Resumo: O presente trabalho tem como objetivo suscitar algumas reflexões acerca da eficácia e da possibilidade da transação nas Ações Coletivas.
Palavras-chave: Transação – Direito Indisponível – Ações Coletivas – Improbidade Administrativa – Conciliação.
Abstract: This paper aims to raise some thoughts about the effectiveness and the possibility of transactions in Class Actions.
Keywords: Transaction – Right Unavailable – Class Actions – Administrative Improbity – Reconciliation.
Sumário: 1. Considerações preliminares – 2. Conceito de Transação – 3. O direito indisponível nas Ações Coletivas – 4. A vedação da transação na Lei de Improbidade – 5. As transações nas demais ações coletivas – 6. Os efeitos no que se refere aos colegitimados – 7. Considerações finais.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Os eventos que permearam o século XX, aliados à evolução científica, tecnológica, econômica, política e sociocultural, refletiram notadamente nas relações intersubjetivas e no liame que existia entre o homem e o Estado. Mudaram os conflitos sociais, exigindo que o Estado, cada vez mais, se aperfeiçoe e se atualize frente às necessidades dos cidadãos. Como não poderia ser diferente, tais mudanças exigem também novos regramentos legais diante das novas relações jurídicas até então ignoradas ou vistas com certa hostilidade por parte do Estado.
O Estado liberal se tornou insuportável. Há uma busca corrente para um meio termo, pela qual o Estado será capaz de preservar a livre iniciativa, de modo a garantir um desenvolvimento sustentável. O cidadão passa a entender que não basta defender seu próprio direito, é preciso olhar mais à frente. Surgem os interesses de “massa” ou coletivos. A passos mais lentos, vão aparecendo as ações que vêm se mostrando, cada vez mais eficientes na tutela desses interesses. Entretanto, é preciso, cada vez mais, avançar na busca de soluções que, além da garantia jurídica, tragam resultados eficazes, num prazo razoável, com um custo menor para as partes envolvidas.
Depois do desejo, a busca pela Justiça é o que move o ser humano a empreender grandes projetos, a ponto de norteá-lo a criar leis e interpretá-las para que sua aplicação se torne, cada vez mais, efetiva. Todavia, não se pode esquecer a ponderação de Levy – Ullmann "a ideia de justiça se encontra em todas as leis, mas não se esgota em nenhuma; é ela, entretanto, que dá sentido e significação a todo direito positivo"[1].
A transação é um dos institutos mais antigos que permeia as orientações dos homens sábios desde a mitologia grega “Deusa Concórdia”[2], passando pela orientação do Cristianismo, já no
ano 60 d.c, Lucas, médico Sírio da cidade de Antioquia, exortava sua comunidade, que um acordo era sempre mais vantajoso do que uma sentença[3]
2. CONCEITO: TRANSAÇÃO
Inúmeras vezes, os pesquisadores do direito se veem às voltas com a dificuldade de denominar os institutos, como ocorre com o desenvolvido no presente trabalho. Para alguns, não há que se falar em transações e, sim, em resoluções amigáveis nas ações coletivas. Respaldados no entendimento de renomados autores, optamos por utilizar o termo “transação”.
Grande parte das legislações alienígenas classificam a transação entre os contratos. Para o direito brasileiro, o momento de sua supremacia é a extinção da obrigação.[4]
No novo Código Civil, a transação assume decididamente a posição contratualista, ao cuidar do instituto entre as diversas modalidades de contrato nos artigos 840[5] a 850.
Segundo Sílvio de Salvo Venosa: “Não há como fugir à força popular do vernáculo, empregado no sentido estritamente originário e técnico, compreende a composição que faz as partes, nos termos expostos pela lei, mediante concessões recíprocas."[6].
Para Silvio Rodrigues: "A transação é o negócio jurídico bilateral pelo qual as partes previnem relações jurídicas duvidosas ou litigiosas, por meio de concessões recíprocas, ou ainda em troca por determinadas vantagens pecuniárias."[7]
Maria Helena Diniz afirma que a “transação traz consigo a vantagem da resolução de conflito, sem que a publicidade coercitiva do Estado Juiz intervenha, evitando incidentes desagradáveis e onerosos. Logo, no entender da autora, a transação nada mais é do que uma composição amigável entre os interessados sobre os seus direitos em que cada qual abre mão de suas pretensões fazendo cessar as discórdias". [8]
No entender de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco,[9] são formas de autocomposição: 1.desistência – renúncia à pretensão; 2.submissão – renúncia à resistência oferecida à pretensão; 3.transação – concessões recíprocas.
A transação compreende dois requisitos: a existência de litígio ou controvérsia entre as partes e a presença de ônus e vantagens recíprocas.[10] Para Washington de Barros Monteiro há que se considerar que a lei não exige a proporcionalidade das concessões.[11]
Longe de querer trazer um conceito do que seja verdadeiramente uma transação, entendemos, entretanto, que é o ato pelo qual as partes tomam consciência de que, diante do contexto que se desenha, é mais razoável e econômico chegarem a um consenso sobre uma determinada demanda em curso ou a possibilidade de esta vir a ocorrer, uma vez que o resultado do acordo poderá ser menos oneroso e traumático para ambas as partes. Acordo este que, embora não traga o que se vislumbrou na inicial, ou o que se esperava com a sentença, traz um resultado eficaz, num tempo mais curto, acarretando, sem dúvida, uma economia processual, além da previsibilidade do desfecho e garantia da execução, caso as partes não cumpram o acordado, resguardando às partes da segurança jurídica. É importante salientar que a renúncia não cabe na transação.
O direito brasileiro buscou respaldo no direito americano, no sistema das ações coletivas da Rule 23, referente às transações ou acordos, visando maior efetividade na solução de controvérsia nos interesses de massa. A legislação norte-americana é clara sobre a possibilidade de realização de acordos nas class actions, desde que autorizados.[12]
3. O DIREITO INDISPONÍVEL NAS AÇÕES COLETIVAS
O Direito indisponível se encontra ligado à noção de ordem pública que "está para traduzir a ascendência ou primado de um interesse que a regra tutela, o que implica a exigência irrefragável do seu cumprimento, quaisquer que sejam as intenções ou desejos das partes contratantes ou dos indivíduos a que se destinam. Quando certas regras amparam altos interesses sociais, os chamados interesses de ordem pública, não é lícito às partes contratantes disporem de maneira diversa".[13] Tais direitos são inalienáveis, irrenunciáveis.
Para o legislador, somente os direitos patrimoniais estariam sujeitos à transação, conforme o artigo 841 do Código Civil[14]. Já o parágrafo único do artigo 447 do Código de Processo Civil dispôs que: "em causas relativas à família" poderá se dar a conciliação nos casos que a lei admite a transação.
No entender de José Afonso da Silva,[15] o direito indisponível, presente na Ação Popular, inviabiliza a transação.
No mesmo diapasão, segue Gregório Assagra em explanação sobre o assunto: conclui, afirmando, que não há transações em Ações Coletivas em virtude do direito indisponível presente nessas Ações. O que há é a possibilidade de dilação dos prazos para cumprimento de determinada obrigação. O direito indisponível impede a transação.[16]
Insistindo nesta linha de raciocínio, ações que versem sobre direito indisponível jamais poderiam ser objeto de transação. Sendo o Ministério Público aquele que o defende, deverá zelar para a sua preservação, acima de tudo, importando o acordo extrajudicial ou judicial inviável por questão de ordem pública.
O dilema seria então, conciliar a norma constitucional do artigo 127 da Constituição Federal que impõe ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais, incluídos os interesses difusos e coletivos, com a ideia de intransigibilidade expressa no conceito de ordem pública e espelhada textualmente no artigo 841 do Código Civil Brasileiro.
Partindo do princípio de que a ordem pública retrata interesses indisponíveis que devem ser perseguidos, não haveria como o Ministério Público cumprir fielmente a determinação constitucional do artigo 127, sem que lhe fosse outorgada a possibilidade de transacionar acerca de sua persecução. Em vista disto, há que se entender que os interesses indisponíveis podem ser objeto de transação pelos legitimados para a sua defesa, entretanto, restringindo-se aos meios pelos quais se alcançará sua realização.
Há de se ponderar que, viabilizando as transações, os interesses difusos ou coletivos, pertencentes a todos os integrantes da sociedade ou classe ligada por uma relação jurídica-base, não estariam sendo alienados ou, a fortiori, renunciados. A renúncia descaracteriza completamente a transação. Estarão apenas sendo realizados através de um meio mais rápido, com resultados mais efetivos e processualmente mais econômico posto que, além de prestigiar a correta aplicação do artigo 127 da Constituição Federal, se adequa com a legitimação autônoma do Ministério Público para as ações civis públicas.
Para Gregório Assagra de Almeida, “o Ministério Público Brasileiro na Constituição Federal de 1988 passou a ser instituição de promoção da transformação da realidade social, assumindo natureza institucional autônoma que o retira da Sociedade Política e o insere, no plano da sua atuação funcional, na Sociedade Civil”[17].
Calamandrei, ao destacar a dificuldade do ofício do Ministério Público, disse: “tão parcial quanto um advogado e, como guardião da lei, tão imparcial quanto um juiz” destacando que: se “não tiver um senso de equilíbrio especial, correrá o risco de perder, a cada instante, por amor à serenidade, a generosa combatividade do defensor ou, por amor à polêmica, a desapaixonada objetividade do magistrado.”[18]
Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz, Carvalho Santos e outros entendem que a parcela de ordem patrimonial, mesmo que de direitos indisponíveis, pode ser objeto de acordo e não se exige que as concessões sejam iguais de parte a parte.[19]
A tutela de interesses difusos e coletivos, reconhecidos constitucionalmente, demanda uma mudança profunda de mentalidade. Para que se possa efetivamente aplicar a justiça, é mister uma análise menos restritiva do artigo 19 da Lei 7.347/85. Um ponto fundamental é rever o conceito de direito indisponível diante dos interesses da sociedade atual.
Ademais, não faz sentido negar-se a possibilidade da transação pelo Ministério Público, em especial, no curso da Ação Civil Pública se há, inclusive, previsão constitucional para estabelecê-la na área penal (artigo 98, I, da Constituição Federal).
4. A VEDAÇÃO DA TRANSAÇÃO NA LEI DE IMPROBIDADE
O artigo 17, §1º, da Lei 8.429/92: veda expressivamente a transação na Lei de Improbidade.[20] O excesso de zelo por parte do legislador, na composição da presente lei, impedindo qualquer forma de transação, acordo ou conciliação, embora trate a questão de atos de improbidade, administrativa, é sem dúvida um retrocesso. Caminha “na contramão” do princípio do acesso à justiça.
No entender de Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto, “a Ação de Improbidade Administrativa nada mais é que uma espécie de Ação Civil Pública não só com a aplicação das regras da Lei 7.347/85, como de todo Sistema Único Coletivo, sendo o Código de Processo Civil a última fonte, somente invocável quando não encontradas respostas nos demais textos legais que disciplinam o processo coletivo” [21] , o que torna a vedação do §1º da lei, inócuo, devendo ser revisitado, por não corresponder aos interesses de uma sociedade que quer ver solucionadas as demandas, com celeridade e eficácia, sem a perda das mesmas, no tempo, em demandas onerosas e procrastinatórias, como tem acontecido.
Como sempre, os Tribunais do Estado do Rio Grande do Sul vêm se mantendo numa posição de vanguarda e inovadora com a política de acordos administrativos e judiciais adotada no plano da Administração Pública Municipal de Porto Alegre, quando elaborou um entendimento de que estando resguardado pelos princípios da legalidade, moralidade e interesse público, não há por que se furtar a uma transação[22].Corroborando com o entendimento citado Rogério Favreto publicou um artigo no qual destaca: “a transação judicial objetiva atender o direito tutelado nos limites reconhecidos pelo Poder Público, evitando debates jurídicos sem conteúdo e abreviando o processo judicial. No ajuste entre as partes, busca-se a mediação das obrigações de fazer, nos termos da responsabilidade do ente municipal e também dos valores a serem pagos, evitando os eventuais excessos passíveis na condenação judicial”[23].
Há entendimento de que a proibição constante do §1º do artigo 17, da Lei 8.429/92 seria mais razoável se incidisse nas hipóteses previstas nos artigos 9 e 11, resultando o dano de ato culposo ou ausente, a desonestidade do responsável; não entendemos o motivo pelo qual não poderia haver a transação.[24]
Além do mais, se no Direito Penal a lei lida, com a mínima ética, busca alternativas para penas restritivas de liberdade, não há por que não se utilizar do instituto da transação judicial, como Compromisso de Ajustamento, em sede de improbidade administrativa, tomando os devidos cuidados, é claro.
Luiz Manoel Gomes Júnior evoca, em sua obra, o entendimento de Marcelo Figueiredo, quando o autor propugna, de lege ferenda, pela adoção de mecanismos previstos no Direito italiano e norte-americano, no sentido de permitir algum tipo de benefício para o agente, copartícipe do ato ímprobo, caso ele auxilie na punição dos demais (delação premiada)[25]
A vedação expressa de impedimento da transação, do modo como foi positivado por ocasião da edição da lei, nos leva a acreditar ter o legislador laborado em natural equívoco. Uma vez que o parágrafo não deixa nenhuma alternativa.
O referido parágrafo, em questão, não faz mais sentido. Atualmente há um esforço comum para maior efetividade da justiça, e em função disso o Poder Judiciário vem incentivando e até propiciando, cada vez mais, a conciliação, chegando mesmo a criar mecanismos e programas como: “Conciliar é Legal”, aliado a campanhas de conciliação do Conselho Nacional de Justiça. O Apoio à conciliação vem do próprio Ministério da Justiça que tem apoiado e desenvolvido programas de incentivo e indução à capacitação de operadores do direito em técnicas de mediação e composição de conflitos que são orientadas pelo Manual de Mediação Judicial.[26] Um dos coautores deste Manual defendeu a mudança da cultura do conflito pela pacificação social: “Construir um novo paradigma cultural (…)”
Até que seja reconhecido o entrave à efetividade da justiça, que o parágrafo primeiro do artigo 17º, da Lei de Improbidade Administrativa tem criado, ao longo desses anos, e instituída disciplina legal geral de mediação preclusiva ou permissão, o atalho será através da criação de políticas públicas de incentivo à composição, como já foi utilizado, com bastante sucesso, pelo Ministério Público, nos Termos de Ajustamento de Conduta, permitindo maior eficácia e celeridade nas soluções das ações relativas ao Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Lesão ao Patrimônio e outras.
Felizmente uma corrente de doutrinadores já defende a via de transação, nos casos em que verse sobre a reparação de dano, a restituição de acréscimo patrimonial indevido, sendo atingida pela prescrição a possibilidade de aplicação das demais penas. Não incidindo tais hipóteses, a vedação prevista na lei aniquila com nulidade de igual natureza qualquer tentativa, podendo constituir em fraude a taxativa previsão legal.[27]
Entendemos não haver mais espaço para uma lei que traz uma taxativa que vai “na contramão” de um sistema que tem se mostrado eficiente. Ademais, no atual sistema jurídico, o impedimento da transação acaba por beneficiar o culpado que, quando imbuído da má-fé, continuará interpondo recursos meramente protelatórios no afã de nunca ter que cumprir uma sentença.
5. AS TRANSAÇÕES NAS DEMAIS AÇÕES COLETIVAS
Atualmente a conciliação, nas demais Ações Coletivas, é reconhecida como forma eficiente de soluções das questões, seja em sedes ambientais, consumeristas e até mesmo nas Ações Populares. Entretanto, nem sempre foi assim. O caso mais emblemático ocorreu em 1993, envolvendo importação de carne, proveniente do Leste Europeu, presumidamente contaminada pelo vazamento nuclear da Usina de Chernobyl. O TRF da 4ª Região negou a possibilidade de transação, considerando o meio ambiente como direito indisponível.
“Ação civil pública – Defesa do consumidor – Importação de carne, após o acidente na Usina Nuclear de Chernobyl – Transação visando à reexportação do produto – Dúvida sustentada por corrente científica, a respeito dos níveis de radiação fixados oficialmente como não prejudiciais à saúde humana”.
É indisponível ao Ministério Público Federal, como autor da ação civil pública (Lei 7.347, de 24.07.1985), o direito material, objeto do litígio. A saúde pública, direito de todos, é dever do Estado (CF, art. 196), é bem indisponível, protegido por lei mesmo contra a vontade de seu titular (CPC, artigos 320, II, 333, parágrafo único, I). Intransacionalidade, 351 e demais decorrentes do art.1035 CC.
Mantida a controvérsia que desencadeou a lide e não afastada a incerteza, quanto à nocividade do produto, a autorização de seu consumo, no exterior, afrontaria o princípio constitucional, expresso no art. 4º,II, bem como os acordos estabelecidos entre o Brasil e a Comunidade das Nações. Transação não homologada. Decisão unânime.[28]
A resistência foi dando lugar ao bom senso, e o tempo cuidando de dissipar a insegurança, as teorias cederam à realidade, demonstrando que a conciliação é mais efetiva do que os julgados.
Felizmente a justiça cedeu aos acordos que têm se mostrado, cada vez, mais eficazes na solução das lides que se desenham no processo coletivo.
Inquéritos Civis instaurados pelo Ministério Público e processos administrativos instaurados pelos órgãos ambientais ( Lei 7.347, de 1985 art. 5º § 6º, Lei 9.605, de 1988, art.72,§ 4º, Dec.6.514, de 2008, art.143).
Crimes ambientais de menor potencial ofensivo (Lei 9.099, de 1995, art.73, transação) e nas ações penais ambientais com pena igual ou inferior a 1(um) ano (Lei 9.605, de 1995, art. 89, suspensão do processo).
Ajustamento de conduta – (TAC) acordos que são celebrados perante os órgãos ambientais ou junto ao Ministério Público.
A pertinência relativa à transação em sede de Ação Civil Pública é perfeitamente cabível visto que, nos termos do § 6º, do artigo 5º, da Lei da Ação Civil Pública: "os órgãos públicos poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial".
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 13 de julho de 1990, foi pioneiro em outorgar ao Ministério Público legitimidade para a propositura da ação civil pública, na defesa dos interesses da criança, facultando-lhe como preceitua o artigo 201,§ 5º,c: "efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação".
Conceder prazo é, sem dúvida, uma forma de transacionar. A mesma lei prevê, ainda, no artigo 211, o Ajustamento de Conduta, que no nosso entendimento trata-se de nada mais, nada menos, que uma modalidade de transação.
Poderá ainda a transação ter, por objeto, obrigação de dar, fazer e não fazer, devendo sujeitar-se o compromissário a penas pecuniárias, caso descumpra o que foi determinado, podendo, ainda, serem executadas diretamente como título extrajudicial no caso de compromisso de ajustamento ou como título judicial se o firmado deu-se em juízo.
O Promotor de Justiça não está sujeito à autorização do Conselho Superior do Ministério Público para ingressar com a ação civil pública, razão pela qual tem levado alguns autores a entender que a transação não tem obrigatoriedade da aprovação daquele órgão.
Todavia, a Lei da Ação Civil Pública impôs ao arquivamento do inquérito civil a anuência do Conselho, um órgão colegiado, que democraticamente auxilia a Instituição na efetiva tutela do interesse em discussão. Ao acordarmos que a transação deve ser cercada de ampla e plena publicidade, para que se resguarde de segurança jurídica, não justificaria a não submissão da transação à apreciação do Conselho.
Logo, poderá o Promotor de Justiça colher a proposta e, se entender necessário, requerer a suspensão do feito para encaminhá-la ao Órgão Superior, que a avaliará e emitirá parecer, importando, sem dúvida, em maior segurança para todos os interessados.
Ao que tudo indica, um grande passo em sede de transação ocorrerá com a alteração do Código do Consumidor. O Projeto de Lei do Senado de Nº 282, de 2012, que altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para aperfeiçoar a disciplina das Ações Coletivas. O capítulo I-A, seção I, artigo 90 – A, tratará especificamente do procedimento da Ação coletiva. Entretanto, o grande avanço está na seção II, a conciliação está prevista de forma expressa no artigo 90- B e nos seus respectivos parágrafos.[29]
A transação, em sede dos direitos difusos ou coletivos, deverá vir acompanhada sempre do critério de razoabilidade, além de ser dada ampla e plena publicidade, que não deverá ser restrita apenas a editais, mas aos vários meios de comunicação, a respeito dos termos do acordo judicial, no sentido de possibilitar que eventuais interessados se manifestem.
6.OS EFEITOS QUE SE REFEREM AOS COLEGITIMADOS
Visto ser a legitimidade para ação civil pública concorrente e disjuntiva entre as pessoas capituladas no artigo 5º, caput, da lei, não há impedimento para que qualquer um dos legitimados proponha um compromisso de ajustamento de conduta ou conceda prazo para cumprimento de alguma obrigação, uma vez que qualquer um dos titulares da ação poderá ingressar em juízo para satisfação do interesse difuso ou coletivo. Não havendo, também, necessidade de o Ministério Público participar ou anuir na transação já que, a qualquer momento, poderá fazer valer sua legitimidade concorrente. Estando em curso a discussão acerca do acordo extrajudicial, sempre atuará como fiscal da lei.
Embora a lei tenha previsto, no artigo 5º, § 6º, o compromisso de ajustamento de conduta, apenas como título extrajudicial, nada impede que a transação, por qualquer dos legitimados se opere no curso da ação, uma vez que sua homologação importará em título judicial, executável nos próprios autos, mas sem o escopo de restringir o direito individual de terceiros que possuam pretensão mais ampla e não abarcada pela transação judicial.
Evidentemente poderá ocorrer discordância por parte dos colegitimados, ou mesmo por parte dos assistentes das partes na transação em ação civil pública ou coletiva. Verificada a discordância, depois de homologada a transação, eles poderão apelar, com o objetivo de suprimir a eficácia da homologação do acordo.
Caso a discordância manifestada seja feita por um assistente simples, ela não terá o condão de obstar à eficácia do acordo, entretanto, se partir de assistente listisconsorcial ou litisconsorte, o efeito da homologação restará prejudicado. Seria na hipótese de o Ministério Público se opor à transação, levando em consideração que o Parquet é um colegitimado por excelência.
Caso o juiz recuse as impugnações e homologue a transação, caberá apelação.
Entretanto, em vista das peculiaridades pertinentes à defesa dos interesses transindividuais, poderá o juiz negar homologação ao acordo, por entender que a transação não atende aos interesses da coletividade, e deixar de homologá-la. Se as partes se recusarem a dar andamento ao processo, e, mesmo aplicado analogicamente o § 1º, do art. 9º, da Lei n. 7.347/85, se o Ministério Público não der seguimento ao feito, não restará ao juiz senão optar entre homologar a transação ou extinguir o processo sem julgamento de mérito, por ter cessado o interesse processual.
A transação homologada, em juízo, poderá ser rescindida como os atos jurídicos, em geral, por meio de ação anulatória, uma vez que a sentença é meramente homologatória do ato jurídico transacional.
Não se pode negar que o tema é altamente controvertido, e não raras vezes os acordos têm sido objeto de Apelação, sobretudo, quando os mesmos não conseguem fazer gerar, nas partes, a segurança de seu cumprimento, comprometendo a efetividade da justiça.
Poderá acontecer que numa transação, diante da natureza de um direito controvertido, sua admissibilidade seja uma exceção. Quando o autor da Ação discorda da contraproposta ao acordo oferecido, com receio de que a indisponibilidade do direito transindividual reste vulnerada, a solução é o prosseguimento do feito, podendo o Ministério Público promover o Recurso de Apelação, requerendo anulação da sentença homologatória.[30] Da transação também se espera segurança jurídica e garantia de que o acordo seja cumprindo na íntegra, sob pena de execução do mesmo.
No que se refere à coisa julgada, em matéria de transação, deverá ser observado, quanto aos efeitos da coisa julgada, erga omnes e ultra partes, o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor.[31]
No caso de alguém ser autor de ação individual que tenha por objeto parcela do direito demandado em ação coletiva, competirá ao autor requerer a suspensão do seu feito dentro de 30 (trinta) dias, a contar da efetiva ciência da ação civil pública, para se beneficiar da procedência do pedido da ação coletiva ou não se sujeitar à improcedência desta se tal ocorrer por insuficiência de provas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar, ainda que de forma muito superficial, a eficácia das transações nas ações coletivas, não há como não se valer das sábias lições de Rodolfo de Camargo Mancuso, em sua obra Interesses Difusos – Conceitos e Legitimação. Na referida obra o autor chama a atenção para a necessidade de buscar alternativas que possam viabilizar, de forma mais eficaz, a solução dos interesses metaindividuais.[32]
Adaptar os institutos existentes ou criar novos, compatíveis com as novas exigências; repensar o tema da legitimação para agir, relativo ao Ministério Público, no intuito de fazer surgir um meio mais adequado, finalmente fazer uma releitura do novo papel do juiz, no que tange às ações que tutelam interesses metaindividuais.
No caso específico da transação nas ações coletivas, penso que, embora se tenha avançado muito no que tange à lei de improbidade, o § 1º do artigo 17, a vedação à transação é, sem dúvida, um obstáculo à efetivação da justiça. Além de intransigente, retrata uma extrema má vontade para com alternativas que têm se mostrado verdadeiramente eficazes.
O impedimento da transação, expresso na referida lei, tem levado a demandas extremamente demoradas, trazendo considerável beneficio para o culpado, sobretudo num país cujo sistema recursal permite que um processo se prolongue por décadas.
Felizmente o Projeto de lei 5.139/09, no artigo 57, prevê que: “O demandado, a qualquer tempo, poderá apresentar, em juízo, proposta de prevenção ou reparação de danos a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, consistente em programa extrajudicial”, possibilitando a criação de um sistema Extrajudicial de Prevenção e Reparação de Danos.
“Conciliar é legal” – A conciliação tem promovido uma mudança de comportamento, dentro dos diversos âmbitos do judiciário, por ter se mostrado extremamente eficaz, contribuindo para a efetivação, não só do acesso à justiça, mas a transformação social, fazendo surgir no jurisdicionado uma cultura de diálogo e de ponderação.
Importa ressaltar ainda, que os custos e a duração de um processo judicial são, muitas vezes, desproporcionais ao litígio, sendo mais razoável a conciliação.
Informações Sobre o Autor
Maria Neusa Fernandes da Cunha
Advogada pela Universidade de Itaúna/MG, Especialista em Direito Processual pela Facinter, Mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna em disciplina isolada