Resumo: O presente artigo visa apresentar o instituto da transmissibilidade da obrigação alimentar. Prevêem as normas que regulam a obrigação alimentar que tal encargo pode decorrer do vínculo de parentesco, mediante consangüinidade, companheirismo e de ato civil, da lei ou ainda do delito, tendo como pressuposto essencial de admissibilidade a necessidade de quem pleiteia (o alimentando) e a possibilidade de quem se encontra obrigado a prestar os alimentos (alimentante). Sem sombra de dúvida, é nos artigos 1.694 e seguintes do nosso Código Civil e na Lei dos Alimentos – Lei nº 5.478/68, que encontramos o amparo legal de forma detalhada para que se aplique a lei ao caso prático. No tocante à transmissibilidade da prestação alimentar, apesar de divergências doutrinárias, o entendimento dos nossos Tribunais é no sentido de que não se transmite aos sucessores do alimentante a obrigação de prestar alimentos. Transmite-se, sim, aos herdeiros do devedor a obrigação de pagar as dívidas vencidas e não pagas, sempre respeitando-se os limites da herança. Desta forma, a obrigação alimentar extingue-se com o evento morte do alimentante, ao passo que extingue-se o direito aos alimentos sobrevindo a morte do alimentando.
Palavras-chave: Alimentos. Família. Transmissibilidade.
Introdução
A elaboração desta pesquisa, não tem o objetivo de exaurir o assunto relacionado à obrigação alimentar e sua transmissibilidade. Muito ainda se tem para trabalhar. O intuito deste é apenas de colaboração para o conhecimento na graduação.
Este projeto tende a favorecer um raciocínio seqüencial do assunto, fazendo uma breve abordagem dos alimentos, mencionando o seu conceito, sua natureza jurídica e os seus pressupostos essenciais de admissibilidade.
Necessário se faz realizar o estudo histórico para se ter conhecimento da origem deste instituto, bem como as exigências necessárias para que seja possível pleitear em juízo alimentos sob as condições que deverão ser observadas pelo juiz para que proceda à concessão dos alimentos.
Ao estudar a obrigação alimentar foi possível fazer uma consideração geral a respeito deste encargo, verificando-se que existe neste instituto uma característica de reciprocidade, só podendo ser reclamado entre as pessoas que se encontram listadas em nosso Código Civil, nos artigos que tratam especificamente dos alimentos. Sendo estes artigos enfatizadores do vínculo de parentesco como pressuposto indispensável para a obrigação alimentar, considera-se, assim, como vínculo de parentesco não só aquele existente entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau, mas também, o vínculo existente em decorrência do casamento, da adoção, da união estável.
No que tange a transmissibilidade da obrigação alimentar, com base no vigente Código Civil e na Lei dos Alimentos foi possível verificar que o nosso diploma legal, ao estatuir a possibilidade de os parentes, cônjuges ou companheiros exigirem alimentos entre si, deu esteio jurídico à transmissibilidade da obrigação alimentar ao assegurar que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, nos limites da herança, conforme preceituam os artigos 1.694 e 1.792, ambos do CC.
Porém, possível é negar que se transmita aos sucessores do alimentante a obrigação de prestar alimentos. Transmite-se, sim, aos herdeiros do devedor a obrigação de pagar as dívidas vencidas e não pagas respeitando-se os limites da herança. Conseqüentemente é impossível transmitir aos sucessores do alimentando o direito aos alimentos.
1 Obrigação alimentar
1.1 Conceito
Na sociedade em que vivemos para obter os bens materiais de que necessita, a pessoa desenvolve atividade laboral, ou os consegue por meio de renda de seus capitais. Porém, é possível que não se tenham recursos, nem elementos para prover, por intermédio de sua atividade, à própria subsistência, surgindo assim a necessidade de outros o proverem dos meios indispensáveis para manter-se.
O termo “alimentos” é dotado de diversas significações jurídicas. Em sua conotação mais simples: como tudo aquilo necessário para a subsistência. Podemos dizer ainda que alimentos são tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida.
Partindo para um ponto de vista mais jurídico, temos que a expressão “alimentos” possui sentido bem mais amplo, não consistindo apenas em alimentação do indivíduo, mas, também, vestimenta, habitação, moradia, saúde, educação etc.
Para o professor Silvio Rodrigues[1], em direito, denomina-se como alimentos, a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida.
Segundo Yussef Said Cahali:
“Os alimentos são as prestações devidas, feitas para que quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)”. [2]
Exsurge que alimentos constituem tudo aquilo que é necessário e indispensável para a manutenção e subsistência do ser humano e que, por força de lei, o alimentante se obriga a prestar a outrem, o alimentando.
Trata-se aqui não só do sustento, como também do vestuário, de habitação, assistência médica, enfim, todo o necessário para atender às necessidades da vida, e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução.
Historicamente os alimentos são devidos desde a Antiguidade. Ressalvados os laços da consangüinidade, da afetividade e solidariedade, temos em nossa sociedade resquícios de civilizações antigas, como a Romana e a Grega, que previam os alimentos como dever moral e de caridade em relação aos parentes mais próximos e não como obrigação.
1.2 Fundamento constitucional e supralegal dos alimentos
Consagra o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, que a obrigação de prestar alimentos tem como fundamento constitucional o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, pois visa impedir que o alimentando passe a viver em condições de miserabilidade.
Preliminarmente, seria dever do Estado, socorrer as pessoas necessitadas, através de políticas assistenciais. Como restaria impossível ao Poder Público prover a subsistência de todos aqueles que não pudessem se manter, o Legislador impôs este encargo aos parentes mais próximos, como dever moral e assistencial, sempre atrelados aos laços que unem os membros de uma mesma família.
A lei impõe aos parentes do necessitado, ou à pessoa ligada a ele, através de um elo civil, condições mínimas de subsistência, não como um favor, mas como obrigação judicialmente exigível.
O Código Civil vigente, tal como o Código de 1916 fazia, traz os regramentos deste direito, tanto em relação ao necessitado, bem como a quem deve prestá-lo em seus arts. 1.694 a 1.710.
O direito à percepção dos alimentos perdurará enquanto deles necessitar, e puder honrá-los o devedor, e até que não seja constituída nova união, seja matrimonial ou não, quando então cessará automaticamente e definitivamente o direito à prestação alimentícia.
A fixação da prestação alimentar obedecerá a alguns critérios e, dentre estes, a necessidade do alimentado e a possibilidade econômica do alimentante e proporcionalidade entre as necessidades de quem pede e as possibilidades de quem tem o dever de prestar alimentos.
Há de outro lado a questão da reciprocidade, já que a obrigação alimentar existe entre os parentes, entre os cônjuges e os companheiros e, em sendo assim, aquele que necessitar poderá reclamar do outro os alimentos que vier a necessitar.
1.3 Natureza jurídica da obrigação alimentar
No que tange à natureza jurídica do direito alimentar, podemos observar a existência de divergência entre os doutrinadores dando origem a três correntes de pensamentos.
A primeira corrente, defendida por Ruggiero, Cicu e Giorgio Bo.[3], fundamenta-se no fato de que o único interesse do alimentado seria exclusivamente o de suprir a sua subsistência, tendo em vista a verba alimentar não objetivar a ampliação do seu acervo patrimonial, fundando-se, assim, num conteúdo ético-social.
A segunda, mantida por Orlando Gomes e outros[4], em sentido oposto, sem afastar o caráter econômico da prestação alimentícia, defende ser esta verba um direito patrimonial, retratado na prestação paga em pecúnia ou em espécie, gerando um aumento no acervo patrimonial do alimentando, afastando, assim, o conteúdo ético-social defendido pelos seguidores da primeira corrente.
Na terceira, defendida por Maria Helena Diniz[5] dentre outros, há uma junção dos entendimentos anteriores, vislumbrando um direito, com caráter especial, com conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, conexa a um interesse superior familiar, apresentando-se como uma relação patrimonial de crédito-débito.
Analisando as três correntes doutrinárias, sem dúvida, a que mais se enquadra nos nossos padrões é a terceira. Não se pode negar que a prestação alimentar encontra-se inserida no plano econômico, não visando o alimentando, por meio dela, ampliar o seu patrimônio, pois, acontecendo tal aumento, estaríamos diante de um desvio de finalidade censurável do instituto.
Destarte, a fusão destes entendimentos é que confere à terceira corrente a melhor visão da natureza jurídica da prestação alimentícia, caracterizando-a como um direito de finalidade pessoal e de conteúdo patrimonial.
2 Requisitos da obrigação alimentar
De acordo com o art. 1695 do Código Civil são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Preliminarmente, faz-se necessário para obtenção de alimentos a existência de vinculo de parentesco que pode decorrer do companheirismo, consangüinidade e civil, possibilidade do alimentante e necessidade do alimentando, de modo que a ausência de um desses pressupostos impossibilita a exigência da prestação alimentícia.
Como já dito anteriormente, a relação de parentesco compreende não só a que decorre entre aqueles que descendem de um mesmo tronco ancestral, mas também a existente em decorrência do casamento, da união estável e da adoção. Somente pode reclamar alimentos, o parente que não dispõe de recursos próprios e encontra-se impossibilitado de consegui-los, por motivo de doença, idade avançada ou outro motivo relevante.
Ademais, deve ser sempre observado o binômio possibilidade x necessidade, levado em consideração o princípio da proporcionalidade entre as necessidades do alimentando e os recursos econômico-financeiros do alimentante, uma vez que o critério do quantum dos alimentos depende da conciliação do referido binômio.
Constatada a existência de tais elementos, o magistrado fixará os alimentos acatando á situação econômica do alimentante e as necessidades essenciais do alimentando, como moradia, alimentação, vestuário, saúde, educação, em se tratando de menor, ou nos casos de maioridade previstos em nosso ordenamento jurídico, e tudo que se fizer necessário, tendo o devido cuidado para não fomentar a ociosidade ou favorecer o parasitismo.
Faz-se mister ressaltar que os alimentos apenas podem ser reclamados por aquele que, além de não possuir bens suficientes, não tem condições de prover a sua subsistência com o seu próprio trabalho, comprovando a sua necessidade.
Todavia, se o necessitado encontrar-se em estado de carência, ainda que seja responsável pela própria miséria, poderá pedir alimentos, de modo que o pedido será apreciado pelo juiz para que este verifique as justificativas do que foi requerido pelo alimentando, considerando suas condições sociais, sua idade, sua saúde e outros fatores que influem na própria medida, de caráter preponderante a justificar a proporcionalidade.
No que diz respeito à possibilidade econômica do alimentante, este deverá cumprir com a sua obrigação sem que desfalque o seu próprio sustento, não podendo desviar parte de sua renda, a fim de socorrer parente necessitado. O parágrafo 1º do art. 1.694 do Código Civil dispõe que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Esse é o entendimento da jurisprudência pátria, conforme se depreende do excerto abaixo transcrito:
CIVIL. ALIMENTOS. CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO.
1.Os alimentos são fixados tendo-se em conta as condições pessoais do alimentante e do alimentado, vale dizer, na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
2.Se os elementos trazidos aos autos não demonstram que o Alimentante desfruta de situação financeira apta a suportar prestação alimentícia superior à fixada na r. sentença, mantém-se o quantum a que foi condenado.
3.Recurso improvido.(20050110048409APC, Relator GETÚLIO MORAES OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, julgado em 09/08/2006, DJ 17/10/2006 p. 102).[6]
Destarte, os alimentos devem ser fixados, observando-se o binômio necessidade x possibilidade, ou seja, na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada a dar os alimentos. Porém, as condições de fortuna tanto do alimentando como do alimentante são mutáveis, podendo ser alteradas as situações econômicas das partes, tanto para melhor como para pior, razão pela qual se faz possível a modificação dos alimentos anteriormente fixados, podendo estes ser majorados, reduzidos ou extintos. Tal modificação processar-se-á através da Ação Revisional de Alimentos.
Fundado neste entendimento, reza o art. 1699 do Novo Código Civil: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.
Existe na obrigação alimentar uma característica de reciprocidade, só podendo ser reclamada entre as pessoas que se encontram listadas em nosso Código Civil em seus arts. 1.694, 1.696 e 1.697. Tais artigos enfatizam o vínculo de parentesco, que é pressuposto indispensável para a obrigação alimentar.
Considera-se vínculo de parentesco não só aquele existente entre ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau, mas também o vínculo existente em decorrência do casamento, da adoção, da união estável.
Neste sentido, afirma Maria Helena Diniz[7] que parentesco é a relação existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre cônjuge e os parentes do outro e entre adotante e adotado.
A obrigação alimentar recai nos parentes mais próximos em grau, passando aos mais remotos na falta uns dos outros, não podendo o alimentando escolher o parente que deverá prover o seu sustento.
Isto posto, verifica-se que o parentesco familiar encontra-se na relação de consangüinidade, ou seja, entre aqueles que descendem de um mesmo tronco ancestral, existindo tanto na linha reta, estando neles o avô, pai, filho, neto, como na linha colateral tais como irmãos, tios, sobrinhos e primos. Também encontramos o parentesco familiar na relação de companheirismo, que recai sobre o ex-cônjuge ou ex-companheiro, onde os alimentos são devidos pelo dever legal de assistência ao outro. Ademais, os laços de parentesco podem ser encontrados na vida civil, como ocorre na adoção.
O vigente Código Civil em seu art. 1.694 apresenta os alimentos como direito de natureza patrimonial, tratando da obrigação alimentar que decorre do parentesco, do casamento ou da união estável, aduzindo que os parentes, cônjuges e os companheiros podem exigir, de forma compatível com sua condição social, ou seja, observando sempre o binômio necessidade x possibilidade, alimentos uns dos outros, a menos que o estado de necessidade tenha sido proveniente de culpa do próprio alimentando.
Destarte, verifica-se que o supracitado diploma legal estatui a possibilidade de os parentes, cônjuges ou companheiros exigirem alimentos entre si, não importando que a obrigação decorra do parentesco que pode advir do companheirismo, consangüinidade e civil.
3 Transimissibilidade da obrigação alimentar
A transmissibilidade da obrigação alimentar encontra esteio jurídico no art. 1.700 do Código Civil de 2002, que prevê que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694, do mesmo diploma legal”. Porém, foi o art. 1.792, CC de 2002, que transformou a transmissibilidade da obrigação alimentar em regrar geral ao determinar que o dever de prestar alimentos será transmitido aos herdeiros do devedor, nos limites da herança, cabendo a estes o dever de provar o excesso, exceto nos casos em que houver inventário que justifique o excesso, através da demonstração do valor dos bens herdados.
Embora os dispositivos acima mencionados façam referência à transmissão aos herdeiros, devemos entender, aqui, que essa transmissão é ao espólio do de cujus. O encargo é recebido pela herança deixada pelo devedor do débito alimentar, não recaindo sobre os herdeiros, jamais, a obrigação de concorrer com seus próprios bens para alimentar o credor do de cujus.
Não há que se falar em sucessão de pensão alimentícia além das forças do quinhão recebido pelo herdeiro.
Exsurge, porém, que não se transmite a titularidade da obrigação de prestar alimentos, seja por negócio jurídico, seja por fato jurídico, o que não se confunde com a disposição legal de obrigatoriedade subsidiária dos demais parentes que são chamados a prestar alimentos, na falta ou impossibilidade dos mais próximos, nem com a responsabilidade sucessória pelas prestações alimentícias vencidas até a data do óbito do alimentante, pelas quais respondem os sucessores.
Questão de alta indagação a ser dirimida em ação autônoma, em processo de cognição, com a amplitude de defesa e a produção das indispensáveis provas é no que diz respeito a inexistência de débito até a data do óbito, devendo a partir de então o pedido de alimentos não ser examinado em sede recursal do inventário, não justificando, assim, a anulação da partilha ou qualquer outro provimento que represente bloqueio ao monte partilhado.
O entendimento predominante dos nossos tribunais é o esposado no julgado abaixo:
Inventário. Sentença Homologatória de Partilha. Pretensão de caráter alimentício em face dos herdeiros. Inexistência de débito até a data do óbito. Transmissibilidade da obrigação. Artigo 1700 do Código Civil. Questão a ser dirimida pelas vias ordinárias. Não existindo débito até a data do óbito, a partir de então, o exame do pedido de alimentos não merece ser apreciado em sede recursal do inventário. Assim, não se justifica a anulação da partilha ou qualquer outro provimento que represente bloqueio ao monte partilhado. Questão de alta indagação a ser dirimida em ação autônoma, em processo de cognição, com a amplitude de defesa e a produção das indispensáveis provas. RECURSO DESPROVIDO.[8]
No mesmo sentido, a seguinte decisão:
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – ALIMENTOS – TRANSMISSIBILIDADE DA DÍVIDA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1796 DO CC/02 – ENUNCIADO N° 277 DO STJ – MAJORAÇÃO DO VALOR PAGO À TÍTULO DE ALIMENTOS – IMPORTÂNCIA DO BINÔMIO – POSSIBILIDADE E NECESSIDADE – RECURSOS IMPROVIDOS.
I- Cuidando-se de dívida alimentar já constituída quando da abertura da sucessão, não se cogita de transmissibilidade da obrigação, mas da dívida, tendo incidência o art. 1.796 do CCB/1916, que é reprisado pelo art. 1.997 do CCB/2002.
II – Para a fixação de alimentos deve-se obedecer à regra do art. 1694, §2º do Código Civil que estabelece: é dever dos parentes, cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, devendo, pois, serem fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos do reclamado.
III – Recursos improvidos. (20050150043539APC, Relator HERMENEGILDO GONÇALVES, 1ª Turma Cível, julgado em 03/04/2006, DJ 16/05/2006 p. 80).[9]
Sendo fixado o montante devido a título de alimentos e, não tendo o alimentante devedor cumprido em tempo hábil com sua obrigação, sobrevindo então o seu falecimento, os débitos eventualmente deixados são transmitidos ao espólio.
Não é a obrigação alimentar que se transmite, porque esta se finda junto com a existência do devedor. O que se transmite é a dívida já constituída, ou seja, as prestações que se encontram atrasadas.
Desta forma, com a morte do alimentando ou do alimentante, se extingue tanto o direito aos alimentos quanto a obrigação alimentar, sem qualquer direito aos sucessores. Assim, não se transmite aos herdeiros do devedor a obrigação de prestar alimentos (intransmissibilidade passiva), como também, por questão de coerência, não se transfere para os herdeiros do credor o direito aos alimentos que vinha percebendo (intransmissibilidade ativa), pois esta foi estabelecida em razão de condições pessoais do credor, limitando-se, tão-somente, ao direito de cobrar as dívidas vencidas e não pagas, por ter caráter de dívida comum.
Neste mesmo sentido ensina Yussef Cahali[10] que a característica fundamental do direito de alimentos é a representada pelo fato de ser um direito personalíssimo, uma vez que se trata de um direito atribuído ao próprio necessitado, levando-se em conta a pessoa deste ao assegurar a sua subsistência, ao mesmo tempo em que a obrigação não é transmissível porque tem por base o vínculo de parentesco que liga o credor ao devedor.
Isto posto, conclui-se que o dever alimentar extingue-se, pela morte do alimentante ou do alimentado. Ademais, é certo que da pessoalidade da obrigação alimentícia decorre a sua intransmissibilidade, cessando aquela com o falecimento do alimentante. Do mesmo modo, o caráter personalíssimo do direito impõe a extinção da obrigação com a verificação da morte do alimentando.
Assim sendo, observa-se que não se transmite a obrigação de prestar alimentos, transmitindo-se, sim, aos herdeiros do devedor a obrigação de pagar as dívidas vencidas e não pagas respeitando-se os limites da herança, sendo vedado em casos de sobrevir o falecimento do credor da prestação alimentícia que seus herdeiros pleiteiem junto ao devedor a continuidade da prestação dos alimentos por falta de pressupostos de admissibilidade.
Considerações finais
O presente trabalho se propõe a traçar um perfil das mudanças contidas no novo Código Civil no que diz respeito ao Direito de Família, a partir da inovação do reconhecimento da transmissibilidade da prestação de alimentos, prevista no art.1.700, pois o pretérito Código dispunha, diversamente, que a obrigação de prestar alimentos não se transmitia aos herdeiros do devedor.
Preliminarmente, para a obtenção de alimentos é necessária a existência de vínculo de parentesco entre as partes, vínculo este que, como estudamos, pode decorrer do companheirismo, de consangüinidade e da adoção, não limitando-se apenas à que decorre entre os que descendem de um mesmo tronco ancestral.
Ademais, verificou-se somente poder reclamar alimentos o parente que não dispõe de recursos próprios e encontra-se impossibilitado de consegui-los, por motivo de doença, idade avançada ou outro motivo relevante, o que nos leva a concluir, com esteio jurisprudencial, que a prestação alimentícia está totalmente ligada e regida pelo binômio necessidade x possibilidade, ou seja, será concedida, majorada, reduzida ou ainda exonerada a obrigação, com base na análise feita pelo juiz da necessidade de quem pede os alimentos, e na possibilidade econômica de quem está obrigado a pensionar os alimentos, para que se evite assim o enriquecimento sem causa do alimentando e a privação do necessário para a mantença do alimentante e de sua família, tendo em vista que o instituto da prestação alimentícia foi criado para socorrer os necessitados, não para fomentar a ociosidade ou favorecer o parasitismo.
O legislador, ao estatuir a possibilidade de os parentes, cônjuges ou companheiros exigirem alimentos entre si, deu esteio jurídico à transmissibilidade da obrigação alimentar ao assegurar que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, nos limites da herança.
Observou-se, porém, que não se transmite aos sucessores do alimentante a obrigação de prestar alimentos. Transmite-se, sim, aos herdeiros do devedor a obrigação de pagar as dívidas vencidas e não pagas, respeitando-se os limites da herança. Conseqüentemente, conclui-se ser impossível transmitir aos sucessores do alimentando o direito aos alimentos.
Nesse aspecto, verificou-se que no Novo Código Civil de 2002, ao dispor que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do Cônjuge devedor, na forma do art. 1.694, ampliou a sua área de abordagem, vindo a englobar também os alimentos devidos em razão do parentesco, bem como os decorrentes do casamento, da união estável e da adoção.
Destarte, o credor dos alimentos pode reclamá-los do parente que estiver obrigado a pagá-los, podendo exigi-los dos herdeiros do devedor, se este falecer, porque a estes se transmite a obrigação alimentar, passando, assim, os alimentos a serem considerados como dívida do falecido, cabendo aos seus herdeiros a respectiva solução até as forças da herança, em sendo o valor da herança do herdeiro do devedor insuficiente para o pagamento da pensão, ou tão logo esta seja comprovadamente exaurida, cessa-se a responsabilidade do herdeiro em prosseguir com o pagamento da pensão.
Exsurge, que o que se transmite aos herdeiros é a obrigação de pagar as prestações atrasadas e não a obrigação de prestar alimentos.
Por fim, cabe destacar que o dever alimentar extingue-se, pela morte do alimentante ou do alimentando e que, da pessoalidade da obrigação alimentícia decorre a sua intransmissibilidade. Cessa, pois, aquela, com o falecimento do alimentante. Do mesmo modo, conforme outrora explanado, o caráter personalíssimo do direito impõe a extinção da obrigação em caso de morte do alimentado.
Referências:
Notas:
Informações Sobre os Autores
Pedro Pontes de Azevêdo
Advogado e professor universitário
Zilda Fernandes da Cruz
Acadêmica de Direito
Claudia Campos Monteiro da Franca
Acadêmica de Direito
Andressa Gomes de França
Acadêmica de Direito
Célio Britto Fernandes
Acadêmico de Direito