Terceirização traz insegurança

O monstro da terceirização de serviços tomou conta do setor privado e está lançando seus tentáculos para a execução de serviços essenciais do Estado. Não será novidade, se amanhã, aparecer a terceirização dos serviços de segurança pública, de administração de presídios, de cobrança da dívida ativa, camuflada no interior de uma legislação dúbia e nebulosa.

Mas, o tema deste artigo é a terceirização no setor privado. Hoje, tudo ou quase tudo está terceirizado. Empresas tradicionais e de renome nacional vendem seus produtos e prestam serviços por meio de terceiros.

Os usuários ou consumidores são as grandes vítimas dessa terceirização desenfreada. Não têm a quem reclamar ou recorrer.

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Só para exemplificar, cito o que aconteceu em meu escritório.

Acreditando na propaganda da Telefônica celebrei contrato para instalação do “Speedy Negócios Profissional”.

Passados alguns meses tivemos problemas com a conexão da Internet e do correio eletrônico.

Acionada, a Telefônica, após brindar-nos com um longo recital musical, e efetuar alguns testes pelo telefone, constatou que o problema era na rede interna do escritório. Chamado o técnico que cuida da nossa rede interna, este descobriu que não havia problema algum nela e entrou em contato com a Telefonica, novamente, que tratou, desde logo, de jogar a culpa no Provedor de Acesso. Contactado o provedor, foram realizados inúmeros testes pelo telefone, com o nosso técnico, constantando que não havia problemas com o serviço por ele oferecido. Após várias horas de trabalho e em contacto com os técnicos da Telefonica e do Provedor, chegou-se a conclusão de que o problema estaria em uma central Telefonica localizada no distante bairro do Ipiranga.  O nosso escritório situa-se na Vila Mariana.

Recentemente outro problema, bem mais grave, ocorreu. Como da vez primeira, a Internet e o correio eletrônico pararam de funcionar.

Registrada a reclamação na Telefonica, esta pediu-nos para efetuar uma série de testes, via telefone, e por fim detectou que o nosso modem estava desconfigurado e seria necessário que um técnico deles o reconfigurasse. Informou-nos, ainda, que esse procedimento seria feito por meio eletrônico, sem a necessidade da vinda de um técnico ao nosso escritório, pois eles possuíam um sofware que permitia que o nosso modem fosse acessado à distância. Para tanto, nos deram, novamente, o prazo de 24 horas. Porém, para a nossa surpresa, no dia seguinte, apareceram dois indivíduos que tinham aparência de trabalhadores braçais, alegando ser empregados de uma terceirizada da Telefonica (nada temos contra trabalhadores braçais, que são, na verdade, indispensáveis).

Ficaram cheretando o escritório a manhã toda, desmontando o PABX, desconectando a rede interna, telefonando bastante não se sabe para onde e nem para quem.

Ao final do exaustivo “trabalho”, veio o diagnóstico fatídico: o modem estava com defeito irreversível. Era preciso trocá-lo. Voltariam logo após o almoço. Ficamos esperando até as 18,00 horas e ninguém apareceu. Contactada a Telefonica, esta respondeu que não teria condições de identificar quem atendeu a nossa chamada e nem saber porque não retornaram para trocar o modem. Tudo indica que se escafederam ante a incompetência absoluta para solucionar uma questão singela como se verá a seguir.

Ante a insistência do escritório, no dia seguinte (já no 3º dia sem conexão com a Internet), a Telefonica mandou um outro técnico da mesma empresa terceirizada. Este logo descobriu que o modem não apresentava defeito. Bastava fazer a configuração correta, o que foi feito com extrema facilidade. Só que esse técnico não conseguiu configurar a rede interna que havia sido remexida e desconfigurada pelos dois “técnicos” curiosos que estiveram anteriormente no escritório. Foi preciso chamar um outro profissional especializado, que foi contratado pelo escritório, para reparar o estrago feito.

Resultado: ficamos três dias sem Internet e correio eletrônico.  Quando a rede voltou ao normal, mais de quinhentas mensagens apareceram, as quais, foram deletadas após uma triagem sumária. É possível que algumas mensagens importantes tenham sido deletadas. Tudo por culpa da Telefonica!

Essa terceirização precisa ser melhor regulamentada no âmbito legislativo para coibir abusos. Não tem sentido uma empresa terceirizar a execução de tarefas relacionadas com sua atividade fim. Aliás, é nessa linha de pensamento que evoluiu a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, como se verifica do Enunciado nº 331.

No caso retro mencionado, quem responde por danos patrimoniais e morais? Quem irá reparar as noites não dormidas, as preocupações desnecessárias, assim como os transtornos causados a terceiros que se relacionam com o escritório? A Telefonica terceirizou tudo. Praticamente, a sua função é a de ficar ouvindo o barulhinho da máquina registradora, aonde vai parar o rico dinheirinho cobrado de usuários e consumidores.

O contrato de prestação de serviços é firmado com a Telefonica e não com suas terceirizadas. O serviço é pago diretamente à Telefonica e não aos terceirizados. Logo, a responsabilidade pelos serviços prestados é inteiramente da Telefonica, pouco importando ao consumidor se ele é terceirizado ou não. É sua a obrigação de prestar serviços de boa qualidade, respondendo objetivamente pelos danos causados, nos exatos termos do § 6º, do art. 37 da Constituição Federal.

Aliás, está prescrito no § 1º do art. 20 do Código de Defesa do Consumidor que “a execução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor”.

O fornecedor é o responsável pela deficiente execução do serviços feita por terceirizado, podendo este figurar no pólo passivo de uma ação indenizatória, a critério do autor, em casos de dolo ou culpa grave.

Esse rico mercado da terceirização merece ser melhor disciplinado, pois vem conspirando contra os objetivos previstos no Código de Defesa do Consumidor. Os usuários, consumidores, ficam em situação de total insegurança jurídica, sujeitando-se à assistência de pessoas vinculadas a empresas desconhecidas no mercado, sem qualquer tradição e que, às vezes, mandam curiosos atender às ocorrências, e além de não consertar o defeito acabam quebrando o que estava funcionando.

A continuar a febre da terceirização, a execução de serviços personalíssimos como os de pintura artística, por exemplo, poderá, em breve,  ser confiada a terceiros. É preciso repensar essa matéria, levando em conta a ordem jurídica global, principalmente a ordem constitucional.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Kiyoshi Harada

 

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 


 

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