Direito Penal

Teorias da Ação: a evolução das diferentes concepções de conduta

Thiago Costa dos Santos*

 

RESUMO

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O presente estudo trata de um tema de extrema importância para o Direito Penal, que é o conceito de conduta penalmente relevante. Ao longo do tempo foram surgindo inúmeras teorias da ação com a finalidade de definir a conduta. Algumas teorias obtiveram maior destaque no mundo jurídico, e são exatamente essas que esta pesquisa buscou aprofundar. Através da metodologia de pesquisa bibliográfica, foi possível apresentar cada uma das teorias estudadas segundo a visão dos principais doutrinadores pátrios. A teoria causalista sustentou que conduta seria tão somente uma relação de causa-efeito, ausente de qualquer finalidade. A teoria neokantista, embora tenha adotado uma concepção causalista, buscou explicar a conduta omissiva, introduzindo conceitos normativos na conduta. A teoria finalista, por sua vez, considerou que não há conduta sem finalidade, de forma que o dolo e a culpa passaram a integrar o fato típico. A teoria social leva em consideração a realidade social, evitando que uma conduta socialmente adequada seja considerada típica. Por fim, a teoria funcionalista sustenta que deve ser considerada a função do Direito Penal para definir a conduta. O Código Penal brasileiro vigente adotou a teoria finalista. Dessa forma, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, é imprescindível que haja dolo ou culpa para que seja configurada uma conduta penalmente relevante.

Palavras-chave: Direito Penal. Conduta. Teorias da ação. Dolo. Culpa.

 

ABSTRACT

This study address an extremely important subject for Criminal Law, which is the concept of criminally relevant behavior. Over time several theories of action have emerged for the purpose of defining behavior. Some theories have gained greater prominence in the legal world, and it is exactly those that this research sought to deepen. Through the methodology of bibliographic research, it was possible to present each of the theories studied according to the point of view of the main Brazilian doctrineers. The causalist theory supported that beahavior would be just a causal relationship, absent from any purpose. The Neo-Kantian theory, while adopting a causalist conception, sought to explain omissive behavior by introducing normative concepts into the behavior. The finalist theory, on the other hand, considered that there is no behavior without a purpose, so that malice and guilt became part of the typical fact. Social theory takes social reality into account, preventing socially appropriate behavior from being considered typical. Finally, the functionalist theory holds that the function of Criminal Law must be considered to define behavior. The current Brazilian Penal Code adopted the finalist theory. Therefore, according to the Brazilian legal order, it is essential that there is malice or guilt in order to configure a criminally relevant behavior.

Keywords: Criminal Law. Behavior. Theories of action. Malice. Guilt.

 

Sumário: Introdução. 1. Elementos subjetivos do crime. 1.1. Dolo. 1.2. Culpa. 2. Teorias da ação. 2.1. Teoria causalista. 2.2. Teoria neokantista. 2.3. Teoria finalista. 2.4. Teoria social da ação. 2.5. Teoria funcional. Conclusões. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

O conceito de conduta é, sem dúvidas, um dos temas mais discutidos em Direito Penal. Trata-se de um assunto que percorreu – e ainda percorre – toda a evolução desta ciência jurídica. Por integrar um dos elementos do crime, a conduta sempre mereceu total atenção dos estudiosos criminalistas. Sem conduta, não há que se falar em crime: nullum crimen sine conducta. Dessa forma, a própria definição de crime depende, essencialmente, do conceito de conduta.

Surgiram, no decorrer dos anos, várias teorias que buscaram conceituar a conduta. À medida que os estudos foram se aprofundando, novas concepções foram surgindo e se sobrepondo às já existentes, de forma que é possível analisar a evolução de cada uma em relação às demais. E é exatamente tal evolução que o presente estudo buscará detalhar.

Para tanto, algumas questões precisam ser respondidas: Quais são as principais teorias da ação? Qual a concepção que cada uma possui sobre a conduta? Qual a diferença entre tais concepções? Quais as consequências que a evolução destas concepções tiveram na prática?

Assim, tem-se como objetivo deste trabalho o estudo pormenorizado de cada uma das principais – e não de todas – teorias da ação, de forma a possibilitar a comparação entre elas, para que, com isso, possa-se vislumbrar em quais pontos houveram mudanças no decorrer desta evolução.

A relevância do assunto é nitidamente observada quando se constata que o tema ainda é bastante debatido e está longe de haver um consenso entre os estudiosos. Dessa forma, a exposição sistemática do tema é necessária para uma melhor compreensão das divergências que já existiram e daquelas que ainda permanecem.

A metodologia de pesquisa utilizada nesta obra é a de compilação ou bibliográfica, que consiste na exposição do pensamento de vários autores que escreveram sobre a matéria. Dessa forma, o tema será embasado em diversas doutrinas renomadas, demonstrando, além do conteúdo teórico, os efeitos no mundo prático-jurídico.

 

Todavia, antes de se adentrar no tema propriamente dito, é imprescindível que se faça um breve estudo sobre dolo e culpa, tendo em vista que a compreensão dos elementos subjetivos do crime é basilar para se debater sobre o tema aqui proposto.

 

1 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO CRIME

Como já dito alhures, para que haja uma melhor compreensão das teorias da ação, é indispensável que se construa um certo conhecimento acerca dos elementos subjetivos do crime, quais sejam: o dolo e a culpa. É exatamente isso que será estudado neste tópico.

Ressalta-se, todavia, que serão apresentados conceitos básicos e noções gerais sobre tais elementos, o suficiente para compreender o tema central deste estudo. Dessa forma, não serão abordadas as suas teorias específicas e tampouco as suas espécies.

1.1 Dolo

Dolo, conforme ensina Washington dos Santos em seu Dicionário Jurídico, é a “má-fé, logro, fraude, astúcia, maquinação; consciência do autor de estar praticando ato contrário à lei e aos bons costumes; intencionalidade do agente, que deseja o resultado criminoso ou assume o risco de produzir” (2001, p. 85).

Em outras palavras, de acordo com os ensinamentos do ilustre autor Rogério Greco, dolo é “a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador” (2014, p. 191). O próprio Código Penal, em seu artigo 18, inciso I, estabelece que o crime é doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Levando em consideração o texto legal, o professor Rogério Sanches Cunha define dolo como “a vontade consciente dirigida a realizar (ou aceitar realizar) a conduta prevista no tipo penal incriminador” (2016, p. 193).

Partindo desse conceito, percebe-se que o dolo é formado por dois elementos (de acordo com a doutrina majoritária): o volitivo e o intelectivo. O volitivo nada mais é do que a vontade de praticar a infração penal, ao passo que o intelectivo é a consciência da conduta praticada e do seu respectivo resultado (CUNHA, 2016, p. 194). Ainda sobre a consciência e a vontade, dispõe o ilustre autor Fernando Capez:

A consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la” (2011, p. 223).

Por fim, o professor Fernando Capez destaca ainda que “o dolo abrange também os meios empregados e as consequências secundárias de sua atuação” (2011, p.223). Ou seja, o dolo repercute não só na prática da ação típica, mas também na forma como ocorreu a sua execução.

1.2 Culpa

Ensina o professor Rogério Sanches Cunha que crime culposo “consiste numa conduta voluntária que realiza um evento ilícito não querido ou aceito pelo agente, mas que lhe era previsível ou excepcionalmente previsto e que podia ser evitado se empregasse a cautela esperada” (2016, p.199).

A culpa estará presente, de acordo com o inciso II do artigo 18 do Código Penal, “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Entende-se caracterizada a imprudência quando o agente atua de forma precipitada, afoita, sem tomar os devidos cuidados (positiva). Ao contrário, a negligência é ausência de precaução, sendo, portanto, negativa. Já a imperícia nada mais é do que a falta de aptidão técnica para o exercício de arte ou profissão (CUNHA, 2016, p. 201).

Deve-se fazer, aqui, uma observação de extrema relevância: “Só podemos falar em crime culposo se houver previsão legal expressa para essa modalidade de infração” (GRECO, 2014, p. 210). Sendo assim, a regra do Código Penal é que o crime só admitirá a modalidade dolosa, sendo admitida a modalidade culposa somente quando a lei prever expressamente. Trata-se de um dos elementos do crime culposo: a tipicidade.

Além da tipicidade, também são elementos do crime culposo: a) conduta voluntária; b) resultado involuntário; c) nexo de causalidade; d) previsibilidade objetiva; e) ausência de previsão (exceto na culpa consciente); e f) inobservância de um dever objetivo de cuidado, por meio das já vistas imprudência, negligência e imperícia (CAPEZ, 2011, p. 231).

 

  1. TEORIAS DA AÇÃO

Após um breve estudo sobre os principais pontos do dolo e da culpa, finalmente passar-se-á, neste tópico, a discorrer sobre as principais teorias da ação. Tais teorias buscam definir a conduta penalmente relevante. Porém, antes de entender qual é a conduta que repercute no âmbito criminal, é necessário definir o que é conduta em seu sentido amplo.

Dentre os significados presentes no dicionário da língua portuguesa, tem-se que conduta nada mais é do que comportamento (2017, online). Sabe-se que o homem pode se comportar de diferentes maneiras. Alguns comportamentos – ou condutas – são admitidos pela lei e pela sociedade, enquanto outros são ilícitos e socialmente inadequados.

Obviamente, a conduta penalmente relevante encontra-se dentre aqueles comportamentos ilícitos. Mas cuidado: nem todo comportamento ilícito repercute no âmbito criminal. Então, quando se estuda a conduta criminosa, não se busca definir o que é uma conduta ilícita, mas, sim, qual conduta ilícita é capaz de produzir efeitos na esfera criminal.

Sobre a importância da definição de conduta, ensina o professor da Universidade Federal de Pernambuco Cláudio Brandão: “A conduta humana é a pedra angular da teoria do delito. É com base nela que se formulam todos os juízos que compõem o conceito de crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade” (2000, online, grifo meu).

Esclarece-se, preliminarmente, que todas as teorias analisadas neste estudo têm como base a teoria tripartida do conceito analítico de crime, isto é, entendem o crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável.

2.1 Teoria causalista

Tendo surgido no início do século XIX, a teoria causalista foi elaborada por Franz von Liszt, Ernst von Beling e Gustav Radbruch. Conforme ensina o professor Rogério Sanches Cunha, esta teoria “faz parte de um panorama científico marcado pelos ideias positivistas que, no âmbito científico, representavam a valorização do método empregado pelas ciências naturais, reinando as leis da causalidade (relação de causa-efeito)” (2016, p. 178).

Sobre este momento da história, que foi um período em que o positivismo influenciou significativamente nas ciências penais, expõe Juan Ferré Olivé, Miguel Nunez Paz, William Terra de Oliveira e Alexis Couto de Brito:

“O auge do positivismo nas ciências penais foi provocado por uma crise de acontecimentos que se sucederam na Europa em meados do século XIX. As transformações políticas, a Revolução Industrial e em geral a efervescência social da época, intensificaram mudanças nas diversas ordens da vida. Fomentaram-se os estudos científicos, porque se confiava na ciência como uma espécie de tábua de salvação que permitiria ao ser humano evoluir superando todas as suas penúrias. Mas o ponto de partida foi justamente reapresentar o conceito de ciência, reservando-o para aquelas parcelas de conhecimento que servissem ao progresso da humanidade. Deste ponto de vista, prevaleciam as matemáticas e as ciências naturais, porque eram exatas e podiam ser observadas pelos sentidos” (apud CUNHA, 2016, p. 178).

O crime, para o pensamento causalista, “não é uma estrutura lógico-objetiva axiologicamente indesejável, ou seja, algo que qualquer pessoa normal considera mal e pernicioso. Crime é aquilo que o legislador diz sê-lo e ponto final” (CAPEZ, 2011, p. 139). Percebe-se, então, que o crime, sob a ótica causalista, independe de elementos externos à lei, concedendo-se, com isso, poderes extremos ao legislador. A visão causalista vigorou nas ciências penais até meados do século XX, quando, então, começou a perder cada vez mais espaço (CAPEZ, 2011, p. 138).

De acordo com a concepção causalista clássica, nos ensinamentos de Rogério Greco, a conduta é “o movimento humano voluntário produtor de uma modificação no mundo exterior” (2014, p. 156). Nota-se que os defensores desta teoria eram intolerantes quanto aos sentidos normativos, enaltecendo apenas as modificações externas.

Nas próprias palavras de Franz von Liszt:

“Ação é pois o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do home. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há crime: cogitationis poenam nemo patitur. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado” (apud GRECO, 20141, p.156).

A vontade, para a teoria causalista, é formada por dois aspectos: um externo, que é o movimento corporal do agente; e um interno, que é a vontade de fazer ou não fazer. Todavia, deve-se ressaltar que a vontade, aqui, não está ligada à finalidade do agente, que será analisada somente na culpabilidade. (CUNHA, 2016, p.178).

Para teoria causalista, o dolo e a culpa não se situam na conduta, mas sim na culpabilidade. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci: “para essa visão [causalista], não se inclui a finalidade na sua conceituação, pois é objeto de estudo no contexto da culpabilidade, em que se situa o elemento subjetivo do crime (dolo e culpa)” (2011, p. 205).

Na mesma linha, ensina o professor Fernando Capez: “o único nexo que importava estabelecer era o natural (de causa e efeito), desprezando-se os elementos volitivo (dolo) e normativo (culpa), cujo exame ficava relegado para o momento da verificação da culpabilidade” (2011, p. 140).

Assim, é possível que, sob a ótica causalista, haja conduta – e, consequentemente, um fato típico – mesmo na ausência de dolo ou culpa, uma vez que, como já exposto alhures, estes só serão analisados na culpabilidade, que é o terceiro elemento no conceito analítico do crime.

Em outras palavras, “não importa se o agente quis ou se teve culpa na causação do crime. A configuração da conduta típica depende apenas de o agente causar fisicamente (naturalisticamente) um resultado previsto em lei como crime” (CAPEZ, 2011, p. 140). Assim sendo, o dolo da concepção causalista é denominado dolo normativo, tendo em vista que integra o elemento valorativo do conceito de crime, que é a culpabilidade (CUNHA, 2016, p. 179).

Por fim, cumpre mencionar que esta visão causalista clássica foi alvo de inúmeras críticas, como bem expõe o professor Rogério Greco:

“A concepção clássica recebeu inúmeras críticas no que diz respeito ao conceito de ação por ela proposto, puramente natural, uma vez que, embora conseguisse explicar a ação em sentido estrito, não conseguia solucionar o problema da omissão” (2014, p. 156).

Diante dessas críticas, foi inevitável que a concepção causalista clássica de conduta evoluísse para uma mais elaborada, que conseguisse tratar também da conduta omissiva.

2.2 Teoria Neokantista

Posteriormente, nas primeiras décadas do século XX, ainda numa concepção causalista, porém, agora, numa visão neoclássica, o conceito de conduta sofreu importantes mudanças.

A teoria neokantista, que teve como maior expoente o advogado criminalista e teórico penal alemão Edmund Mezger, é caracterizada pela superação do positivismo e adoção da introdução da racionalização no método (CUNHA, 2016, p. 180).

Nas palavras do professor Rogério Sanches, que disserta de forma brilhante sobre o tema, tem-se que:

“[…] a teoria neokantista representa a substituição dos valores experimentalistas, próprio das ciências naturais, pelos valores metafísicos, ou seja, pela valoração dos fenômenos (método axiológico). Trata-se de um rompimento com o monismo metodológico do positivismo, que acreditava que todas as ciências deveriam ser analisadas através de uma mesma forma de observação (a forma causal)” (2016, p. 181).

Seguindo a mesma linha, ensina o autor Paz Aguado que, na visão neoclássica, a ação “deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão” (apud GRECO, 2014, p. 156 e 157).

Sem dúvidas, esse novo conceito de ação – que passa a compreender tanto a ação propriamente dita quanto a omissão – foi uma das grandes inovações da teoria neokantista, solucionando uma das principais críticas sofridas pela teoria clássica. Todavia, além dessa, outras modificações foram realizadas. Embora a estrutura do conceito analítico de crime não tenha sido alterada (fato típico, antijurídico e culpável), os três elementos receberam importantes inovações.

No campo da tipicidade, passou-se a admitir valoração (deixou de ser uma leitura cega e unicamente objetiva da letra da lei). Quanto à antijuridicidade, ela só se configurará quando algum interesse for lesionado, passando-se a ter um aspecto material (e não meramente formal). Por fim, no campo da culpabilidade, surgiu a teoria psicológica-normativa, que colocou o dolo e a culpa como elementos autônomos da culpabilidade, passando, assim, a ser compreendida como um juízo de reprovação ou censurabilidade – e não apenas como um vínculo entre o agente e o resultado (CUNHA, 2016, p. 181).

Em que pese todas essas alterações, a teoria neokantista falhou em diversos pontos, fazendo com que a concepção causalista fosse superada pela finalista, que, como será visto no tópico seguinte, alterou significativamente os elementos do crime.

2.3 Teoria finalista

Abandonando de vez a concepção causalista, foi desenvolvida a teoria finalista, que promoveu uma grande evolução na análise da conduta e dos demais elementos do crime. Sobre a teoria finalista, expõe o professor Rogério Sanches Cunha:

“Criada por Hans Welzel em meados do século XX (1930-1960), a teoria finalista concebe a conduta como comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim. A finalidade, portanto, é a nota distintiva entre esta teoria e as que lhe antecedem. É ela que transformará a ação num ato de vontade com conteúdo, ao partir da premissa de que toda conduta é orientada por um querer. Supera-se, com esta noção, a “cegueira” do causalismo, já que o finalismo é nitidamente ‘vidente’” (2016, p. 182 e 183, grifo do autor).

De acordo com a concepção finalista, o dolo e a culpa deixam a culpabilidade e passam a integrar a própria conduta. Dessa forma, os elementos subjetivos são analisados já no fato típico. Isso significa que, caso não haja dolo ou culpa, o fato será atípico por ausência de conduta. Nesse sentido, ensina Capez: “[…] distinguiu-se a finalidade da causalidade, para, em seguida, concluir-se que não existe conduta típica sem vontade e finalidade, e que não é possível separar o dolo e a culpa da conduta típica, como se fossem fenômenos distintos” (2011, p. 146).

O saudoso autor Francisco de Assis Toledo faz, de forma clara e objetiva, uma breve comparação entre as concepções causalista e finalista. Ensina o referido autor:

“Assim é que o homem, com base no conhecimento causal, que lhe é dado pela experiência, pode prever as possíveis consequências de sua conduta, bem como (e por isso mesmo) estabelecer diferentes fins (= propor determinados objetivos) e orientar sua atividade para a consecução desses mesmos fins e objetivos […]. E nisso reside, precisamente, a grande diferença entre o conceito clássico causal de ação e o novo conceito finalista. No primeiro, a ação humana, depois de desencadeada, é considerada, em sentido inverso, como algo que se desprendeu do agente para causar modificações no mundo exterior. No segundo, é ela considerada, em sentido inverso, como algo que se realiza de modo orientado pelo fim antecipado na mente do agente. É uma causalidade dirigida” (apud CAPEZ, 2011, p. 147).

Assim, tem-se que, sob a ótica finalista, a conduta típica deve, necessariamente, estar revestida de uma finalidade, diferentemente do que sustentava a concepção causal, que analisava, na conduta, a mera relação de causa-efeito (conforme já foi visto).

Quanto a essa finalidade, ela pode ser tanto ilícita quanto lícita. Será ilícita nos casos de crimes dolosos, v.g., quando o agente praticar a conduta com a intenção de cometer o crime. Por outro lado, o fato poderá ser típico ainda que a finalidade da conduta seja lícita, que são as hipóteses de crimes culposos, isto é, quando agir com negligência, imprudência ou imperícia (GRECO, 2014, p. 157). Nesse mesmo sentido:

“Se, num crime doloso, a finalidade da conduta não esteja dirigida ao resultado lesivo, o agente pratica ato típico, por não ter levado em conta, no seu comportamento, os cuidados necessários para evitar o fato. Para a teoria finalista, se o agente aperta o gatilho voluntariamente e atinge uma pessoa que vem a morrer, somente terá praticado um fato típico se tinha, como finalidade, tal resultado, ou se assumiu, conscientemente, o risco de produzi-lo (homicídio doloso), ou se não tomou as cautelas necessárias ao manejo da arma (homicídio culposo)” (ACQUAVIVA, 2011, p. 833).

Diante disso, conclui-se que, para a teoria finalista, conduta “é a ação ou omissão, voluntária e consciente, implicando em um comando de movimentação ou inércia do corpo humano, voltado a uma finalidade” (NUCCI, 2011, p. 204).

Por fim, deve-se ressaltar que o Código Penal vigente adotou a teoria finalista, fazendo uma fusão entre a vontade e a finalidade na conduta. Sobre o tema: “Em seu art. 18, I e II [Código Penal], expressamente reconheceu que o crime ou é doloso ou é culposo, desconhecendo nossa legislação a existência de crime em que não haja dolo ou culpa” (CAPEZ, 2011, 147). No mesmo sentido, ensina o professor titular de Direito Penal da UFPR René Ariel Dotti:

“A Reforma de 1984, dando nova redação à Parte Geral do Código Penal brasileiro, acolheu a teoria finalista da ação, como se poderá verificar pela inclusão do dolo na estrutura do tipo legal de ilícito, de que são exemplos o erro sobre os elementos do tipo e o erro de proibição (CP, arts. 20 e 21). No mesmo sentido é a nova regra sobre o concurso de pessoas ao cominar pena diferenciada se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave (CP, art. 29, §2º)” (2005, online).

Em que pese ser a teoria adotada pela legislação brasileira vigente, outras teorias surgiram com o fim de acrescentar novas definições ao conceito de conduta. É o que será visto no próximo subtópico. Antes, porém, vale ressaltar que todas as teorias que surgiram após o finalismo mantiveram o dolo e a culpa no fato típico.

2.4 Teoria social da ação

A Teoria da adequação social da ação teve início com Welzel, que estava descontente com o sistema excessivamente fechado, formal e dogmático até então vigente. O crime era visto primordialmente como uma construção técnico-jurídica, e não como um evento que gerava danos à sociedade (CAPEZ, 2011, p. 149).

Dessa forma, à luz da teoria social, o conceito de conduta está intrinsecamente relacionado com a estrutura da sociedade do lugar. É exatamente o que ensina Johannes Wessels (um dos principais defensores desta teoria):

“O conceito de ação, comum a todas as formas de conduta, reside na relevância social da ação ou da omissão. Interpreta a ação como um fator estruturante conforme o sentido da realidade social, como todos os seus aspectos pessoais, finalistas, causais e normativos” (apud GRECO, 2014, p. 157).

Em poucas palavras, o professor Guilherme de Souza Nucci apresenta a definição de conduta sob a ótica da teoria social da ação: “Conduta é o comportamento voluntário e consciente socialmente relevante” (2011, p. 205). Fica evidenciado, assim, que, para os pensadores desta teoria social, a teoria finalista é insuficiente, tendo em vista que não leva em conta os aspectos sociais da conduta.

Nos dizeres do professor Fernando Capez, “o elemento sociológico cumpre a função de permitir ao órgão judicante suprir o vácuo criado com o tempo, entre a realidade jurídica e a social” (2011, p. 151). Dessa forma, conclui-se que o poder interpretativo do juiz possui maior força nesta teoria, tendo em vista que uma conduta prevista como típica na lei poderá ser considerada socialmente adequada pelo magistrado.

Quanto às críticas, a teoria social da ação sofreu duras reprimendas, principalmente em relação à vagueza da definição de relevância social. Nesse sentido, expõe o professor Rogério Sanches: “Com efeito, em tese, qualquer fato pode ter relevância social […]. Trata-se, pois, de noção por demais ampla, sendo arriscado incorporá-la ao Direito Penal, dada a gravidade dessa espécie de intervenção jurídica” (2016, p. 185).

Ante o exposto, embora não seja a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro vigente, deve-se enaltecer a grande contribuição que presente teoria deu para os estudos da conduta, propondo uma visão que leve em consideração os aspectos sociais, culturais e consuetudinários de determinada região.

2.5 Teoria funcional

Para concluir a presente análise das teorias da ação, estudar-se-á a teoria funcionalista, que ganhou força na década de 70, especialmente na Alemanha, e que busca compatibilizar a dogmática penal – extremamente formalista – com as funções do Direito Penal (CUNHA, 2016, p.186).

Para o professor Fernando Capez, a teoria funcional não é uma teoria da conduta, pois tem como objeto a finalidade do Direito Penal (2011, p. 156 e 157). Todavia, ela é analisada pela doutrina juntamente com as demais teorias da ação, tendo em vista que afeta diretamente o conceito de conduta. Conforme ensina o professor Rogério Sanches Cunha, para esta teoria, a conduta “deve ser compreendida de acordo com a missão conferida ao Direito Penal” (2016, p. 186).

A teoria funcional se subdivide em duas correntes: a) funcionalismo teleológico, dualista, moderado ou da política criminal (defendida por Claus Roxin); e b) funcionalismo radical, sistêmico ou monista (defendida por Gunter Jakobs).

O funcionalismo teleológico, como o próprio nome já remete, sustenta que o sistema penal deve ser organizado de forma a possibilitar que suas finalidades sejam atendidas. Sobre o tema:

“A função maior do direito penal é a de proteger a sociedade, de modo que todas as soluções dogmáticas incompatíveis com tal escopo devem ser afastadas, mantendo-se apenas as de ordem político-criminal. A finalidade reitora é extraída do contexto social e visa a propiciar a melhor forma de convivência entre os indivíduos” (CAPEZ, 2011, p. 157).

Com isso, de acordo com essa primeira corrente, a conduta deve ser entendida como “comportamento humano voluntário, causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal (CUNHA, 2016, p. 187). Em outras palavras, não basta a tipicidade formal, devendo haver também a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido.

Por outro lado, o funcionalismo sistêmico, mais legalista, visa impedir que o sistema penal seja desobedecido, sustentando que “o conceito de crime não resulta de uma lesão a um interesse vital do homem, mas de uma mera desobediência a uma determinação do sistema” (CAPEZ, 2011, p. 159). Sobre o assunto:

“O funcionalismo sistêmico, portanto, repousa sua preocupação na higidez das normas estabelecidas para a regulação das relações sociais. Assim, havendo frustração da norma pela conduta do agente, impõe-se a sanção penal, uma vez que a missão do direito penal é assegurar a vigência do sistema” (CUNHA, 2016, p. 187, grifo do autor).

Existem ainda algumas outras teorias de menor influência no Direito Penal, porém, como ressaltado anteriormente, não serão aqui estudadas. Encerra-se, portanto, a análise individual das principais e mais relevantes teorias da ação.

 

CONCLUSÕES

Conforme visto nos tópicos anteriores, o presente estudo buscou compreender cada uma das principais teorias da ação, mais especificamente sobre a definição que cada uma possui de conduta penalmente relevante.

Restou claro que todas as teorias apresentadas adotam a teoria tripartida do conceito analítico de crime. Dessa forma, conceitua-se o crime como um fato típico, antijurídico e culpável. Porém, em que pese a estrutura do crime ser a mesma, os componentes de cada um desses elementos podem ser deslocados. O principal deslocamento, sem dúvidas, é do dolo e da culpa – motivo pelo qual ganharam um tópico próprio nesta pesquisa.

A primeira teoria estudada, a causalista, sustenta que o dolo e a culpa não integram a conduta, de forma que, ainda que o sujeito aja sem elemento objetivo, o fato poderá ser típico. Para esta teoria, o dolo e a culpa devem ser analisados somente no campo da culpabilidade, isto é, após o a constatação de o fato ser típico e antijurídico. Por priorizar a relação de causa-efeito, a teoria causalista não conseguia explicar a conduta omissiva, sendo esta a principal crítica sofrida.

Posteriormente, foi analisada a teoria neokantista que, embora mantivesse a concepção causalista, buscou responder à questão da omissão. Para tanto, esta teoria teve que abandonar a ótica absolutamente naturalista e abrir espaço para um sentido normativo. Inegável foi a sua evolução em relação à teoria causalista, porém isso não foi suficiente para que fosse superada pela teoria finalista.

Sendo a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro vigente, a teoria finalista revolucionou o conceito de conduta. Isso se deve, principalmente, ao fato de deslocar os elementos subjetivos – dolo e culpa – para a conduta, que por sua vez integra o fato típico. Com isso, sob a ótica finalista, o sujeito que age sem dolo ou culpa não pratica uma conduta penalmente relevante, sendo, portanto, o fato considerado atípico. Surgiram outras teorias após a teoria finalista, como a teoria social e a teoria funcional, porém todas elas mantiveram os elementos subjetivos no fato típico.

Quanto à teoria social, os seus defensores consideraram a anterior extremamente fechada, dogmática e insuficiente. Esta teoria sustenta que a conduta não pode ser considerada somente por uma definição técnico-jurídica, mas deve observar, também, o contexto social. Dessa forma, não há que se falar em conduta quando a ação for socialmente adequada, ainda que tecnicamente típica.

Por fim, analisou-se a teoria funcionalista, que, assim como a anterior, critica o formalismo da teoria finalista. Porém, para os defensores desta teoria, diferentemente da teoria da adequação social, para que haja conduta é imprescindível que se considere a finalidade, a missão, a função, do Direito Penal. Para uma primeira corrente, essa finalidade seria a tutela de bens jurídicos relevantes, enquanto para outra seria a assegurar a vigência do sistema penal (corrente teleológica e corrente sistêmica, respectivamente).

Ante todo o exposto, é possível observar de forma clara e direta as principais divergências entre cada uma das teorias, à medida que iam evoluindo. Ficou perceptível, ainda, a contribuição que cada uma teve para a análise da conduta, bem como a relevância do tema para o estudo do Direito Penal.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi integralmente atingido e os resultados da pesquisa foram extremamente satisfatórios, tanto no tocante ao estudo individual de cada uma das principais teorias da ação, quanto no tocante à comparação entre elas. Para alcançar este fim, foram utilizadas obras doutrinárias dos mais renomados e consagrados penalistas do Brasil, além do próprio Código Penal vigente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Acquaviva. 5 ed. atual. e ampl. São Paulo: Rideel, 2011.

BRANDÃO, Cláudio. Teorias da conduta no direito penal. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/631/r148-05.pdf?sequence=4>. Acesso em: 14 ago. 2017.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848coplicado.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. 4 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016.

DICIONÁRIO do Aurélio. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/conduta>. Acesso em: 14 ago. 2017.

DOTTI, René Ariel. As teorias da conduta em Direito Penal. Disponível em: <http://www.tribunapr.com.br/noticias/as-teorias-da-conduta-em-direito-penal>. Acesso em: 14 ago. 2017.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 16 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. v. 1.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e parte especial. 7 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

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