Teoria Pura e Mínima do Direito Penal

 “(…) a história da nossa raça e a experiência de cada um estão cheias de provas de que é fácil matar uma verdade e que uma mentira bem contada é imortal”. Mark Twain, Dicas úteis para uma vida fútil, p. 146.


Resumo: O presente trabalho desenvolve uma crítica ao Direito Penal contemporâneo e sua tendência expansiva, com envolvimento em diversas searas da vida social, agregando funções e características atípicas, as quais estariam melhor colocadas em outros ramos do Direito. Propugna-se por uma profunda mudança no pensamento e na prática jurídico – penais, mediante o esboço de uma “Teoria Pura e Mínima” do Direito Penal.


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Sumário: 1. Introdução; 2. Entre perversões, ilusionismos e irracionalidades, a busca de uma saída para o Direito Penal; 3. Conclusão; 4. Referências Bibliográficas.


Palavras – chave: Direito Penal – Expansão – Ilusionismo Penal – Irracionalidade – Inflação Penal – Minimalismo Penal – Fragmentariedade – Subsidiariedade – “ultima ratio”.


1 – INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem por escopo proceder a um diagnóstico do atual estágio do Direito Penal, com especial destaque ao fenômeno da expansão desse ramo da ciência jurídica e seus efeitos deletérios para a própria eficácia desse instrumento de controle social.


Pretende-se demonstrar como ao longo do tempo tem se processado uma inflação legislativa na área criminal, a qual acaba sendo tomada como a solução por excelência e em primeiro plano para todo e qualquer problema social ou individual. Em meio a esse processo o Direito Penal tem sido contaminado por questões que estariam melhor alocadas em outros campos do Direito, onde poderiam contar com soluções mais eficazes e vantajosas para as partes envolvidas. Além disso, o Direito Penal vai aos poucos sendo invadido por procedimentos e sanções que pouco ou nada têm a ver com a natureza desse ramo da ciência penal, a qual acaba desnaturada e deformada, assim como expandida muito adiante dos seus estreitos limites racionais.


O estudo ora levado a efeito justifica-se porque faz-se mister tomar consciência da perversão e inflação desmedida que vem sofrendo o Direito Penal, visando cessar esse processo contraproducente e irracional que pode gerar conseqüências funestas sob os pontos de vista social e de preservação dos valores humanos, especialmente da liberdade e da dignidade.


Mediante o desenvolvimento de uma reflexão aprofundada do fenômeno sobredito e de suas causas, será possível apresentar um quadro do estado da arte para, a seguir, propor um caminho de mudança radical absolutamente necessário para reverter o processo em curso. Tal caminho tem como referencial teórico a concepção de um Direito Penal mínimo e puro, cujo conceito será devidamente esclarecido no decorrer do texto. Por agora basta adiantar que se pretende advogar a tese de um Direito Penal depurado de usurpações e fusões, bem como reservado rigorosamente a um muito restrito campo de atuação no qual seja considerado indispensável ou irrenunciável.


Ao final proceder-se-á a uma retomada das principais idéias desenvolvidas ao longo do texto, formulando as respectivas conclusões.


2 – ENTRE PERVERSÕES, ILUSIONISMOS E IRRACIONALIDADES, A BUSCA DE UMA SAÍDA PARA O DIREITO PENAL


Conta-se a fábula de que quando Deus criava as diversas espécies animais foi-lhe pedido pelo ornitorrinco que pudesse ele mesmo escolher sua conformação. Permitido pelo Criador que expusesse seus desejos, o ornitorrinco pediu para ter bico de pato, corpo peludo, uma cauda chata parecida com a do castor, membranas entre os dedos das patas, capacidade para movimentar-se nos meios aquáticos e terrestres, além de ser mamífero, mas botar ovos! [1] Após ouvir atentamente, não querendo desgostar o solicitante, Deus lhe concedeu o pedido dizendo:


― Está bem, será como você quiser, mas isso vai ficar uma porcaria!


Se o leitor já viu uma foto ou um vídeo ou mesmo um exemplar de ornitorrinco pode confirmar a verdade da infalibilidade das assertivas divinas. O ornitorrinco é uma das criaturas mais feias e bizarras da natureza.


Outro exemplo semelhante de mixórdia frustrante de características que isoladamente teriam seu valor pode ser constatado quando, com o uso das ferramentas ensejadas pela computação gráfica, alguém resolve “montar” a mulher mais bela do mundo, agregando uma parte do rosto considerada mais destacável de um conjunto de belas mulheres. O resultado da experiência normalmente é decepcionante, um verdadeiro monstro.


Ocorre que geralmente a simples sobreposição ou agregação de características não é suficiente para a conformação de um conjunto  harmônico. E isso não se refere  somente ao aspecto estético. Os exemplos são meramente ilustrativos. A verdade é que quando se juntam aleatoriamente características diversas, sem uma noção clara de preservação de uma referência segura, correm-se dois graves riscos:


a) O de desnaturar o ser  ao qual se agregam novas características, transmudando-o, sem o sentir, em outra coisa;


b) O risco subseqüente de que tal transformação não somente opere uma alteração estética ou formal, mas inclusive funcional, tornando aquele ser inútil ou pouco útil para os fins a que se destinava.


Há uma breve conto de Brecht que nos é recorrente ao meditar sobre o tema enfocado porque o ilustra de forma inigualável. O texto é intitulado “Forma e conteúdo” e, por oportuno, tomamos a liberdade de transcrevê-lo:


“O sr. K. observava uma pintura na qual alguns objetos tinham uma forma bem arbitrária. Ele disse: a alguns artistas acontece, quando observam o mundo o mesmo que aos filósofos. Na preocupação com a forma se perde o conteúdo. Certa vez trabalhei com um jardineiro. Ele me passou uma tesoura e me disse para cortar um loureiro. A árvore ficava num vaso e era alugada para festas. Por isso tinha que ter  a forma de uma bola. Comecei imediatamente a cortar os brotos selvagens, mas não conseguia atingir a forma de uma bola, por mais que me esforçasse. Uma vez tirava demais de um lado, outra vez de outro. Quando finalmente ela havia se tornado uma bola, esta era pequena demais. O jardineiro falou, decepcionado: ‘Certo, isto é uma bola, mas onde está o loureiro’?” [2]


Às vezes o recriar destrói, desnatura e faz surgir um outro ser disforme. Não há problema algum nisso quando o objetivo é realmente o de desconstruir para edificar o novo. Nesse caso o processo é mesmo adequado aos fins a que se destina. O equívoco está  nos casos em que se objetiva aprimorar  a própria coisa e acaba-se, por engano, transformando-a em outra, com conseqüências desagradáveis não só esteticamente, mas, principalmente, sob o enfoque funcional.


Já faz muito tempo que os clássicos alertaram para as mazelas do Direito Penal e especialmente para a necessidade  da “moderação das penas” [3], apontando-se, inclusive, mais proximamente, para os efeitos contraproducentes  da privação de liberdade, com destaque para os casos de penas de curta duração. [4]


Não obstante, parece inquestionável o fato de que o Direito Penal e sua mais característica manifestação, a privação de liberdade, [5] são instrumentos de que as sociedades humanas (não de santos ou deuses) não podem abrir mão. Até mesmo com relação às penas de prisão de curta duração há autores de escol a defenderem sua imprescindibilidade como uma espécie de “terapia de choque” em certos casos, conforme expõe Dotti, apresentando os pensamentos de Jescheck e Everardo da Cunha Luna. [6]


Em meio à turbulência provocada pelo reconhecimento do Direito Penal como veículo de imposição de um mal, o qual, porém, é um “mal necessário”, praticamente todos os esforços têm se voltado para o intento de humanizar, na  medida do possível, a seara jurídico – penal.


Os esforços se dirigem desde antanho para a melhoria das condições do cárcere, abolição  de penas cruéis, infamantes e de morte. Embora nem todos esses objetivos humanizadores do Direito Penal sejam unanimemente eleitos (destaque para a polêmica da Pena de Morte), parece-nos que tais desideratos devem contar com a adesão de todos quantos tenham por norte uma postura ética que valoriza a dignidade do homem.


Em frente semelhante pululam propostas alternativas para a solução das questões penais, emergindo uma série de substitutivos para a reação penal tradicional, tais como os institutos da “diversão” e da “mediação”. [7] Como afirma Tourinho Filho, em comentário à Lei 9099/95, há uma “tendência do mundo moderno de se adotar um Direito Penal mínimo” com medidas alternativas  que agilizem o processo, ensejando rapidez nas respostas à “pequena criminalidade”, evitando “o estigma do processo”. [8] Nesse quadro buscar-se-ia reservar a aplicação da pena privativa de liberdade e até mesmo a submissão do indivíduo às agruras do Processo Penal como recursos extremos e não sua utilização indiscriminada em infrações graves e leves, assemelhando-se àquilo que Foucault descreveu como “punição generalizada”. [9]


Metaforicamente pode-se dizer que o Direito Penal, visto como uma fera perigosa, provoca reações. Estas reações poderiam tender para a radicalização do combate à fera, visando sua eliminação, como chegam a propor os abolicionistas mais afoitos, cujo exemplo mais conhecido é Hulsman. [10] No entanto,  a energia tem sido canalizada para uma opção de menos confronto, qual seja, a de “domar” ou “amansar”, ao menos um pouco e dentro do possível, a fera.  Pretende-se “domesticar” o Direito Penal, somente o atiçando com toda ferocidade em casos extremos. Conforme aduz Cláudio José Pereira, “não existe qualquer pretensão de substituir o sistema penal, mas de complementar sua funções e suas alternativas de aplicação”. [11]


É neste ponto exato que manifestamos nossa discordância com relação ao estado da arte do pensamento jurídico – penal vigorante.


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Talvez seja bastante atrativa e até sedutora a hipótese de ampliar os horizontes do Direito Penal, imaginando-o como instrumento hábil à solução de uma infinidade de conflitos, ainda que dependendo de alguns ajustes. Lembrando Drapkin, pode-se dizer mesmo que “é de se lastimar que não seja verdade tanta simplicidade”. [12]


Infelizmente o chamado “pampenalismo”, ou seja, “a utilização  do Direito Penal como uma espécie de ‘panacéia’ para todos os males”, é muito mais arraigado no pensamento atual do que possa parecer. E, como adverte Silva Franco, tende a bastardizar esse ramo do controle social ou simplesmente  desmoralizá-lo em decorrência de sua “inoperância e ineficácia”. [13]


Na verdade, por mais que aparentemente tenha evoluído o pensamento acerca das funções e da conformação do Sistema Penal, ainda não se logrou deixar de caminhar em círculos, e o pior: trata-se de um círculo vicioso.


Ao longo dos séculos mudaram os atores coadjuvantes de maior destaque nessa novela, mas o grande astro jamais deixou de ser o Direito Penal. O “pampenalismo” esteve presente desde sempre e na atualidade, longe de recolher-se, espraia-se de forma avassaladora com mais força que nunca.


Esses coadjuvantes de que falamos são as modalidades de penas utilizadas para a “solução” dos conflitos pela via criminal, as quais ganham e perdem destaque ao longo do tempo. Outrora a pena de morte, os suplícios, as galés e outras opções cruéis foram os “remédios amargos” adotados. Depois ocupou uma posição de destaque a privação de liberdade, até chegarmos à atualidade, em que esta divide o posto com as denominadas “penas alternativas ou substitutivas” ou com processos de “diversão” e “mediação” antes mencionados.


Aquilo de que quase ninguém se dá conta é do fato de que por mais que varie o “cardápio” das penas, freqüentamos sempre o mesmo “restaurante” com o mesmo “cozinheiro”. O Direito Penal segue como uma “panacéia” da qual não se abre mão, embora se procure ajustá-lo continuamente.


Está ainda para chegar o dia em que seja tomada uma primeira medida ou se defenda uma nova idéia que possa realmente viabilizar o vaticínio (cada vez mais distante) de Radbruch quanto ao surgimento, não de um Direito Penal melhor, mas de algo melhor do que o Direito Penal. [14]


Pouco importa, no que diz com o cerne do pensamento, se a solução para os conflitos é representada pelo cadafalso ou por uma audiência de conciliação, se é sempre uma autoridade com jurisdição ou atribuição penal que a tudo preside e conduz. Ao fim e ao cabo, segue o Direito Penal como grande astro da comédia, enquanto variam os coadjuvantes.


Na realidade vivenciamos hoje e sempre um enorme marasmo intelectual e prático que se retroalimenta em uma circularidade viciosa, sem um mínimo sequer de espaço para um pensamento legitimamente inovador, revolucionário ou reformador.


Quando foi que em meio à formalidade de alteração do protagonismo de umas penas por outras, deu-se real e efetiva aplicação aos chamados “Princípio da Fragmentariedade”, “Princípio da Subsidiariedade” ou do “Direito Penal como ‘última ratio’”?


Ora, todos esses princípios orientam para a excepcionalidade da solução criminal dos conflitos. Somente na ausência da proteção de outros ramos do Direito ou onde esta seja falha ou insuficiente e ainda tratando-se  de lesão ou perigo de lesão grave a certos bens jurídicos é que deve o Direito Penal atuar. [15]


O conjunto desses princípios conforma a chamada orientação da “intervenção mínima”, que tem exatamente como “ponto de partida” a característica fragmentária do Direito Penal. E a doutrina vem tradicionalmente apresentando uma ilustração dessa fragmentariedade como “pequenos flashs, que são pontos de luz na escuridão do universo” ou de um “gigantesco oceano de irrelevância, ponteado por ilhas de tipicidade, enquanto o crime é um náufrago à deriva, procurando uma porção de terra na qual se possa achegar”. [16]


Seja com penas de prisão, “penas alternativas” ou “consensuadas”, o Direito Penal não se contrai nem fragmenta. O que  se verifica constantemente é uma expansão incontrolada da seara penal, uma verdadeira criminalização generalizada dos mais diversos conflitos e problemas sociais e individuais.


Não há “ilhas de tipicidade” em um “oceano de irrelevância penal”, nem “pequenos pontos de luz” no suporte negro de um céu infinito. O que realmente existe é um gigantesco buraco negro que se expande incessantemente, engolindo a tudo e a tudo convertendo em escuridão. Há um oceano enorme que inunda cada milímetro de terra seca, de forma que praticamente já não temos mais onde pisar sem molhar os pés.


Esse Direito Penal inflado, além de tornar-se gordo, pesado, lento e disfuncional, converte-se em um verdadeiro atentado à liberdade, reconhecida como um dos Direitos Humanos Fundamentais.  O Direito Penal  deveria ser um dos maiores guardiões da liberdade, na medida em que  dá os precisos contornos do que nos é lícito fazer ou deixar de fazer quando nos aponta aquilo que é ilícito sob ameaça  de sanção criminal. Mas, quando ele se agiganta ao ponto de que os próprios operadores  do Direito, que nele militam em seu dia a dia, já não  enxergam com nitidez os traços do caminho reto, esse Direito Penal  cerceia a liberdade de ação das pessoas de forma por demais intensa e irracional. Afinal,  quem pode afirmar com absoluta segurança (jurista ou leigo), que domina e conhece a imensidão de normas incriminadoras vigentes? Jogar um objeto por uma janela, ainda que sem atingir ninguém, pode configurar uma contravenção; vender uma rifa também; preencher com dados irreais a Carteira de Trabalho de seu empregado pode ser crime etc. [17]


É claro que muitas condutas podem e devem ser objeto de controle social. Não se pretende defender algo próximo de um anarquismo ou coisa parecida. Acontece que estamos elegendo acriticamente um instrumento de controle que pode, no mínimo, estigmatizar os infratores ou até mesmo privá-los de sua liberdade de ir e vir como sanção pelas faltas. [18] Assim sendo, o espaço de liberdade em meio à inflação do Direito Penal é por demais exíguo, considerando a intensidade da atuação e a potencialidade repressiva desse instrumento, pouco importando a modalidade de sanção prevista ou efetivamente aplicada.


Mas, há quem a exemplo de Silva Sánchez, constate essa “expansão do Direito Penal” e a assuma como inevitável, até mesmo como legítima aspiração da sociedade contemporânea, propondo uma espécie de meio – termo  entre um “Direito Penal amplo e flexível” e um “Direito Penal mínimo e rígido”, este segundo qualificado como “certamente impossível”, uma vez que, segundo o autor, “não parece que a sociedade atual esteja disposta a admitir” um  paradigma criminal minimalista. Para evitar  a conformação de um “Direito Penal Máximo” descontrolado, a única opção seria aquela busca de uma mediania virtuosa, que se traduziria numa “função racionalizadora do Estado sobre a demanda social de punição”. [19]


O modelo esboçado por Silva Sánchez não é inovador. Consiste praticamente numa mera descrição do processo de expansão do Direito Penal na atualidade. Trata-se de um movimento expansivo bifronte: por um lado o acirramento  punitivo, com incremento das penas privativas de liberdade, aumento do rigor dos regimes de cumprimento etc., para a criminalidade considerada mais gravosa; de outra banda, surge um modelo flexibilizado de imputação onde se fazem ausentes as “penas corporais”. No entanto,  mesmo no segundo caso, em reverência à sanha do punitivismo, seria imprescindível  que “a sanção fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico – comunicativa próprios do Direito Penal”. [20]


Percebe-se que nesse contexto exacerba-se a função simbólica do Direito Penal. Note-se que o destaque dado ao simbolismo da pena em si nada tem de errado. Como bem salienta Fernando Vernice dos Anjos, se tem execrado sem a devida ponderação ou simplesmente ignorado os efeitos simbólicos da pena, considerando-a  legitimada somente sob o prisma de “proteção de bens jurídicos”, o que  não se justifica. O efeito simbólico da pena pode e deve ser inserido de forma construtiva como uma de suas legítimas funções. “O efeito simbólico não pode ser ignorado, simplesmente porque ele é inerente ao Direito Penal. Sempre esse ramo do Direito se valeu de efeitos simbólicos, em menor ou maior grau, para se fixar no âmbito social”. Como afirma o autor sob comento, sempre que se sustentam as funções de prevenção geral negativa ou positiva do Direito Penal, não se está falando de outra coisa senão de seus efeitos simbólicos a, respectivamente, intimidar potenciais infratores e difundir a mensagem de vigência, validade e integridade das normas proibitivo – sancionadoras, mesmo diante de sua infração deliberada pelo criminoso. [21]


Já em outro trabalho, ao tratar da questão da utilidade da pena de prisão em casos extremos, tivemos a oportunidade de asseverar que o Direito Penal e a prisão têm o condão de solenizar a punição das condutas, evitando a banalização de sua autoria, como poderia ocorrer com outros modelos de solução de conflitos. [22]


Note-se ainda que o simbolismo não se faz presente somente na seara jurídico – penal, mas permeia o seio social de forma abrangente e constante. Como salienta Sousa Filho:


“Conforme muitos estudos demonstram, o simbolismo nas culturas não é um conjunto de alegorias inocentes, sem relação com o social por inteiro. Ao invés, existem em proveito da perpetuação social. As relações ocultas e profundas entre o Simbólico e o social aparecem se refletirmos sobre o fato de que na vida social tudo está em conexão”. [23]


Não obstante, é relevante não perder de vista a necessária precaução em evitar que toda a utilidade e necessidade do Direito Penal e das penas a ele correlatas possa diluir-se em pó pela perpetuação de uma falsa idéia de suas funções, a qual  conduz inevitavelmente a um emprego impróprio desse instrumento, visto como solução única e cabal para toda e qualquer espécie de conflito social e/ou individual. [24]


O modelo descrito por Silva Sánchez retrata um nefasto “Direito Penal Simbólico”, em seu sentido pejorativo, porque exacerba a função simbólica da pena, praticamente reduzindo-a a este aspecto, cedendo muito facilmente às aspirações irracionais de um punitivismo massificado. É preciso lembrar que não foi da turba sangüinária que advieram os valores democráticos da liberdade e dignidade humanas. Da turba iracunda, apenas pretextando esses valores, emergiu violência e morte. Em sua obra literária ambientada na Revolução Francesa, Dickens chama a atenção para esse fato ao escrever:


“Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou Morte; a última, muito mais fácil de conceder do que as outras, ó Guillotine”! [25]


O melhor caminho não pode ser a conformação perante o fenômeno da expansão irracional do Direito Penal e muito menos a tentativa de legitimar essa aberração, acenando com o clamor popular por punição criminal a qualquer custo e controle social pelo aparato repressivo – penal.


Parece-nos que a missão da ciência criminal e, por conseguinte, de seus cultores, é a de esclarecer e colocar em evidência o caminho pernicioso a que leva a inflação penal e, em seguida, ofertar propostas concretas de solução. Conforme põe em relevo Sousa Filho:


“Se quisermos ter uma compreensão mais profunda do que se passa na vida social, devemos abandonar certos dogmatismos – mais das vezes uma pura extensão de posições políticas sem nenhum fundamento na teoria – e admitir, com o intuito de melhorar nossas próprias análises da realidade, verdades que quase sempre preferimos afastar, em nome de práticas que, se supõe, estão conduzindo à transformação da realidade”. [26]


Esse Direito Penal paquidérmico em voga na atualidade perde não só sua credibilidade pelas enormes “cifras negras” [27] que produz, como também vem rapidamente se transformando em algo diverso do que era pela sobreposição e agregação de características e funções que jamais lhe foram próprias, mas que aos poucos vem usurpando e açambarcando de outros ramos do Direito. O Direito Penal se descaracteriza, torna-se uma espécie de ornitorrinco jurídico disfuncional [28], um mosaico atrapalhado e disforme de proporções descomunais. Continua ostentando a nomenclatura original (“Direito Penal”), mas é um mutante que bem poderia ganhar outro nome qualquer. A única dificuldade seria a escolha desse novo nome, tendo em vista sua atual conformação multifária. Talvez uma sugestão cabível seja a de “Direito Irracional”, já que  sua transformação vai se sustentando em uma terrível dificuldade de mantê-lo dentro dos limites racionais da “ultima ratio”, ao ponto de não se dar conta de seu protagonismo social subjacente  a todas suas supostas “reformas” em direção àquele objetivo. Ademais, sob o pálio de teses conformistas como a exposta por Silva Sánchez, procura legitimar-se por verdadeiras “propagandas völkisch”, que se apropriam de discursos e pensamentos “popularescos”, típicos do senso comum (ou abaixo dele), subestimando  o próprio povo e procurando  satisfazê-lo não só de forma demagógica, mas também terrivelmente grosseira, “mediante a reafirmação, o aprofundamento e o estímulo primitivo dos seus piores preconceitos” e inconsistências. [29] É o uso do recurso ao “mito da opinião pública”, que se destaca como um dos mais profícuos para o exercício da dominação nas sociedades atuais, no qual o poder se sustenta, conferindo maior “legitimidade  a suas ações”. [30] A poucos interessa ir ao âmago, à origem disso que se costuma denominar de “opinião pública”, contentando-se com o destaque de dados estanques de manifestações individuais. Nesse quadro mantém-se oculto o “processo de produção de opinião”, o qual, na verdade, é produto de uma ideologia calcada em um mito. Aquilo que é apresentado como a “opinião pública”, a “vontade popular” é, na verdade, “uma visão socialmente produzida a partir de como a sociedade, o poder e a realidade como um todo aparecem à observação imediata dos indivíduos na vida cotidiana”.[31]


Hoje, em verdade, o nome “Direito Penal” já não traduz uma realidade. Trata-se muito mais de um Ilusionismo Penal, pois como bem lembra Pracontal, “as palavras têm todos os poderes, menos o de ser aquilo que elas designam”, pois, “como diz Alfred Kozybski: ‘a palavra cão não morde’.”[32]


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Essa deformação do Direito Penal torna-se patente quando se percebe a quase total incongruência entre as penas nominalmente previstas de forma abstrata para as infrações penais (crimes e contravenções) e aquelas aplicadas concretamente. Essa antinomia também se constata entre a pena “in concreto” aplicada e a pena efetivamente cumprida na fase executória.


Para aqueles que se preocupam profundamente com os reclamos punitivistas da sociedade com seu senso comum, esta deveria ser uma fonte de preocupação bem mais relevante. Afinal, experimente tentar explicar ao “homem médio”, leigo nas questões jurídicas, a razão pela qual as penas que são previstas no papel, seja no Código Penal e nas leis esparsas, seja na sentença do Juiz, quase nunca são aquelas cumpridas pelos infratores. Eis uma missão impossível!


Dotti disserta acerca do anteprojeto de Código Penal Espanhol de 1978, chamando a atenção para a polêmica sobre a necessidade de eliminar “a contradição freqüente em que incide a maioria dos sistemas: o desajuste entre o valor nominal da sanção, isto é, a quantidade aplicada na decisão, e a quantidade efetiva de cumprimento”. Essa variação deveria ser corrigida, segundo a Comissão que redigiu o anteprojeto, de forma que as penas cominadas e aplicadas deveriam ser as mesmas efetivamente cumpridas. [33]


Note-se  que esse problema que deforma, deslegitima, põe em descrédito e disfuncionaliza o Direito Penal, não é novidade de vanguardistas pós – modernos, mas já havia sido diagnosticado há tempos pelo Marquês de Beccaria (século XVIII) ao asseverar: “não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo”. [34]


Criar um Direito Penal gigantesco, dotado de penas rigorosas que não são aplicadas é fazer “muito barulho por nada”, é confundir um show pirotécnico com um bombardeio, enfim é cultivar o Ilusionismo Penal.


Não obstante, esse ilusionismo cativa muitos, pois as pessoas preferem crer numa mentira simples a encarar uma verdade complexa; preferem cultivar falsas mudanças, simples aparências, empreendendo grandes batalhas para que, ao final,  como diz Lampedusa, “tudo fique na mesma” ou num exercício meticuloso de “mudar tudo para que tudo fique como está”. [35]


Alguns questionamentos quase nunca são levados a efeito com propriedade: Por que difundiu-se no mundo jurídico – penal uma chamada “cultura da pena mínima”? Por que são previstos tantos paliativos para a aplicação e o cumprimento das penas impostas (sursis, livramento condicional etc.)? Por que grassam as penas alternativas ou substitutivas no atual modelo de Direito Penal? O que motiva o surgimento de mecanismos de “Justiça Consensuada” ou até de “Diversão” (composição civil de danos na seara penal, transação penal, suspensão condicional do processo etc.)?


Afinal, o que faz com que na atual conformação do Direito Penal as penas previstas abstratamente na lei quase nunca  sejam efetivamente  aplicadas e, quando o são, dificilmente sejam cumpridas nominalmente? O que torna  o Direito Penal moderno assemelhado a um homem ruidoso que vocifera ameaças terríveis e recua no momento em que deveria agir?


Parece-nos que a resposta a todas essas questões encontra-se  em um certo pudor ou constrangimento no manejo dos instrumentos penais. Inobstante os esforços em legitimar a pena, chegando alguns a vê-la como uma espécie de “bem” ou “direito” do próprio condenado e da sociedade, [36] tem – se a nítida noção de que se trabalha sobre um “mal necessário”. E o Direito Penal, especificamente os suplícios das penas e seus estigmas, são real e induvidosamente um “mal necessário”.


Em geral as pessoas não estão dispostas a praticar o mal, ainda que  seja contra aqueles que infringem as normas de convivência social pacífica. Por isso surge a idéia do Direito Penal como “ultima ratio” enquanto hipótese teoricamente aceita.


Acontece que a racionalidade e o bom senso da “intervenção mínima” da seara penal não tem conseguido domar a irracionalidade da desenfreada tendência expansiva do Direito Penal e do Punitivismo exacerbado. Então surge um dilema: como conciliar expansionismo e minimalismo?


A suposta solução tem sido o crescimento deformado do Direito Penal nos moldes acima mencionados. As intenções são boas; pretende-se regular e pacificar os conflitos sociais mediante uma normatização milimétrica de toda atividade e relação humana, optando-se pelo instrumento da coerção  penal, mas procurando mitigar sua  atuação mais incisiva e seus efeitos mais gravosos. Mas, como lembra Neiman, “somos ameaçados com mais freqüência por quem tem intenções indiferentes ou mal direcionadas do que por quem tem intenções malévolas”. [37]


A ilusão de que é possível conceber uma espécie de “Direito Penal Simpático”, tem proporcionado um campo fértil para a disseminação do expansionismo desse instrumento repressivo de controle social aos mais  variados aspectos da atividade humana. Para qualquer problema (social, de saúde pública,  econômico, fiscal, ecológico etc.) acena-se  com uma norma penal como solução. Dissemina-se uma crença quase religiosa nos poderes miraculosos dos tipos penais, uma espécie de tipolatria. Quando se considera a reação tradicional da privação  de liberdade  por demais radical para o caso, são procedidos ajustes para que esta não passe de mera ameaça de papel, tendo  em vista todo um  catálogo de opções paliativas alternativas ou substitutivas.


Não obstante, sobre o imputado recai a carga pesada e infamante do Sistema Penal. E sobre o depauperado e sobrecarregado Sistema Penal, com suas agências repressivas deficitárias (Polícia, Ministério Público, Judiciário, Sistema Penitenciário), desaba uma avalanche de procedimentos simbólicos que bem poderiam ser muito melhor levados a termo por outras instâncias de controle social já existentes ou que poderiam ser criadas para fins específicos. Até mesmo os próprios atores do cenário criminal passam a sofrer desvios em suas funções, sendo inclusive, muitas vezes, exigidos além de suas capacidades.


Dois exemplos podem muito bem ilustrar o acima afirmado:


1)A chamada Lei de Drogas (Lei 11.343/06) prevê uma nova infração para aquele que porte drogas ilícitas para fins de consumo próprio. Tal é a sanha em mesclar o Direito Penal com medidas a ele estranhas que o legislador previu penas inusitadas para essa infração, levando a doutrina especializada à mais absoluta perplexidade, de modo que já não se sabe se aquela sobredita infração é mesmo um crime, uma “infração penal inominada”, uma contravenção ou mesmo se operou-se verdadeira “abolitio criminis”, de forma que se trata de uma “infração sui generis” ou para – penal! [38]


Não se trata de desconhecer o fato de que a Constituição Federal amplia sobremodo as opções de penas a serem adotadas pelo legislador ordinário (CF, art. 5º, XLVI, “a” a “e”). A crítica levada a efeito neste trabalho vai bem mais fundo. Questiona-se inclusive a opção da Constituição Federal. Será mesmo adequado ajustar o Direito Penal para enfrentar os mais diversos problemas sociais, munindo-o de penas as mais variadas, ou seria melhor preservá-lo em seu purismo, mas reservado a um mínimo de incidência eficaz, ou seja, um Direito Penal mínimo, com um máximo de eficácia contra a impunidade?


As penas previstas no artigo 28 da Lei 11.343/06 (advertência sobre  os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo) são adequadas a uma concepção terapêutica e não repressiva, a uma visão do dependente e do usuário como pessoas que merecem tratamento e não punição. Ora, então a opção mais coerente não seria simplesmente retirá-los do âmbito criminal? Subtraí-los dos rituais infamantes do Processo Penal? Entregá-los às instâncias adequadas para o seu tratamento, migrando do Sistema Penal para o Sistema de Saúde e de Assistência Social? Mas, o que o legislador faz é converter artificiosamente o Sistema Penal em um arremedo de Sistema de Saúde e Assistência e o Juiz e outros atores (Promotores, Delegados de Polícia etc.) em médicos, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais “ad hoc” e, obviamente, incompetentes, eis que sequer têm formação adequada para tanto.


2)Nos crimes contra a ordem tributária (Lei 8137/90) é prevista a extinção de punibilidade pelo pagamento do débito e acessórios. Essa previsão vem merecendo a crítica da doutrina há tempos. Claramente converte-se o Sistema Penal em aparato de cobrança fiscal, desvirtuando suas funções. Agora Juízes de Direito, Promotores e Delegados de Polícia convertem-se em cobradores de tributos e as penas previstas nos tipos penais respectivos pairam como meras ameaças de papel, já que a questão a ser dirimida é a da arrecadação.


Tem faltado no pensamento e, principalmente, na prática moderna do Direito Penal, o bom senso e a coragem de adotar com convicção inabalável o que Zaffaroni chama de “Lógica do Quitandeiro”, “in verbis”:


“Poderíamos responder com a chamada lógica do quitandeiro, que não apenas é extremamente respeitável como também impecável, e com a qual nós, penalistas, temos muito o que aprender. Se uma  pessoa vai a uma quitanda e pede um antibiótico, o quitandeiro lhe dirá para ir à farmácia, porque ele só vende verduras. Nós, penalistas, devemos dar  esse tipo de resposta saudável sempre que nos perguntam o que fazer com um conflito que ninguém sabe como resolver e ao qual, como falsa solução, é atribuída natureza penal”. [39]


É premente cessar de exigir demais do Direito Penal, porque todos sabemos o quão contraproducente e inútil é pedir mais do que pode ser dado por alguém ou algo.


Na atualidade o Sistema Penal atua na sociedade e sobre cada um de seus membros à semelhança de um médico que, para saber se é  necessária uma intervenção cirúrgica, conduz o paciente ao centro cirúrgico, faz a incisão e, depois do abdomen aberto, conclui que, na verdade,  não era necessário operar. Pensando bem, essa imagem tem muito mais de eufemismo do que de metáfora.  Isso porque o “cirurgião penal” corta o paciente, não para saber se a cirurgia será necessária, mas, pior que isso, sabendo de antemão que não iria operá-lo em hipótese alguma. Há todo um dispêndio material e humano absolutamente fútil, meramente simbólico.


Exemplificando: imaginemos uma pessoa à qual seja imputada a prática de uma contravenção apenada com prisão simples ou mesmo um crime não violento com pena máxima abaixo de dois anos de detenção. De acordo com a conformação do nosso Sistema Penal será possível que tal pessoa venha efetivamente a cumprir uma pena privativa de liberdade efetiva? O máximo da reação penal imaginável é uma apenação em regime aberto.  E todos, desde o início, sabem disso. Mesmo assim o Sistema Penal entra em ação. Mobilizam-se a Polícia, o Ministério Público , a Jurisdição Criminal. Tudo isso para a aplicação de uma sanção que perdeu, na realidade, sua característica tipicamente penal. Então o médico é acionado, o paciente vai para o centro cirúrgico, a incisão é procedida, após a preparação para a intervenção e, ao final, como já se sabia de antemão, conclui-se que a cirurgia era desnecessária!


Perde a sociedade na medida em que recursos materiais e humanos são despendidos desnecessariamente. Pardais  estão sendo mortos a tiros de canhão, enquanto há dragões a serem combatidos. Perde o indivíduo, que é submetido desnecessariamente ao calvário das solenidades e rótulos do Sistema Penal.


Mas, qual a solução para esse impasse? Afinal, a crítica só tem cabimento quando não é estéril e sim construtiva.


O primeiro passo é assumir uma postura realista: O Direito Penal e o Processo Penal são mesmo instrumentais para imposição do mal aos indivíduos que infringem gravemente as normas básicas do convívio social pacificado. É preciso ter consciência de que vivemos em uma sociedade que é formada de homens dotados de vícios e virtudes. Não somos uma comunidade de deuses ou santos. Dessa forma, o Sistema Penal é um “mal necessário”. É melhor viver em um mundo no qual excepcionalmente se imponha um mal (pena) àquele que pratica um mal (crime), do que em um outro mundo no qual o mal seja praticado inevitável, impune e descontroladamente.


A partir desse ponto, assumindo realisticamente o Direito Penal e as penas como males, deve-se ter a límpida noção de que esses males não se podem converter, de forma alguma, em bem, nem são passíveis de abrandamento em sua essência malévola. Toda tentativa que se faça nesse sentido é ilusória e contraproducente. O Direito Penal e suas penas são um mal e como um mal devem ser tratados.


Neste estágio estaremos preparados para edificar o que poderia ser chamado de uma Teoria Pura e Mínima do Direito Penal. Com a consciência de sua efetiva natureza poderemos distinguir mais nitidamente o Direito Penal dos outros ramos do Direito. Ele seguirá reservado às infrações extremas das regras de convívio social que afetem bens jurídicos de altíssima relevância, os quais não possam ser eficazmente tutelados por outros instrumentos de controle social menos drásticos. Nisso consistiria sua face minimalista. Além disso, as sanções para serem consideradas de natureza penal teriam de ser realmente duras, aflitivas para o infrator, sobressaindo a privação de liberdade, a qual, no máximo, poderia ser cumulada com penalidades pecuniárias em casos especiais (v.g. crimes patrimoniais). Ademais, as penas previstas  nos tipos penais (preceitos secundários) e aquelas impostas  nas decisões judiciais, deveriam ser cumpridas à risca pelos infratores. E aqui residiria a pureza do Direito Penal. Todo e qualquer paliativo, alternativa ou substituição deveria ser simplesmente banido da seara penal. O Direito Penal se tornaria um limite extremo, o qual, quando ultrapassado, sujeitaria o infrator a conseqüências drásticas.


Note-se, porém, que a pureza e o minimalismo do Direito Penal se completam, de forma que um não pode existir sem o outro. Um Direito Penal Mínimo e brando seria desprovido de força coativa e passaria a imagem de impunidade e até mesmo de anomia. Por outro lado, um Direito Penal Puro, nos moldes supra descritos, somente poderia ser mínimo, pois, caso contrário, descambaria para um autoritarismo desumano.


Acrescente-se ainda que a característica mínima do Direito Penal nesse contexto legitimaria a reação mais gravosa quando de sua infração, considerando a redução do déficit de conhecimento da lei por parte da população. Sabemos que poucos ou talvez ninguém domine todo o arcabouço jurídico – penal brasileiro, de forma que o homem comum pode perfeitamente, na prática, desconhecer muitas normas penais. Entretanto, somos todos oprimidos por uma ficção que afirma que a alegação de ignorância da lei não pode ser acatada (“ignorantia juris neminem excusat”), o que demonstra claramente o quanto o Direito tende a um certo idealismo que se distancia por demais da realidade. [40] Entretanto, com um Direito Penal Mínimo, poderíamos ter certa segurança de que todos poderiam ter alcance ao conhecimento dos limites impostos na seara penal e das punições previstas, de tal forma que aquele que ultrapassasse esses limites estaria ciente das conseqüências que assumiu.


Também essa necessidade de conhecimento geral das leis, especialmente das penais, não é novidade no desenvolvimento da ciência criminal. É novamente Beccaria que já vislumbrava o problema em seu precioso opúsculo:


“Se a interpretação arbitrária das leis é um mal, também o é a sua obscuridade, pois precisam ser interpretadas. Esse inconveniente é bem maior ainda quando as leis não são escritas em língua vulgar. Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o cidadão que não puder julgar por si mesmo as conseqüências que devem ter os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus bens, ficará na dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes das leis”. [41]


Porém, duas observações são de extrema relevância nesta altura:


a) Nada do que foi afirmado implica em qualquer legitimação de intentos de redução ou supressão de Direitos e Garantias Individuais Penais e Processuais Penais. Muito ao inverso, considerando a natureza drástica e excepcional que assumiriam as sanções penais, tais Direitos e Garantias deveriam ganhar intensidade e relevância ímpares.


b) O ponto mais delicado na construção desse novo modelo encontra-se na implementação de um verdadeiro minimalismo radical, consistente na eleição cuidadosa de um núcleo duro de infrações que mereçam e necessitem do reconhecimento do “status” criminal. Para isso é importante a consciência de que  nesses casos a opção é a de retribuir  um mal com outro mal, de modo que, ao contrário de se postular ou acatar uma expansão, é preciso ser intransigente  quanto à  imprescindibilidade e urgência de um movimento inverso de contração do universo penal. No entanto,  aquilo que  permaneça enfeixado nesse campo será considerado digno de uma reação social drástica, ou seja, para um mínimo de situações, o máximo rigor.


Finalmente deve-se ter em mente que o processo pelo qual seriam selecionadas as condutas dignas de tratamento penal não consiste em um único momento histórico. Tratar-se – á de um contínuo e dinâmico policiamento a impedir futuras tendências expansionistas, que podem então tornar-se ainda mais perigosas e lesivas para os valores humanos, especialmente para nossa dignidade e liberdade.


Cabe indagar agora qual seria um bom critério para a seleção das situações dignas do “status” penal. Como saber que condutas deveriam ser criminalizadas?


Entendemos que um bom guia para um paradigma minimalista do Direito Penal é  a eleição da Constituição como depositária dos bens jurídicos dignos de tutela penal. Somente bens jurídicos de estatura constitucional seriam dignos de proteção por via penal.


Entretanto, é bom lembrar que o fato de que  determinado bem jurídico tenha origem constitucional não lhe atribui necessariamente o “status” de bem jurídico – penal. O problema comporta um segundo nível de análise. Sim, o bem jurídico em questão é relevante, tem assento constitucional. Agora ainda resta analisar se o recurso ao Direito Penal para a sua tutela é realmente necessário ou se outras áreas do Direito podem suprir a necessidade protetiva do referido bem jurídico. Somente em casos extremos nos quais a opção penal surja como a única via eficaz, seja autonomamente, seja em reforço de outros ramos do Direito, é que se escolherá o caminho radical da sanção criminal.


Como lapidarmente deixou estabelecido em seu trabalho, Janaína Conceição Paschoal, não se pode negar que exista “um mínimo irrenunciável” de necessária tutela penal. Mas, o encontro desse mínimo não resulta simplesmente do fato de a Constituição reconhecer determinado  bem jurídico como relevante para a sociedade. O decisivo é a “constatação de que tutela de tal natureza é considerada concretamente necessária para aquele bem”. [42]


É oportuno destacar ainda que se por um lado o fato de um bem jurídico ser constitucionalmente previsto não lhe confere, só por isso, característica de bem jurídico – penal, por outro, o fato de que certo bem jurídico não esteja previsto expressamente no texto da Constituição, não lhe retira “ipso facto” o manto constitucional e, por conseqüência, a possibilidade de tutela penal. Isso porque, conforme leciona Bonjardim, com base no ensinamento de Rodolfo Camargo Mancuso, “a Constituição assegura o que nela está declarado expressamente e mais o que decorre necessariamente de seu texto”, conforme o que os constitucionalistas norte – americanos convencionaram denominar de “Teoria da Penumbra”, ou seja,  a ampliação da tutela constitucional a tudo o que se acha implícita ou tacitamente debaixo da “sombra projetada pelo texto propriamente dito”. [43]


Tudo o mais, porém, que não satisfaça os sobreditos critérios de relevância e imprescindibilidade penal, deveria ser sumariamente afastado da seara criminal, mediante um radical e amplo processo de descriminalização.


Finalmente seria possível falar séria e realisticamente em fragmentariedade, subsidiariedade e “ultima ratio” para o Direito Penal. Aos demais ramos do Direito ficaria a missão de compor a maioria dos conflitos (Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Tributário, Direito Empresarial, Direito Trabalhista etc.).


É óbvio que uma tal concepção, para ser realmente posta em prática de forma duradoura e consistente, não como o arremedo que se presencia de um Direito Penal inflado, deformado e ilusionista, que acaba englobando muito das outras esferas jurídicas, implica numa reforma que transcende o âmbito criminal. É preciso reforçar e instrumentalizar  adequadamente cada um dos  demais ramos do Direito no aspecto legal e estrutural (material e pessoal). Se os demais ramos do Direito permanecerem anêmicos, incapazes de dar conta do manancial de conflitos que lhes são afetos, a tendência ao retorno ao Sistema Penal será um perigo concreto. Não somente haveria o risco de uma opção legislativa de retomada da “prima ratio” penal, como é fato que conflitos mal resolvidos em outros âmbitos jurídicos ou mesmo sociais podem descambar em reações violentas que afetam bens jurídicos relevantes  de forma a exigir a intervenção penal. Por exemplo, uma questão de vizinhança mal solucionada no campo administrativo ou civil pode resultar em agressões e até num homicídio. Por isso é preciso aparelhar as agências responsáveis pelo controle social em seus mais variados setores, bem como dotá-las de instrumental legal para que suas deliberações tenham força impositiva.


Trata-se, portanto, de uma reforma penal que transcende seu campo necessariamente, impondo-se alterações no cenário jurídico global. Sua implantação ao mesmo tempo que urgente, exige grande ponderação e estudos meticulosos. Hassemer já acenou há tempos com seu “Direito de Intervenção” ou uma “Terceira Via”, admitindo que a proposta ainda carece de maior desenvolvimento teórico e prático. [44]


3 – CONCLUSÃO


No decorrer do presente trabalho procedeu-se a uma análise crítica do atual estágio de expansão do Direito Penal e suas funestas conseqüências sociais e jurídicas.


Demonstrou-se que a cada dia o Sistema Penal agrega funções e características que não lhe são originalmente afetas, de modo a perverter suas funções, tornando-o um ramo do Direito disforme e hipertrofiado. Essa hipertrofia faz com que o Direito Penal perca sua legitimidade e sua funcionalidade, passando a atuar numa esfera meramente simbólica.


A solução para a contenção da tendência expansiva do Direito Penal não se acha no conformismo, procurando ajustar esse ramo do Direito de maneira a conter a sanha punitivista, mediante previsão de medidas de caráter penal de menor impacto. Isso somente empurra o problema adiante e até mesmo o aumenta, já que as soluções apresentadas, mais ou menos impactantes, não perdem nunca o caráter penal.


Há certas crenças que se baseiam em mitos e que se propagam e perpetuam com base neles, escravizando as pessoas sem a necessidade de imposição externa, pois que elas mesmas acreditam na absoluta necessidade de determinados grilhões, mostrando-se conformadas e até exigindo a presença do jugo que as domina. Trata-se de algo semelhante ao que La Boétie descreveu em seu texto e denominou de “servidão voluntária”, já no século XVI. [45] E seu trabalho não perdeu a atualidade, pois que somos hoje e sempre continuamente submetidos a “amarras auto – infligidas”[46]. O Direito Penal em seu movimento expansivo pervertido e disforme é uma delas, vez que estamos condicionados a crer ser esse instrumento de controle social o único disponível e eficiente para equacionar todos os nossos conflitos sociais e até nossos problemas individuais. Nesse contexto em que nossa visão se acha limitada e distorcida, não hesitamos em abrir mão de nossa liberdade e dignidade em prol do agigantamento de um instrumento repressivo, o qual consideramos como indispensável e até natural. Vale aqui ressaltar as palavras de Sousa Filho:


“Paradoxalmente, mas por força da ideologia, os indivíduos, ao absorverem o discurso dominante sobre a violência, convertem-se em cúmplices de sua própria dominação, sem disso tomarem consciência”. [47]


Não há a clara percepção de que a defesa do acirramento e agigantamento do aparato criminal é a defesa da própria repressão, uma repressão “auto – infligida”. E essa distorção ganha maior intensidade quando os reclamos de rigor penal partem das classes mais pobres da sociedade, isso porque as medidas repressivas têm normalmente em mira justamente essas classes menos privilegiadas. São elas as comumente visadas e atingidas pelo aparato penal[48], já que é disseminada insidiosamente no seio da sociedade a convicção de acordo com a qual  os crimes mais hediondos e bárbaros são praticados por indivíduos dos escalões mais baixos, devido ao seu despreparo, incivilidade, ignorância, falta de formação religiosa, personalidade anti – social, amoralidade e outros preconceitos. [49]


Faz-se urgente o reconhecimento de que o Direito Penal não é um remédio para todos os males. Ele na verdade é um dos males, necessário sim, em certa medida, mas não deixando de ser um mal. Portanto deve ser contido, não incrementado, deve sofrer uma contração de seu campo de aplicação, não uma expansão. Por outro lado, mister se faz preservar a pureza desse ramo do Direito, a fim de assegurar-lhe uma correspondência entre o legalmente previsto e aquilo que é efetivamente cumprido quando da infração às suas normas.


As reformas colocadas em prática até o momento atingem somente a superfície e não o âmago da questão, pois que são incapazes de afastar o protagonismo penal em meio aos instrumentos de controle social. Mudar as espécies de penas, abrandar a aplicação e o cumprimento das penas previstas é comparável a substituir um funcionário trocando seu uniforme, mas mantendo a mesma pessoa no posto.


A proposta final resume-se em dar efetividade e concretude à chamada “intervenção mínima”, com seus corolários da fragmentariedade, subsidiariedade e “ultima ratio”, conformando um Direito Penal Puro e Mínimo, do qual se possa esperar apenas e tão somente o que ele pode dar, expurgando expectativas ilusórias.


Esse Direito Penal seria um marco para a liberdade e somente nos casos extremos de sua infração deliberada por agentes conscientes encontraria oportunidade para sua atuação. A medida de sua redução seria inclusive a da ampliação de seu conhecimento pelos indivíduos, o que legitimaria ainda mais sua aplicação aos casos concretos. Além disso, possibilitaria às agências criminais a execução de um trabalho de melhor qualidade e alcance, reduzindo as chamadas “cifras negras” e o sentimento de impunidade que grassam na atualidade.


Em busca de um critério para a seleção das condutas a serem criminalizadas ou descriminalizadas, apontou-se o parâmetro da previsão constitucional de bens jurídicos, com a ressalva de que a questão comportaria ainda um segundo nível de análise, qual seja, aquele de verificar se, além de ser constitucionalmente previsto, o bem jurídico necessita de proteção criminal e não pode ser adequadamente tutelado por meio de outros ramos do Direito. A resposta definitiva encontra-se então no binômio relevância/imprescindibilidade.


Por derradeiro, destacou-se que a reforma apregoada não se reduz ao campo penal. Ela necessariamente transcende esse aspecto para alcançar também os demais instrumentos de controle social existentes nos outros ramos do Direito, os quais precisam ser devidamente capacitados com aparatos legais, materiais e humanos para bem se desincumbirem de suas funções. Isso sob pena de levar todo o edifício construído ao chão, tendo em vista o descrédito gerado pela ineficiência dos demais ramos do Direito no enfrentamento dos conflitos sociais e individuais, de forma a ensejar a oportunidade de retomada legal da “prima ratio” criminal ou mesmo do incremento dos índices de criminalidade devido ao déficit de solução dos conflitos nos outros campos, o que pode transformar pequenos problemas em episódios trágicos de caráter criminal.


Assim sendo, a proposta levada a termo neste trabalho constitui um primeiro esboço de uma nova política criminal, mas contém em si muito mais que isso, comportando uma revisão do mundo jurídico em diversos aspectos, razão pela qual deve ser encarada como uma sugestão de reflexão inicial para o seguimento de estudos mais amplos e profundos.


 


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Notas:

[1] O ornitorrinco é um estranho mamífero prototério, da ordem dos monotremados, que vive na Austrália e na Tasmânia, possuindo realmente  as características fisiomorfológicas expostas. 

[2] BRECHT, Bertolt. Histórias do Sr. Keuner. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 33.

[3] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.  Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985, p.  61 – 64.

[4] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. São Paulo: RT, 1993, “passim”.

[5] Ressalve-se com relação a esta afirmação o fato de que a privação de liberdade tornou-se a mais característica manifestação do Direito Penal “moderno”, já que anteriormente a prisão era apenas vista como meio de contenção dos condenados até o momento de aplicação da pena efetiva, normalmente de suplício ou morte.

[6] DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 354 – 355.

[7] OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal e Alternativas à Prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 21 – 32.

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei  dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.

[9] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 14ª ed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 69. Ver o mesmo diagnóstico sobre o tema, em comentário à Lei 9099/95: JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 8.

[10] HOULSMAN, Louk, CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas. 2ª ed. Trad. Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam, 1997, “passim”.

[11] Princípio da Oportunidade e Justiça Penal Negociada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 85.

[12] DRAPKIN SENDEREY, Israel. Imprensa e Criminalidade. Trad. Ester Kosovski. São Paulo: José Bushatsky, 1983, p. 76.

[13] FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 3ª ed. São Paulo: RT, 1994, p. 36 – 37.

[14] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. Marlene Holzhansen. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 246.

[15] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 14.

[16] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 17.

[17] Consultem-se respectivamente os artigos 37 e 51, LCP e artigo 297, § 3º, II, CP. A lista de inusitados penais poderia prosseguir, mas este não é o objetivo deste trabalho.

[18] Consulte-se a este respeito a esclarecedora obra de Carnelutti: CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antonio Cardinalli. Campinas: Conan, 1995, “passim”.  Igualmente clarificadoras são as obras de Goffman, sob os prismas psicológico e sociológico: GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 6ª ed. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Perspectiva, 1999, “passim”. IDEM. Estigma. 4ª ed. Trad. Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: LTC, 1988, “passim”.

[19] SÁNCHEZ, Jesús – María. A expansão do Direito Penal. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002, p. 145.

[20] Op. Cit., p. 147.

[21] Direito Penal Simbólico e Finalidade da Pena. Boletim IBCCrim. n. 171, fev., 2007, p. 2.

[22] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A desmistificação do caráter da pena: a ineficácia do Direito Penal como fator de contenção da criminalidade. Revista Direito & Paz. n. 1, jan./jun., 1999, p. 21. 

[23] SOUZA FILHO, Alípio de. Medos, Mitos e Castigos: notas sobre a pena de morte. São Paulo: Cortez, 1995, p. 37. No mesmo sentido Maffesoli assevera: “De uma maneira ou de outra, o simbolismo remeta à permanência do grupo. De resto, vale dizer que os símbolos têm origem no grupo, são eles que permitem a continuidade do sentimento que o grupo nutre por si próprio. O símbolo é a causa e efeito de toda vida societal”. MAFFESOLI, Michel. A sombra de Dionísio: contribuição a uma sociologia da orgia. Rio de Janeiro: Graal, 1985, p. 19.

[24] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Op. Cit., p. 21.

[25] DICKENS, Charles. Um conto de duas cidades. Trad. Sandra Luzia Couto. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 288.

[26] SOUZA FILHO, Alípio de. Op. Cit., p. 44.

[27] A “cifra negra” é definida como um “campo obscuro da delinqüência”, referindo-se à tese e à constatação empírica de uma “diferença constante entre a criminalidade real e a que chega a ser conhecida” pelas agências de controle e repressão penal. CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2ª ed. Trad. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p. 185.

[28] Deixe-se claro que não temos qualquer intenção  de desmerecer o ornitorrinco, pois que este, embora esteticamente desagradável e estranho, tem se mostrado bastante capaz de manter-se muito bem dentre as espécies que lutam pela sobrevivência no duro processo de seleção natural.

[29] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 15.

[30] SOUSA FILHO, Alípio de. Op. Cit., p. 108.

[31] BOURDIEU, Pierre, Apud, Op. Cit., p. 108.

[32] PRACONTAL, Michel de. A impostura científica em dez lições. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 2004, p. 424.

[33] DOTTI, René Ariel. Op. Cit., p. 353.

[34] BECCARIA, Cesare. Op. Cit., p. 80.

[35] LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi di. O Leopardo. Trad. Leonardo Codignoto. São Paulo: Nova Cultural, 2002, p. 52.

[36] Efetivamente a Escola Penal denominada “Correcionalista” (Carlos David Augusto Roeder, Pedro Dorado Montero, Concepción Arenal), apresenta a pena como um meio de recuperação do criminoso, a qual, inclusive, deveria ter duração indeterminada. Para tal pensamento a pena seria “um benefício essencialmente correcional”. Também a Escola Penal denominada de “Corrente do Idealismo Atual ou do Atualismo ou do Idealismo Atualístico” (Giovanni Gentile e Ugo Spirito), apresenta a pena como “um direito do infrator”, o qual teria o “direito de ser punido”. Para um aprofundamento no tema das Escolas Penais: ZANON, Artêmio. Introdução à Ciência do Direito Penal. 2ª ed.  Florianópolis: OAB/SC, 2000, p. 158 – 203.

[37] NEIMAN, Susan. O mal no pensamento moderno. Trad. Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Difel, 2003, p. 307.

[38] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O artigo 28 da Lei de Drogas e a Reincidência. Revista Forense Eletrônica versão em CD – rom. Volume 388, abr., 2007, p. 706 – 710.  Frise-se que atualmente o STF tem um entendimento sobre o tema apresentado em algumas decisões (crime) e o Tribunal de Justiça de São Paulo já proferiu decisão divergente (“abolitio criminis”).

[39] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit., p. 184 – 185.

[40] Sobre o tema: ANDRADE, Lucimary Glória. Inescusabilidade do desconhecimento da lei: o dilema entre o legal e o justo. 2003. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unidade de Ensino de Lorena-SP (Unisal). Lorena, 2003, “passim”. 

[41] BECCARIA, Cesare. Op. Cit., p. 31 – 32.

[42] Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: RT, 2003, p. 147 – 148.

[43] BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 79.

[44] Esse “Direito de Intervenção” proposto por Hassemer, “estaria localizado entre o Direito Penal, Direito Administrativo, entre o direito dos atos ilícitos no campo do Direito Civil, entre o campo do Direito Fiscal e utilizaria determinados elementos que o fariam eficiente”. HASSEMER, Wilfried. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 8, out./ dez., 1994, p. 49.

[45] LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. Disponível em www.culturabrasil.org/boetie.htm , acesso em 30.05.2008.

[46] GOMES, Manuel J. Apud, Op. Cit., p. 1.

[47] SOUZA FILHO, Alípio de. Op. Cit., p. 110.

[48] Fala-se em  “criminalização primária” (a previsão de uma conduta como infração penal na legislação) e “criminalização secundária” (a efetiva aplicação desse tipo penal na prática cotidiana, reprimindo as condutas e punindo os infratores). É notório que o índice de “criminalização secundária” é muito maior, gritantemente maior, com relação às classes pobres do que com relação aos mais privilegiados (uma visita aos presídios e cadeias públicas pode ilustrar muito bem essa assertiva). Até mesmo o índice de “criminalização primária” e o rigor dessa criminalização é bem maior com relação aos pobres. Observe-se em nossas leis penais o número de condutas criminalizadas afetas às classes pobres, bem como o rigor das penas e compare-se com os chamados “crimes de colarinho branco” (“white collar crimes”) , seja numérica, seja qualitativamente com relação às penas previstas. Para um aprofundamento da questão em voga: WACQUANT, Loïc. Punir os pobres. Trad. Nilo Batista. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, “passim”.

[49] SOUSA FILHO, Alípio de. Op. Cit., p. 110.


Informações Sobre os Autores

Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.

Marcius Tadeu Maciel Nahur

Delegado de Polícia, Mestre em Direito e Professor de Filosofia do Direito no curso de Direito e de Filosofia Antiga no curso de Filosofia da Unisal


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