Resumo: Em sede de apontamentos introdutórios, cuida pontuar que as pessoas de cooperação governamental são descritas como as entidades que colaboram com o Poder Público, a que são vinculadas, por meio da execução de determinada atividade caracterizada como serviço de utilidade pública. Os serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. Com efeito, são entes que cooperam com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, acolchoando a forma de instituições particulares convencionais, tais como: fundações, sociedades civis ou associais, ou, ainda, peculiares ao desenvolvimento de suas incumbências estatutárias. Nesta esteira, as pessoas de cooperação governamental são pessoas jurídicas de direito privado, embora no exercício das atividades que produzem algum benefício para grupos sociais ou categorias profissionais. Conquanto sejam entidades que cooperam com o Poder Público, não constitui o elenco das pessoas da Administração Indireta, motivo pelo qual seria uma impropriedade considerar aludidas entidades como pessoas administrativas.
Palavras-chaves: Pessoas de Cooperação Governamental. Serviços Sociais Autônomos. Atividade Social.
Sumário: 1 Entidades de Cooperação Governamental: Acepção Estrutural e Natureza Jurídica; 2 Criação e Objeto dos Serviços Sociais Autônomos; 3 Recursos Financeiros; 4 Ausência de Fins Lucrativos; 5 Controle das Entidades de Cooperação Governamental; 6 Aspectos Proeminentes do Regime Jurídico; 7 Privilégios Tributários; 8 Tessituras à Proeminência do Recurso Extraordinário nº 789.874 para as Entidades de Cooperação Governamental
1 Entidades de Cooperação Governamental: Acepção Estrutural e Natureza Jurídica
Em sede de apontamentos introdutórios, cuida pontuar que as pessoas de cooperação governamental são descritas como as entidades que colaboram com o Poder Público, a que são vinculadas, por meio da execução de determinada atividade caracterizada como serviço de utilidade pública. Consoante leciona Meirelles, “os serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais”[1]. Com efeito, são entes que cooperam com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, acolchoando a forma de instituições particulares convencionais, tais como: fundações, sociedades civis ou associais, ou, ainda, peculiares ao desenvolvimento de suas incumbências estatutárias. O Ministro Celso de Mello, ao apreciar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento N° 349.477, decidiu que “os entes de cooperação (serviços sociais autônomos e organizações sociais) qualificam-se como pessoas jurídicas de direito privado”[2].
Nesta esteira, as pessoas de cooperação governamental “são pessoas jurídicas de direito privado, embora no exercício das atividades que produzem algum benefício para grupos sociais ou categorias profissionais”[3]. Conquanto sejam entidades que cooperam com o Poder Público, não constitui o elenco das pessoas da Administração Indireta, motivo pelo qual seria uma impropriedade considerar aludidas entidades como pessoas administrativas. Meirelles, em mesma senda, preconiza que “essas instituições, embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos”[4], considerando, desta maneira, os interesses específicos de determinados beneficiários. Insta destacar, ainda, que não subsiste, no Ordenamento Jurídico Pátrio, qualquer norma que predetermine a forma jurídica dessas entidades, podendo, assim, assumir as categorias jurídicas conhecidas, com fundações ou associações, ou um delineamento jurídico especial, que não se amolda ao enquadramento daquelas classes.
2 Criação e Objeto dos Serviços Sociais Autônomos
Quadra anotar que a criação dos serviços sociais autônomos reclama lei autorizadora, a exemplo do que se infere nas pessoas da Administração Indireta, conquanto não tenham sido aludidas no artigo 37, inciso XIX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[5], recebem recursos advindos de contribuições pagas compulsoriamente, e obrigações dessa natureza reclamam previsão em lei. “A personalidade jurídica tem início com a inscrição de seu estatuto no cartório próprio, no caso o Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Neste ponto, por conseguinte, incide plenamente a regra do art. 45 do Código Civil, que trata da existência de pessoas jurídicas”[6]. É verificável, desta maneira, que as entidades em comento são norteadas pelas normas e disposições afetas ao Direito Privado, com as adaptações expressas nos diplomas administrativos que dispõem acerca de sua instituição e organização. Com realce, os estatutos são delineados por meio de regimentos internos, hodiernamente aprovados por decreto do Chefe do Executivo, os quais versam, em sua essência, acerca da organização administrativa da entidade, com referência aos objetos, órgãos diretivos, competências e normas concernentes aos recursos e à prestação de contas.
Nesta toada, em razão dos contornos que emolduram as pessoas de cooperação governamental, o objeto está centrado em uma atividade social que representa a prestação de um serviço considerado como de utilidade pública, beneficiando, por consequência, determinados grupamentos sociais ou profissionais. Meirelles, em mesma esteira, obtempera que “essas instituições (…) trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, por considerados de interesse específico de determinados beneficiários”[7]. Nesta categoria, é possível identificar quatro entidades tradicionais, quais sejam: o SESI (Serviço Social da Indústria) e o SESC (Serviço Social do Comércio), cujo fito é assistência social a empregados dos setores industrial e comercial, respectivamente; e o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), cujo escopo é a formação profissional e educação para o trabalho, também com vistas, simultaneamente, à indústria e ao comércio.
Foram criadas, de modo recente, outras pessoas dessa natureza, a saber: o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), instituído pela Lei N° 8.154, de 28 de Dezembro de 1990[8], que altera a redação do § 3° do art. 8° da Lei n° 8.029, de 12 de abril de 1990 e dá outras providências, estabelecendo como destinação à execução de programas de auxílio e orientação a empresas de pequeno porte; o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), regulamentado pela Lei N° 8.315, de 23 de Novembro de 1991[9], que dispõe sobre a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) nos termos do art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo objetivo é organizar, administrar e executar o ensino de formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural; e o SEST (Serviço Social do Transporte) e o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), ambos regulados pela Lei N° 8.706, de 14 de Setembro de 1993[10], que dispõe sobre a criação do Serviço Social do Transporte – SEST e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT, que ambicionam fins idênticos aos mencionados acima, orientados especificamente aos serviços de transporte, seja como empresa, seja como trabalhador autônomo.
Contemporaneamente, foi autorizada a instituição da Agência de Promoção de Exportações do Brasil (APEX – Brasil), constituída pela Lei N° 10.668, de 14 de Maio de 2003[11], que autoriza o Poder Executivo a instituir o Serviço Social Autônomo Agência de Promoção de Exportações do Brasil – Apex-Brasil, altera os arts. 8º e 11 da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências, com o fito de fomentar e promover a execução de políticas atinentes a exportações, em cooperação com o Poder Público, primacialmente quando beneficiam empresas de pequeno porte e propiciem a geração de empregos. Da mesma forma, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), destinada a promover a execução de políticas de desenvolvimento do setor industrial.
Imperioso se faz evidenciar, como bem evidencia o festejado Carvalho Filho, que “essas últimas entidades, conquanto tenham sido qualificadas nas respectivas leis como ‘serviços sociais autônomos’, têm regime e perfil jurídicos bem diversos dos atribuídos tradicionalmente às entidades da mesma natureza”[12]. Assim, sobreleva pontuar os principais aspectos distintivos, dentre os quais é possível salientar: a) nas entidades mais recentes, o Presidente é nomeado pelo Presidente da República, ao passo que nas anteriores a autoridade maior é escolhida por órgãos colegiados internos; b) naquelas, a supervisão compete ao Poder Executivo, enquanto nessas inexiste tal supervisão; c) é prevista a celebração de contrato de gestão com o governo, o que também não é aspecto característico para os serviços sociais anteriores; d) por derradeiro, é contemplada a inclusão de dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, já os serviços sociais clássicos não recebem recursos diretos do erário. Com efeito, os serviços sociais autônomos mais recentes afastaram-se do modelo clássico, aproximando-se do sistema da Administração descentralizada. Ao lado disso, ao se considerar seu objeto institucional, é perfeitamente possível o seu enquadramento como agências executivas, sob a feição de autarquia.
3 Recursos Financeiros
Os recursos financeiros carreados às pessoas de cooperação governamental são decorrentes de contribuições parafiscais, compulsoriamente recolidas pelos contribuintes que os múltiplos diplomas estabelecem, para enfrentarem os ursos advindos de seu desempenho, estando vinculadas aos objetivos da entidade. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[13] faz alusão, expressamente, a tais contribuições, sendo, em tal situação, adimplidas pelos empregadores sobre a folha de salários. Neste sentido, em suas lições, aponta Meirelles que “os serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais”[14].
“Esses recursos não provêm do erário, sendo normalmente arrecadados pela autarquia previdenciária (INSS) e repassados diretamente às entidades”[15], como bem observa o festejado Carvalho Filho, entretanto este fato não tem o condão de desnaturar o aspecto de dinheiro público. Tal fato deriva da premissa insculpida na expressa previsão legal das contribuições, assim como o ideário de as contribuições não serem facultativas, mas compulsórias com inegável similitude com os tributos. Por fim, os recursos estão vinculados aos objetivos institucionais definidos no diploma normativo, materializando desvio de finalidade quaisquer dispêndios voltados para fins outros que não aqueles.
4 Ausência de Fins Lucrativos
As entidades de serviços sociais autônomos apresentam, como dedicação, o exercício das atividades de amparo a determinadas categoriais sociais, sendo possível, em razão disso, dizer que se dedicam a serviços de utilidade pública. Desta feita, seu objetivo se afasta daquele ambicionado pelos setores empresariais e não se reveste de qualquer conotação econômica, aproximando-se, neste particular, das fundações. Tal como estas, é defeso alvitrar fins lucrativos, aspecto característico das empresas que exploram atividades econômicas. Os valores remanescentes dos recursos que a elas são distribuídos, por sua vez, constituem superávit, e não lucro, devendo, pois, ser revertidos para os mesmos objetivos, primando por sua melhoria, aperfeiçoamento e ampliação de sua extensão. Com destaque, os serviços sociais autônomos materializam entidades de caráter não econômico.
5 Controle das Entidades de Cooperação Governamental
Em decorrência de serem pessoas jurídicas de criação autorizada por lei, bem como pela circunstância de arrecadarem contribuições parafiscais de recolhimento obrigatório, sendo caracterizada, tal como pontuado acima, como dinheiro público, as pessoas de cooperação governamental estão submetidas a controle pelo Poder Público, na forma preceituada na lei, estando sempre vinculadas à supervisão do Ministério em cuja área de competência estejam enquadradas. A título de exemplificação, é possível mencionar o revogado Decreto N° 74.296, de 16 de Julho de 1974[16], que dispõe sobre a estrutura básica do Ministério do Trabalho (MTb), e dá outras providências, afixava que o SESI, SENAI, SESC e SENAC estão vinculado àquela Pasta Ministerial.
Para fins de controle, o Decreto-Lei N° 200, de 25 de Fevereiro de 1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências, estabelece em seu artigo 183, que “as entidades e organizações em geral, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, que recebem contribuições para fiscais e prestam serviços de interesse público ou social, estão sujeitas à fiscalização do Estado nos termos e condições estabelecidas na legislação pertinente a cada uma”[17]. Costumeiramente, “as leis instituidoras dessas entidades já apontam alguns meios de controle, principalmente o financeiro”[18]. Afora isso, outros diplomas têm acrescido formas de fiscalização, como, por exemplo, a trazida à baila pelo Decreto-Lei N° 772, de 19 de Agosto de 1969[19], que dispõe sobre a auditoria externa a que ficam sujeitas as entidades ou organizações em geral, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, que recebam contribuições para fins sociais ou transferências do Orçamento da União, e dá outras providências, o qual estabelece a submissão à auditoria externa dos órgãos ministeriais a que estejam vinculadas. Doutro prisma, as entidades prestam contas ao Tribunal de Contas, na forma e nas condições prefixadas por resoluções reguladoras da matéria.
6 Aspectos Proeminentes do Regime Jurídico
Por serem pessoas jurídicas de direito privado, as entidades em comento está condicionadas, essencialmente, às ordenanças de direito privado, todavia, o elo de vinculação que as deixa vinculadas ao Poder Público resulta da emanação de normas de direito público, precipuamente no que concerne à utilização dos recursos, à prestação de contas e aos fins institucionais. “Praticam atos de direito privado, mas se algum ato for produzido em decorrência do exercício da função delegada estará ele equiparado aos atos administrativos”[20], estando, via de consequência, sujeito a controle pelas vias especiais, a exemplo do mandado de segurança. Meirelles anota que “os dirigentes de serviços sociais autônomos, no desempeno de suas funções, podem ser passíveis de mandado de segurança”[21]. Doutro modo, estão obrigadas a realizar licitação antes de suas contratações, tal como preceitua o Estatuto das Licitações e Contratos.
No que se refere ao foro no qual deva tramitar os processos em que sejam autoras ou rés mencionadas entidades, o entendimento pacificado é de que a competência e da Justiça Estadual, porquanto se trate de pessoas de direito privado e não integrantes formais da estrutura da Administração Pública. Assim, eventual mandado de segurança contra ato de agente de qualquer dessas pessoas, quando no exercício da função delegada, deve ser processado e julgado no foro estadual de natureza cível, normalmente as varas cíveis, exceto que a organização judiciária estadual aponte juízo específico diverso. Neste sentido, a fim de ilustrar o apontado, cuida colacionar os entendimentos jurisprudenciais que abalizam as ponderações aventadas, consoante se infere:
“Ementa: Recurso especial. Ação popular contra o SEBRAE. Competência da Justiça Estadual. 1. A competência cível da Justiça Federal é definida ratione personae, sendo irrelevante a natureza da controvérsia posta à apreciação. Não figurando, em qualquer dos polos da relação processual, a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, a justificar a apreciação da lide pela Justiça Federal, impõe-se rejeitar a sua competência. 2. O SEBRAE é serviço social autônomo mantido por contribuições parafiscais que tem natureza de pessoa jurídica de direito privado, desvinculada da Administração Pública direta ou indireta, o que afasta a competência da Justiça Federal para a apreciação da causa. 3. Aplicação da Súmula 516 do STF: "O Serviço Social da Indústria – SESI – está sujeito à jurisdição da Justiça Estadual". 4. Precedentes da Corte: REsp 413.860/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 19/12/2003; REsp 530.206/SC, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 19/12/2003; REsp 433427/SC 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 09/05/2005. 5. Agravo regimental desprovido.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ AgRg no REsp 604.752/SC/ Relator: Ministro Luiz Fux/ Julgado em 28.06.2005/ Publicado no DJ em 22.08.2005, p. 129).
“Ementa: Processual Civil. Ação Popular. SEBRAE. Competência. Justiça Estadual. Precedentes do STF e STJ. Súmula 516/STF. Desprovimento do recurso especial. 1. A Justiça Estadual é competente para julgar ação popular ajuizada contra o SEBRAE, em face de sua natureza jurídica de direito privado. 2. Recurso Especial desprovido.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ REsp 433.427/SC/ Relator: Ministra Denise Arruda/ Julgado em 19.04.2005/ Publicado no DJ em 09.05.2005).
“Ementa: Processual Civil. Ação Popular. SEBRAE/SC no pólo passivo. Competência para julgamento: Justiça Estadual. 1. O SEBRAE possui natureza de entidade paraestatal, constituído na forma de serviço social autônomo mantido por contribuições parafiscais, sujeitando-se ao controle do bom uso de seus recursos pela via da ação popular. Tal equiparação legal, porém, não tem o condão de conferir à Justiça Federal a competência para processar e julgar o feito. 2. Precedentes desta Corte. 3. Recurso especial provido para assegurar que a ação popular seja julgada perante a
Justiça Estadual.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ REsp 530.206/SC/ Relator: Ministro José Delgado/ Julgado em 06.11.2003/ Publicado no DJ em 19.12.2003).
Outro aspecto que merece destaque concerne à real posição que os serviços sociais autônomos apresentam no sistema de prestação de serviços, não podendo, por via de extensão, serem confundidos como pessoas da Administração Indireta, em que pese estarem submetidas a alguma forma de controle especial por parte do Poder Público. Tal fato deriva da premissa que as formas de controle reclamam expressa previsão em texto normativo, bem como porque as pessoas da administração descentralizadas estão relacionadas na lei própria. “Assim, reitere-se que essas pessoas de cooperação governamental podem ter aqui e ali uma certa aproximação com pessoas da Administração, mas o certo é que, por força da lei, não interam a Administração Indireta”[22], como bem aponta Carvalho Filho. Destarte, o regime jurídico aplicável a pessoas administrativas não pode ser o mesmo a incidir sobre os serviços sociais autônomos.
7 Privilégios Tributários
Prima destacar que a Carta de Outubro concedeu às pessoas de cooperação governamental tratamento privilegiado no que se refere à incidência de impostos, assentada no reconhecimento de que, uma vez ausentes os fins econômicos e lucrativos, aludidas entidades devem ser estimuladas à execução de seus misteres de caráter educacional e de assistência social. Com realce, a Constituição Federal[23] averba o princípio da imunidade tributária, notadamente quando veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, uns dos outros. Da mesma forma, a mesma vedação subsiste no caso do patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que os requisitos elencados no diploma normativo estejam devidamente atendidos. “Desse modo, como as pessoas de cooperação governamental se dedicam, institucionalmente, às atividades de assistência social e de educação para o trabalho, estão elas enquadradas nessa última hipótese constitucional de imunidade”[24].
No que toca à extensão da imunidade, necessário se faz anotar que a imunidade alcança tão somente a incidência de impostos, sendo devido, por via de consequência, o adimplemento de taxas e de contribuições, compreendendo as de melhorias sociais, de intervenção no domínio econômico, quando devidamente materializados os fatos geradores. Ademais, a imunidade está limitada apenas aos impostos sobre a renda, o patrimônio ou os serviços das entidades, não apreendendo os impostos de natureza diversa. Por derradeiro, a imunidade só incide em atividades estritamente vinculadas aos fins essências das entidades, tal como se dá com as autarquias. Se a atividade assim não se caracterizar, normalmente incidirá o tributo, como ocorre, por exemplo, quando existe a locação de um imóvel da propriedade da entidade a terceiro, com o fim de obter renda.
8 Tessituras à Proeminência do Recurso Extraordinário nº 789.874 para as Entidades de Cooperação Governamental
À luz das ponderações explicitadas até o momento, cuida reconhecer que o Recurso Extraordinário nº 789.874, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, trouxe importantes contribuições para o enquadramento das entidades de cooperação governamental, conhecidas, comumente, como sistema “S”. Com clareza, o Tribunal Pleno do Excelso Pretório, naquela oportunidade, assentou que os serviços sociais autônomos, conquanto estejam vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados essencialmente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, apresentam a natureza jurídica de direito privado, não integrando, via de consequência, à Administração Pública, mesmo que colaborem com ela na execução de atividades emolduradas por relevante significado social. Assim, mesmo desempenhando uma atividade pública de cooperação na prestação de serviços de educação, entendo que não está obrigado à contratação de funcionários sob o regime jurídico próprio dos servidores públicos. Desse modo, por ser pessoa de direito privado, pode contratar empregados sem a realização de concurso público e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Neste sentido, inclusive, com o escopo de subsidiar o expendido, é possível colacionar a ementa do entendimento pretoriano externado pelo Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Administrativo e Constitucional. Serviços Sociais Autônomos vinculados a entidades sindicais. Sistema “S”. Autonomia administrativa. Recrutamento de pessoal. Regime jurídico definido na legislação instituidora. Serviço social do transporte. Não submissão ao princípio do concurso público (art. 37, II, da CF). 1. Os serviços sociais autônomos integrantes do denominado Sistema “S”, vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados basicamente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a Administração Pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significado social. Tanto a Constituição Federal de 1988, como a correspondente legislação de regência (como a Lei 8.706/93, que criou o Serviço Social do Trabalho – SEST) asseguram autonomia administrativa a essas entidades, sujeitas, formalmente, apenas ao controle finalístico, pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos. Presentes essas características, não estão submetidas à exigência de concurso público para a contratação de pessoal, nos moldes do art. 37, II, da Constituição Federal. Precedente: ADI 1864, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 2/5/2008. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ RE 789.874/ Relator: Ministro Teori Zavascki/ Julgado em 17 set. 2014/ Publicado no DJe em 19 nov. 2014).
Além disso, consoante plasmado pela Excelsa Corte, não há que prosperar a alegação de que por serem os serviços sociais autônomos subvencionados por recursos públicos seria circunstância determinante da submissão das entidades do Sistema “S” aos princípios previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, notadamente no que se refere à contratação de seu pessoal. Tal relação de causa e efeito, além de não prevista em lei e nem ser decorrência de norma ou princípio constitucional, jamais foi cogitada para outras entidades de direito privado que usufruem de recursos públicos, como as de utilidade pública declarada, as entidades beneficentes de assistência social e mesmo as entidades sindicais, também financiadas por contribuições compulsórias. Cumpre enfatizar, segundo o entendimento consolidado no Recurso Extraordinário nº 789.874, que a não obrigatoriedade de submissão das entidades do Sistema “S” aos ditames do art. 37, notadamente ao seu inciso II, da Constituição, não exime essas entidades de manter um padrão de objetividade e eficiência na contratação e nos gastos com seu pessoal. Essa exigência constitui requisito de legitimidade da aplicação dos recursos que arrecadam para a manutenção de sua finalidade social. Justamente em virtude disso, cumpre ao Tribunal de Contas da União, no exercício da sua atividade fiscalizatória, exercer controle sobre a manutenção desse padrão de legitimidade, determinando, se for o caso, as providências necessárias para coibir eventuais distorções ou irregularidades.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES