Trabalho infantil na televisão sob a ótica jurídica

Resumo: Segundo a Constituição Federal, menores de 16 anos estão proibidos de trabalhar, exceto como aprendizes e se maiores de 14 anos. Entretanto, não é o que se vê na televisão brasileira. Crianças e adolescentes começam a trabalhar cada vez mais cedo na televisão, sem que haja nenhuma sanção para aos seus pais ou empregadores e, nem mesmo uma condenação pela opinião pública, ao contrário do que acontece nos casos em que crianças trabalham na lavoura ou em carvoarias. Alega-se que as consequências para as crianças que trabalham no meio televisivo são diferentes a daquelas que trabalham em outros ambientes. Entretanto, é necessário que se tenha um maior controle do Estado sobre isso, pois o desenvolvimento dessas crianças pode ser afetado. Diversos especialistas são contrários à utilização de crianças e adolescentes em programas televisivos, por entenderem que este tipo de atividade configura-se trabalho infantil, podendo afetar o desenvolvimento físico e mental delas. A falta de legislação específica sobre o tema, dificulta ainda mais o controle sobre essa prática, restando aos pais, à sociedade e ao judiciário utilizarem de bom senso e equilíbrio, para que acima de tudo, seja preservado o melhor interesse da criança.

Palavras-chave: Criança, Trabalho infantil artístico, Televisão.

Sumário: Resumo. 1. Introdução. 2. O trabalho infantil na televisão e a legislação brasileira. 3. Família, estado e sociedade: dever de proteção do melhor interesse da criança. 4. Conclusão.

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1. Introdução

É muito comum ver crianças e adolescentes menores de 14 anos em novelas, propagandas, programas infantis. Contudo, a atividade desenvolvida por essas crianças nada mais é do que trabalho infantil, e precisa de regulamentação.

A questão da proibição ao trabalho da criança encontra-se na Constituição Federal, principalmente, no art. 227. O Estatuto da Criança e do Adolescente busca assegurar às crianças e aos adolescentes o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

A Constituição Federal e a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) proíbe que menores de dezesseis anos trabalhem, exceto na condição de aprendiz a partir dos quatorze anos. A CLT é bem rígida com relação ao trabalho do menor, estipulando a que tipo de trabalho esse menor pode ser submetido e a jornada de trabalho a ser cumprida por ele.

Em 1919, foi criada a OIT (Organização Internacional do Trabalho), que tem como objetivo “aplicar medidas protecionistas a atividades trabalhistas/humanitárias em todo o mundo, incluindo, logicamente entre suas metas, o combate ao trabalho infantil.”.

 A OIT instituiu várias convenções que tratam sobre a proteção ao trabalho infantil e muitas delas foram ratificadas pelo Brasil. Com a convenção nº 105 de 1957, houve a abolição de qualquer trabalho forçado nos países que a ratificaram. Outra importante convenção é a nº 138 de 1973, que estabelece que para a contratação de um adolescente, este deve ter um nível de desenvolvimento físico e mental mais completo. Ainda a sua recomendação nº. 146 instituiu a idade mínima em todos os setores de atividades elaborativas e constituiu um aspecto de proteção para a criança e o adolescente.

No artigo serão analisadas as consequências para a criança e o adolescente ao ser submetido a trabalhos em televisão, inclusive sob a ótica de psicólogos e procuradores. Também serão analisadas as consequências da falta de uma legislação específica para o trabalho infantil artístico, visto que, a lei do artista não menciona crianças.

O Estado, a sociedade e a família tem papel fundamental na proteção dos interesses da criança e do adolescente. São analisadas as opiniões de mães sobre o trabalho infantil na televisão e comparadas com as obrigações decorrentes do poder familiar e, por fim, a conclusão.

2. O Trabalho Infantil na Televisão e a Legislação Brasileira

Assunto que gera muita polêmica é a utilização de crianças em programas de televisão. Para o presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH), Hélio Bicudo[1], este tipo de trabalho é uma exploração:

“Trata-se de exploração do trabalho infantil. Sem dúvida, pois a Constituição Federal, em seu artigo 227, parágrafo 3°, I, dispõe que o direito a essa proteção especial abrangerá dentre outros, os seguintes aspectos: “idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho”, e tão somente na qualidade de aprendiz (artigo 7°, inciso XXIII).

Diante de textos tão claros (interpretatio cessat in claris) e da sua regulamentação no Estatuto da Criança e do Adolescente, não há realmente, o que discutir, cabendo ao juízo competente a interdição imediata do programa, com conseqüente apuração das responsabilidades legais não só da emissora, como também dos pais da criança.

Essa questão já foi levantada, mas a mídia determinou silêncio e tantos quantos abordaram o problema não mais argumentaram a respeito. Afinal, como ficariam as novelas e outras atividades da televisão sem o concurso das crianças. Estar-se-ia, então, subtraindo do público aspectos da vida de todos os dias, o que seria não recomendável.”

Segundo ele, a criança que trabalha na televisão, não consegue ter um desenvolvimento físico e mental sadio, e que nada foi feito até o momento porque se tem levado em conta somente a audiência pública e não o bem estar das crianças.

Não existe uma regulamentação clara para o trabalho artístico. A participação da criança costuma ser regulada, por meio de permissões individuais do Juizado de Menores, o que é uma exceção as legislações que proíbem o trabalho infantil.

Segundo reportagem publicada na Gazeta do Povo[2], nos últimos seis anos (2005-2011), 33.173 crianças e adolescentes de famílias pobres foram autorizados por juízes de todo o país a exercer o trabalho infantil artístico.

Segundo o levantamento, o Paraná está em 4º lugar na concessão de autorizações para o trabalho de crianças e adolescentes. Foram 2.671 autorizações judiciais, o que corresponde a uma média de uma permissão por dia no estado.

Ainda, segundo a reportagem, o maior problema dessas autorizações, é que a escola acaba ficando em segundo plano.

Em entrevistas realizadas com mães, a maioria se mostrou contrária em permitir que seus filhos trabalhassem na televisão, pois segundo seu entendimento, o mais importante para a criança é brincar e estudar.

Preliminarmente, é necessário esclarecer que as crianças e os adolescentes são considerados seres em desenvolvimento e necessitam de proteção estatal diferenciada, motivo pelo qual a OIT é dotada de normas que amparam seus direitos.

A CLT, em seu artigo 403, proíbe qualquer trabalho aos menores de dezesseis anos de idade, em conformidade com o artigo 7º, XXXIII da Constituição Federal.

Por outro lado, o trabalho do artista empregado é regulamentado pela Lei nº 6.533/1978, esta lei é omissa, pois não aborda a prática ou trabalho artístico realizado por crianças e adolescentes.

Referido diploma legal, em seu artigo 2º traz a conceituação de artista:

“Art . 2º – Para os efeitos desta lei, é considerado:

I – Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública;

II – Técnico em Espetáculos de Diversões, o profissional que, mesmo em caráter auxiliar, participa, individualmente ou em grupo, de atividade profissional ligada diretamente à elaboração, registro, apresentação ou conservação de programas, espetáculos e produções.”

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A legislação anteriormente mencionada traz algumas exigências para que ocorra o trabalho artístico, tais como o registro perante a Delegacia Regional do Trabalho (DRT)[3], também traz a delimitação de obrigações e direitos envolvidos na atividade. Estabelece ainda que em caso de omissão, essa deve ser sanada pela CLT[4].

Traz, ainda, em seu artigo 7º, um rol de requisitos a serem preenchidos pelo artista para que este consiga a inscrição no órgão acima mencionado.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem, em seu artigo 149, II, sobre a possibilidade de crianças e adolescentes participarem de atividades artísticas.

Ainda, a Convenção 138 da OIT, da qual o Brasil é signatário, em seu artigo 8º, regula a possibilidade de permissões individuais para a participação de atividades artísticas. Contudo, referida convenção não fixa idade mínima para esta participação, apenas normas quanto às condições das atividades e sua duração.

Não existe uma legislação específica que trate sobre o trabalho infantil na televisão, o que traz uma série de consequências.

Segundo a Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Margaret Matos de Carvalho, o momento pelo qual o país passa a respeito do tema trabalho infantil artístico, é um caos. Segundo ela e o entendimento do Ministério Público do Trabalho, a partir da Constituição de 88, o juízo competente para expedir as autorizações, os chamados alvarás, para que a criança possa realizar o trabalho artístico, é do juiz do trabalho.

Contudo, isto não vem ocorrendo, e os alvarás são expedidos pelo juiz da infância e da juventude, o que leva a emissão de autorizações sem critérios específicos, contrariando o estabelecido em nossa legislação:

“até agora ainda os alvará tem sido emitidos pelo juizado da infância e adolescente e não pelo juiz do trabalho, é por isso que nós insistimos que a competência seja do juiz do trabalho, o juiz da infância e adolescência eles tem um contato com a criança e o adolescente, quando elas já são infratoras, quando elas praticam algum ato que seja contrário a legislação, e ela tem que ir lá pra receber medidas sócio-educativas. Ou ela vai ter que ficar num educandário, vai passar um outro tipo de medida educativa, como passar por um programa que o juiz indicar, o contato maior do juiz da infância e adolescência é com essa realidade, de crianças e adolescentes que cometem delitos. Então quando eles veem a possibilidade de trabalho eles acham que isso é uma forma de proteção, como se isso fosse solução, criança que esta trabalhando ela não delinquir, mas ou menos esse raciocínio que eles fazem. E não percebem que a criança tem direito a um não trabalho, que quando se estabelece uma idade mínima é justamente pra isso, proteger o desenvolvimento físico e mental dessas crianças. Então esses juízes quando eles estabelecem quais, são os requisitos que o empregador deve atender nos casos de trabalho infantil artístico, pouco se observa da legislação como o Estatuto da Criança e Do Adolescente e a Constituição Federal”.

Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, a fiscalização do trabalho infantil artístico é feita através de denúncias, ou no caso do trabalho infantil na televisão, pode tomar conhecimento diretamente, e quando há alguma violação, pode ser instaurada uma investigação:

“O Ministério Público do Trabalho atua basicamente por meio de denúncia, ou no caso de trabalho artístico em que você vê na televisão a gente também pode tomar conhecimento direto. Sito o caso da Maisa, que trabalhava no SBT, a denúncia partir por membro do ministério público por parte do próprio ministério público do trabalho, então olha aqui estou vendo esta menina trabalhando no SBT isto tudo surgir num dia em que o Silvio Santos brigou com ela no ar, e isso indignou o procurador que assistiu e ele disse:” não, vamos investigar, vamos ver o que esta acontecendo com o caso da Maisa”. Então geralmente é por denúncia ou diretamente, alguma violação você pode também instaurar uma investigação. Qualquer pessoa pode denunciar ao Ministério Público também a violação de direitos se a denúncia, tiver um fato concreto, ela será apurada”.

Para a promotora do Centro de Apoio da Criança e do Adolescente do Paraná, Luciana Linero, a atribuição para a fiscalização do trabalho infantil é do Ministério Público do Trabalho, realizada através das Delegacias Regionais do Trabalho:

“Na verdade a atribuição para a fiscalização do trabalho infantil é uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho, é através das Delegacias Regionais do Trabalho que isto é feito, mas é a gente tem visto, também que os Ministérios Públicos tem tomado o cuidado maior em relação em questão do trabalho infantil e do trabalho na televisão, principalmente naqueles Estados nisso, a produção deste trabalho é maior, no Paraná agente tem mais a parte publicitária não tanto em relação a outras produções, e isto é feita de maneira a preservar os direitos da criança e do adolescente. Dentre eles assim assegurar o direito a escola, o direito convivência familiar e comunitária, o direito ao esporte, o direito ao lazer que esse trabalho não faria esses direitos essenciais”.

Segundo nossa legislação, ao conceder o alvará para que a criança exerça o trabalho infantil artístico, o juiz deve sempre buscar a proteção da criança e do adolescente, o que, conforme trecho da entrevista transcrita acima, não tem sido respeitado.

Outrossim, mesmo com a expedição de alvarás judiciais, ocorrem abusos dentro desta relação de trabalho.

Segundo psicólogos entrevistados, as crianças que são inseridas no mundo artístico, muitas vezes não possuem uma estrutura psicológica para separar o mundo real da ficção e também para lidar com uma futura rejeição por parte desse mundo artístico:

“Porque a criança não tem capacidade ainda de fazer essa analise sozinha do que é real e do que não é real. (…) Não uma criança não tem como separar a ficção da vida real, pra criança o que ela vive é o real o que ela experimenta é o real, ela não tem um ego ainda estruturado aponto de ela poder saber o que é real e o que não é real, e isso vai ter que ser feito como disse com ajuda de um profissional um terapeuta infantil que vai ajudar a criança poder fazer essa separação. Mas até que ponto isso vai ficar marcado na personalidade dessa criança, na sua vida adulta não da pra ter ideia de como será pode que com uma boa orientação ela entenda, mas não que ela vai fazer essa separação como pode ser que não, não se sabe que tipo de estrutura esta sendo formada e isso pode mais tarde requerer mais auxilio profissional neste adulto que pode vir a ficar fixado nesta fase de desenvolvimento dele quanto criança”. (Psicóloga Soraya Elias Cardoso)

Além disso, para os psicólogos entrevistados, quando a criança desenvolve um trabalho artístico, os pais, muitas vezes, não observam como esse trabalho está sendo desenvolvido, pois veem nos filhos, uma chance de realização pessoal e, na busca do sucesso, não percebem que a criança acaba perdendo o convívio familiar, uma formação escolar adequada, lazer:

“Normalmente esse trabalho é direcionado e induzido pelos próprios pais, ou seja pela vaidade dos pais, ou seja como uma forma de ganhar dinheiro ou até de fazer um desejo que era deles, vendo  filho realizando algo que era  deles estarem em evidência, se destacar, chamar atenção, então a criança não tem como fazer por si mesma essa busca ela é levada a isso pelos pais. Geralmente é assim que acontece eu acho muito improvável que uma criança por si mesma, vá querer ser ator ou participar de um comercial porque ele não tem ainda a ideia real do que isto seja então ela é incentivada pelos pais”. (Psicóloga Soraya Elias Cardoso).

“Porque quando se tem uma criança dentro de casa vai trabalhar com a expectativa dos pais, então imagine que agora você é mãe tem filho dentro  de casa você vai querer atribuir a essa criança expectativa tua que você não teve. Porque a criança é muita pequena, ela não sabe o que é este sucesso, o que é essa expectativa acima dela então ela acha tudo bom, tudo bonitinho, enquanto que os pais já sabem o que é este bonitinho, já sabem o custo deste bonitinho, deste sucesso da criança deste caminho que ela esta seguindo, mas enquanto ela não tem essa consciência eu ela vai ter isso bem mais pra frente é um atributo de pai e de mãe, uma expectativa que supre de pai e de mãe e não de criança”. (Psicóloga Jocely Burda).

“tem pais que percebem que a tendência da criança por alguma coisa porque normalmente posso estar enganada, mas como é que uma criança vai para uma novela, eu acho que é seguinte como é que uma criança entra neste meio provavelmente porque os pais a acham bonitinha, engraçadinha e leva pra fazer book, leva pra agência essas coisas assim. Leva pra fazer propaganda então tenho impressão que começa por esse víeis nunca é nossa minha filha é uma atriz eu vou levar para a rede globo. Existe que acredito que vão buscando esses meios, então não me parece que criança de  quatro e cinco anos seja de livre espontânea vontade “ opa quero ser atriz “ porque a criança com cinco anos de idade, ela quer ser atriz, quer ser bombeiro, quer ser princesa quer ser qualquer coisa, os pais meio que direcionam em função de alguns aspectos do filho. Então como falei tudo depende de como os pais estão vivenciando essa infância dessa criança, se eles dizem eu sempre quis ser atriz então vou por minha filha pra ser atriz, porque na minha época não dava, não sei, então eu acho que sempre passa pelo víeis do pai, então vai depender de novo como é que é feito esse víeis, qual é a expectativa desses pais.” (Psicóloga Helena da Silva Prado).

Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Margaret de Carvalho, não deveria haver permissão para que as crianças “estejam expostas a qualquer tipo de trabalho artístico, não só na televisão, como cantor, pra desfile de roupa infantil você provoca o amadurecimento muito precoce nessa crianças, elas obviamente por não estarem preparadas elas não sabem lidar com a fama, um adulto não sabe, uma criança muito menos.”

Segundo o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa[5], o trabalho artístico infantil é uma questão difícil de lidar e para abordar essa questão é necessário admitir a existência de dois grandes tipos de trabalho artístico infantil, quais sejam, o trabalho infantil como princípio educativo, como por exemplo, a participação de crianças e adolescentes em trabalhos artísticos nos âmbitos escolares sem fins lucrativos; mas também existe o trabalho infantil artístico como atividade profissional, como por exemplo, a utilização de crianças e adolescentes em atividades com caráter empresarial, como em comerciais. Segundo ele, a segunda modalidade de trabalho infantil artístico deve ser tratada com equilíbrio e bom senso.

O pedagogo afirma, ainda, que existem três grandes malefícios que a legislação brasileira e a normativa internacional buscam evitar[6]:

“O primeiro, é que a atividade laboral não pode afetar de modo algum a saúde da criança, isto é, o seu normal desenvolvimento físico, psicológico e moral;

O segundo, é que este tipo de trabalho não pode resultar em nenhuma forma de interferência negativa na vida escolar da criança. Ela deve ter tempo o suficiente para frequentar regularmente a escola e usufruir das condições de tempo e repouso, para realizar, de forma adequada, os chamados deveres escolares prescritos pelo estabelecimento de ensino que frequenta;

O terceiro, é que o trabalho artístico nunca haverá de servir de obstáculo para que a criança ou adolescente tenham o adequado acesso às atividades relacionadas ao uso criativo e construtivo do seu tempo livre. Refiro-me, aqui, àquelas atividades relacionadas ao esporte, à cultura e ao lazer.”

Para Costa[7], assegurar o cumprimento dessas condições é tarefa dos educadores, familiares, meios de comunicação, entre outros, e quando ocorrer a violação desses direitos, quem deve intervir são os Conselhos Tutelares, Ministério Público, cidadãos, entre outros, senão vejamos:

“Assegurar que essas condições sejam rigorosamente observadas e fielmente cumpridas é uma tarefa dos educadores familiares, dos educadores escolares, dos educadores sócio-comunitários, dos meios de comunicação e do meio artístico de forma geral, das agências de publicidade e similares e, em caso de violação desses direitos, dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos de Direito em todos os níveis, do Ministério Público, da Justiça da Infância e da Juventude, da Defensoria Pública, dos Centros de Defesa de Direitos da Sociedade Civil e dos cidadãos comprometidos com a promoção e a defesa dos direitos desse segmento da população.”

Costa conclui que o trabalho artístico infantil não é uma atividade a ser abolida, mas deve ser regulamentada e fiscalizada, respeitando-se a condição da criança como pessoa em desenvolvimento.

Para Oris de Oliveira[8], o trabalho infantil artístico só pode ser executado a partir dos 16 anos:

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“No direito brasileiro, pois, trabalho infantil proibido e que deve ser eliminado é o que se executa em desobediência aos parâmetros constitucionais e normas legais que o disciplinam. .

Consequentemente, o trabalho artístico em uma empresa de fins comerciais só pode ser executado a partir dos 16 anos, desde que, sejam preservadas as normas genéricas de proteção ao trabalho do adolescente:

a) assistência do poder familiar

b) preservação da freqüência à escola com reposição das lições perdidas, nas fases de gravações

c) proibição do trabalho noturno

d) proibição de trabalho prejudicial ao desenvolvimento moral e social (ambiente)

e) respeito pelas normas sobre repouso, sem excluir evidentemente os repousos intra-jornada

f) Proibição de trabalho penoso físico ou psíquico

f) apoio psicológico ao adolescente e aos pais”.

O juiz do trabalho José Roberto Dantas Oliva, em um debate[9] com Procurador do Trabalho Rafael Dias Marques, disse que é contra o trabalho infantil artístico:

“José Roberto começou sua explanação demonstrando claramente sua posição sobre o trabalho infantil artístico. “Trabalho artístico não é coisa de criança. É coisa de gente grande e é regulamentado por lei”, disse. Ao longo de sua explanação, o juiz explicou todas as normas jurídicas vigentes no Brasil acerca da prática em debate, constantes na Constituição Federal, na Consolidação das  Leis do Trabalho (CLT), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e também nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pelo Brasil.

“É possível sim haver trabalho artístico infantil, mas tem de se tomar cuidado para não ser danoso”, ponderou José Roberto. O juiz deu  como exemplo um ator  mirim  que, para dar maior realidade a uma cena de sofrimento, foi submetido à mentira – por parte dos diretores do filme em que atuava – de que sua mãe havia falecido. “Quando vemos as crianças atuando nem imaginamos o que tem por trás. Não é só de glamour que vivem  as crianças artistas”, ressaltou o magistrado.”

Rafael Dias[10] completou a explicação do Magistrado:

“Rafael Dias, por sua vez, complementou a explicação do magistrado, esmiuçando o que diz exatamente a Convenção 138 da OIT que, ao ser incorporada pelo Brasil, tornou possível o trabalho artístico a menores de 16 anos em casos excepcionais. “A autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, se as houver, poderá, mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções para a proibição de emprego ou trabalho provida no Artigo 2º desta Convenção, para finalidades como a participação em representações artísticas”, diz o artigo 8º da norma.

“A regra geral é a proibição, mas permite-se, em casos individuais e específicos, mediante licença concedida, onde se fixar os tipos de atividades permitidas e em ambiente protegido”, explicou Rafael Dias. “Mas essa permissão só pode ser dada se houver alguns requisitos, que vão proteger integralmente e com prioridade absoluta a criança e o adolescente, como por exemplo a compatibilidade com o horário escolar, o tempo para repouso e lazer, e alimentação adequada”, acrescentou o procurador, frisando que é legal o exercício do trabalho artístico de um jovem somente se aquela atividade não puder de maneira nenhuma ser exercida por um adulto”.

O procurador ainda afirmou que a maioria das autorizações não preenche os requisitos mínimos de proteção ao jovem.

Para a Agência de Notícias dos Direitos da Infância[11], a presença de crianças na televisão é positiva:

“É claro que isso precisa de acompanhamento, para que crianças não sejam envolvidas em uma trama cuja complexidade não sejam capazes de assimilar. Pais, TVs e poder público devem analisar em que contexto irá trabalhar", defende Veet Vivarta, secretário-executivo da Andi, para quem o trabalho infantil tem de ser regulamentado no país.

Rachel Vita[12] afirma que o assunto é polêmico e divide especialistas. Ela traz diversas opiniões em sua reportagem, como o da secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa de Oliveira, senão vejamos:

“(…) as consequências são inevitáveis para os pequenos quando submetidos ao trabalho precoce, como é o caso da apresentadora mirim Maisa, do SBT, no programa Sábado Animado, que vai ao ar das 7h às 12h44. Com cinco anos, ela disputa audiência com o programa da Xuxa, da Rede Globo. Maisa já virou alvo de deboches em paródias veiculadas no YouTube, site de vídeos na internet.

“A criança passa a ser celebridade. Não pode ir mais livremente ao parquinho para brincar. Deixa de viver uma fase fundamental da vida”, diz Isa. (…)“Os adultos querem realizar seu sonho de enriquecer ou ficar famoso através dos filhos. Mas a criança e o adolescente têm o direito ao lazer, ao descanso, ao pleno desenvolvimento físico”, alerta Isa.”

Rachel Vita[13] traz, ainda, a opinião de Renato Mendes, que é coordenador nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, da OIT. Segundo ele, a exploração do trabalho infanto-juvenil pode acarretar transtornos para a criança:

“Renato Mendes, coordenador nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, da OIT, tem a mesma opinião: “A exploração infanto-juvenil pode levar a uma adultização precoce. Muitos participam de cenas com conflitos familiares, o que pode acarretar em transtornos para a criança.”

Porém, existem aqueles que consideram a atividade artística como o desenvolvimento de uma arte, e não como trabalho infantil, como é o caso do desembargador Siro Darlan, entrevistado por Rachel Vita[14]. Contudo, o magistrado é contra a atuação de crianças em cenas de violência, com uso de drogas:

“O desembargador Siro Darlan não considera atividade artística como trabalho infantil. “Vejo como o desenvolvimento de uma arte. Se há vocação artística é que se coloca um obstáculo, pode gerar frustração ao desenvolvimento da criança”, avalia. Em 2000, ainda como juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, Siro Darlan ganhou projeção nacional ao proibir a atuação de atores mirins na novela “Laços de Família”, da TV Globo. Para o magistrado, o papel da Justiça é evitar abusos: “Sou contra uma criança atuar em cenas de violência, com uso de drogas e armas e ainda em desrespeito à família.” Na época, Darlan baixou portaria em que previa termos como o acompanhamento psicológico e a comprovação de freqüência em sala de aula. “O ECA determina regras, mas a regulamentação é genérica. Por isso, fiz a portaria para o Rio”, afirma. Siro condena cenas de filmes, como o de Cidade de Deus, em que crianças e adolescentes aparecem com armas e participam de cenas de tiroteio.”

Segundo a Viver Brasil[15], “o Ministério Público do Trabalho fez um estudo no ano passado e detectou que a participação infantil em novelas, por exemplo, não poderia ser permitida, uma vez que a OIT deixa claro que o trabalho artístico exercido por crianças não pode ser contínuo. Por esse estudo foram levantados vários casos de ex-atores mirins psicologicamente afetados. Para Marília Makaaroun, os pro­blemas costumam acontecer quando eles descobrem que só valem enquanto são fontes de dinheiro, de influência.”

O que se estranha é que a mesma sociedade que reprova o trabalho infantil em carvoarias ou ambiente domésticos, é aquela que aprova o trabalho infantil quando este é realizado em um programa de televisão.

Segundo Sandra Regina Cavalcanti, em entrevista à EcoDebate[16]:

“A sociedade fica deslumbrada com as crianças atuando. Mas até que ponto essa atividade é legal e saudável para elas?”, Sandra questiona.

Para a mestranda, é fundamental que haja o contato das crianças com a arte, mas fazê-las participar de um processo em que são apenas uma matéria-prima de um produto comercialmente construído é prejudicial. Ela completa, “o talento em si não gera problemas. O problema acontece no tipo de vida que aquela criança ou adolescente vai ter. Para quem assiste, é lazer, mas para quem está ali, sob as luzes, é trabalho, e trabalho duro: a bailarina, linda, leve e solta é cheia de calos nos pés. Quando o pianista toca, seus ombros latejam de dor”.

Segundo a advogada, a emissão de alvarás acontece, geralmente, apenas para papéis fixos em uma novela ou para apresentadores mirins de programas de televisão.

A utilização de crianças em programas da televisão, tanto quanto em uma carvoaria, nada mais é do que a exploração do trabalho infantil, que viola o contido no artigo 227, §3º, I da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Com relação aos contratos, estes não contêm cláusulas específicas para contratar menores. Os contratos poderiam ter cláusulas em que se especifica o acompanhamento dos pais ou do responsável nas gravações, não deixando seus filhos sozinhos com os produtores.

Também deveria estabelecer uma jornada de trabalho de no máximo seis horas, para qualquer gravação ou filmagem, especificando-se o horário inicial e horário final das gravações.

Ainda, entre um contrato e outro deveria haver um período de trinta dias, pois, muitas vezes, os pais assumem compromissos com uma agência num dia e no outro com outra agência.

Verificando-se os contratos utilizados para a contratação de crianças, percebe-se que em uma de suas cláusulas, há a estipulação de que o contratante pagará para o contratado todas as despesas de viagem, hospedagem, transporte, alimentação, excluindo telefonemas particulares e bebidas alcoólicas. O que leva a concluir que os contratos utilizados pelas agências para a contratação de crianças são os mesmos utilizados para adultos, o que não deveria ocorrer.

Como já mencionado, a convenção nº 138 da OIT, ratificada pelo Brasil, diz que a autoridade competente poderá conceder, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de admissão ao emprego ou trabalho com idade aquém da mínima legal. Já o ECA ao admitir a participação de crianças em espetáculos públicos e seus ensaios ou em certames de beleza, prescreveu de forma exemplificativa e não exaustiva, que a autoridade competente deve levar em conta os princípios do próprio Estatuto, as peculiaridades locais, a existência de instalações adequadas, o tipo de frequência habitual ao local, a adequação do ambiente à eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a natureza do espetáculo.[17]

Segundo Haetinger, sempre se deve procurar “um meio termo entre a atuação de crianças e adolescentes nos trabalhos artísticos em compatibilidade com o princípio da proteção integral.”

Ainda, a liberdade de expressão e o direito da criança desenvolver um talento inato, devem ser respeitados, de acordo com a capacidade de cada um.[18]

A família, o Estado e a sociedade tem o dever de proteger o melhor interesse da criança. Esse dever será abordado no tópico a seguir.

3. Família, Estado e Sociedade: Dever de Proteção do Melhor Interesse da Criança

Estabelece o artigo 227[19] da Constituição Federal que é dever da família, da sociedade e do Estado a proteção contra toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Contudo, não é incomum a aparição de crianças e adolescentes em novelas em cenas de humilhação e violência, ou então, trabalhando horas a fio para gravar um comercial ou se apresentar em um coral, como é o caso do coral de crianças do HSBC em Curitiba/PR, vejamos o relato da procuradora Margaret Matos de Carvalho:

“São crianças de abrigo, portanto não estão acompanhadas dos pais a responsabilidade é do município, quando ela retira as crianças da família, o juiz retira a criança da família e determina que o município adote pelo programa de atendimento dessas crianças. Elas vão fazer as apresentações no Palácio Avenida, e não existe no alvará que foi concedido o limite máximo em que elas podem estar naquele ambiente; e ali nós temos apresentação até no domingo. Não é permitido trabalho de criança no domingo, jornada extraordinária de criança e adolescente muito menos adulto pra noturno e tudo isso é violado, porque o juiz que é da justiça comum ele não conhece a legislação trabalhista, no HSBC as apresentações começam a noite, terminam muito tarde as crianças voltam com um ônibus assim, varias crianças de diferentes abrigos no mesmo ônibus isso implica com que o ônibus faça longos trajetos, então se eles saem daqui 23:00 horas da noite eles só vão chegar nos abrigos por volta de 01:00 hora, 02:00 horas da manhã, no outro dia eles já tem aula não tem nem um descanso que falamos entre jornada, logo de manhã ele tem que estar se despertando pra estudar, muitos estudam pela manhã.”

Ademais, segundo especialistas, a criança não sabe lidar com essas situações. Segundo a psicóloga entrevistada, Soraya Elias Cardoso, a criança não sabe separar a ficção da realidade:

“Não, uma criança não tem como separar a ficção da vida real, pra criança o que ela vive é o real o que ela experimenta é o real, ela não tem um ego ainda estruturado aponto de ela poder saber o que é real e o que não é real, e isso vai ter que ser feito como disse com ajuda de um profissional, um terapeuta infantil que vai ajudar a criança poder fazer essa separação. Mas até que ponto isso vai ficar marcado na personalidade dessa criança, na sua vida adulta não da pra ter ideia de como será, pode que com uma boa orientação ela entenda, mas não que ela vai fazer essa separação como pode ser que não, não se sabe que tipo de estrutura esta sendo formada e isso pode mais tarde requerer mais auxilio profissional neste adulto, que pode vir a ficar fixado nesta fase de desenvolvimento dele quanto criança.”

Assim, deve haver toda uma regulamentação para que estas crianças participem de trabalhos artísticos na televisão e, em caso de abuso, o Estado, por intermédio do Ministério Público deve agir para coibir qualquer abuso com relação à criança e o adolescente.

Segundo a procuradora do Ministério Público do Trabalho entrevistada, Dra. Margaret Matos de Carvalho, o Ministério Público faz um trabalho de prevenção, em que produtores e agências de modelos assinam um termo, em que se comprometem a respeitar o direito das crianças:

“Nós resolvemos em fazer um trabalho de prevenção, chamamos todos os produtores, agências de modelos, para que elas afirmassem um termo de compromisso no sentido de preservar todos os direitos das crianças e dos adolescentes. Inclusive pedindo um alvará judicial, porque, acontece muito da criança trabalhar sem autorização judicial, sem o alvará, é o alvará que vai estabelecer a jornada, quanto tempo que a criança vai estar exposta durante a semana, os pais devem acompanhar, tem que estar na escola, tem que ter frequência disso tudo, e isso tudo tem que estar no alvará. Se eles não retirarem esse documento fica uma relação completamente desprotegida, então nós fizemos isso, exigimos de todas as produtoras, de todas as agências de modelos e manequins que a partir do ano passado elas adotem essa cautela de buscar o alvará, a presença dos pais, depositar cinquenta por cento (50%).”

Caso essas condições não sejam respeitadas, o Ministério Público executa o termo de compromisso firmado, com a aplicação de multa e determinação judicial para o cumprimento das obrigações. Pode haver ainda, a instauração de inquérito policial para que seja apurada a ocorrência de maus tratos.

Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho, deveria haver uma rejeição da sociedade para esse tipo de trabalho infantil.

Os pais também devem agir e utilizar de todos os meios para que o direito e interesses de seus filhos sejam preservados, pois são detentores do poder familiar que, segundo Maria Helena Diniz[20] e Silvio Rodrigues[21] é um conjunto de direitos e obrigações exercido por ambos os pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos, tendo em vista o interesse e a proteção destes.

Ainda, sobre o poder familiar, Venosa[22] dispõe que “cabe aos pais dirigir a educação dos filhos, tendo-os sob sua guarda e companhia, sustentando-os e criando-os”.

Desta maneira verifica-se que os pais são tão responsáveis quanto o Estado a fim de garantir que os interesses de seus filhos sejam respeitados e “garantindo a sua dignidade como seres humanos em desenvolvimento físico-psíquico.”[23]

Com relação à realização de trabalhos por menores, Venosa[24] dispõe o seguinte:

“Podem também os pais exigir serviços próprios da idade do menor. Havemos de respeitar a legislação específica a respeito do trabalho do menor. A legislação trabalhista proíbe seu trabalho fora do lar até os 16 anos, salvo na condição aprendiz, a partir dos 14, conforme art. 7º, XXXIII, da CF, sendo-lhe proibido o trabalho noturno, perigoso e insalubre até os 18 anos. Todos os abusos em matéria de menor devem ser severamente combatidos.”

Desta maneira, resta evidente que a criança e o adolescente devem ser protegidos de toda a forma de abuso e exploração. Os pais têm agido de forma a garantir o melhor desenvolvimento da criança.

Contudo, verifica-se que eles não percebem a tudo aquilo no qual a criança está exposta, quando os autorizam a realizar um trabalho na televisão. Para entender o que se passa pela cabeça dos pais ao autorizar que seus filhos participem de programas televisivos, foi realizada uma pesquisa de campo, em que foram entrevistadas doze mães e estas responderam a diversos questionamentos, entre eles, se autorizariam ou não que seus filhos trabalhassem na televisão.

A maioria entende que a participação de seus filhos na televisão é a mesma coisa que um trabalho qualquer. Houve um empate com relação às respostas da pergunta antes mencionada.

As que responderam à questão de forma negativa, justificaram a sua resposta dizendo que esse tipo de trabalho exporia demais seus filhos e o mais importante para uma criança é brincar e estudar, senão vejamos:

“Além de ser uma criança, eu sou contra de que uma criança trabalhe numa televisão, devido que você acaba colocando a criança, expondo ela mais sem ter necessidade. Então pela minha consciência hoje não deixaria, jamais.” (Judite Pamplano)

“Não, porque pra mim caracteriza trabalho infantil, e eu não deixaria, eu acho que a criança tem que estudar e brincar esse é o objetivo da criança. Pra mim trabalhar em televisão, ou trabalhar cortando cana, ou de pedreiro é a mesma coisa, pra mim é trabalho infantil do mesmo jeito; se a criança não pode ajudar a família que caracterize qualquer outro tipo de trabalho pra mim, também não pode na televisão, é a mesma coisa. Eu não autorizo, meu filho vai estudar e brincar.” (Laisa Patricia Fontana Santos)

“Não. Porque acho que é muita exposição a criança não tem, primeiro que pra mim é um trabalho como qualquer outro e sei que televisão exige ainda muito mais como qualquer outro trabalho comum, tem que ficar bastante tempo gravando, horas e horas acho muito desgastante e acho que criança tem que brincar, não tem que fazer este tipo de coisa. Sou totalmente contra, acho que é escravizar usar a criança mesmo”. (Thatyane Kowalski Lacerda Scandelari)

Já as que responderam a esta questão afirmativamente, não deixam de reconhecer que se trata de um trabalho como qualquer outro, mas dizem que o benefício alcançado por seus filhos seria maior:

“Deixaria. Por causa da situação econômica que com certeza esse dinheiro que ele ganharia agora, poderia ser muito benéfico pra ele no futuro, e futuramente também ele quando ficar adulto possa exercer ser um ator, ser uma pessoa famosa, de repente até um jornalista, um ator trabalhando no meio artístico.” (Vanessa Rodrigues de Oliveira Lima)

“Deixaria. Porque acho que é um trabalho como outro qualquer.” (Eliane Maria Fidelix Dambroski)

Segundo os psicólogos entrevistados, se a criança tiver uma boa estrutura familiar, ela consegue lidar com a fama.

“A criança pode ter mais facilidade pra isso (lidar com a fama), sendo que a criança esta sempre sobre a tutela dos pais o que vai depender se os pais tem essa estrutura, no meu ponto de vista. Se os pais não tem essa estrutura não consegue dar essa estrutura para a criança, e eu acho que tem muito há ver o que, que os pais almejam ou buscam para criança. Se os pais pretendem se realizar através da criança é uma coisa muito complicada, se os pais estão dando uma chance pra criança se desenvolver e dar essa estrutura, eu acho que a tendência é ela ter essa estrutura. E como qualquer ser humano vai ter momentos mais difíceis mas eu acho que ele tem toda possibilidade de ter este estrutura, como é a estrutura dos pais.” (Psicóloga Helena da Silva Prado).

“O que não pode acontecer são estas famílias e muitas famílias que fazem isto, é cobrar excessivamente da criança, cobrando excessivamente ela vai se sentir com uma responsabilidade muito maior do que ela tem, porque futuramente vai entrar em questão do sucesso, vai entrar outras cobranças e se ela tiver uma cobrança já de tão pequena a vida dela vai ser uma eterna cobrança, vai ser uma responsabilidade muito grande que ela pode levar de não conseguir com esse sucesso mesmo. Então assim é bacana quando se tem isso no ambiente familiar, quando se tem esse ambiente equilibrado e adequado se não tem isso no ambiente o crescimento dela é prejudicial sim”. (Psicóloga Jocely Burda).

“Não, uma criança dependendo da idade ate a puberdade ela não tem como distinguir a fama real, e a fama ocasionada por um papel que ela vai desempenhar numa mídia, numa televisão ou em algum tipo de exposição, ela não tem como diferenciar ainda o que é o sentido real da fama”. (Psicóloga Soraya Elias Cardoso)

Neste ponto, verifica-se que a família é muito importante para a criança, pois ela precisa do acompanhamento dos pais, independente se eles forem biológicos ou não, para poder crescer e se tornar um adulto. Os pais tem total obrigação de educar este filho, junto com a escola e com a comunidade onde vive. É importante que os pais deem aos seus filhos o equilíbrio emocional do qual eles precisam, para que quando adultos possam saber escolher sua profissão.

O descumprimento das obrigações decorrentes do poder familiar pode levar à perda do mesmo, como assevera Maria Helena Diniz[25]:

“Se os pais não cumprirem o dever legal e moral de educar e criar seus filhos, perderão o poder familiar (CC, art. 1.638, II), sofrerão as sanções previstas no Código Penal (arts. 244 e 246) para o crime de abandono material e intelectual dos menores, e, ainda, arcarão com a responsabilidade civil pelo dano moral causados aos filhos, relativamente aos seus direitos da personalidade”.

Ainda, sobre a perda do poder familiar, Silvio Rodrigues[26] dispõe o seguinte:

“A suspensão e a destituição do poder familiar constituem, assim, sanções aplicadas aos pais pela infração ao dever genérico de exercerem o poder parental de acordo com regras estabelecidas pelo legislador, e visam atender ao maior interesse do menor.

A nosso ver, tais sanções têm menos um intuito punitivo aos pais do que o de preservar o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência daqueles. Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou à destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares.”

Maria Berenice Dias[27] assevera que face às “sequelas que a perda do poder familiar gera, deve somente ser decretada quando sua mantença coloca em perigo a segurança ou a dignidade do filho”.

Ter o filho em companhia, não quer dizer simplesmente morar com o filho. É importante uma convivência sadia, em que os pais terão com seus filhos uma troca de experiências, sendo sentimentos e informações, como protegê-lo dos perigos a que uma criança está exposta. Também é obrigação dos pais dar aos filhos afeto, amor, carinho, sentimentos positivos, deste modo ajudando no desenvolvimento de sua personalidade.

4. Conclusão

As observações sobre este trabalho, sobre as crianças que Trabalham na Televisão, nos leva a concluir que, além de ser uma manifestação artística e cultural, esta atividade também se caracteriza como trabalho.

Também foi observado que na CLT, o menor pode trabalhar como menor aprendiz. Assim como, que se garantam as proteções que estão previstas no ECA no seu Art.149, e a Convenção 138, pois no Paraná, não temos crianças que trabalham em novelas, em filmes, em seriados, mas sim, um grande número que trabalham em propagandas para vender produtos. Observando as entrevistas com as promotoras do Ministério Público do Trabalho, verifica-se que as crianças poderão exercer um trabalho artístico, desde que os alvarás de autorização sejam autorizados pelos juízes do trabalho, e não pelos juízes da vara da infância e do adolescente. Sabe-se que para gravar um comercial leva-se horas de gravação ou até dias, muitos deles possuem ambientes fechados e com iluminação inadequada para a pele de um bebê. Na maioria dos trabalhos, os pais ou os responsáveis não acompanham as gravações. Não se pode deixar de dizer que a arte é bela, mas, da mesma forma, não se pode sacrificar uma criança para fazer esta arte crescer. Contudo, o ideal é que os dois cresçam juntos para, então, ser arte e belo.

Das entrevistas com as psicólogas foi observado que as crianças não sabem lidar com a fama. No entanto, se possuírem uma estrutura familiar adequada e que lhes favoreça no enfrentamento de tais desafios, conseguirão lidar com eles muito bem. Portanto, o mais importante é educar os pais, pois se veem através dos filhos e, muitas vezes, os permitem fazer coisas que não tiveram a oportunidade de fazer como, trabalhar na televisão e, por esse motivo, incentivam seus filhos a fazerem este tipo de trabalho. A criança, ao final deste período de sucesso, pode ser muito prejudicada, pois chega muito rápido ao último degrau da escada, sem saber como são os outros. Sendo o sucesso algo passageiro, e quando se acaba, as crianças podem ser levadas a caminhos prejudiciais. Neste caso, é muito importante que a família esteja junto com a criança, para dar todo o suporte e a estrutura necessária.

São relevantes as opiniões das mães entrevistadas, sendo que a maioria permite que seus filhos trabalhem em televisão por questões financeiras e também por acharem que seu filho possui boa aparência, é engraçado e, principalmente, que teria muito futuro realizando este trabalho e, consequentemente, sendo conhecido por todos e pelo mundo. Contudo, uma minoria não permitiria, pois acreditam que a criança deva brincar e estudar e, pouco a pouco irá desenvolver responsabilidades de acordo com o tempo e idade.

A criança que trabalha na televisão não consegue ter um desenvolvimento mental e físico sadio. Seria necessário ter uma legislação específica para este trabalho, pois o juiz deve observar a proteção da criança e do adolescente exigindo cláusulas específicas no contrato destes menores.

Sabemos que é permitido ao menor o trabalho na condição de aprendiz, conforme a CLT nos afirma no artigo 428. O menor deve cumprir com suas obrigações junto ao empregador, assim como o empregador deve cumprir as suas, uma vez que a obrigação principal é a da aprendizagem. Este contrato de trabalho pois  é de prazo determinado e de natureza especial, pois o menor não pode realizar horas extraordinárias de trabalho, sendo isso considerado desgastante e prejudicial ao menor. Como também o ECA garante o que está previsto, trabalho de aprendiz para menores de quatorze anos, para respeitar seu horário de trabalho, onde o menor possa ter seu horário de estudo e lazer.

Este tipo de trabalho não pode refletir de forma negativa na vida escolar da criança. Ela deve ter tempo suficiente para frequentar a escola regularmente, para o descanso, o esporte, o lazer e a cultura. O importante é assegurar que estas tarefas sejam observadas com rigor e, de fato, cumpridas. Estas tarefas são de responsabilidade dos educadores familiares, dos educadores escolares, dos educadores sócio- comunitários e das agências de publicidades. E se, por ventura, haja a violação desses direitos, deve-se denunciar à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou ao Conselho Tutelar.

As crianças que trabalham em televisão, não podem ser protagonizar cenas de violência, desrespeito familiar, uso de drogas e armas. Estas cenas prejudicam o seu desenvolvimento mental. E se vierem a participam dessas cenas, elas devem, obrigatoriamente, receber um suporte psicológico.

Devido a crescente demanda do trabalho dessas crianças, elas acabam não tendo tempo para desfrutar atividades que fazem parte do sua faixa etária, tais como, passeios a parques de diversão, shoppings ou, até mesmo, cinemas. É importante ressaltar que os pais devem ter cuidado para não transferir seus sonhos de se tornarem ricos ou famosos para seus filhos.

Para que o desenvolvimento da criança aconteça, a função paterna e materna é indispensável neste sentido. Compete aos pais permanecer próximos aos seus filhos, se fazendo presentes em todos os momentos e mostrando a eles a direção, a educação e a criação.

Portanto, no sentido jurídico, isso significa o dever de criar e garantir aos filhos os direitos fundamentais a pessoa humana, incluindo o sustento alimentar, assegurando a saúde, o bem estar físico, o direito a escola, o direito ao lazer, a convivência em sociedade e tudo que for necessário para o seu desenvolvimento.

Portanto, não há a necessidade de erradicar o trabalho infantil artístico, mas sim, ter uma sociedade mais consciente, exercendo um papel mais ativo em todos os âmbitos e que haja pais mais conscientes para que o trabalho não seja desgastante e nem prejudicial a vida desta criança, o que, consequentemente, fará com que a arte e a cultura cresçam juntos sem prejudicar a criança.

 

Referências:
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Notas:
[1] BICUDO, Hélio. O trabalho infantil. Disponível em: <http://www.afaiterj.org.br/index.php/noticias/957> Acesso em 6 nov. 2011.

[2] SILVA, Maria Gizele da. PR é o 4º em trabalho infantil autorizado. Gazeta do Povo. Curitiba, 28 dez 2011. Disponível em <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1207504> Acesso em 05 fev. 2012.

[3] Art . 6º – O exercício das profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões requer prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho, o qual terá validade em todo o território nacional.

[4] Art . 35 – Aplicam-se aos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões as normas da legislação do trabalho, exceto naquilo que for regulado de forma diferente nesta Lei.

[5] COSTA, Antonio Carlos Gomes da Costa. Trabalho infantil artístico. PRÓMENINO. Disponível em: <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoId/6b8c3215-fc2c-4749-8e6f-08ac17bde458/Default.aspx> Acesso em 04 nov 2011

[6] Idem.

[7] COSTA, Antonio Carlos Gomes da Costa. Trabalho infantil artístico. PRÓMENINO. Disponível em: <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoId/6b8c3215-fc2c-4749-8e6f-08ac17bde458/Default.aspx> Acesso em 04 nov. 2011.

[8] OLIVEIRA, Oris. Trabalho infantil artístico. Disponível em: <http://www.fnpeti.org.br/artigos/trabalho_artistico.pdf> Acesso em 04 nov. 2011.

[9] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Proibição de trabalho infantil artístico é explicada por juiz e procurador do Trabalho. Disponível em: <http://ww1.anamatra.org.br/003/00301015.asp?ttCD_CHAVE=140863> Acesso em 04 nov 2011.

[10] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Proibição de trabalho infantil artístico é explicada por juiz e procurador do Trabalho. Disponível em: <http://ww1.anamatra.org.br/003/00301015.asp?ttCD_CHAVE=140863> Acesso em 04 nov 2011.

[11] MATTOS, Laura. Em meio a vácuo legal, menina de “Viver a Vida” tem de ficar boazinha. Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u709461.shtml> Acesso em 04 nov 2011.

[12] VITA, Rachel. Trabalho infantil: a gente vê na TV. Disponível em: <http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/trabalho-infantil-a-gente-ve-na-tv/> Acesso em 03 nov. 2011.

[13] Idem.

[14] Idem.

[15] VIVER BRASIL. Também é trabalho infantil. Disponível em: <http://www.revistaviverbrasil.com.br/impressao/materia/7/brasil/tambem-e-trabalho-infantil/> Acesso em 06 nov 2011.

[16] MORAIS, Isabela. Trabalho infantil artístico: As crianças que trabalham bem diante do seu nariz. EcoDebate. Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/2011/09/14/trabalho-infantil-artistico-as-criancas-que-trabalham-bem-diante-do-seu-nariz/> Acesso em 06 nov 2011.

[17] OLIVA, José Roberto Dantas. Autorização para o trabalho infanto-juvenil artístico e nas ruas e praças: parâmetros e competência exclusiva do juiz do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campina, n. 28, p. 117-123, 2006. Disponível em: <http://www.trt15.jus.br/escola_da_magistratura/Rev28Art7.pdf> Acesso em 12 fev. 2012.

[18] OLIVA, José Roberto Dantas. Autorização para o trabalho infanto-juvenil artístico e nas ruas e praças: parâmetros e competência exclusiva do juiz do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campina, n. 28, p. 117-123, 2006. Disponível em: <http://www.trt15.jus.br/escola_da_magistratura/Rev28Art7.pdf> Acesso em 12 fev. 2012. p. 120.

[19] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[20] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 564.

[21] RODRIGUES, Silvio. Direito de família. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali; de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 356

[22] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 372.

[23] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.569.

[24] VENOSA, op. cit. p. 375.

[25] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 570.

[26] RODRIGUES, Silvio. Direito de família. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali; de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 368-369

[27] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 393


Informações Sobre o Autor

Cleia Fidelis Fidunio

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro de Estudos Jurídicos Luiz Carlos CTBA/PR, Bacharel em Direito pela Faculdade OPET CTBA/PR


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