Traços do direito penal do autor no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar os institutos da conduta social e da personalidade do agente quando usados no critério de fixação da pena que configuram na prática o uso do Direito Penal do Autor ao invés do Direito Penal do Fato adotado pela Constituição da República e pelo Código Penal onde o Direito Penal deve ater-se aos fatos realizados pelo agente criminoso e não por sua moral personalidade meio de vida ou qualquer outra característica inerente ao eu íntimo de uma pessoa correlacionamos ainda com o Direito Penal do Inimigo também conhecido pela alcunha de Direito Penal de Terceira Velocidade.

Sumário: Introdução. Dosimetria da pena. Conduta Social. Personalidade do Agente. Conclusão. Referências.

Introdução

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Uma das grandes evoluções jurídicas e democráticas é a aplicação do Direito Penal do Fato, onde a culpabilidade resulta de um juízo do delito como ato concretizado pelo autor, contrapondo Direito Penal do Autor. Por este o que configura o delito é a capacidade de delinquir do agente, constatada através do seu modo de ser, a essência do delito através das características do autor explicam a pena nesta teoria.

Relacionado com o Direito Penal do Inimigo, teoria proposta por Günther Jakobs, consubstanciada na defesa de um tratamento diferenciado àqueles indivíduos que vão de encontro às normas estabelecidas a toda sociedade de forma tão gravosa que não devem ser considerados cidadãos, ensejando a reprimenda do Estado.

Neste mesmo raciocínio, o Direito Penal do Autor consiste em um conjunto de regras destinadas à exclusão daqueles que potencialmente apresentem alguma ameaça à sociedade, combatendo-se possíveis perigos em relação a fatos futuros.

A Escola Positivista nasceu num cenário histórico de acelerado desenvolvimento das ciências sociais, contribuindo, de forma significativa para impulsionar um novo rumo nos estudos criminológicos. Ao abstrato individualismo da Escola Clássica, a Escola Positiva opôs a necessidade de defender mais enfaticamente o corpo social contra a ação do delinquente, priorizando os interesses sociais em relação aos indivíduos[1].

Cesare Lombroso, médico italiano, considerado o pioneiro da Escola Positivista e criador da antropologia criminal, estudou o delinquente sob o ponto de vista biológico, considerando o crime como uma manifestação da personalidade humana e produto de várias causas, sendo esta ideia principal do Direito Penal do Autor.

Lombroso expôs em detalhe suas observações e teorias na obra O Homem Delinquente cuja primeira edição apareceu em 1876, convertendo-o em celebridade. Em 1885, realizou-se em Roma um Primeiro Congresso de Antropologia Criminal, e as teses e propostas de Lombroso obtiveram grande sucesso e reconhecimento científico no fim do século XIX.[2]

A corrente positivista cogitou aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que se utilizava em outras disciplinas (Psicologia, Sociologia, etc.) a fim de tentar traçar um padrão de características pessoais inerente aos criminosos.

A Escola Positiva, ora defendida por Lombroso, Ferri e Garófalo, vislumbrava a figura do homem-delinquente, detentor de características que o tornava perigoso à sociedade, em face de uma suposta inclinação que certos indivíduos têm para o crime. Idealizou e estereotipou o criminoso nato, que seria reconhecido por uma série de estigmas físicos. Dentre suas principais ideias, destacamos a que conceituava o crime como um fenômeno biológico e não um ente jurídico.

Nesta corrente se entendia que aqueles que nascessem com anomalias físico-psíquicas, já deveriam ser tratados como criminosos natos, impedidos de se adaptarem à sociedade, haja vista que já se devia esperar a prática de fatos delituosos por tais indivíduos. Dessa forma, a pena não tinha a finalidade de punir, mas sim, possuía o caráter preventivo.

Segundo Sykes[3]; Lombroso afirmava que a pessoa que violava as leis da sociedade recuava a uma forma mais primitiva de vida.

A escola positivista lecionava que as pessoas, conforme suas características psíquico-orgânicas, já estavam inclinadas a cometer algum delito, por isso, o Direito Penal deveria basear-se na proteção social, largando toda a pretensão ética. Nela, o autor é considerado um ser inferior e degenerado, e o delito fruto do estado de periculosidade.

Desta forma, o Estado passaria a exercer uma proteção social, punindo ou neutralizando aqueles que representassem algum perigo à sociedade, ainda que antes do agente cometer algum delito.

Algumas reminiscências da Escola Positiva ainda são encontradas em nossa legislação, não obstante, em face do princípio da dignidade humana e encontra guarida constitucional, é imperioso que se analise sobre a legitimidade dessas manifestações de Direito Penal de Autor.

O Direito Penal do Autor afronta princípios constitucionais e norteadores do Direito Penal. Todavia, ainda podemos enxergar resquícios de sua existência na legislação brasileira, elencados especificamente no art. 59 do Código Penal:

“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”

A finalidade dessas circunstâncias, denominadas judiciais, é permitir a aplicação de penas individualizadas e proporcionais que sejam necessárias e suficientes para promover a reprovação e a prevenção da conduta. Dessa forma, contribui não para a análise do fato, mas para a manifestação dos tumultos interiores do réu, constituindo, portanto, um dos fatores determinantes do retrocesso ao temido Direito Penal do Autor.

Dois critérios citados do caput do art. 59 do Código Penal Brasileiro se coadunam com as ideias do direito Penal do Autor: a conduta social e a personalidade do agente.

Dosimetria da Pena.

A pena será fixada em três fases, quais sejam: uma primeira fase na qual são analisadas as circunstâncias do art. 59 do CP. Ao final da primeira fase é fixada uma pena provisória que é denominada de pena-base.

 Em seguida, havendo quaisquer das circunstâncias agravantes ou atenuantes previstas nos art. 61 e seguintes do CP, a pena será aumentada e diminuída, conforme o caso e uma nova pena provisória será fixada.

Por derradeiro, sobre esta nova pena provisória incidirá as chamadas causas de aumento ou diminuição de pena, encontradas tanto na parte geral como na parte especial do código. A pena resultante deste processo será a pena final do réu.

Devemos nos ater a primeira fase, que trata da fixação da pena-base, onde são aplicados os dispositivos que remetem ao direito penal do autor. Essa valoração dá com estrita observância das circunstâncias do art. 59 do código penal.

"Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à “conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”

Estas circunstâncias são chamadas circunstâncias judiciais, pois são frutos de uma análise quase sempre bastante subjetiva por parte do magistrado da causa. Vale frisar que a culpabilidade a que se refere o art. 59 do CP, não é aquela que é elemento constitutivo do tipo. Não se trata, pois de uma inexigibilidade de conduta diversa, mas sim do grau de reprovabilidade social da conduta criminosa.

Com uma idéia concisa sobre a aplicação da pena-base, e o saber que cada critério usado corresponde até a 1/8 (um oitavo) da pena, passamos a próxima explanação aprofundada sobre os critérios em questão e seus elementos característicos.

Conduta Social.

É indubitável que a conduta social do agente, prevista no art. 59 do Código Penal como um dos critérios que de fixação da pena, ampara-se numa culpabilidade de caráter, e por isso macula o princípio de culpabilidade, que impõe um Direito Penal do fato.

Este critério refere-se às atividades relativas ao trabalho, relacionamento familiar e social ou qualquer outra forma de relacionamento com a sociedade.

Assim, muitas vezes ao julgar a conduta social do agente, o juízo usa como parâmetro os valores dos segmentos sociais economicamente mais favorecidos, ou seja, aquele a que, em geral, pertence o próprio magistrado, levando o julgador a ser mais rigoroso na fixação da pena-base dos réus pertencentes a determinados grupos sociais diferentes do seu.

De acordo com Nucci, conduta social "É o papel na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc. O magistrado precisa conhecer a pessoa que estará julgando, a fim de saber se merece uma reprimenda maior ou menor, daí por que a importância das perguntas que devem ser dirigidas ao acusado, no interrogatório, e às testemunhas, durante a instrução. Um péssimo pai e marido violento, em caso de condenação por lesões corporais graves, merece pena superior à mínima, por exemplo"[4].

José Eulálio de Almeida[5] elenca exemplos desses parâmetros, obtidos a partir das provas dos autos que servem de base para o juízo acerca da conduta social, dentre os quais:

“A tendência do réu ao trabalho ou ao ócio, a sua afetividade ou desprezo para com os familiares, o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas, o seu entretenimento predileto, se frequenta clubes sociais, ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito, frequentando locais de concentração de delinquentes ou lupanares, seu grau de escolaridade, seu interesse pelos estudos, bem como seu relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar que frequenta”.

Assim, a conduta social como critério de fixação da pena, toma por base elementos não tipificados relativos exclusivamente aos costumes do autor.

Desse modo, averiguar a conduta social do réu é uma tarefa complexa que acaba por definir uma moral a ser seguida, evidenciando-se uma tendência em se conceber certos sujeitos como delinquentes, muitas vezes, num padrão de conduta social que diverge daquele entendido como adequado para os sujeitos economicamente mais favorecidos, dentre os quais, em geral, se inclui o magistrado.

A conduta social como elemento de fixação da pena-base é tratada de forma rápida pela doutrina, que em geral sustenta que o trabalho cognoscitivo do magistrado acerca da conduta social do agente funda-se basicamente nas perguntas feitas no interrogatório e nos depoimentos das testemunhas. [6]

A Personalidade do Agente.

Sempre houve controvérsias a respeito da concepção da personalidade. Entre as inúmeras tendências destacam-se as naturezas biológica e existencial suprabiológica. Consoante à primeira, a genética também determinaria a interação do indivíduo com o mundo, seu temperamento, afetividade, etc. A outra compreende o indivíduo como o resultado de interações biopsicossociais.[7]

Portanto, a personalidade poderia ser considerada da seguinte forma:

“Personalidade é a organização dinâmica dos traços no interior do eu, formados a partir de genes particulares que herdamos das existências singulares que suportamos e das percepções individuais que temos do mundo, capazes de tornar cada indivíduo único em sua maneira de ser e desempenhar seu papel social”.[8]

Trata-se de uma investigação sobre a consciência do autor no seu intimo, seu nível de irritabilidade, segundo Luiz Régis Prado é "a índole, o caráter do indivíduo, reveladora de suas qualidades e defeitos”

Todavia, é um critério falho na fundamentação do seu uso, pois, se nem os psicólogos/psiquiatras/psicanalistas conseguem emitir (sempre) um juízo seguro quanto a este critério, evidentemente não serão os juristas os privilegiados.

Ainda que tivesse o conhecimento técnico, a escassez de recursos material e humana impossibilita que o julgador possa fazer a realização dessa avaliação. Além disso, a carência de contato entre este e o criminoso impede a construção de qualquer parecer referente a aspectos pessoais do imputado.

Dosar a pena é, em suma, reconhecer muitos subjetivismos (comportamento da vítima, motivos do crime, culpabilidade etc.), mas somente os que podem ser alcançados pela limitadíssima experiência humana.

Quem propõe um Direito Penal do fato puro deve se afastar de conceitos como o de culpabilidade por vulnerabilidade e necessidade de pena.

Para Nucci, “a personalidade Trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. Exemplos: agressividade, preguiça, frieza emocional, sensibilidade acentuada, emotividade, passionalidade, bondade, maldade”[9].

É costumeiro nos tribunais, buscar saber da profissão, os costumes, orientação sexual do agente, ainda mais quando há indícios que seja prostituta, alcoólatra, homossexual, ou qualquer outra característica malvista pela sociedade.

Ao proceder dessa forma, o Julgador afasta-se de suas limitações legais ao julgar o réu, contribuindo não para a análise do fato, mas para a manifestação de seus tumultos interiores, constituindo, portanto, um dos fatores determinantes do retrocesso ao temido Direito Penal do Autor.

As previsões legais que combinam com o Direito Penal do Autor no ordenamento jurídico brasileiro estão em evidência na parte do Código Penal que tratam do calculo da pena-base, onde são alvos críticas por se distanciar das conquistas do direito penal do fato e da culpabilidade, permitindo uma punição pela conduta de vida, em verdadeiro direito penal do autor.

Como propõe José Antonio Paganella Boschi, “a personalidade supera as singelas avaliações que pessoas fazem uma das outras. Trata-se de algo dinâmico, que nasce com o indivíduo e se modifica com ele. Mesmo que fosse possível um diagnóstico conclusivo sobre o assunto, não seria legítima a consideração da personalidade do acusado como fator de exacerbação da sanção, pois representaria uma punição ao seu modo de ser, concebendo a intervenção estatal com o fim de alterar a personalidade do criminoso uma de suas finalidades.”[10]

Nessa linha, Ferrajoli leciona com brilhantismo:

“[…] o direito penal não possui a tarefa de impor ou de reforçar a (ou uma determinada) moral, mas somente de impedir o cometimento de ações danosas a terceiros. Pode-se pretender que uma ação não seja proibida se em nenhum modo é considerada reprovável, mas, ao contrário, não se pode admitir que o seja somente porque tida como imoral ou, de qualquer modo, reprovável. Para que se possa proibir e punir comportamentos, o princípio utilitário da separação entre direito e moral exige, como igualmente necessário, o fato de que os mesmos ofendam concretamente bens jurídicos alheios, cuja tutela é a única justificação das leis penais enquanto técnicas de prevenção daquelas ofensas. O Estado, com efeito, não deve imiscuir-se coercitivamente na vida moral dos cidadãos, nem mesmo promover-lhes, de forma coativa, a moralidade, mas, somente, tutelar-lhes a segurança, impedindo que os mesmos causem danos uns aos outros”.[11]

Continua Ferrajoli sobre o referido mecanismo punitivo:

“choca-se com a garantia de culpabilidade e com o caráter regulativo que ela supõe. São garantias que, no geral, se opõem a todas as perversões positivistas e espiritualistas dirigidas a conferir relevância penal autônoma à personalidade do réu. “Num sistema garantista assim configurado não tem lugar nem a categoria periculosidade, nem qualquer outra tipologia subjetiva ou de autor elaboradas pela criminologia antropológica ou ética, tais como a capacidade criminal, a reincidência, a tendência para delinqüir, a imoralidade ou a falta de lealdade.”[12]

Sobre o tema, Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli[13] ensinam que:

“Um direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa, jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação..”

Nesse entendimento sobre a culpabilidade, que defende ser de ato, Zaffaroni afirma a impossibilidade da análise da personalidade como critério capaz de prejudicar o acusado.

Zaffaroni continua:

“A personalidade do agente cumpre uma dupla função: com relação à culpabilidade, serve para indicar – como elemento indispensável – o âmbito de autodeterminação do agente. Insistimos aqui ser inaceitável a culpabilidade de autor. A maior ou menor 'adequação' da conduta ao autor, ou 'correspondência' com a personalidade deste, em nenhum caso pode fundamentar uma maior culpabilidade, e, no máximo, deve servir para não baixar a pena do máximo que a culpabilidade de ato permite, que é algo diferente.”[14]

Nota-se, que Zaffaroni demonstra que não há como adotar critérios como a conduta social e personalidade do agente no momento da valoração da sua pena, sem, com isso, contrariar a culpabilidade de autor.

Também Teles segue no entendimento da impossibilidade do uso da personalidade e conduta social como elementos para fixação da pena:

“Dispõe o art. 59 que o juiz analisará também a conduta social do condenado em seu meio social: se ele está ou não adaptado em seu ambiente social, vale dizer, se ele é ou não bem aceito por seus concidadãos, seus semelhantes, seus iguais. […] Essa é uma circunstância que nada tem a ver com o fato criminoso praticado pelo agente e que diz respeito exclusivamente a seu passado anterior ao crime e à sentença […] a circunstância não deve ser levada em consideração no momento da fixação da pena, pois que representaria o julgamento do homem pelo que ele é, e não do homem pelo que ele fez.-"[15]

Desse modo, ao lecionar sobre a personalidade admite a inexequibilidade do seu uso para valoração da pena, tendo em vista a indubitável afronta ao direito penal de ato:

“Aqui, outra circunstância que não tem relação direta com o fato praticado, a personalidade, característica interna do homem, é incluída entre as circunstâncias judiciais. Deve o juiz, a teor do art. 59, considerá-la no momento da fixação da pena base? […] Ora, a personalidade não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outras ciências – Psicologia, Psiquiatria, Antropologia – e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito. Considerá-la no momento da fixação da pena é considerar o homem, enquanto ser, e não o fato por ele praticado. […] O exame de personalidade, de outro lado, não pode ser feito a contento pelo juiz, no âmbito restrito do processo penal, sem o concurso de especialistas – psiquiatras, psicólogos etc. O magistrado não é formado e preparado para o exame aprofundado de características psíquicas do homem, e permitir-lhe exame apenas superficial, para um desiderato tão grave – perda da liberdade-, seria de uma leviandade inaceitável num ordenamento jurídico democrático e sério. Facultar ao juiz a consideração sobre a personalidade do condenado importa em conceder ao julgador um poder quase divino, de invadir toda a alma do indivíduo, para julgá-la e aplicar-lhe a pena pelo que ela é, não pelo que ele, homem, fez.”[16]

Todavia, é minoritária a posição de Zaffaroni e Teles entre os manuais de Direito Penal Brasileiro refletindo a despreocupação doutrina com as inconstitucionalidades na aplicação da pena.

Os critérios usados pelo julgador passam muito além da reprovação da ação, aceitando a criminalização de comportamentos supostamente considerados pela sociedade como desajustados.

Importante ressaltar que ao taxar a conduta social e personalidade do acusado como desfavoráveis, estar-se-ia concebendo a existência de ideias e valores superiores, que são aqueles adotados pela maioria, num verdadeiro atentado contra a liberdade e a identidade do cidadão.

O único entendimento constitucional admissível acerca da culpabilidade é que esta só pode ser entendida como culpabilidade pelo fato realizado, um ser humano deve responder legalmente por seu comportamento, não pelo que é ou pensa. Em outras palavras, o Direito regula a coexistência externa dos indivíduos, não a sua existência ou consciência.

Conclusão

É incontestável que ainda existem alguns resquícios do Direito Penal Do Autor no ordenamento jurídico brasileiro, insculpidos, mormente no art.59 que trata da dosimetria da pena, maculando o diploma penal nacional ao possibilitar a majoração sanção penal através conduta social e personalidade do agente como critérios de fixação da pena.

Os citados critérios além de possibilitar a imposição de uma moral a ser seguida, para a possibilidade do uso destes, o julgador deveriam contar com uma capacidade cognitiva alheia a esfera de conhecimentos de um jurista, difícil atém mesmo para profissionais da área, como psicólogos, psiquiatras, médicos, etc.

Dessa forma, o uso da conduta social e da personalidade do agente na valoração da pena afronta de forma temerária princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito, quais sejam: Princípio da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da amoralidade, do devido processo legal, e princípio da intervenção mínima do direito penal.

A majoração da pena através desses critérios harmônicos com o Direito Penal do autor, é plenamente incompatível com o Estado Democrático de Direito, mormente não poder ser considerada direito, mas sim, mera coação para impor uma determinada moral tida como certa pela maioria, bem como pelo fato de ir de encontro a diversos princípios constitucionalmente assegurados, sobretudo, em razão de constituir notória afronta ao princípio da dignidade humana, viga mestra de todo e qualquer ordenamento jurídico democrático.

Malgrado, não há consenso na própria doutrina e jurisprudência pátria sobre o tema, sendo abordada de forma breve, onde alguns contraditoriamente defendem o uso do Direito Penal do Fato, e ao mesmo tempo lecionam e aplicam os critérios supracitados durante a fixação da pena, todavia, outros abordam o tema de maneira mais contundente.

Sendo assim, se faz necessária uma redução do dispositivo do art. 59 do Código Penal, reconhecendo a inconstitucionalidade da conduta social e personalidade do agente como critérios de fixação da pena, tendo em vista sua afronta aos princípios norteadores do direito penal e essencial a um Estado Democrático de Direito, de modo a que sejam desconsideradas as manifestações de Direito Penal de Autor, especificamente quando da aferição da pena.

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Referências
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16 de outubro de 2016.
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Notas
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. Saraiva, 2015. p. 52.
[2] ELBERT, Carlos Alberto. Manual Básico de Criminologia. Tradução de Ney Fayet Jr. Porto Alegre, Ricardo Lenz, 2003, p. 56
[3] SYKES, Gresham M. Crime e sociedade. Rio de Janeiro : Bloch Editores, 1969, p. 55-56.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código comentado. 2. ed. rev., ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 231.
[5] ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo de. Sentença Penal: doutrina, jurisprudência e prática. Belo Horizonte : Del Rey, 2002
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 2. ed. rev., ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002p. 231
[7] BALLONE, G.J. Personalidade, in. Psiqweb, internet, revisto em 2003. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/ persona/personal.html>. Acesso em: 12 out. 2016
[8] Ibid.
[9] NUCCI, op. cit., p. 231
[10] BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 3 e. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 207.
[11] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006., p.208.
[12] Ibidem, p. 400
[13] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2008. v.1, p.107.
[14] ZAFFARONI, Eugênio Raul; Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, v. 1, p. 710.
[15] TELES. Ney Moura. Direito Penal. p. 105-106
[16] Ibidem. P 106-107

Informações Sobre o Autor

Carlos Felipe Costa Botelho

Advogado licenciado OAB/PB, Assessor do Procurador-Geral de Justiça MPPB, Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal


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