Tj/mg, direitos adquiridos e súmula vinculante

Recentemente (9/1/2004), uma nota informativa de jurisprudência de determinado o site jurídico, noticiou que o STJ concedeu a filho adotivo (adotado em 1983) o direito à herança de ascendente falecido em maio de 1988 (antes da Constituição).

Na verdade, quem concedeu o direito à herança foi o TJ/MG – conforme consta da referida nota informativa -, o STJ simplesmente – e acertadamente – não recebeu o recurso por se tratar de matéria constitucional. No fim das contas, porém, o resultado prático foi que o filho teve direito à herança.

Porém, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 era perfeitamente possível a discriminação de filho adotivo, estando em plena vigência o artigo 377 do Código Civil de 1916, que estabelecia: “quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária”.

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Desta forma, segundo a parte contrária, o adotado não teria direito à herança.

Pelo lado do adotado foi estabelecida a tese de que, pelo artigo 227 da Constituição, não é possível a discriminação entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotados. Tese aceita pelo TJ/MG, que acabou por reformar a decisão de primeira instância que negava o direito à herança.

Claro que somos radicalmente contra qualquer forma de discriminação, mas será que a decisão foi acertada?

O artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXVI não garante o direito adquirido?

Pelo Código Civil, os bens hereditários não se transmitem no momento do falecimento do de cujus?

Ora, se a propriedade dos bens se transmitem com a morte, isto, no caso em tela, se deu em maio de 1988, antes da Constituição Federal de 1988, onde, pelo direito vigente, o adotado não teria qualquer direito à sucessão. Neste momento os demais sucessores passaram a ser proprietários dos bens hereditários. Houve a transmissão causa mortis dos bens. Já havia, portanto, por parte dos demais sucessores, o direito adquirido àqueles bens.

A Constituição não pode retroagir neste caso, pois, apesar da retroatividade ser em benefício do adotado – o que seria digno de palmas -, estará, por outro lado, prejudicando os demais sucessores – o que não é possível, principalmente, por contrariar o direito adquirido.

É claro que o TJ/MG deve ter tido outros argumentos para conceder a herança ao adotado, pois o simples fato do artigo 227 da CF/88 estabelecer a igualdade entre os filhos – o que pode até ser considerado um direito digno de proteção pelo artigo 60 §4º, mesmo fora do contexto do artigo 5º – não seria suficiente, uma vez que existe um outro dispositivo constitucional – o já citado 5º, XXXVI – que estabelece uma regra da mais alta importância no mundo jurídico, a regra da preservação dos direitos adquiridos.

Até os mais fervorosos adeptos do Direito Alternativo ficariam em dúvida frente a esta situação: garantir-se a igualdade entre os filhos, ou garantir-se os direitos adquiridos?

É claro que, segundo as lições de Alexy, não existe hierarquia entre Direitos Fundamentais, então, neste caso, estar-se-ia diante de um problema a ser solucionado pela regra da proporcionalidade.

Neste caso, quanto à limitação da impossibilidade de discriminação dos filhos, me parece que se trata de uma medida adequada, quanto à preservação dos direitos adquiridos. Também parece ser uma medida necessária, à medida que não é possível garantir os direitos adquiridos sem limitar-se a isonomia entre os filhos.

Por outro lado, quanto à limitação da proteção dos direitos adquiridos, também parece ser uma medida adequada e necessária, à medida que também não há outra forma de garantir a isonomia entre os filhos, sem a redução da proteção ao direito adquirido.

Assim, por qualquer dos ângulos que se veja a questão, quer sob o ponto de vista da limitação aos direitos adquiridos, quer sob o ponto de vista da limitação da isonomia entre os filhos, a solução estará na análise entre a proporcionalidade stricto senso da medida.

Aqui, como acreditamos, a trata-se da razoabilidade da medida. Seria justificável sacrificar-se a isonomia dos filhos para garantir-se a proteção aos direitos adquiridos? Ou, por outro lado, seria justificável sacrificar-se os direitos adquiridos para proteger-se a isonomia entre os filhos?

Deve-se, assim, analisar-se os ganhos em relação às perdas proporcionadas pela limitação de qualquer dos Direitos Fundamentais.

Por um lado, sacrificar-se à isonomia dos filhos, neste caso específico, não traria grandes problemas futuros, uma vez que, somente seria possível alegar o precedente jurisprudencial em outro caso onde a adoção e sucessão tenha se dado antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o que, por motivos óbvios, dificilmente acontecerá outra vez.

Por outro lado, sacrificar-se à proteção aos direitos adquiridos poderia estabelecer um precedente jurisprudencial perigoso, uma vez que, vez por outra, é comum a discussão jurídica diante do Poder Judiciário sobre a proteção aos direitos adquiridos.

Como dito, não se trata de considerar a segurança jurídica advinda da preservação da proteção ao direito adquirido como hierarquicamente superior à garantia da isonomia entre filhos, mas, apenas de considerar que o desrespeito à igualdade dos filhos é menos prejudicial que o desrespeito aos direitos adquiridos. Principalmente porque, como já dito antes, quando da abertura da sucessão e imediata transmissão da propriedade dos bens, não existia a referida isonomia entre os filhos.

Assim, segundo nossa opinião, o TJ/MG, apesar de possuir razões para julgar da forma que julgou, não agiu bem, estabelecendo um precedente jurisprudencial de desrespeito aos direitos adquiridos que poderá ser invocado no futuro para se tentar usurpar outros direitos fundamentais dos indivíduos sob sua jurisdição.

Não sabemos se a ação segue rumo ao STF em sede de Embargos Extraordinários. Esperamos que sim, para que o Supremo Tribunal Federal possa, corrigindo o erro do Tribunal Mineiro, restabelecer o mínimo de segurança jurídica capaz de preservar as condições básicas para o convívio em sociedade.

Se, por outro lado, não for possível a discussão perante nosso órgão protetor da Constituição Federal, resta torcer para que este erro não se repita, para que não se possa repetir os erros cometidos durante a época da Ditadura Militar em nosso país, quando não existia, na prática, direito adquirido.

Por fim, estabelece-se um fortíssimo argumento contra o estabelecimento da Súmula de Efeito Vinculante, uma vez que, como visto, o julgador de primeira instância estava com a razão, enquanto que o TJ/MG, cometendo um erro no sopesamento entre dois Direitos Fundamentais, estabeleceu um precedente jurisprudencial equivocado o qual, se a malfadada Súmula Vinculante estivesse em vigor, se tornaria obrigatório para os juízes de primeira instância, ao menos dentro do estado de Minas Gerais.

É claro que, por não ter acesso aos autos do processo em discussão, tudo o que foi dito, foi com base única e exclusivamente na referida nota informativa de jurisprudência, assim – como já dito antes – é bem possível que o TJ/MG tenha outros motivos mais fortes para julgar da forma como julgou. Porém, de qualquer forma, acreditamos que o precedente jurisprudencial é deveras perigoso, por sacrificar um dos mais preciosos direitos fundamentais, o da garantia dos direitos adquiridos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Enéas Castilho Chiarini Júnior

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Advogado em Pouso Alegre/MG, pós-graduado em Direito Constitucional pelo IBDC (Inst. Bras. de Dir. Constitucional) em parceria com a FDSM (Fac. de Dir. do Sul de Minas), capacitado para exercer as funções de Árbitro/Mediador pela SBDA (Soc. Bras. para Difusão da Mediação e Arbitragem), e membro, desde a fundação, do Quadro de Árbitros da CAMASUL – Câmara de Mediação e Arbitragem do Sul de Minas –, é, ainda, autor de diversas matérias jurídicas publicadas em revistas do Brasil e do exterior, e em diversos sites jurídicos.

 


 

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