Títulos de crédito eletrônicos e as declarações cambiais sucessivas. Uma análise sobre o endosso

Resumo: Este artigo realizou um estudo sobre os títulos de crédito, desde seu conceito, elaborado pelo jurista Cesare Vivante e ainda utilizado pela legislação brasileira, até sua aplicabilidade nos dias de hoje. Inicialmente, foi retratada a evolução histórica, passando pelas características dos títulos de créditos que são de suma importância para compreensão dos avanços em sua utilização. A pesquisa analisou a sociedade da informação e como esta tem procedido face aos títulos eletrônicos, concluindo que os avanços são significativos, através da assinatura digital e das autoridades que a certificam, garantindo segurança as relações negociais. Apesar dos avanços, foi percebido que a legislação sobre o tema é escassa, o que causa em muitos doutrinadores receio em caracterizar estes documentos como títulos de crédito, uma vez que os mesmos não preenchem todos os requisitos ditos necessários. Buscou-se com este trabalho analisar o endosso nos documentos virtuais e como os avanços tecnológicos influíram nos títulos de crédito. Por fim, analisou as soluções cabíveis frente aos inúmeros questionamentos a fim de que os obstáculos para sua utilização e caracterização como título de crédito sejam superados.

Palavras-chave: Títulos de crédito eletrônicos. Desmaterialização. Sociedade da Informação. Endosso.

INTRODUÇÃO

Os títulos de crédito eletrônicos, objeto de estudo do presente trabalho, é tema de divergências doutrinárias quanto às hipóteses de emissão e circulação.

Ocorre que a desmaterialização é uma realidade sem volta, resultado dos avanços tecnológicos e pela busca de soluções mais ágeis.

No primeiro capítulo foi feita uma abordagem tratando da evolução histórica dos títulos de crédito, sendo o seu surgimento na Idade Média, com o objetivo de facilitar e ampliar as relações negociais. Com isso, criou-se a letra de câmbio.

O conceito de título de crédito elaborado pelo jurista Cesare Vivante ainda é utilizado pela doutrina e expresso, quase que de forma idêntica, no Código Civil de 2002. Pelo conceito disposto em nossa legislação, extrai-se os três princípios elementares dos títulos de crédito, a saber: cartularidade, literalidade e autonomia.

A classificação dos títulos de crédito foi elaborada conforme o modelo, às hipóteses de emissão, à natureza e à circulação, sendo estas as classificações mais apontadas pelos doutrinadores.

O segundo capítulo abordou a sociedade da informação, marcada pela evolução tecnológica e a consequente criação dos títulos de crédito eletrônicos ou virtuais. Para explicar a aplicabilidade destes títulos foi feita uma análise quanto à assinatura digital e às autoridades que certificam estas assinaturas, como forma de garantir segurança nas relações negociais e evitar que fraudes ocorram. Além disso, foi feita uma exposição dos títulos de crédito eletrônicos, no sentido de explicar os princípios cambiários sob a ótica da desmaterialização e definir quais são os títulos de crédito eletrônicos utilizados atualmente.

O último capítulo tratou do problema desta pesquisa, qual seja, o endosso nos títulos de crédito eletrônicos. Para isso, incialmente foi explicado o que são as declarações cambiais, que podem ser tanto necessárias e originárias, quanto eventuais e sucessivas, sendo que o endosso enquadra-se nessa última classificação.

Foi possível perceber que apesar do avanço tecnológico, ainda não foi possível a utilização do endosso nos títulos de crédito eletrônicos, uma vez que estes não comportam mais de uma assinatura digital.

Destarte, apesar dessa impossibilidade, os títulos de crédito eletrônicos estão sendo cada vez mais sendo utilizados, tanto pelo sistema bancário como por aqueles que anseiam pela agilidade em suas relações negociais.

Portanto, propõe este estudo uma quebra dos paradigmas, enquanto novas leis não sejam criadas, pois os títulos de crédito eletrônicos existem e apesar de escassa legislação amparando-os, deve-se analisar os conceitos já construídos sob a ótica da evolução, que no tocante aos títulos de crédito, objetiva agilizar e dar segurança àqueles que os utilizam.

1. TÍTULOS DE CRÉDITO

Os seres humanos, desde os primórdios, buscavam meios para suprirem suas necessidades, seja através da produção, troca, escambo, entre outros. Com o tempo, perceberam que podiam utilizar-se da compra e venda para adquirirem o que necessitavam. Vendiam o que conseguiam produzir e compravam o que não conseguiam, suprindo então suas carências.

Ocorre, que algumas vezes era difícil dispor de todo o dinheiro para comprar determinado produto, seja pelo volume em dinheiro, seja por não possuir todo o valor necessário para aquisição naquele determinado momento.

A partir de então, os indivíduos começaram a utilizar-se da confiança nessas relações negociais, momento no qual surge o crédito. Etimologicamente, crédito significa fé, confiança, advém do latim creditum, credere e tem como função primordial a circulação de riquezas. O crédito fomenta a economia e possibilita agilidade nas relações negociais e isto ocorre, conforme explica Luiz Emygdio (2006), devido aos elementos essenciais do crédito, quais sejam o tempo e a confiança.

O tempo, de acordo com Luiz Emygdio (2006), possui um elemento objetivo, que é o período estabelecido entre o momento em que o concedente do crédito aguardada o cumprimento da obrigação, ou seja, é o prazo em que o credor aguarda a satisfação do crédito. A confiança, por sua vez, possui elementos subjetivo e objetivo. O elemento subjetivo está no fato de o credor acreditar que o devedor é moralmente capaz de cumprir a obrigação assumida, enquanto o elemento objetivo está na certeza de que o devedor possui capacidade econômica e financeira, uma vez que tem conhecimento sobre sua renda e patrimônio, podendo assim, satisfazer a obrigação.

Entretanto, apesar da confiança inerente ao crédito, urgia-se a necessidade em pensar em algo que possibilitasse a cobrança da obrigação, caso a mesma não fosse satisfeita.

No direito romano, de acordo com Requião (2012), a obrigação ligava de modo pessoal o credor ao devedor. É o que explica:

“No primitivo direito romano o credor não se podia cobrar nos bens do devedor; daí a forma de cobrança cruel, admitida na Lei das XII Tábuas, que consistia em matar o devedor (in partes secare), ou vendê-lo como escravo transTiberim. Mais tarde, com a Lex Papiria, a garantia pessoal e corporal do devedor foi substituída pela de seu patrimônio, embora permanecesse muito formal a transmissão do crédito através da cessão, que importava, como ainda hoje, a notificação do devedor”. (REQUIÃO, 2012, p. 456)

 Sem dúvida, era difícil a circulação do crédito no direito romano, apesar do avanço em substituir a garantia pessoal pela patrimonial. Foi então, na Idade Média, de acordo com Requião (2012), que surgiu a letra de câmbio, um título de crédito, cujo objetivo era simplificar a circulação de riquezas, como se verificará a seguir.

1.1 Histórico

Os títulos de crédito surgiram a partir da necessidade de facilitar e ampliar as relações negociais, sendo a letra de câmbio o título mais antigo de que se tem registro. Não se sabe, entretanto, a data precisa, mas juristas afirmam que surgiu na Idade Média.

É o que preleciona Wille Duarte Costa:

“Então, ressalte-se que sua origem deu-se na Idade Média, provavelmente a partir do século XIII e seguindo-se até o século XVII, com o surgimento das Ordenanças de Comércio, em 1673. É claro que, por falta de documentação e elementos outros, não temos com precisão quando começou a surgir a letra de câmbio.” (COSTA, 2008, p. 6-7).

Para explicar a origem dos títulos de crédito, faz-se necessário entender os quatro períodos pelos quais explicam a origem da letra de câmbio, a saber: período italiano, período francês, período alemão e período moderno.

O período italiano, conforme Luiz Emygdio (2006) é marcado pela ascensão do comércio nas cidades italianas na Idade Média, mais precisamente nas cidades marítimas, onde se localizavam as feiras que atraíam mercadores de toda a Europa. O câmbio, que em princípio era local, passa a ter maior circulação, como bem explica Rubens Requião:

“Passa o câmbio a se caracterizar pela distantia loci. Ao viajante, que não desejava transportar consigo seus cabedais pelas vias inseguras e inçadas de emboscadas, ou que simplesmente precisava efetuar o pagamento de dívida em outra praça, surgia a necessidade de ter valores à sua disposição, não no lugar em que estava, mas aquele para o qual se dirigia. Daí a operação efetuada com o cambista local, e que consistia na troca da pecuniapraesens cum pecuniaabsens. Trocava-se moeda presente pela promessa de moeda aí ausente, mas que lhe seria entregue brevemente na outra praça, de seu destino. Quando o cambista assumia o ônus de prestar a quantia no fim da viagem, a obrigação era representada pelo título emitido. Por não estar no lugar do pagamento, o cambista encaminhava seu cliente a um terceiro, com quem mantinha correspondência. Esse câmbio era denominado cambium trajecticium, pois importava no transporte e movimento da moeda”. (REQUIÃO, 2012, p. 479).

Para que houvesse essa troca de moeda, foi instituída a cautio, uma espécie de documento que expressava a promessa de pagamento e o consequente reconhecimento de um débito.

A partir do século XIII, a cautio foi substituída pela letra de pagamento de câmbio, uma forma simplificada, que continha uma delegação de pagamento e local do mesmo.

Entretanto, explica Luiz Emygdio (2006), o período italiano não foi capaz de tornar a letra de câmbio um verdadeiro título de crédito, pois não se configurava como instrumento de crédito.

Surgiu, assim, o período francês, segundo período de evolução da letra de câmbio e, conforme Costa (2008), foi em 1673. Em 1808, através do Código de Comércio Francês, a letra de câmbio tornou-se instrumento de pagamento, caracterizado pela circulação do crédito e surgimento do endosso.

Wille Duarte Costa explica:

“É verdade que, pelo endosso, o título tornou-se instrumento de pagamento, surgindo, por isso mesmo, da cláusula à ordem, para permitir tal procedimento. Segundo a mencionada cláusula à ordem, o beneficiário poderia transferir o título a quem quisesse, sem necessidade de qualquer autorização. Por outro lado, quem recebesse o título, por força do endosso, podia endossá-lo novamente e o endossatário (pessoa a quem o título era transferido) de qualquer endosso recebia um direito próprio, não derivado, pelo que podia exigir o valor do título de qualquer endossante (pessoa que transferiu o título) ou obrigados anteriores (aceitante, endossantes anteriores e avalistas)”. (COSTA, 2008, p. 11).

Ou seja, através do endosso bem como da cláusula à ordem o crédito podia circular de forma fácil. A cláusula à ordem permitia a circulação de riqueza de maneira mais efetiva, pois já não era mais necessária a autorização do sacador para que o direito fosse transmitido.

Wille Duarte Costa com clareza explica esta fase do direito cambiário:

“[…]o período francês caracterizou-se por manter o título como instrumento de troca cambial, mas permitiu a troca do simples crédito por mercadorias; caracterizou-se também como instrumento de pagamento, em decorrência da cláusula à ordem, possibilitando o endosso e vinculando o sacado à obrigação pelo aceite dado, com a responsabilidade de todos aqueles que foram signatários do título”. (COSTA, 2008, p. 12).

Neste período, de acordo com entendimento de Luiz Emygdio (2006), a letra de câmbio tornou-se instrumento de crédito.

Por volta do século XIX, surge o período alemão, conforme Costa (2008), e a letra de câmbio torna-se efetivamente um título de crédito, que pode nascer de qualquer relação negocial, seja por meio de uma obrigação anterior ou não, sendo necessário apenas preencher, assinar e transmitir o título a alguém.

Apesar da influência que a Alemanha exerceu em muitos países, sentiu-se a necessidade de uma uniformização dos títulos de crédito, o que ocorreu com a Lei Uniforme de Genebra, Anexo I, da Conferência de Genebra, em 1930.

Vale ressaltar que o Brasil introduziu a Lei Uniforme de Genebra no ordenamento jurídico apenas em 1942, como explica Requião:

“Somente em 1942 o Governo brasileiro, pela nossa legação em Berna, depositou perante o Secretário-Geral da Liga das Nações a “Nota” de nossa adesão às aludidas Convenções. Também tardiamente, providenciaram as nossas autoridades os atos necessários à sua aplicação interna. O Congresso Nacional, pelo Decreto legislativo nº 54, de 1964, aprovou essas Convenções, tendo o Presidente da República, pelo Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966, determinado que fossem executadas e cumpridas”. (REQUIÃO, 2012, p. 484)

Alguns países, como Inglaterra e os Estados Unidos não aderiram a Lei Uniforme de Genebra. Mas o importante é que a Lei Uniforme de Genebra fez surgir o período moderno, marcado pela pouca utilização da letra de câmbio, como bem leciona Wille Duarte Costa:

“Mas o que está caracterizando esse período, que chamamos de moderno, é a pouca ou nenhuma utilização da letra de câmbio. Em quase todos os casos ela se encontra substituída pela nota promissória, cujos princípios são quase os mesmos, pois partem da mesma Lei Uniforme. Além do mais, como nota promissória representa uma promessa direta de pagamento, é mais fácil de ser usada”. (COSTA, 2008, p. 14)

Desde então, os títulos de crédito foram evoluindo sobremaneira. Atualmente, a influência tecnológica também atinge os títulos de crédito, modificando conceitos, princípios e buscando novas formas para utilização dos mesmos.

1.2 Conceito

A definição clássica de títulos de crédito foi formulada pelo jurista Cesare Vivante, citado por Fábio Ulhoa Coelho, segundo o qual “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo, nele mencionado.” (COELHO, 2012, p. 435)

Tal definição foi reproduzida, de forma quase idêntica, no artigo 887, do Código Civil brasileiro, in verbis: “Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.” (BRASIL, 2012, p. 200).

Note-se que a única alteração feita pelo Código Civil da definição de Vivante foi a troca da expressão “nele mencionado” pela expressão “nele contido”. Em que pese esta alteração, é cediço informar que pelo conceito exposto alhures, o título de crédito representa uma obrigação, mencionando um direito ao crédito e faz prova deste direito.

Fábio Ulhoa Coelho, explica como o título de crédito se distingue de outros documentos, senão vejamos:

“O título de crédito se distingue dos demais documentos representativos de direito, em três aspectos. Em primeiro lugar, ele se refere unicamente a relações creditícias. Não se documenta num título de crédito nenhuma outra obrigação, de dar, fazer ou não fazer. Apenas o crédito titularizado por um ou mais sujeitos, perante outro ou outros, consta de um instrumento cambial”. (COELHO, 2012, p. 436).

Ou seja, pelo fato de o título de crédito ser um documento que representa um crédito e faz prova de um direito, o mesmo pode ser facilmente cobrado em juízo, uma vez que conforme o artigo 585, I, do Código de Processo Civil é um título executivo extrajudicial. (BRASIL, 2012, p. 404)

Importante mencionar a definição de títulos de crédito elaborada por Victor Eduardo Rios Gonçalves:

“Pela própria interpretação das palavras verifica-se que o termo “título de crédito” diz respeito ao documento representativo de um crédito (creditum, credere), ato de fé, confiança do credor de que irá receber uma prestação futura a ele devida. Esse crédito não serve, por sua vez, como agente de produção, mas apenas para transferir riqueza de uma pessoa a outra (do devedor ao credor). Dessa forma, considerando que os títulos de crédito podem ser transferidos a mais de um credor, isto é, do credor originário a um credor seu, e deste a outro, e assim sucessivamente, conclui-se que tais títulos nada mais são do que instrumentos de circulação de riqueza na sociedade”. (GONÇALVES, 2009, p. 03)

Deste modo, uma vez que os títulos de crédito circulam riquezas, os mesmos ampliam as relações comerciais, tornando-as mais ágeis, sendo assim, não apenas um documento que representa um crédito, mas um fomentador da economia.

1.3 Princípios do direito cambiário

A partir da definição de títulos de crédito do jurista Cesare Vivante, conforme já mencionado no conceito dos títulos de crédito, pode-se extrair três características, ou princípios norteadores, a saber: cartularidade, literalidade e autonomia.

1.3.1 Cartularidade

Pelo princípio da cartularidade, presume-se credor aquele que detém a posse do título, ou seja, a cártula, documento representativo de um direito, que garante ao titular que somente a ele seja satisfeito o direito ao crédito.

Conforme entendimento de Fábio Ulhoa Coelho:

“Cópias autênticas não conferem a mesma garantia porque quem as apresenta não se encontra necessariamente na posse do documento original, e pode tê-lo transferido a terceiros. A cartularidade é, deste modo, o postulado que evita enriquecimento indevido de quem, tendo sido credor de um título de crédito, o negociou com terceiros (descontou num banco, por exemplo). Em virtude dela, quem paga o título deve, cautelarmente, exigir que ele lhe seja entregue. Em primeiro lugar, para evitar que a cambial, embora paga, seja ainda negociada com terceiros de boa-fé, que terão direito de exigir novo pagamento; em segundo, para que o pagador possa exercer, contra outros devedores, o direito de regresso (quando for o caso)”. (COELHO, 2012, p. 438).

Trata-se de uma forma de conferir segurança às relações realizadas por meio do título de crédito. Ou seja, com a materialização de uma obrigação, o credor terá como exigir o cumprimento da mesma. No mesmo sentido, ficará o devedor resguardado de possível cobrança em duplicidade, pois qualquer pessoa poderia se dizer credora, o que geraria enriquecimento ilícito. Esta preocupação é observada quando da propositura de uma execução, que deverá ser instruída com a via original do título de crédito, salvo nos casos de extravio ou dilaceramento do título.

É o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, examinado pela sua Terceira Turma, no Recurso Especial 337.822/RJ, através da relatora Ministra Nancy Andrighi: “a exigência da via original do título executivo extrajudicial como requisito à propositura do processo de execução visa atender duas finalidades: primeiro, certifica a autenticidade do título, e, segundo, afasta a possibilidade de ter a cártula circulado”. (BRASIL, 2001).

Gladston Mamede (2006) explica que a variabilidade subjetiva ativa é o motivo de qualquer pessoa poder se dizer credora de uma obrigação constante numa cártula, uma vez que a circulação é inerente aos títulos de crédito. Deste modo, somente com a exibição do título, é possível comprovar ser credor legítimo do mesmo.

1.3.2. Literalidade

Fábio Ulhoa Coelho explica o princípio da literalidade, dispondo que: “Somente produzem efeitos jurídico-cambiais os atos lançados no próprio título de crédito. Atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título”. (COELHO, 2012, p. 440)

Ou seja, somente importa para efeito jurídico-cambial o que está disposto no título, não importando o negócio que lhe originou para fins de produção de efeitos.

Coelho (2012) exemplifica este princípio com a possibilidade do aval no título de crédito. Segundo o referido autor, o avalista deve assinar no título para efetivar a garantia, não tendo efeito a assinatura em documento apartado.

Eversio Donizete de Oliveira assim preleciona:

“É a observância restrita do teor do título, em relação aos direitos por ele incorporados, visto que o documento de crédito obedece rigorosamente o que nele está expresso, observando o caráter formal de sua apresentação, com vistas à proteção do terceiro de boa-fé, uma vez que a forma do título determina a natureza e a extensão da obrigação cambiária do subscritor”. (OLIVEIRA, 2012, p. 66)

A literalidade expressa-se pelo rigor formal, pois desta forma garantirá proteção aos envolvidos, uma vez que delimita os direitos ao que está expresso no título.

1.3.3 Autonomia

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho: “Segundo esse princípio, quando um único título documenta mais de uma obrigação, a eventual invalidade de qualquer delas não prejudica as demais”. (COELHO, 2012, p. 441)

Ou seja, qualquer invalidade que possa ocorrer em determinada relação jurídica, não será estendida às demais relações. Assim, um mesmo documento poderá ser, em parte, inválido, pois as diferentes obrigações são autônomas e não interferem na eficácia das outras. Deste modo, será garantida a segurança ao transferir o título de crédito, uma vez que o adquirente não terá dependência com antigos possuidores.

Deste princípio decorrem os subprincípios da abstração e da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé

Pelo subprincípio da abstração, segundo Fábio Ulhoa Coelho: “o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem”. (COELHO, 2012, p. 443)

Conforme entendimento de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. “A abstração significa que determinados títulos de crédito (v.g., letra de câmbio, nota promissória e cheque) podem resultar de qualquer causa, mas dela se libertam após a sua criação, o que não ocorre com os títulos causais (duplicata)”. (ROSA JR, 2006, p. 68).

Existem títulos de crédito que são autônomos e abstratos, pois circulam desvinculados da causa que os gerou; a duplicata, por sua vez é apenas autônoma, uma vez que é um título causal, ou seja, resultante de um negócio jurídico.

Eversio Donizete de Oliveira (2012) destaca que não pode-se confundir a autonomia com a abstração, pois pela abstração não se leva em consideração a causa que gerou o título de crédito, enquanto a autonomia se fundamenta na independência das obrigações.

O subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais, de acordo com Emygdio Luiz F. da Rosa Jr.: “visa a proteger o terceiro de boa-fé para facilitar a circulação do título, porque quanto mais estiver protegido, mais facilmente o título circulará.” (ROSA JR. 2006, p. 69).

Fábio Ulhoa Coelho também explica este subprincípio:

“Aos terceiros de boa-fé, o executado em virtude de um título de crédito não pode alegar, em seus embargos, matéria de defesa estranha à sua relação direta com o exequente, salvo provando a má-fé dele. São, em outros termos, inoponíveis aos terceiros defesas (exceções) não fundadas no título.” (COELHO, 2012, p. 444)

Deste modo, o portador do título de crédito exerce direito próprio, que não deriva de relações anteriores. Portanto, o portador não poderá ser surpreendido por oposição de uma relação em que não faça parte, a menos que, ao adquirir o título, tenha agido de má-fé. Essa segurança garantida aos portadores é essencial à circulação dos títulos.

Para verificar a má-fé, Fábio Ulhoa Coelho assim dispõe:

“O simples conhecimento, pelo terceiro, da existência de fato oponível ao credor anterior do título já é suficiente para caracterizar a má-fé. Não se exige, para o afastamento da presunção de boa-fé, a prova da ocorrência de conluio entre o exequente e o credor originário da cambial. Basta a ciência do fato oponível, previamente à circulação do título”. (COELHO, 2012, p. 444)

Importante mencionar que o subscritor do título somente poderá opor contra o possuidor de boa-fé, os vícios formais.

2. EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E O DIREITO CAMBIÁRIO

O desenvolvimento tecnológico ocorre em grande escala, principalmente quanto aos meios de comunicação, a partir do advento da informatização.

Com isso, os negócios jurídicos pela Internet crescem a cada dia e o suporte físico em papel dos mesmos já não é mais compatível com a realidade, pois dificulta, em se tratando dos títulos de crédito, a sua circulação, devido ao volume que ocupam.

Segundo Newton de Lucca, no Brasil, a primeira mudança significativa foi implementada nos sistemas bancários e financeiros: “o volume de documentos de dívida, registrados em papel era de tal forma crescente no início da década de 1970, que tonava caótica a circulação dos créditos.” (LUCCA, 2001, p. 43)

Assim, conforme explica Eversio Donizete de Oliveira, foi necessária a implantação das duplicatas eletrônicas ou escriturais, como se observa a seguir:

“Em 15 de dezembro de 1976 foi promulgada a Lei n. 6.404, que regulava as ações escriturais e, em 1979, a Associação dos Bancos do Estado de São Paulo, com vistas a racionalizar e modernizar a gestão bancária dos títulos de crédito, implantou a duplicata escritural. O resultado positivo pôde ser sentido de imediato, mas não houve na sequência qualquer preocupação com a sua padronização. Ao final da década de 1980, todo o sistema bancário foi automatizado, alçando o Brasil a dianteira dos países utilizadores do sistema. De início, só os serviços foram informatizados mas, em seguida, proceder-se-ia a uma gradativa e irreversível substituição dos títulos cartulares por títulos eletrônicos”.  (OLIVEIRA, 2007, p. 29)

Portanto, a partir dessa necessidade no sistema bancário brasileiro, implantou-se a duplicata virtual, um título de crédito eletrônico, com o objetivo de facilitar e agilizar as transações, cumprindo a função precípua dos títulos de crédito que é a circulação de riquezas.

Na verdade, apesar do avanço no sistema bancário, o desenvolvimento do Brasil na área da informática se deu nos anos 1990, após ser sancionada a Lei n. 8.248, que dispõe sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação. A promulgação desta lei, conforme Eversio Donizete de Oliveira: “promoveu o crescimento sem precedentes das indústrias de informática e telecomunicações, que, a partir de 1992, foi da ordem de 10% ao ano, transformando a indústria brasileira na maior da América Latina, respeitada em todo o mundo.” (OLIVEIRA, 2007, p. 30)

Este crescimento é uma realidade que se construiu ao longo dos últimos anos. Uma prova deste avanço foi a criação do comércio eletrônico, que mudou hábitos da sociedade. Para os consumidores, é uma prática mais vantajosa no sentido de despenderem pouco tempo para adquirem um produto, afinal uma sociedade dinâmica busca praticidade em tudo o que fazem. Lado outro, os fornecedores conseguem reduzir custos, uma vez que as lojas físicas demandam maiores gastos, além disso os negócios são concretizados rapidamente, uma vez que esta é uma das grandes buscas do consumidor.

Ademais, será tratado como a sociedade da informação contribuiu para o crescimento do comércio eletrônico e para a implantação dos títulos de crédito eletrônicos.

2.1 Sociedade da Informação

A sociedade da informação cresceu sobremaneira nas últimas décadas e os objetivos eram cada vez mais aumentar a comunicação, estreitar distâncias e otimizar o tempo. Nesse sentido, surge o comércio eletrônico, uma nova forma de negociar que se adaptou à nova sociedade e aos anseios da mesma.

Assim, dispõe Patrícia Peck Pinheiro:

“A sociedade digital já assumiu o comércio eletrônico como um novo formato de negócios. Já existem o e-commerce, o m-commercee o t-commerce, dependendo se o veículo de transação eletrônica é um computador, um celular ou dispositivo de comunicação móvel, ou a televisão. A tendência é que esse formato se amplie cada vez mais, conforme a tecnologia se torne mais acessível, a rede mais estável e as normas-padrão mais aplicáveis.” (PINHEIRO, 2010, p. 108)

No comércio eletrônico, além de a transação ser virtual, os participantes dessa relação negocial e os documentos que a comprovam, também se apresentam de forma eletrônica. Deste modo, para garantir a segurança nessa relação é preciso observar a transparência, a confiança e autonomia para que não seja possível, ou pelo menos diminua as chances de fraudes e delitos eletrônicos.

Apesar dos benefícios trazidos pela internet, os delitos eletrônicos aumentaram de forma significativa. Eversio Donizete de Oliveira, assim expõe:

“É notório que o crime avança na Rede Mundial de Computadores em igual proporção a do mundo real, mas, com efeito, mais devastador por ser praticado em cascata, dado à rapidez da sua disseminação e divulgação, em um meio que não reconhece territorialidade nem temporalidade”. (OLIVEIRA, 2007, p. 35-36)

Quanto à questão territorial apontada pelo autor acima, há que ser repensada face ao avanço tecnológico e à sociedade globalizada, pois é quase impossível determinar onde ocorreram as relações jurídicas oriundas da internet.

Patrícia Peck (2010), face aos questionamentos da aplicação da territorialidade, explica que para dirimir tais questões deve-se aplicar o princípio do endereço eletrônico, que consiste no local onde a conduta foi praticada ou produziu seus efeitos, ou o local do domicílio do consumidor, ou ainda, onde o réu se encontre ou da eficácia na execução judicial.

O Brasil, quanto a esta questão, adota o que estabelecem os artigos 5º e 6º, do Código Penal, que dispõem que aplica-se a lei brasileira aos crimes ocorridos em território nacional e o lugar do crime é aquele em que ocorreu a ação ou a omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir o resultado. Ou seja, quanto à lei penal no espaço utiliza-se a territorialidade e, quanto ao lugar do crime, a teoria da ubiquidade.

Quanto a questão temporal, explica Patrícia Peck Pinheiro:

“O elemento tempo no Direito Digital extrapola o conceito de vigência e abrange a capacidade de resposta jurídica a determinado fato. Ou seja, o conjunto “fato, valor e norma” necessita ter certa velocidade de resposta para que tenha validade dentro da sociedade digital. Esse tempo pode ter uma relação ativa, passiva ou reflexiva como o fato que ensejou sua aplicação, ou seja, com o caso concreto”. (PINHEIRO, 2010, p. 78)

Através do elemento tempo é possível estabelecer as responsabilidades e com isso, encontrar as respostas. Mas além de tudo, deve o operador do direito saber manipular o tempo, pois na Rede Mundial os fatos ocorrem rapidamente e sempre se alteram.

Além de tudo, deve o usuário ter cautela ao utilizar a Internet, no sentindo de não informar dados para qualquer site, não participar de correntes, usar senhas que sejam difíceis de serem decifradas, para que assim, diminua o risco de ser vítima de um crime virtual e para que os contratos celebrados deste modo sejam seguros.

Um avanço que ocorreu na legislação brasileira, apesar de demonstrar-se insuficiente, foi a criação da lei 12.737, de 30 de novembro de 2012, que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos, também conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, pelo fato de que fotos da atriz nua foram divulgadas na internet.

Esta lei acrescentou os artigos 154-A e 154-B e alterou a redação dos artigos 266 e 298, todos do Código Penal.

Assim, de acordo com os artigos 154-A e 154-B, passa a ser crime a invasão de dispositivo informático e a ação penal deste delito se dará mediante representação, salvo se cometido contra a administração pública direta ou indireta ou contra concessionárias de serviços públicos.

Quanto ao artigo 266, passa a ser crime interromper serviço telemático ou de informática de utilidade pública. Por fim, no que tange ao artigo 298, os dados do cartão de crédito ou débito passam a equivaler aos dados do documento particular para atribuir punição à falsificação de identidade.

Foi criada também a Lei 12.735/12, determinando que as Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal criassem órgão específicos para tratar os crimes cibernéticos. Essa determinação foi de suma importância, uma vez que a polícia investigativa ainda está despreparada para atuar nesses crimes e a perícia, muitas vezes não consegue apurá-los.

Assim, paulatinamente, o conceito de que a internet é um local marginal e sem proteção vai se alterando, pois revestido de consciência do usuário e de proteção legal, ainda que insuficiente, mas com perspectiva de mudança.

Uma das formas de perceber as mudanças de conceitos é através da utilização dos documentos eletrônicos, aceitos por muitos como um meio probatório seguro, como se verá a seguir.

2.2 Documentos eletrônicos

Antes de explicar o que são os documentos eletrônicos, importante esclarecer o que é um documento.

Humberto Theodoro Júnior, com clareza preleciona:

“É o resultado de uma obra humana que tenha por objetivo a fixação ou retratação material de algum acontecimento. Contrapõe-se ao testemunho, que é o registro de fatos gravados apenas na memória do homem. Em sentido lato, documento compreende não apenas os escritos, mas toda e qualquer coisa que transmita diretamente um registro físico a respeito de algum fato, como os desenhos, as fotografias, as gravações sonoras, filmes cinematográficos. Mas em sentido estrito, quando se fala em prova documental, cuida-se especificamente dos documentos escritos, que são aqueles em que o fato vem registrado através da palavra escrita, em papel ou outro material adequado”. (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 454)

Ou seja, documento é todo registro de um acontecimento, e tem a função de meio probatório, afinal os atos devem ser documentados para serem provados. Pode se apresentar de maneira escrita, ou desenhos, ou fotografias, entre outros.

Com a tendência à desmaterialização, mudou-se a forma de representação de um documento. Os registros magnéticos passaram a exercer a função do papel no tocante ao registro do documento. Ou seja, a função de servir como registro de um acontecimento se manterá, o que muda é apenas a forma de realizar este registro, como se verá a seguir nas palavras de Newton de Lucca:

“Não existe, na verdade, diferença entre a noção tradicional de documento e a nova noção de documentos eletrônicos. Estes últimos, com efeito, também serão o meio real de representação de um fato, não o sendo, porém de forma gráfica. A diferença residirá, portanto, tão-somente no suporte do meio real utilizado, não mais representado pelo papel e sim por disquetes, disco rígido, fitas ou discos magnéticos etc”. (LUCCA, 2001, p. 44)

Neste sentido, acrescenta Eversio Donizete de Oliveira:

“Em uma sociedade amplamente informatizada, a materialização de um documento não pode mais se restringir a sua apresentação em papel. Mudaram-se a forma e o meio de apresentação, mas impõe-se que a obrigação que lhe deu origem seja igualmente autêntica, capaz de produzir efeito jurídico. Para isso, é indispensável a determinação da sua autoria e integridade”. (OLIVEIRA, 2007, p. 42)

O papel não é a única forma de se constituir um documento. Com o advento da informatização alterou-se a forma de constituírem obrigações. Mas em ambas as formas, registro em papel ou meio eletrônico, devem ser determinadas sua autoria e integridade e o que garante esta autoria é a assinatura, que no documento eletrônico é chamada de digital, um sinal exclusivo e complexo.

2.2.1 Assinatura digital

A assinatura digital é utilizada nos documentos eletrônicos como forma de representação de autoria, sendo um requisito essencial dos títulos de crédito.

De acordo com Eversio Donizete de Oliveira, a Infraestrutura Chaves Públicas – ICP Brasil define a assinatura digital como “uma modalidade de assinatura eletrônica, resultado de uma operação matemática que utiliza algoritmos de criptografia assimétrica e permite aferir, com segurança, a origem e a integridade dos documentos”.  (OLIVEIRA, 2007, p. 43)

O autor supracitado ainda explica:

“A assinatura digital fica de tal modo vinculada ao documento eletrônico subscrito que uma pequena alteração pode invalidá-lo. A técnica permite não só verificar a autoria do documento, como também estabelece uma imutabilidade lógica de seu conteúdo, pois qualquer alteração, como por exemplo, a inserção de mais de um espaço entre duas palavras, invalida a assinatura”. (OLIVEIRA, 2007, p. 43)

Em que pese o receio que muitos ainda possuem quanto à assinatura digital, a mesma demonstra-se segura, pois não se confunde com a assinatura digitalizada, que pode facilmente ser fraudada, mas sim, como o resultado de uma sequência numérica, praticamente impossível de ser fraudada, devido a utilização da criptografia, que é um dos meios utilizados para identificar o usuário.

Erica Brandini Barbagalo, conceitua a criptografia como “uma metodologia em que se aplicam complexos procedimentos matemáticos que transformam determinada informação em uma sequência de bits, de modo a não permitir seja tal informação alterada ou conhecida por terceiros”. (BARBAGALO, 2001, p. 43)

Somente poderão ter acesso ao documento eletrônico os portadores das chaves pública ou privada, que é o resultado da utilização da criptografia assimétrica.

Gustavo Testa Corrêa explica este sistema:

“O programa codifica um documento-texto, utilizando para isso a chamada chave privada, que é basicamente um número muito longo. Ele transforma todo esse documento em caracteres ilegíveis. Somente quem possui a outra chave, a pública, poderá acessar e decodificar o documento”. (CORRÊA, 2010, p.100)

A criptografia assimétrica permitiu maior segurança aos documentos criados, de modo que a alteração dos mesmos só pode ser feita pelo detentor da chave privada. Aquele que possuir a chave pública apenas decodificará o texto recebido, podendo identificar o emitente.

 Outro tipo de criptografia é a chamada simétrica, segundo a qual o mesmo programa utilizado para criptografar, também é utilizado para descriptografar. Este tipo, porém, é considerado inseguro, pois o receptor terá acesso a chave do emitente e consequentemente poderá alterar o conteúdo do documento. Assim, para garantir a segurança das informações prima-se pela utilização da criptografia assimétrica.

Importante, ainda, definir o que é assinatura digitalizada e o porquê de poder ser facilmente fraudada. Segundo Eversio Donizete Oliveira: “é a reprodução da assinatura tradicional como imagem por um equipamento tipo scanner. Ela não garante a autoria e integridade do documento eletrônico, porquanto não existe uma associação inequívoca entre o subscritor e o texto digitalizado”. (OLIVEIRA, 2007, p. 45)

A assinatura digitalizada não garante segurança, uma vez que esta assinatura pode ser reproduzida por qualquer pessoa, sem qualquer controle, desde que a pessoa possua um scanner e intenção em cometer ilícitos.

 A assinatura digital, por sua vez, é considerada mais segura inclusive que a assinatura autógrafa, como defende Patrícia Peck Pinheiro:

“É importante ressaltar que a assinatura eletrônica é mais segura que a real, pois é autenticada, ou seja, verificada em tempo real no sistema de duas chaves, enquanto as assinaturas tradicionais não são verificadas imediatamente e muitas nem sequer são verificadas, como acontece muito com cheques e cartões de credito”. (PINHEIRO, 2010, p. 216)

Ou seja, ao utilizar um assinatura digital a mesma será verificada imediatamente, para que seja conferida sua autenticidade. As assinaturas tradicional, por sua vez, não são controladas com tanta cautela e frequência. Dificilmente são conferidas quando da utilização de um cheque, ou outro documento.

Eversio Donizete de Oliveira também ressalta a segurança da assinatura digital:

“Por tratar-se de um sistema de codificação em que o emissor e o receptor podem estabelecer uma comunicação isenta de interferências, tem-se procurado divulgar a importância de sua adoção para o trânsito seguro de documentos, em forma de mensagens, arquivos e dados. Mais do que proporcionar segurança, a criptografia é a base em que vários países assentam a validade do documento eletrônico”. (OLIVEIRA, 2007, p. 41)

Em que pese não se poder garantir com toda certeza que o sistema utilizado pela criptografia seja impossível de ser fraudado, especialistas sempre estão renovando a certificações desses documentos, que consistem em acrescer novos números às chaves, para diminuir ainda mais este risco.

Importante salientar que devido a essa segurança contida nos documentos eletrônicos e pela necessidade cada vez maior de agilizar processos judicias, diminuindo o uso de papeis, foi criada a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que alterou determinados artigos do Código de Processo Civil, com a possibilidade de informatização do processo judicial.

Esta lei, em seu artigo 1º, parágrafo 2º, inciso III, considera como assinatura eletrônica, a assinatura digital certificada pela autoridade competente, além do cadastro do usuário, ou seja, dos profissionais, no Poder Judiciário, alterando o artigo 38, do Código de Processo Civil.

Destarte, como prevê o artigo supracitado, deve a assinatura do processo eletrônico ser garantida pela Autoridade Certificadora, para que lhe seja garantida autenticidade e segurança.

2.2.2 Autoridade certificadora

A certificação dos documentos eletrônicos é a única forma de atribuir-lhes autenticidade, de modo a preservar a integridade e originalidade dos mesmos. Esta certificação compete às Autoridades Certificadoras.

Everzio Donizete de Oliveira (2007) explica que através da Medida Provisória nº 2.200-2 de 28 de junho de 2001, foi criada a Infra Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil, vinculada à Agência Brasileira de Informação, tendo como função o credenciamento das entidades certificadoras de documentos eletrônicos.  Estas entidades vinculadas ao ICP-Brasil, garantem aos documentos presunção de autenticidade derivada da lei.

 Devido a edição da Medida Provisória 2200-2/2201, que centralizou na ICP-Brasil a certificação com presunção de autenticidade derivada da lei, muitas discussões passaram a ocorrer, pois as outras empresas continuam atuando nesta área, porém garantindo aos documentos apenas uma comprovação como testemunha.

No sentido geral, preleciona Gustavo Testa Corrêa:

“A autoridade certificadora, emissora, órgão público ou privado, prestador de serviços de certificação, tem como finalidade destinar a emissão de certificados digitais sobre circunstâncias ou fatos relacionados a um indivíduo, vinculando um par de chaves ou receptor da mensagem de forma segura”. (CORREA, 2010, p. 104)

A certificação digital garante segurança às informações que trafegam na rede, inclusive quanto ao emitente dos documentos virtuais.

Patrícia Peck Pinheiro (2010) sobre a utilidade dos certificados digitais expõe sobre sua aplicabilidade junto aos órgãos do governo, a exemplo da Receita Federal: “em que o contribuinte, por meio do e-CPF, pode receber mensagens da Receita sobre os trâmites de sua declaração de imposto de renda, bem como corrigir erros online.” (PINHEIRO, 2010, p. 218)

Outro exemplo da referida autora é quanto ao meio burocrático em que:

“Fica dispensada a visita ao cartório em diversas situações, como, por exemplo, para autenticar contratos de compra e venda de imóveis, validar documentos de concorrência pública, entre outros. Para o comércio eletrônico, do ponto de vista do comprador, uma empresa que possui uma assinatura digital confere credibilidade ao negócio efetuado na Internet. Destacamos ainda seu papel no uso de e-mail, junto ao Poder Judiciário e nas instituições financeiras”. (PINHEIRO, 2010, p. 218)

Assim, com o advento das assinaturas digitais e a certificação das mesmas, várias utilidades podem ser percebidas, como as consultas na Receita Federal online, autenticação de determinados contratos, negócios efetuados pela Internet, entre outros. Os benefícios são inúmeros, pois além da segurança inerente às assinaturas digitais, as mesmas ainda são autenticadas pelas Autoridades Certificadoras, que confirmam em uma mensagem eletrônica a veracidade daquele documento.

2.3 Conceito de títulos de crédito eletrônicos

A partir dos avanços tecnológicos, os negócios eletrônicos tem substituído aqueles documentados em papel.

A concepção clássica dos títulos de crédito, em que a materialização do documento é característica fundamental para sua existência, tem perdido lugar para os títulos eletrônicos.  Apesar de muitos invocarem uma alteração na legislação para regular os títulos eletrônicos, Coelho (2012), não concorda que precisa haver essa alteração, pois o direito brasileiro já possui condições de conferir executividade a estes títulos.

Ronaldo Alves de Andrade argumenta no sentido de haver necessidade de uma adequação do Direito aos documentos eletrônicos:

“Os dados eletrônicos suportados em base física constituem legalmente um documento, cabendo ao Direito adequar a sua natureza a tipologia do Código de Processo Civil brasileiro, e então definir se o documento seria eletrônico, escrito ou mera reprodução mecânica”. (ANDRADE, 2004, p. 63)

Eversio Donizete de Oliveira, explica sobre a direção apontada pela Lei Modelo da Uncitral, no sentido de que “onde a lei estabelecer a forma escrita como requisito de validade, será também válida a forma eletrônica se a informação contida puder ser acessada posteriormente.” (OLIVEIRA, 2007, p. 75)

Deste modo, os documentos eletrônicos devem ter equivalência aos documentos escritos quanto à sua validade. Assim, para exigibilidade de um direito, apresenta-se o documento seja ele materializado em papel ou em forma eletrônica.

Afinal, devem os operadores do direito adequarem o suporte papel pelo registro eletrônico, entendendo que ambos constituem um documento materializado, pois entendendo assim, os títulos terão eficácia e executividade jurídica.

Apresentado um pouco dos questionamentos quanto à adequação legislativa dos títulos de crédito eletrônicos, cumpre destacar que os mesmos são semelhantes aos documentos de dívida convencional.

 Eversio Donizete de Oliveira, assim conceitua os títulos eletrônicos:

“Acompanhando a evolução tecnológica da sociedade, surge a figura do título de crédito eletrônico, entendido como toda e qualquer manifestação de vontade, traduzida por um determinado programa de computador, representativo de um fato, necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. Como se pode verificar, mantém-se, na essência, a mesma definição”. (OLIVEIRA, 2007, p. 81)

Fábio Ulhoa Coelho também conceitua os títulos de crédito eletrônicos:

“Título de crédito não pode mais ser conceituado como “o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”, mas sim o “documento, cartular ou eletrônico, que contempla a cláusula cambial, pela qual os coobrigados expressam a concordância com a circulação do crédito nele mencionado de modo literal e autônomo”. (COELHO, 2012, p. 452)

Em ambos conceitos, percebe-se que os autores entendem que a essência dos títulos eletrônicos é a mesma dos títulos convencionais. Onde é lê-se a documento cartular, é possível ler também eletrônico. Ambos representam uma manifestação de vontade literal e autônoma. O primeiro é registrado num suporte papel e o segundo num programa de computador. 

Essas divergências, entretanto, demonstram que muitas dúvidas ainda existem, pois apesar do fato desses títulos existirem, como se verá a seguir, eles ainda carecem de alterações na legislação, afinal, diferentemente da duplicata, os outros títulos ainda precisam ser exibidos em papel para ter satisfeita a prestação jurisdicional.

Os doutrinadores, de um modo geral, aceitam a execução da duplicata eletrônica, como jurídica, sem necessitar de alteração legislativa, uma vez que este título pode ser constituído totalmente em meio eletrônico.

2.4 Tipos mais comuns de títulos de crédito eletrônicos

Em que pese a maioria doutrinária aceitar apenas a duplicata eletrônica como um título de crédito, atualmente dois novos títulos eletrônicos tem se inserido nos negócios virtuais, a saber: a nota promissória eletrônica e o cheque eletrônico.

O artigo 889, parágrafo 3º, do Código Civil/2002, permite que os títulos de crédito sejam emitidos a partir de caracteres criados em computador, ou meio técnico equivalente. Assim, os três tipos de títulos de crédito eletrônicos que hoje são utilizados, encontram neste artigo especificamente, o primeiro respaldo na legislação

2.4.1 Duplicata eletrônica

A duplicata é um título de crédito resultante de uma compra e venda ou prestação de serviços, sendo portanto, um título causal.

A duplicata eletrônica, também chamada de duplicata virtual ou escritural, tem sido utilizada em grande proporção pelo sistema bancário e nas relações comerciais.

Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., explica como se dá sua emissão:

“O vendedor, via computador, saca a duplicata e envia pelo mesmo processo ao banco, que, igualmente, por meio magnético, realiza a operação de desconto, creditando o valor correspondente ao sacador, expedindo, em seguida, guia de compensação bancária, que, por correio, é enviada ao devedor da duplicata virtual, para que o sacado, de posse do boleto, proceda ao pagamento em qualquer agência bancária”. (ROSA JR. 2006, p. 755)

Ou seja, após celebração do contrato de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, o vendedor envia pela internet uma fatura ao banco, contendo todos os dados necessários, para que este possa emitir um boleto bancário, também via internet. O banco então, envia este boleto para que o devedor cumpra sua obrigação. Assim, o boleto é apenas um instrumento de cobrança utilizado pelos bancos, e não se confunde com a duplicata, ou seja, não é o título de crédito, mas apenas uma forma para cobrá-lo.

Caso a obrigação não seja satisfeita, será feito o protesto por indicações, também em meio magnético.

Quanto à possibilidade de fazer o protesto por indicações, Coelho (2012), entende ser plenamente possível, pois a legislação em vigor ampara este instituto:

“O instrumento de protesto da duplicata, realizado por indicações, quando acompanhado do comprovante da entrega das mercadorias, é título executivo extrajudicial. É inteiramente dispensável a exibição da duplicata, para aparelhar a execução, quando o protesto é feito por indicações ao credor (Lei das Duplicatas, art. 15, §2º). O registro eletrônico do título, portanto, é amparado no direito em vigor, posto que o empresário tem plenas condições para o protestar e executar. Em juízo, basta a apresentação de dois papéis: o instrumento de protesto por indicações e o comprovante da entrega das mercadorias. Mas a completa despapelização da administração do crédito concedido pressupõe mais uma providência: a eliminação do comprovante da entrega das mercadorias em suporte papel”. (COELHO, 2012, p. 533)

Também referente a questão do protesto por indicação das duplicatas virtuais, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, através da relatora Desembargadora Rejane Andersen:

“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SENTENÇA QUE ACOLHEU OS EMBARGOS E JULGOU EXTINTA A EXECUÇÃO COM FULCRO NO ART. 267, IV DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DUPLICATA ELETRÔNICA. PROTESTO POR INDICAÇÃO. INSTRUMENTO ACOMPANHADO DAS NOTAS FISCAIS E DOS COMPROVANTES DE ENTREGA DAS MERCADORIAS. CAUSA DEBENDI DEMONSTRADA. PROTESTO REGULAR. PRESCINDIBILIDADE DA EMISSÃO E DA COMPROVAÇÃO DO ENVIO PARA O DEVEDOR. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 8º DA LEI 9.492/97. TÍTULO CERTO, LÍQUIDO E EXIGÍVEL. SENTENÇA CASSADA. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA E RECURSO ADESIVO PUGNANDO A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PREJUDICADO. "1. As duplicatas virtuais – emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica – podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/97 […]"(STJ, Resp n.º 1.024.691 – PR, Ministra Nancy Andrighi, j. 22-3-2011)."Admite-se que o tabelionato lavre o protesto de duplicata mercantil a partir de informações encaminhadas por meio magnético ou de gravação de dados. Consequentemente, em se tratando de duplicata mercantil sem aceite, a execução será admitida mediante a exibição da nota fiscal que lhe deu origem, mais o comprovante da entrega da mercadoria e o instrumento de protesto lavrado por indicação"(Agravo de instrumento n. 2011.097406-0, de Jaraguá do Sul, Quinta Câmara de Direito Comercial, rel. Des. Jânio Machado, j. 7-5-2012). O fato de constar do corpo dos autos a duplicata materializada em papel não afasta a virtualidade do título. Isso porque o protesto realizado por indicação demonstra, por meio da fé pública do tabelião, que até aquele momento a duplicata era virtual, caso contrário o protesto não teria sido lavrado na modalidade do art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.492/97. Nada obsta, contudo, que para provar o seu direito em juízo, o credor emita a duplicata em papel posteriormente e junte nos autos do processo – medida inclusive recomendável, diante do ônus imputado ao representante pelo referido dispositivo legal”. (SANTA CATARINA, 2012)

A Lei nº 9.492/97, que define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos, em seu artigo 8º, conforme citado no acórdão acima, dispõe que podem ser recepcionados pelos tabeliões, as indicações a protesto das duplicatas, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados.

Este texto legal já adotou as inovações trazidas com a utilização das duplicatas eletrônicas. Nesse sentido restou comprovada a possiblidade do protesto por indicação, uma vez que é aceita pela jurisprudência e pela legislação.

Em que pese a maioria doutrinária aceitar a duplicata eletrônica como um título de crédito, há quem não concorde com essa classificação, como Wille Duarte Costa (2008). Segundo ele, a duplicata possui um modelo próprio estabelecido em lei, que não pode ser alterado, pois deixaria de ser uma duplicata, para tornar-se outro documento. Portanto, argumenta que a duplicata virtual seria ilegal.

Essa resistência do autor supracitado, bem como de outros que não concordam que a duplicata eletrônica seja um título de crédito, deve-se a falta de regulamentação própria desta nova forma em que se constitui o crédito.

Portanto, faz-se necessária uma alteração na Lei nº 5.472/68, incluindo a possibilidade de emissão da duplicata eletrônica e informando sobre sua emissão, circulação e protesto. Afinal, desde a criação da lei das duplicatas em 1968, em muito cresceu a economia. Novas formas de comercializar aliadas à necessidade de otimizar o tempo, fez com que a duplicata eletrônica fosse instituída no comércio e, em que pese os Tribunais aceitarem atualmente este título de crédito, somente uma alteração legislativa seria capaz de resolver todos os problemas e dúvidas atrelados à duplicara virtual.

2.4.2 Nota promissória eletrônica

A nota promissória, conforme já exposto, é um título de crédito que contém uma promessa de pagamento, que o subscritor faz em detrimento de um tomador.

O avanço da informática também proporcionou a utilização e constituição deste título de crédito em sua forma virtual.

Segundo Simone Lemos Alves (2009), a nota promissória eletrônica contém todos os requisitos exigidos pela Lei Uniforme de Genebra, conforme pode-se perceber pelo disposto a seguir:

“Se o credor a endossa, lança-se o registro eletrônico das informações pertinentes a esse ato de transferência da titularidade do crédito, como nome do endossatário, data, se há ou não cláusula sem despesas ou cláusula sem garantia, etc. O saque, endosso e aval da nota promissória serão praticados mediante assinatura digital do subscritor, endossante ou avalista, certificada no mesmo arquivo eletrônico.” (ALVES, 2009, p. 78)

Os requisitos a ela inerentes exigidos pela Lei Uniforme são a promessa de pagamento, o nome do beneficiário, a data de emissão e a assinatura, todos eles possíveis devido ao avanço da tecnologia e utilização da assinatura digital.

Deste modo, a desmaterialização não impede a utilização da nota promissória eletrônica, uma vez superados os problemas que poderiam impedir a mesma de ter eficácia como título de crédito. Ou seja, cada título de crédito, devido a legislação a ele pertinente deve conter determinados requisitos, que fazem com que possam cumprir sua função de forma válida. Como a nota promissória eletrônica contém esses requisitos, a mesma deve ser aceita pela doutrina, uma vez que a sociedade evoluiu com a informatização e seus anseios também.

No mesmo sentido da duplicata eletrônica, também necessita de regulamentação legislativa, para que sejam superados os questionamentos e inseguranças que ainda existem quanto a este título de crédito.

Carlos Alberto Rohrmann (2013), propõe uma emenda à Lei Uniforme de Genebra, no sentindo de prever a possibilidade de emissão da nota promissória eletrônica, além de incluir como se dará sua execução.

Das propostas sugeridas pelo autor supracitado, ele propõe que permaneçam os requisitos estabelecidos para a nota promissória, expostos alhures, e que tenha como diferencial a inserção da assinatura digital, certificada por autoridade competente.

Seguindo a linha de raciocínio, as notas promissórias eletrônicas apenas poderão circular no ciberespaço, sendo nula de pleno direito aquela que for convertida em não eletrônica e ressalva que a impressão da mesma só se dará em havendo execução do título de crédito. Entretanto, não pode o judiciário exigir a impressão da nota promissória eletrônica.

Sugere, ainda, que a nota promissória só deva circular mediante endosso eletrônico, ou seja, em que for aposto a assinatura digital. Em que pese ser uma sugestão óbvia, o avanço tecnológico ainda não alcançou essa possibilidade de endossar um título de crédito eletrônico. Esta problemática será melhor estudada no último capítulo dessa pesquisa.

Destarte, a nota promissória eletrônica é um título de crédito que tem sido aceito por alguns juristas, mas que, no mesmo sentido da duplicata eletrônica, carece de alteração da legislação e, ainda, que os meio de informatização consigam alcançar as necessidades destes títulos que é a circulabilidade, mediante o endosso eletrônico.

2.4.3 Cheque eletrônico

Por fim, o último título de crédito eletrônico a ser estudado é o cheque eletrônico.

De acordo com Roberto C. Ribeiro: “O cheque eletrônico nada mais é que um sistema de transferência eletrônica de valores, por meio de cartão de débito das instituições financeiras, substituindo a utilização do cheque confeccionado em papel”. (RIBEIRO, 2012)

Por ser a transferência de valores de forma eletrônica, o credor tem maior segurança de recebimento, pois a transação ocorre rapidamente, diferentemente do que ocorre com o cheque em papel, em que existe risco de inadimplência.

Marcília Duarte Costa de Avelar também conceitua o cheque eletrônico:

“É um meio de transferência de fundos entre contas-corrente feitas por meio eletrônico. O pagamento de compras junto aos estabelecimentos é seguro, cômodo e rápido, realizando-se por senhas ou por cartão bancário. Durante a transação, em questão de segundos o sistema confere a validade dos dados. O cheque eletrônico, assim como o cheque em papel, realiza transações à vista, pré-datadas ou parceladas. A loja que aceita o pagamento por meio do cheque eletrônico só aperfeiçoa a transação depois de verificados todos os dados. Não pode circular por endosso, porque o que ocorre é uma transferência de uma conta para outra feita por uma instituição financeira”. (AVELAR, 2006, p. 84)

O cheque eletrônico é um título em que a transferência se dá de uma conta de determinado devedor para a conta de um credor, operacionalizada pela instituição financeira. Por isso não é possível a utilização do endosso, pois o próprio banco é quem realiza esta transferência.

Sobre este título de crédito observou-se escassas as discussões. Entretanto, para a autora supracitada o mesmo constitui-se como título de crédito, porém, atípico, uma vez que não existe a cártula para ser executado.

2.5 Aplicabilidade dos princípios cambiários aos títulos de crédito eletrônicos

Conforme já mencionado alhures, são princípios cambiários a literalidade, a cartularidade e a autonomia. Entretanto, cumpre verificar se estes princípios subsistem em relação aos títulos de crédito eletrônicos.

 Pode-se verificar que o maior questionamento refere-se ao princípio da cartularidade, segundo o qual, para o exercício do direito decorrente de uma relação negocial, é imprescindível a apresentação da cártula. Não é possível a apresentação de cópia autenticada, uma vez que poderia o título ter circulado, transferindo, assim, o crédito. Essa é uma ressalva afim de evitar fraudes e enriquecimento ilícito.

Acontece que a economia desenvolveu-se de forma significativa e com esta evolução surgiram os títulos de crédito eletrônicos. Nesse sentido, importante mencionar as palavras de Eversio Donizete de Oliveira:

“Com isso, os títulos impressos em papel, cuja circulação é, por natureza, lenta e dispendiosa não responde ao atual estágio da sociedade, além do seu processo exigir grande contingente humano para levá-lo a bom tempo. É função dos títulos de crédito garantir maior segurança, certeza e rapidez à transmissão de direitos creditórios, originados de uma relação mercantil ou de prestação de serviços”. (OLIVEIRA, 2007, p. 81)

As necessidades da sociedade atual já não corresponde às da época em que Vivante conceituou os títulos de crédito. Hodiernamente, os títulos papelizados tem perdido lugar para aqueles registrados eletronicamente, devido a morosidade que vinham causando, tanto nos sistemas bancários, quanto nas execuções judiciais.

Deste modo, deve-se repensar o conceito de materialização, pois os registros eletromagnéticos documentam o direito, assim como o papel. É o que explica Eversio Donizete de Oliveira:

“Destarte, os avanços tecnológicos têm demonstrado a necessidade de se repensar a doutrina sobre os princípios da cartularidade ou incorporação, como, por exemplo, cartões de banco com tarja magnética que, em substituição ao cheque, permitem a retirada de dinheiro da conta corrente bancária. O mesmo ocorre com as duplicatas virtuais, correspondentes a duplicatas mercantis por indicação, transmitidas via computador por empresário ou instituição financeira, que, se utilizam também do computador para processar a cobrança ao devedor”. (OLIVEIRA, 2007, p. 75-76)

O que se percebe é que mesmo ausente de regulamentação própria, os títulos eletrônicos cada vez mais estão substituindo os convencionais e agilizando as relações comerciais. Deste modo, deve-se analisar este princípio sob a ótica da evolução, no sentido de que ao invés de papel, o direito é preservado nos registros magnéticos.

O próximo princípio a ser discutido é o da literalidade, que visa proteger os envolvidos na relação negocial, uma vez que confiam no que consta no título de crédito.

Fábio Ulhoa Coelho argumenta este princípio no que tange aos títulos eletrônicos:

“O princípio da literalidade, por sua vez, preceitua que apenas geram efeitos cambiais os atos expressamente lançados na cártula. Novamente, não se pode prestigiar absolutamente o postulado fundamental do direito cambiário, na medida em que não existe mais o papel, a limitar fisicamente os atos de eficácia cambial. Pode-se, contudo, falar num princípio de literalidade adaptado ao meio eletrônico: “o que não está no arquivo eletrônico, não está no mundo”. (COELHO, 2012, p. 452)

Este princípio subsiste em relação aos títulos de crédito eletrônicos, uma vez que o importante é obedecer o que está contido no documento, não extrapolando direitos e obrigações. Portanto, se o título é eletrônico, vale o que está lançado nos registros magnéticos.

Simone Lemos Alves segue a mesma linha de pensamento de Fábio Ulhoa Coelho, como pode-se perceber pelo disposto:

“No que tange aos títulos de crédito eletrônicos, e sua relação com o princípio da literalidade, encontra equivalência no novo suporte – o suporte eletrônico. O que não há no registro eletrônico, não há no mundo, ou seja, quando o título de crédito ocupar suporte eletrônico, não produzirá efeitos cambiais, por exemplo um aval concedido num instrumento “papelizado”. Assim sendo, o Princípio da Literalidade não desaparecerá como é evidente, mas será visto nessa nova realidade, a do suporte eletrônico”. (ALVES, 2009, p. 28)

Este princípio não precisa de atualização para ser aplicado aos títulos eletrônicos, pois conforme já exposto, o rigor cambiário exige que seja considerado o que está expresso no título, materializado num papel ou registro magnético, afim de que sejam protegidos os envolvidos na relação negocial.

Por fim, o princípio da autonomia, conforme já exposto, é aquele que torna o título válido pelo que nele está expresso, independentemente de sua causa originária.

Sob a ótica dos títulos eletrônicos, Fábio Ulhoa Coelho explica este princípio:

“O único dos três princípios da matéria que não apresenta incompatibilidade intrínseca com o processo de desmaterialização dos títulos de crédito é o da autonomia das obrigações cambiais, e os seus desdobramentos no da abstração e inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. Será a partir dele que o direito poderá reconstruir a disciplina da ágil circulação do crédito, quando não existirem mais registros de sua concessão em papel”. (COELHO, 2012, p. 452)

O princípio da autonomia mantém todas suas características no tocante aos títulos de crédito eletrônicos, não existindo assim, nenhum óbice quanto à sua aplicabilidade, uma vez que é autônoma a obrigação em relação à sua causa originária.

3. CARACTERÍSTICAS A SEREM APROVEITADAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO CLÁSSICOS EM RAZÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS

Os títulos de crédito clássicos acumularam, desde que foram instituídos, várias características que norteiam sua aplicabilidade e forma de execução. Pode-se perceber que cada título de crédito possui um modelo próprio, uma determinada forma de circular, um prazo para ser exigido e com isso, suas características são moldadas, fazendo com que cada tipo de título seja emitido conforme suas características essenciais e atendidos determinados requisitos.

Com a instituição dos títulos de crédito eletrônicos, os maiores questionamentos apontados eram no tocante ao preenchimento dos requisitos estabelecidos para cada tipo de título de crédito e se, as características dos títulos clássicos poderiam ser estendidas aos títulos eletrônicos.

Entende-se que os princípios dos títulos de crédito clássicos podem ser estendidos aos títulos de crédito eletrônicos, uma vez que estes preenchem os preceitos dos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia. Ademais, substitui-se a cártula pelos registros eletrônicos e a assinatura autografa pela digital certificada.

No que tange ao protesto, também restou possível sua utilização nos títulos de crédito eletrônicos e poderá ser feito por indicação no cartório competente, conforme já explicado.

Superados estes questionamentos, resta agora discorrer sobre o endosso, uma declaração cambial sucessiva e verificar se é possível sua utilização nos títulos de crédito eletrônicos.

3.1 Declarações cambiais

Conforme entendimento de Wille Duarte Costa:

“Declaração cambial é a manifestação de vontade do signatário no sentido de criar, completar, garantir ou transferir o título de crédito. Na transferência englobam-se o título e o direito dele emergente. Toda e qualquer declaração cambial encerra-se pela assinatura do declarante que, por ela, fica obrigado no título de crédito se tiver capacidade para tanto. Sem assinatura não há obrigação cambial alguma e, consequentemente, não haverá declaração cambial”. (COSTA, 2008, p. 131).

Uma declaração cambial é representada por uma assinatura, que permitirá que o título circule e consequentemente os direitos nele contido. Também constitui a obrigação do declarante, que ali apôs sua assinatura.

Importante ressaltar, que de acordo com Rosa Jr. (2006), as declarações cambiais não constituem-se como requisito dos títulos de crédito, uma vez que este decorre de exigência da lei.  Os requisitos são exigidos pela lei, pois somente terão validade como título de crédito se atendidas estas condições estabelecidas.

As declarações cambiais podem ser divididas em: declaração cambial necessária e originária, tratando-se da emissão ou saque ou declaração cambial eventual e sucessiva, quando tratar-se do aceite, endosso ou aval.

3.1.2 Declaração necessária e originária

Wille Duarte Costa sobre a declaração necessária preleciona:

“Emissão e saque são termos que buscam identificar a criação do título de crédito. Nesse caso é declaração cambial necessária, essencial e completa-se forçosamente pela assinatura do declarante. Corresponde ela à declaração principal, de tal forma que, sem ela, não existirá o título. Sendo regular a declaração, com atendimento aos requisitos essenciais impostos pela lei, constitui-se numa promessa direta de pagamento (nota promissória) ou numa promessa indireta de pagamento (na letra de câmbio)”. (COSTA, 2008, p. 132).

A nota promissória é criada pela declaração cambial emissão e constitui-se em promessa direta de pagamento, pois o emitente se compromete a pagar a quantia disposta no título de crédito a um beneficiário. Na letra de câmbio, por sua vez, a declaração cambial utilizada para criação da mesma é o saque, que é uma promessa indireta de pagamento, que o sacador faz ao sacado em favor do beneficiário. Vale lembrar que tanto a emissão quanto o saque tem o mesmo sentido, o de criação do título de crédito, que se completará com a assinatura do declarante.

Importante salientar, conforme Costa (2008), que a assinatura precisa ser válida para que haja obrigação do signatário da declaração cambial, não sendo admitido, portanto, assinatura falsa ou de pessoa incapaz. Contudo, o título de crédito não será inválido, mesmo havendo assinatura falsa ou de pessoa incapaz, quando existirem outras assinaturas verdadeiras, permanecendo, assim, as obrigações decorrentes de declarações cambiais válidas.

3.1.2 Declarações eventuais e sucessivas

Rosa Jr. assim conceitua as declarações eventuais e sucessivas: “É toda manifestação volitiva que se corporifica no título após a declaração originária, sendo considerados como tais o aceite na letra de câmbio e na duplicata, o aval e o endosso em qualquer título.” (ROSA JR., 2006, p. 99)

Deste modo, quanto às declarações cambiais, apenas a primeira é indispensável, podendo as outras existirem ou não. Assim, a declaração eventual e sucessiva é suprível, uma vez que sua ausência não descaracterizará o documento como um título de crédito

Destarte, por ser uma declaração sucessiva, cada nova assinatura aposta no título de crédito corresponde a uma nova obrigação.

As declarações eventuais e sucessivas presente em nosso ordenamento jurídico são o aceite, o aval e o endosso e serão explicadas a seguir.

 O aceite, segundo entendimento de Wille Duarte Costa, “é a declaração cambial eventual e sucessiva, pela qual o signatário (chamado até então sacado no título) reconhece dever o valor do título e promete cumprir a ordem contra ele dada.” (COSTA, 2008, p. 165)

No mesmo sentido Rosa Júnior acrescenta:

“A declaração cambiária do aceite decorre de ato unilateral de vontade do sacado, sendo abstrato porque desvinculado da relação causal que gera o título, e formal porque só pode ser formalizado no título, não se admitindo em documento dele separado”. (ROSA JÚNIOR, 2006, p. 169)

Ou seja, assinando o título de crédito, o sacado estará reconhecendo uma obrigação ali contida e este ato cambiário chama-se aceite, não importando para cumprimento desta obrigação a causa originária. Além disso, é facultativo, pois ocorre através de uma livre manifestação de vontade do signatário, também chamado de aceitante, não precisando, portanto, fundamentar o motivo da recusa.

Existe a possibilidade do aceite parcial na letra de câmbio, em que o sacado obriga-se apenas ao pagamento limitado pelo aceite e não precisa de manifestação do sacador. Na duplicata esta possibilidade de aceite parcial não subsiste, pois trata-se de um título causal, em que o disposto no título reflete-se numa causa originária.

Coelho (2012), explica que o aceite parcial na letra de câmbio pode se dar em duas situações. A primeira delas é quando o sacado obriga-se por parte do valor contido no título, também chamada de aceite limitativo. Na segunda hipótese, o sacado dispõe condições diversas de pagamento daquela estabelecida pelo sacador, chamada de aceite modificativo.

Outra declaração eventual e sucessiva prevista é o aval, que segundo Wille Duarte Costa:

“É a declaração cambial eventual e sucessiva, pela qual o signatário garante o pagamento do título. O signatário do aval chama-se avalista. A pessoa a quem este se equipara, em razão do aval, chama-se avalizado. O aval produz para o avalista uma obrigação subsidiária e de regresso (se o avalista equiparar-se ao sacador ou a qualquer endossante) ou, ao contrário, produz uma obrigação direta e principal (se o avalista equiparar-se ao aceitante da letra de câmbio ou ao emitente da nota promissória)”. (COSTA, 2008, p. 135).

O aval é uma forma de garantia de pagamento dada por um terceiro, estranho à relação cartular ou não, que comprometerá a satisfazer a obrigação de forma solidária, com o devedor principal. É uma garantia típica dos títulos de crédito.

Por expressa determinação legal, a saber, o artigo 897, parágrafo único do Código Civil de 2002, é proibido o aval parcial, ou seja, não poderá abranger apenas parte da obrigação. Entretanto, esta previsão legal só será aplicada se houver omissão na lei especial. Ou seja, deverá ser analisada a lei de cada título de crédito e verificar se há ou não a permissão legislativa. Havendo omissão, utiliza-se o disposto no Código Civil, conforme prevê o seu artigo 903.

Rosa Jr. explica sobre o aval parcial, no tocante a previsão na Lei Uniforme:

“A Lei Uniforme de Genebra (artigo 30, al. 1ª) admite expressamente que “o pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.” A admissão do aval parcial decorreu do entendimento, pelos legisladores genebrianos, de que as partes deviam ter o direito de limitar suas obrigações, visando a beneficiar a circulação do título de crédito no interesse do comércio”. (ROSA JR., 2006, p. 293)

Assim, deve-se entender que o aval parcial é admitido quando lei especial assim dispuser. No artigo supracitado traz esta permissão quanto à letra de câmbio. Na Lei de Cheques a previsão está no artigo 29 e na Lei das Duplicatas no artigo 25. Nestes títulos de crédito, o avalista garante o pagamento parcial e com isso, o avalizado, tem pelo menos esta garantia.

Por fim, a última declaração eventual e sucessiva é o endosso, assim explicado por Wille Duarte Costa:

“É a declaração cambial eventual e sucessiva, pela qual o signatário transfere o título a terceiro e, por consequência, transfere também o direito cambial emergente do título. Seu signatário chama-se endossante e o beneficiário do endosso chama-se endossatário. O endosso produz para o endossante uma obrigação subsidiária e de regresso, porque, em última análise, é uma promessa indireta de pagamento, já que o endossante pode responder pelo pagamento do título, se este não for pago pelo obrigado principal e se houver protesto cambial em tempo hábil (primeiro dia útil seguinte ao dia do vencimento)”. (COSTA, 2008, p. 134).

Ou seja, o endosso é a forma de transmissão dos títulos de crédito, sendo que o endossante faz o endosso lançando sua assinatura no dorso ou no verso do título de crédito, que será transmitido ao endossatário.

Com a instituição dos títulos de crédito eletrônicos, inúmeros questionamentos surgiram a respeito do endosso. A questão de poder existir uma assinatura digital já foi superada, como pode-se concluir, com a garantia de que a mesma tem validade e segurança, uma vez que é garantida por uma autoridade certificadora. Resta agora considerar sobre a possibilidade de instituir o endosso nos títulos de crédito eletrônicos.

3.2 Problemática quanto ao endosso

Conforme exposto, o endosso é uma assinatura no título de crédito, em seu verso ou anverso, com o objetivo de permitir a transferência do mesmo, facilitando assim, a circulação do crédito.

O endosso é uma declaração cambial sucessiva e neste sentido explica Alexandre Bueno Cateb:

“Declarações cambiais são inseridas mediante simples assinatura no título. Por isso não pode ser inserida em título de crédito eletrônico. Para que se justifique a discussão acerca da possibilidade ou pertinência para criação de um título de crédito eletrônico, a singela discussão acerca da possibilidade de criação no meio virtual já é superada. O problema é permitir sua circulação”. (CATEB, 2011)

A questão da assinatura nos títulos de crédito eletrônicos é feita de forma digital, com a utilização da criptografia, conforme explicado alhures. Ocorre, que inserir mais de uma assinatura num título eletrônico não é possível, pois os meios tecnológicos ainda não avançaram neste sentido. Deste modo, existe um obstáculo a ser superado que é a possibilidade de circulação dos títulos de crédito eletrônicos, por meio do endosso.

Por fim, o referido autor faz um questionamento, o qual objetiva-se não só esta pesquisa, como muitas outras, ser respondido:

“Em títulos de crédito, várias assinaturas estarão inseridas num mesmo documento. Sacada no momento da criação, a letra poderá receber aceite, aval ou endosso. Aceite e aval poderão ser parciais. Podem ser em preto, declarando a favor de quem é prestada a garantia ou em benefício de quem se transfere o título de crédito. Como então, fazer-se qualquer dessas declarações cambiais sem que se inutilize o título de crédito anteriormente criado com uma assinatura digital? Impossível, pois isso implicaria em alterar o conteúdo do documento e, com isso, inutiliza-se a assinatura digital aposta por quem o antecedeu na relação cambial. Também não se pode imaginar que tais declarações seriam dadas em documento separado. Lembra-se da literalidade? Para piorar, quando tais limitações tecnológicas puderem ser superadas deve-se ter sempre em mente que os documentos eletrônicos são passíveis de cópia e replicação instantânea, através de softwares simples, criados com o objetivo de resguardar backups aos titulares da informação digital. Como garantir que alguém não o replique diversas vezes para destinatários diferentes, gerando múltiplas versões de um mesmo crédito?” (CATEB, 2011)

Conforme foi explicado por Alexandre Bueno Cateb, o problema acerca do endosso, no direito atual, é o fato de não ser permitido que o documento seja alterado parcialmente, pois não é possível inserir outra assinatura digital no lugar da que foi inserida primeiramente.

Não obstante exista essa lacuna quanto ao endosso nos títulos de crédito eletrônicos, deve-se reforçar que os avanços tecnológicos são insuperáveis e tendem a se tornarem mais eficazes a cada dia. Mudou-se a forma de negociar, entretanto, a utilização dos títulos de crédito ainda é necessária.

Alexandre Bueno Cateb, assim explica:

“Essa mudança de comportamento do consumidor, do governo e dos empresários em geral conduzem alguns à ideia equivocada de que os títulos de crédito estão com seus dias contados, podendo desaparecer a qualquer momento em decorrência dos avanços da vida moderna. A lei brasileira precisa ser modificada para se admitir a substituição de diversos títulos de crédito usados diariamente”. (CATEB, 2011)

Essa mudança ocorreu para agilizar, num primeiro momento, as relações financeiras, pois as instituições bancárias passavam por um momento caótico de acumulação de títulos de crédito. Ocorre que sua utilização foi anterior a regulamentação legal causando, assim, todos os questionamentos. Por isso, o motivo de muitos acreditarem que os títulos de crédito estão com os dias contados; ideia esta, que também não é compartilhada. O que está ocorrendo é a diminuição da utilização dos títulos clássicos e a consequente utilização de títulos eletrônicos, devido as novas formas de negociar.

Eversio Donizete de Oliveira também discorre sobre a necessidade de repensar a legislação pertinente aos títulos de crédito:

“Apesar do rápido desenvolvimento, e talvez mesmo por essa rapidez, é ainda incipiente a legislação para sua regulação. A impossibilidade do Direito acompanhar o ritmo imprimido pela Internet não é o maior entrave, que se dá pela dificuldade de resguardar a privacidade do indivíduo, sem contudo, deixar de identificá-lo. A preocupação em identificar o usuário nas transações econômico-financeiras realizadas via Internet levou a edição da Medida Provisória 2200-2/2001, que trata do reconhecimento da assinatura digital”. (OLIVEIRA, 2007, p. 193)

Com a possibilidade de utilização de uma assinatura digital, parte dos problemas existentes foi resolvida, pois então, foi possível incluir no título de crédito eletrônico um de seus requisitos mais importantes, que é a assinatura. Além disso, com a edição da Medida Provisória 2200-2/2001, foi instituída a ICP-Brasil, que garante presunção de verdade, além de identificar as partes e aferir os elementos de segurança.

Não obstante a necessidade de adequar a legislação à realidade, importante esclarecer que a velocidade da Rede Mundial de Computadores dificilmente conseguirá ser acompanhada por uma legislação sólida e completamente adequada. Neste sentido, expressa Eversio Donizete de Oliveira:

“O que se espera do Direito no século XXI, nesta era de informação, abrangente e livre, não são mudanças radicais nos ordenamentos que regulam a atividade econômica, mas uma atualização e adequação dos textos legais a esse novo tempo, com ênfase para a pessoa humana. Tendo por fito a proteção do usuário, a modernização das normas deve permitir-lhe total usufruição desse avanço tecnológico, mas também enumerar responsabilidades e, na sua falta, impor severas punições, fazendo prevalecer a Justiça”. (OLIVEIRA, 2007, p. 198)

Diante da problemática existente nos títulos de crédito eletrônicos, pode-se verificar que os mesmos existem, entretanto são limitados pelas técnicas eletrônicas.  Nesse sentido, é importante repensar as características dos títulos de crédito e adequá-los à realidade, uma vez que as mudanças ocorrem a todo tempo e tanto os consumidores quanto as instituições financeiras precisam ser resguardadas em suas negociações. Afinal, a função primordial dos títulos de créditos é a circulação de riquezas, o que só deve existir se forem feitas de maneira segura a todas as partes envolvidas.

E em que pese não ser possível o endosso nos títulos de crédito eletrônicos, os mesmos não deixam de ser títulos de crédito devido a esta impossibilidade, uma vez que conforme já exposto, uma declaração cambial eventual e sucessiva é suprível. O que ocorre é que, sem o endosso o título não circulará e não cumprirá sua função essencial, que é a circulação de riquezas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os títulos de crédito surgiram da necessidade de ampliar as relações negociais, tendo em vista que os anseios dos indivíduos foram aumentando conforme o desenvolvimento econômico. Assim, desde a instituição da letra de câmbio, na Idade Média, a sociedade evoluiu significativamente no sentido tecnológico e o momento atual é o da informatização dos negócios e da busca pela agilidade nas transações.

A evolução da informática trouxe inúmeros benefícios, dentre eles a possibilidade de instituírem os títulos de crédito eletrônicos. Estes também surgiram da necessidade de ampliar as relações negociais, uma vez que o suporte papel estava causando uma morosidade nas instituições financeiras, que urgiam por agilidade.

 Apesar dos benefícios trazidos, a virtualização dos negócios ainda é cercada de muitos preconceitos. Esse medo no novo ocorre, no caso dos títulos de crédito eletrônicos, devido à escassa legislação a respeito do tema. Com isso, muitos autores questionam a existência de um título de crédito eletrônico, uma vez que este não consegue, ainda, permitir a existência de todas as características de um título de crédito clássico; o endosso, discutido nessa pesquisa é um exemplo.

Ocorre que o Código Civil de 2002, trouxe uma previsão em seu artigo 889, parágrafo 3º, permitindo que o título de crédito seja emitido a partir de caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente. Isso demonstra que o Direito está buscando adequar-se à desmaterialização, mesmo que a passos lentos e é neste artigo que os títulos de crédito eletrônicos encontram seu primeiro amparo legal.

Outro avanço, que também atinge os títulos de crédito eletrônicos, foi a edição da Lei do Processo Eletrônico, nº 11.419/2006. Esta lei surgiu da mesma necessidade dos títulos de crédito eletrônico: a busca da agilidade, da otimização do tempo. No processo eletrônico também devem ser apostas as assinaturas digitais garantidas por Autoridade Certificadora competente. Estas assinaturas foram um avanço significativo já alcançado, pois as mesmas tornam os documentos seguros, além de cada vez mais remota a chance de fraudes e delitos pelos meios virtuais.

A jurisprudência, no ano de 2012, também previu a possibilidade de emissão legítima de um título de crédito virtual. No julgado, REsp. 1.024.691-PR, tratava-se de uma duplicata virtual e a discussão era em torno da possibilidade deste título ser protestado por indicação e o precedente foi favorável.

Além da duplicata virtual, atualmente são emitidos o cheque eletrônico e a nota promissória eletrônica, ainda carentes de regulamentação própria, mas que tendem a serem utilizados com maior frequência, uma vez que buscam agilizar as relações cambiais.

Apesar da busca por uma legislação que ampare esses documentos eletrônicos é necessário que paradigmas sejam quebrados enquanto essa mudança legal não ocorre e o primeiro passo é uma nova interpretação dos princípios cambiários. Ou seja com a desmaterialização dos títulos de crédito, os princípios norteadores deverão ser adequados à realidade. Pelo princípio da cartularidade, é imprescindível a apresentação da cártula para o exercício do direito cambiário. Acontece que não existe a cártula nos títulos de crédito virtuais, mas registros eletrônicos e estes são meios seguros de comprovar uma obrigação. No que tange ao princípio da literalidade é imperioso ressaltar que para efeitos cambiais deverão ser levados em consideração os atos lançados não na cártula, mas nos registros magnéticos. Por fim, o princípio da autonomia não precisa sofrer alteração, pois não possui nenhuma incompatibilidade com os títulos eletrônicos.

Esta nova interpretação deve ser dada, pois os princípios são extraídos do conceito de títulos de crédito, que foi reproduzido de forma quase que idêntica no Código Civil brasileiro, formulado pelo jurista Cesare Vivante, séculos atrás, portanto, com anseios diferentes dos atuais. Ademais, pelo que se observou a adequação dos princípios é plenamente possível.

 Entretanto, ainda existe uma lacuna no direito quanto aos títulos de crédito eletrônicos que precisa ser preenchida o quanto antes, para que possam ser emitidos sem qualquer resquício de dúvidas. Esta lacuna se refere a transferência do título de crédito eletrônico por meio do endosso.

Os meios tecnológicos ainda não conseguiram suprir esta necessidade cambiária, uma vez que não é possível inserir mais de uma assinatura digital no mesmo título de crédito e com isso estaria prejudicada a circulação do título de crédito eletrônico.

Mas apesar de não haver essa possibilidade, não deixam de ser títulos de crédito, pois como o endosso é uma declaração cambial eventual e sucessiva, é portanto, suprível, ou seja, sua ausência não o descaracteriza como título de crédito.

Destarte, verifica-se que a Internet mudou o cenário da comunicação, estreitando laços e agilizando os processos eletrônicos e as relações negociais. As inovações trazidas permitiram que os documentos em papel fossem substituídos pelos eletrônicos e com isso, um grande avanço no direito cambiário foi percebido. Em que pese essa mudança já ter sido verificada, ainda é preciso uma modernização dos conceitos já estabelecidos, o que seria possível através de uma inciativa legislativa, pois somente assim, os títulos de crédito eletrônicos poderão ser emitidos sem tantos receios.

Afinal, o comércio eletrônico clama por maior segurança e atualmente apenas utiliza-se de interpretações extensivas dos conceitos e pouca legislação, sendo a confiança o maior amparo que os envolvidos numa relação negocial se sustentam.

 

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Informações Sobre os Autores

Maria Alice de Assis Fonseca

Advogada. pós graduanda em processo penal pelo Damásio Educacional

Juliana Evangelista de Almeida

Doutoranda em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito Civil e Empresarial da FACHI-FUNCESI. Coordenadora de TCC da FACHI-FUNCESI. Membro do Colegiado da FACHI-FUNCESI. Membro do NDE da FACHI-FUNCESI. Professora de Direito Civil da Nova Faculdade.


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