovia, que lhe foi negada. Esclarece o acórdão recorrido que as obras devem ser feitas com minuciosa e criteriosa análise técnica dos serviços, devido aos riscos. Daí a necessidade de ser fiscalizada e monitorada previamente qualquer obra pelos controladores: Departamento de Estradas de Rodagem estadual (DER) e a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados de Transportes estadual, que tem responsabilidade, no mínimo, subsidiária, devido aos danos que podem ser ocasionados aos utentes dos serviços rodoviários, telefonia e energia elétrica. Note-se que a sentença na ação ordinária afirma que os réus, DER e a agência reguladora, podem cobrar pelo uso e ocupação da faixa de domínio e a apelação da recorrente aguarda distribuição no TJ. Para o Min. Relator, não tem guarida a pretensão recursal desta cautelar, na qual se alega violação do art. 535 do CPC, porque não existiu omissão no acórdão recorrido; quanto à divergência jurisprudencial, não há similitude fático-jurídica entre os acórdãos paradigmas, também não houve indicação dos dispositivos infraconstitucionais violados, nem foi infirmado fundamento do aresto recorrido consubstanciado no argumento de que o DER e agência reguladora devem fiscalizar a realização do serviço da recorrente. Com esse entendimento, a Turma conheceu, em parte, do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento.” (STJ. REsp 965.810-SP. Rel. Min. Castro Meira. Julgado em: 2 out 2007). (Grifos nossos).


4.AS SOLIDARIEDADES ATIVA, PASSIVA E MISTA


A solidariedade ativa se dá quando, havendo vários credores, cada um tem direito de exigir do devedor comum o cumprimento da prestação por inteiro, na forma do artigo 267 do CC. Exemplo mais comentado, na doutrina, a respeito dessa solidariedade é o contrato de cofres de segurança ou a solidariedade nos contratos de conta corrente com instituições financeiras[7].


Ensina Sílvio de Salvo Venosa (2008, p. 107) que a “importância prática desta modalidade das obrigações é escassa, já que não tem outra utilidade se não servir como mandato para recebimento de um crédito em comum, o que pode ser feito por mandato típico”.


Pode o devedor pagar a quaisquer credores, na forma do artigo 268. No entanto, após ação judicial, isto é, após a “demanda”, como preceitua o Código, só poderá o devedor pagar ao credor que ajuizou a ação.


O artigo 269 trata do pagamento parcial, segundo o qual se paga parcialmente a dívida, extinguindo a mesma só até este valor, mas permanecendo a solidariedade para o valor restante .


A solidariedade passiva ocorre quando, havendo vários devedores, o credor tem o direito de exigir e de receber de um ou de alguns dos devedores[8], parcial ou totalmente, a dívida comum.


Em tese, cada devedor é obrigado a pagar apenas parte da dívida, mas, em virtude da solidariedade, pode ser constrangido a oferecer toda a prestação. Exemplo dessa situação pode ser encontrada no artigo 7º, parágrafo único, do CDC e no artigo 8º do CDC.


Cabe advertir que o artigo 275 do Código Civil já anuncia a possibilidade de ocorrência da solidariedade parcial, isto é, aquela que acontece quando um dos co-devedores não tem condição, quando acionado, de pagar inteiramente a dívida. Neste caso, o credor poderá aceitar o fracionamento da dívida. No entanto, permanecerá a solidariedade perante os demais.


Da análise do artigo 275 podemos concluir que, ainda que o legislador tenha idealizado a unidade objetiva, possibilitou também a sua flexibilidade, já que aceitou a distinção para o caso de pagamento parcial em relação aos vários sujeitos abarcados na relação jurídica.


A solidariedade mista é aquele que apresenta ao mesmo tempo a combinação dos efeitos da solidariedade ativa e da solidariedade passiva na mesma relação obrigacional. Tal solidariedade não encontra previsão expressa no CC, mas por força do princípio da autonomia da vontade a mesma pode ser criada pelas partes interessadas.


Quanto ao tema do jus variandi aplicado às obrigações solidárias, a partir do princípio da boa-fé objetiva, o tema não encontra destaques nas doutrinas nem nas jurisprudências (LYRA JUNIOR, 2004, p. 29-62).


O jus variandi, na solidariedade, representa o direito do sujeito ativo de estipular prestações diversas e/ou cobrar a dívida para cada um dos coobrigados (artigo 266). A questão que se coloca é a seguinte: há limite para esta variação? Poderá o credor exagerar numa cláusula em relação a um devedor e beneficiar o outro?


Entendemos que o limite para a aplicação do direito de variar reside nos dois pilares do Código, a socialidade e a eticidade. Não tem o credor o direito de extrapolar no uso do jus variandi para prejudicar, no contexto da relação obrigacional, os demais coobrigados.


A aplicação da boa-fé objetiva[9], nesta conjuntura, poderá auxiliar os operadores do direito na interpretação da obrigação, quando forem estabelecidas variadas formas de cumprimento da prestação.


Entendemos, por fim, que a boa-fé figura como um verdadeiro dever das partes de agir de forma correta e proba em todas as fases do acordo, isto é, antes, durante e depois do contrato, já que mesmo após o cumprimento do ajuste, “podem sobrar-lhes efeitos residuais” (VENOSA, 2008, p. 362).


5.DIFERENÇAS ENTRE A INDIVISIBILIDADE E A SOLIDARIEDADE


Primeiramente, cabe enfatizar que embora a classificação das obrigações em divisíveis e indivisíveis se deduza da consideração do objeto, é de ressaltar que sua importância só se perfaz no caso de pluralidade de sujeitos (ESPÍNOLA, 1999, p. 323). Neste ponto, encontramos a semelhança das obrigações indivisíveis com as obrigações solidárias.


A obrigação indivisível é aquela que ocorre quando indivisível for o seu objeto. O objeto é indivisível quando o seu fracionamento altera sua substância ou representa sensível diminuição de seu valor, exemplo disso seria a compra e venda de um diamante, na qual se ajusta a impossibilidade de fracionamento do objeto para que não haja a perda do seu valor.


Interessante é a explicação da indivisibilidade no Código Civil espanhol (artigo 1.151): “(…) se reputam indivisíveis as obrigações de dar corpo certo e todas aquelas que não são suscetíveis de cumprimento parcial[10]”.


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No mesmo sentido, Roberto Senise Lisboa (2004, p. 222) elucida que a “a possibilidade de fracionamento das prestações é o critério distintivo básico entre as obrigações divisíveis e as obrigações indivisíveis”.


Podemos destacar como características das obrigações indivisíveis: a) existência de objetos indivisíveis, porque seu fracionamento altera sua substância ou diminui seu valor (artigo 88 do CC); b) pluralidade de sujeitos ativo e/ou passivo; c) unidade de prestação; d) multiplicidade de vínculos entre os sujeitos da obrigação.


Assim, na indivisibilidade, temos alguns pontos marcantes: 1) origem material, porque decorre da natureza do objeto (artigo 258), ou seja, decorre da qualidade do objeto, que, por sua vez, pode ser qualificado a partir de uma previsão legal (artigo 88) ou da vontade das partes, que enfeixa num todo único uma série de obrigações que sem ela seriam autônomas; e 2) se a obrigação é convertida em perdas e danos, passa a valer a regra concursu partes fiunti (artigo 263).     


Já na solidariedade, os pontos marcantes são: 1) origem técnica, porque reside nas pessoas envolvidas, sendo um artifício criado para facilitar a solução da obrigação; e 2) se a obrigação é convertida em perdas e danos, a solidariedade persiste, pois emana da lei ou da vontade das partes (artigos 265 e 271).


Interessante é a observação apontada por Renato Lima Charnaux Sertã (Porto de Barros et al, 2002, p. 215):


“A essa altura, é de se observar que por vezes ocorre certa confusão entre as obrigações solidárias e as indivisíveis, as quais todavia verificam-se nitidamente distintas. As primeiras têm caráter subjetivo, originam-se nas pessoas, que convencionaram o surgimento da solidariedade ou submeteram-se às hipóteses legais em que tal instituto incide; as últimas têm caráter subjetivo e objetivo, com prevalência deste último, eis que resultam do objeto, isto é, da prestação que não se pode dividir.”


Outras diferenças podem ser estabelecidas quando observamos nos artigos 257 a 263 do CC no que se refere à indivisibilidade, bem como nos artigos 264 a 285 no que diz respeito à solidariedade. A análise pormenorizada desses dispositivos não é o objeto do presente estudo, pois indicamos aqui apenas uma abordagem teórica geral (artigos 264 a 266).


De todo modo, um ponto comum é nítido entre a indivisibilidade e solidariedade: ambas constituem exceção ao “princípio comum da divisibilidade do crédito e do débito entre vários titulares ativos e passivos”, por meio do qual cada co-credor se limita a exigir a parte que lhe cabe e cada co-devedor só pode pagar a parte que lhe compete (DINIZ, 2009, p. 153).


6.CONSIDERAÇÕES FINAIS


O estudo se preocupou em buscar uma base doutrinária geral acerca da caracterização das obrigações solidárias, de acordo com as disposições gerais elencadas nos artigos 264 a 266 do Código Civil.


Nesta linha, apresentamos a estrutura do Código Civil brasileiro sobre o tema, a classificação doutrinária e o entendimento jurisprudencial sobre tão importante modalidade obrigacional.


Em seguida, analisamos a fonte da solidariedade, na qual divide-se em legal e convencional. Tema este muito importante para a constatação de tal modalidade nas relações jurídicas obrigacionais, já que a mesma não pode ser presumida (artigo 265).


Nesta perspectiva, apresentamos uma breve distinção entre a obrigação solidária e a obrigação subsidiária, para só assim abordar uma definição e exemplificação sobre a solidariedade ativa, a solidariedade passiva e a solidariedade mista. Por fim, buscamos apresentar uma sucinta diferenciação entre a indivisibilidade e a solidariedade.


Podemos concluir que, independentemente da espécie de solidariedade ajustada entre as partes, a importância da referida modalidade reside no aspecto do reforço da solução da obrigação.


Compreendemos, todavia, que a aplicação do jus variandi na solidariedade encontra limites na socialidade e na eticidade, pois não tem o credor o direito de extrapolar no uso do direito de variar para estabelecer prestações diferenciadas e/ou cobrar a dívida para prejudicar os demais coobrigados. A aplicação da boa-fé objetiva, neste contexto, poderá auxiliar os operadores do direito na interpretação da obrigação.


 


Referências

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas 2008. v.2.

 

Notas:

[1] Disponível em: «www.stj.pt/nsrepo/geral/cptlp/Portugal/CodigoCivil.pdf». Acesso em: 20 fev. 2009.

[2] Disponível em: « http://www.lectlaw.com/def2/o001.htm». Acesso em: 20 fev. 2009.

[3] Segue texto original: “A joint obligation is one by which several obligors promise to the obligee to perform the obligation. When the obligation is only joint and the obligors do not promise separately to fulfil their engagement they must be all sued, if living, to compel the performance (…)”. Disponível em: «http://www.lectlaw.com/def2/o001.htm». Acesso em: 20 fev. 2009.

[4]Alguns autores entendem que existe uma quarta característica: a co-responsabilidade dos interessados, que consiste na possibilidade de reaver as quotas já pagas.

[5] Disponível em: «www.stj.pt/nsrepo/geral/cptlp/Portugal/CodigoCivil.pdf». Acesso em: 20 fev. 2009.

[6] “Noticiam os autos que mãe e irmãos convenceram a irmã (autora, ora recorrida) a abrir mão dos bens havidos na partilha da sucessão do pai, sob pretexto de resguardo do patrimônio familiar, que estaria em risco por seu casamento e ela (a autora) foi induzida em erro ao crer que, participando dos negócios, receberia de volta os bens havidos na partilha. Todavia, a mãe fez distribuir, com reserva de usufruto, alguns bens aos outros dois filhos e ao tio da autora. Daí a ação de anulação de ato jurídico cumulada com perdas e danos contra a mãe e os irmãos, na qual afirma ter sido ludibriada e dolosamente induzida a abrir mão do seu quinhão. Observa o Min. Relator que a lide foi decidida nas instâncias ordinárias com explícita fundamentação nas provas produzidas (Súm. n 7-STJ), concluindo-se pela ocorrência do dolo (vício de consentimento) apto a desencadear a anulação dos atos jurídicos realizados, ou seja, a doação da autora em benefício da mãe. Outrossim, o Tribunal a quo consignou, em contraposição à sentença, não ser adequada a anulação das doações feitas pela filha à mãe sem anular também todo o negócio subjacente da doação. Assim, não prospera a alegação de que a autora busca anular doação feita ao tio que deveria ocupar o pólo passivo da demanda como litisconsórcio necessário. Houve a preclusão consumativa quanto essa questão porque não requerida em declaratórios opostos ao acórdão da apelação. Por fim, quanto à ausência de solidariedade, porque não teria havido dolo dos irmãos, mas somente da mãe, este mesmo acórdão foi depois confirmado em embargos infringentes, que imputaram, não só à genitora, mas também aos outros dois irmãos o ardil, são todos responsáveis, sendo assim, não há a pretendida violação do art. 896 do CC/1916 (os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando esse for causa). Diante do exposto, a Turma não conheceu o recurso. (STJ. REsp 186.604-SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves. Julgado em: 6 nov. 2008”.

[7] “Trata-se de ação de indenização por danos morais, em que correntista teve seu nome inscrito no Serasa/CCF por iniciativa do banco-réu, devido à emissão de um cheque sem provisão emitido pela esposa. Consta nos autos que o autor não foi previamente notificado da inclusão de seu nome no rol de inadimplentes e só teve conhecimento disso ao ser-lhe negado financiamento na compra de um automóvel. O juízo de primeiro grau julgou procedente a ação, porém essa decisão foi reformada pelo Tribunal a quo ao argumento de que, perante terceiros, não se verifica solidariedade entre os co-titulares da conta conjunta, mas há em relação ao banco porque ambos os co-titulares são responsáveis pelos débitos originados na conta. Neste Superior Tribunal, o Min. Relator explica ser indevida a inscrição do nome do recorrente no registro de restrição ao crédito, porquanto o débito tem origem em cártula que não assinou. Ademais a orientação jurisprudencial já firmada é no sentido de que, em se tratando de conta conjunta, o co-titular detém apenas solidariedade ativa dos créditos junto à instituição financeira, sem responsabilidade pelos cheques emitidos pela outra correntista. Com esses fundamentos, a Turma deu provimento ao recurso. (STJ. REsp 819.192-PR. Rel. Min. Jorge Scartezzini. Julgado em: 28 mar 2006”.

[8] “Em contrato de arrendamento pecuário não cumprido em sua totalidade, a questão da controvérsia consiste em saber a natureza da participação do co-réu (marido da ora recorrente, terceira prejudicada), o qual assinou o contrato como “endossante”. O juiz, conhecedor dos usos e costumes da região, disse que o co-réu, ao firmar-se como endossante no contrato, fê-lo com intuito de garantir o cumprimento do acordo estabelecido, assim, não sendo fiança, mas garantia prestada pelo marido da recorrente, não há negativa de aplicação do art. 235, III, do antigo CC. Outrossim, quanto à questão de a solidariedade não ser presumida (art. 896 do antigo CC), o contrato nada menciona acerca de solidariedade passiva, que somente poderia ser argüida pelo marido da recorrida, faltando-lhe legitimidade para alegar direito alheio. Após esclarecimentos e por incidência da Súm. n. 283-STF, a Turma não conheceu do REsp. (STJ. REsp 113.413-MS. Rel. Min. Barros Monteiro. Julgado em: 18 mar 2003”. 

[9] Da mesma maneira, manifesta-se Eduardo M. G. de Lyra Junior (2004, p. 29-62): “os princípios inseridos no Novo Código Civil Brasileiro, principalmente a boa-fé objetiva e a vedação ao exercício abusivo dos direitos, ensejam uma abordagem diversa do processo obrigacional, impondo certos limites às pretensões que dele decorram. A limitação ao exercício do ius variandi pelo credor em face dos co-devedores solidários, na hipótese dada no texto, pode ser um exemplo desta nova realidade que se avizinha”.

[10] Para conferir com o original: “(…) se reputarán indivisibles las obligaciones de dar cuerpos ciertos y todas aquellas que no sean susceptibles de cumplimiento parcial”. Disponível em: «http://civil.udg.edu/normacivil/estatal/CC/4T1C3.htm». Acesso em: 20 jan. 2009.


Informações Sobre o Autor

Bruna Lyra Duque

Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Advogada e sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados


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