Tratamento Concedido Aos Refugiados Pelo Sistema Público De Saúde E Pelo Estado Brasileiro Em Meio À Pandemia Do COVID-19

Camila Ramos Rhoden

Resumo: Este artigo visa a analisar, no atual contexto do país, a proteção dos refugiados em meio a situações graves, envolvendo a proliferação de epidemias. Para isso, foram objeto de estudo as diversas legislações nacionais e internacionais que apresentam medidas protetivas aos refugiados e o surgimento de órgãos, como a ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados -, que zelam por sua sobrevivência. Depois, foi analisado o sistema de saúde pública no Brasil e como funciona o seu acesso para os que buscam refúgio. Por fim, foi observado a atuação do Estado em meio à disseminação de epidemias e a prática de ações humanitárias para garantir a sobrevivência não só à população local como também aos que vieram para o país, buscando melhores condições de vida.

Palavras-chave: Refugiados. Brasil. Epidemia. Coronavírus. Saúde Pública.

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Abstract: This article aims to analyze, in the current context, the refugees protection amid serious situations involving epidemics proliferation. For that, were object of this study the various national and international legislations that presents protective measures for the refugees and the emergence of organs, such as ACNUR, that works for their survival. Then, was analyzed the public health system in Brazil and how it manages the access for the ones who search for refuge. Lastly, was observed how the State acts among epidemics dissemination  and how the practice of humanitarian actions help to ensure the survival not only of its local population but also to the ones who came to the country searching for better life conditions.

Keywords: Refugees, Brazil. Epidemy. Coronavirus. Public Health.

 

Sumário: Introdução. 1. As principais legislações nacionais e internacionais que proteção aos refugiados. 2. O sistema de saúde pública no Brasil e o acesso de refugiados. 3.Atuação do Estado brasileiro e da ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – em meio à epidemia do coronavírus. Considerações finais. Bibliografia.

 

INTRODUÇÃO

            Refugiado, de acordo com a Convenção de Genebra de 1951, é a pessoa que se encontra fora de seu país de origem ou residência habitual e não deseja ou está impedido de retornar a ele. Dentre os principais motivos para a busca de refúgio no exterior, estão temores de perseguição devido a sua raça, sua classe social, sua nacionalidade, sua religião ou opinião política, além de conflitos armados, epidemias, violência, carência de proteção do governo. Uma vez no país de asilo, o refugiado deve obedecer às leis e aos regulamentos desse local, assim como respeitar as medidas para manutenção da ordem pública na região. O termo refúgio aplica-se quando a proteção atinge um número elevado de pessoas e sua concessão depende de um trâmite técnico em órgão colegiado.

Muitas vezes confundido com refugiado, migrante é um termo mais amplo, sendo refugiados e asilados categorias suas. O migrante nem sempre deixa seu país de origem, em virtude de perseguição, mas, sim, por motivos relacionados a busca por trabalho, oportunidade de estudos, reunificação familiar, entre outros, e, mesmo quando no exterior, permanece sob a proteção de seu Estado de origem[1].

Já o asilo é um instituto empregado em perseguições políticas individualizadas, podendo a proteção ser concedida em território do país estrangeiro ou do país de destino. A concessão do asilo depende, exclusivamente, de deliberação do Presidente da República.[2]

A Segunda Guerra Mundial provocou grande debate sobre o tema dos refugiados, que resultou na elaboração da Declaração de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas em 1948, em que foi assegurado a todos o direito de não sofrer qualquer tipo de perseguição. Atrelado a esse, o artigo 14 do mesmo estatuto traz o direito fundamental de, em caso de perseguição, buscar asilo em outros países.[3]

Diante desse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou um órgão específico para tratar de assuntos relacionados a pessoas que fogem de seus países de origem: o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Em Genebra, esse órgão iniciou seus trabalhos, a partir da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, que, como instrumento específico de proteção dos direitos de refugiados, dispõe sobre sua definição e seus deveres.

No ano de sua criação, a ACNUR possuía, sob sua responsabilidade, aproximadamente, um milhão de refugiados, montante que progrediu de maneira expressiva ao longo dos anos, chegando à cifra dos setenta milhões no ano de 2019[4]. Tal número alarmante tem origem nos diversos conflitos atuais, tais como na Venezuela, na Síria, no Afeganistão e na Somália.

A despeito da existência de diversas legislações internacionais e nacionais protetivas, a situação dos refugiados gerou uma crise humanitária, pois as políticas adotadas para seu amparo não conseguem acompanhar seu elevado índice de crescimento, sobretudo devido às constantes guerras civis em diversos países e ao surgimento de epidemias, dentre elas o coronavírus.

O COVID – 19, como também é chamado o coronavírus, é uma epidemia que surgiu em Wuhan, na China no ano de 2019, e atingiu proporções mundiais no ano de 2020. Classificado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde, tal surto tem provocado milhares de mortes pelo território mundial, o que vem exigindo que os Estados adotem medidas para diminuição de seu contágio.[5]

Além de a conquista de refúgio não constituir um procedimento simples, em situações alarmantes como a atual, é comum que os Estados atuem de maneira a fechar suas fronteiras para impedir a circulação e contaminação de pessoas, surgindo, dessa forma, mais um obstáculo para sobrevivência dos que abandonaram seu país de origem.

Urge, assim, a necessidade de estudar como o Brasil está protegendo aqueles que solicitam refúgio no país, oportunizando-lhes a sobrevivência em meio à epidemia. Embora o tema envolva inúmeros aspectos políticos, jurídicos e sociais, serão abordados os dois mais relevantes no momento – o fechamento de fronteiras e o acesso ao Sistema único de Saúde (SUS).

Analisaremos as diferentes legislações – internacionais e nacionais – que visam à proteção dos refugiados, e como o sistema de saúde público brasileiro opera para prestar-lhes auxílio.

 

1. AS PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS

O mundo vive, atualmente, com o maior número de refugiados já registrado – aproximadamente setenta milhões – desde a Segunda Guerra Mundial, o que faz necessária a implementação de medidas que ofereçam uma vida digna aos mesmos. Dentre os países que mais recebem refugiados, estão Turquia, Paquistão, Uganda, Sudão e Alemanha, sendo que mais de dois terços deles tem como países de origem a Síria, o Afeganistão, o Sudão do Sul, Mianmar e a Somália (ACNUR 2019).

Oitenta e cinco por cento da população refugiada habita países em desenvolvimento, nas regiões mais remotas, onde os sistemas de saúde, rede de esgoto e acesso à água potável são precários. Além de apresentarem condições desesperadoras de moradia, os campos de refugiados enfrentam a superpopulação, o que vem sendo foco central do trabalho da ACNUR e das demais organizações da ONU, haja vista que a aglomeração de indivíduos, principalmente de baixa imunidade, facilita a disseminação de doenças contagiosas.[6]

No âmbito internacional, há dois instrumentos que explicitamente tratam dos aspectos da vida dos refugiados e da sua proteção: a Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, também conhecida como Convenção de Genebra, e seu Protocolo de 1967. Embora ambos tenham mais de cinquenta anos, tais acordos persistem com grande importância para resolução de conflitos.

A Convenção de 1951 foi resultado do início dos trabalhos da ACNUR, constituindo instrumento normativo específico de proteção dos direitos de refugiados. O seu artigo primeiro[7] traz a definição do termo refugiado:

“Para os fins da presente Convenção, o termo refugiado aplicar-se-á a qualquer pessoa:

(1) Que tenha sido considerada refugiada em aplicação dos Arranjos de 12 de Maio de 1926 e de 30 de Junho de 1928, ou em aplicação das Convenções de 28 de Outubro de 1933 e de 10 de Fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de Setembro de 1939, ou ainda em aplicação da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados.
As decisões de não elegibilidade tomadas pela Organização Internacional dos Refugiados enquanto durar o seu mandato não obstam a que se conceda a qualidade de refugiado a pessoas que preencham as condições previstas no (2) da presente secção;

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(2) Que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de l de Janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.


No caso de uma pessoa que tenha mais de uma nacionalidade, a expressão do país de que tem a nacionalidade refere-se a cada um dos países de que essa pessoa tem a nacionalidade. Não será considerada privada da protecção do país de que tem a nacionalidade qualquer pessoa que, sem razão válida, fundada num receio justificado, não tenha pedido a protecção de um dos países de que tem a nacionalidade.”

 

Dentre os direitos estabelecidos pela Convenção, estão os direitos ao trabalho, à educação, à liberdade de religião, à obtenção de documentos de identidade e à liberdade de circulação. Todavia, a norma principal é o artigo 33, também conhecida como regra do non-refoulment, que impede a devolução da pessoa ao país em que ela sofra ameaças a sua vida ou liberdade:

ARTIGO 33

Proibição de expulsar e de repelir

“1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

  1. Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.”

 

Apesar de ser um marco na humanidade, a Convenção de 1951 definiu o termo “refugiado” de modo bastante restrito, com uma limitação temporal decorrente da expressão “acontecimentos ocorridos antes de 1º de Janeiro de 1951”, e com uma limitação geográfica pelo entendimento de que tais acontecimentos teriam ocorrido somente na Europa. Conforme argumentava Bobbio[8], “os direitos humanos são historicamente relativos, visto que são considerados fundamentais para uma determinada época e sociedade, modificando-se, assim, com o tempo. Além do mais, trata-se de um problema político, e não filosófico”. Por essa razão, foi estabelecido o Protocolo de 1967, com a finalidade de ampliar tal definição, dispondo em seu artigo 1º, item II:

“Para os fins do presente Protocolo, o termo “refugiado”, salvo no que diz respeito à aplicação do § 3º do presente artigo, significa qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras “em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e…” e as palavras “…como consequência de tais acontecimentos” não figurassem do §2 da seção A do artigo primeiro.”

 

O artigo 33 é de suma importância para o Direito Internacional, sendo considerado como norma costumeira que vincula, inclusive, países que não ratificaram a Convenção supramencionada.

Na América do Sul, o Brasil foi pioneiro na proteção aos refugiados, sendo o primeiro país a adotar a Convenção de 1951, o que se deu em 1960, e a aderir ao Protocolo de 1967 em 1972.

Em um âmbito mais restrito, a América Latina conta com a Declaração de Cartagena de 1984, que tem por foco os desafios humanitários enfrentados pelos refugiados, buscando lhes assegurar garantias mínimas, a partir da adoção de princípios da Convenção de 1951 e de seu Protocolo de 1967 como fundamento. Tal documento apresenta diversas considerações a respeito do tratamento a ser oferecido e políticas a serem adotadas pelos Estados para uma melhor proteção aos refugiados, além de trazer uma nova definição para o termo, na sua conclusão terceira:

“Deste modo, a definição ou o conceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é o que, além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.”

 

Ainda, a Declaração visa a uma maior integração dos refugiados na vida cotidiana do país de destino, a partir da colaboração com a ACNUR, prevista na conclusão décima primeira, e a interiorização dos acampamentos de refugiados, para que se distanciem das zonas fronteiriças, palco de muitos conflitos, como dispôs na conclusão sexta.

Sexta – “Reiterar aos países de asilo a conveniência de que os acampamentos e instalações de refugiados localizados em zonas fronteiriças sejam instalados no interior dos países de asilo a uma distância razoável das fronteiras com vista a melhorar as condições de proteção destes, a preservar os seus direitos humanos e a pôr em prática projetos destinados à autossuficiência e integrarão na sociedade que os acolhe.

 

Décima primeira – “Estudar com os países da região que contam com uma presença maciça de refugiados, as possibilidades de integração dos refugiados na vida produtiva do país, destinando os recursos da comunidade internacional que o ACNUR canaliza para a criação ou geração de empregos, possibilitando assim o desfrutar dos direitos econômicos, sociais e culturais pelos refugiados.”

 

No âmbito nacional, após a ratificação de tais instrumentos, o Brasil adotou a Lei nº 9.474/1997, a qual estabelece critérios para o enquadramento como refugiado, procedimentos para concessão de asilo e órgãos específicos para análise das solicitações de refúgio, prevendo, inclusive, o direito de recurso ao Ministro de Justiça. Além disso, a Lei nacional impede que as pessoas que tiveram o refúgio negado sejam transferidas ao seu país de origem, enquanto forem vítimas de perseguição.

A proteção de refugiados não é estendida a pessoas que tenham cometido crimes contra humanidade, contra a paz ou que tenham praticado atos contrários aos princípios das Nações Unidas.

 

2. O SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL E O ACESSO DE REFUGIADOS

Embora existam diversas regulamentações para a recepção de refugiados, eles encontram muitos obstáculos no país de asilo, devido às diferenças culturais, étnicas, de idioma e ao não reconhecimento de sua formação acadêmica, o que acarreta dificuldades para conseguirem emprego e para terem acesso à educação e ao sistema de assistência à saúde.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde – SUS enfrenta diversos desafios, os quais se somam aos desafios próprios dos refugiados, dentre eles:

  • a insuficiência dos recursos destinados à saúde e má administração financeira;
  • a carência de políticas de parcerias;
  • a concentração de servidores em algumas regiões e escassez em outras;
  • profissionais desqualificados que se preparam em faculdades que não oferecem suporte educacional e equipamentos necessários;
  • deficiências no atendimento na emergência;
  • a falta de leitos e de equipamentos.

Assim, o investimento na saúde do país é mínimo, tornando sua situação precária, incapaz de atender à demanda e motivo, inclusive, para um significativo número de mortes.

A Constituição de 1988, em seu artigo 196, prevê a universalização do direito à saúde:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.“

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O SUS, em tese, atende a refugiados e a solicitantes de refúgio, porém a prestação de serviços nem sempre é eficaz, devido à diferença cultural entre pacientes e profissionais da saúde, os quais, muitas vezes, aplicam protocolos e tratamentos sem adaptá-los aos costumes e à cultura dos enfermos. Ainda, enfrentam problemas de comunicação com tais profissionais e, às vezes, são tratados de maneira discriminatória, devido a sua raça, religião ou nacionalidade, além de encontrarem resistência por parte da população local, a qual sente seu acesso ao SUS ameaçado. Dessa forma, além de enfrentar os mesmos desafios dos pacientes brasileiros, tais como falta de profissionais, de leitos e medicamentos, superlotação de unidades de saúde, os refugiados possuem dificuldades próprias, formando um grupo de maior vulnerabilidade.

 

3.  ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E DA ACNUR – ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS – EM MEIO À EPIDEMIA DO CORONAVÍRUS

Em meio a situações graves envolvendo epidemias, os Estados, muitas vezes, optam pelo fechamento de suas fronteiras para evitar a circulação de pessoas e a proliferação do vírus. Embora os Estados possam regulamentar quem pode ou não ingressar em seu território ou decretar medidas de saúde para a população, impedir a entrada de vítima de perseguição contraria as normas internacionais de cooperação. Com o fechamento de fronteiras, os refugiados concentram-se em campos com condições, naturalmente, insalubres, as quais são agravadas quando existe o risco de epidemias. Além disso, proibir o cruzamento de fronteiras acarreta um aumento do tráfico humano, uma vez que os deslocados se encontram desesperados por asilo.

Atualmente o mundo enfrenta a epidemia do coronavírus, a qual vem forçando os governos a tomarem atitudes extremas para o controle de sua proliferação, muitas vezes sem considerar a situação dos refugiados. Dentre as principais medidas adotadas pelos governos dos mais variados países estão o fechamento de fronteiras supramencionado, o isolamento social e o fechamento do comércio com exceção do essencial como farmácias e supermercados.

O governo português, por sua vez, foi pioneiro ao priorizar medidas de proteção aos refugiados ao conceder direito de residência temporária, acesso a benefícios sociais e de saúde a todos que solicitaram refúgio até o dia 18/03/2020.[9] Tal remoção de barreiras visa a defender os direitos humanos dos mais vulneráveis e criar uma resposta mais eficaz e equitativa ao COVID-19.

No Brasil, o fechamento das fronteiras é sustentado pela Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que determinou ações para o enfrentamento do coronavírus. Com base nessa Lei, em 27/03/2020, o Governo Federal publicou a Portaria de número 149, que, além de ter ratificado o impedimento de desembarque de qualquer estrangeiro por via aquaviária, expandiu a proibição de entrada, por via aérea, de estrangeiros de qualquer nacionalidade quando o país de destino ou de sua origem não admitir seu ingresso por via aérea, terrestre ou aquaviária.  Todavia, tal decisão impede o acesso ao país e ao seu sistema de saúde por pessoas que aqui procuram refúgio, o que preocupa a ACNUR, a qual já comanda políticas humanitárias ao redor do mundo como o envio de máscaras, luvas e medicamentos para o Irã e a distribuição de produtos de limpeza e higiene e informações a Moçambique. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados apresentou o seguinte posicionamento em relação à decisão brasileira:

 

“Na portaria do Governo, temos dois pontos que entram em choque com as garantias previstas em lei ― de não criminalização da migração e o princípio do não retorno de solicitantes de refúgio -, e que não podem ser suspensas por uma portaria”, afirma Quintanilha, advogada especialista em migração.

 

O fechamento das fronteiras integra um grupo de perguntas proveniente da falta de soluções acerca da discussão envolvendo o tratamento que deve ser concedido em meio à epidemia do COVID-19 tanto à população brasileira quanto à população refugiada.  A dificuldade em encontrar respostas remete ao fato de os refugiados normalmente já ocuparem uma situação de maior vulnerabilidade, trazendo consigo diversos questionamentos que complementam o grupo de perguntas supramencionado: Como permitir seu acesso ao SUS de maneira eficaz?  Como fornecer condições básicas de higiene aos campos de refúgio?  Os refugiados em processo de aceitação devem ter seus pedidos atendidos para maiores chances de sobrevivência? Como o Estado deve agir para promover uma proteção igualitária?

Ainda sem muitas orientações por parte do governo, a ACNUR vem adotando medidas para mitigar os possíveis impactos do vírus através:

  • da distribuição de “kits” de limpeza e higiene: a população refugiada mais vulnerável, em Boa Vista e Manaus, vem recebendo “kits” básicos para evitar a propagação do vírus, incluindo sabão em pó, água sanitária, papel higiênico, colchões, redes, roupas;
  • da adoção de ações coordenadas: ACNUR, em conjunto com o governo brasileiro e com a prefeitura de Roraima, está apoiando a construção de uma área de proteção para os venezuelanos e moradores de rua em Boa Vista, com capacidade para até 1.200 leitos;
  • do isolamento de casos suspeitos;
  • da divulgação de informações sobre prevenção: são organizadas sessões informativas por voluntários, para garantir que informações confiáveis, divulgadas pela própria ACNUR em cinco idiomas diferentes, cheguem à população refugiada;
  • do monitoramento contínuo das fronteiras e dos aeroportos para conter outros potenciais riscos;
  • da advocacy: diálogo com autoridades para garantir a preservação do direito de encontrar refúgio no Brasil para pessoas vítimas de perseguições, guerras, conflitos armados, violação de direitos humanos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de conhecimento geral que o elevado número de refugiados representa uma grave crise humanitária, uma vez que os países de asilo não são capazes de oferecer condições básicas de sobrevivência a todos, acarretando uma superlotação em locais com condições insalubres. No atual contexto, essa situação é motivo de preocupação para os diversos órgãos destinados à ajuda humanitária, pois a chegada do COVID-19 a tais regiões terá um efeito rápido e devastador.

Foram encontradas, no Brasil, diversas legislações correspondentes à proteção dos refugiados. Todavia, conforme analisado, tais instrumentos não apresentam uma total eficiência, uma vez que um dos fundamentos mais básicos, como o acesso à saúde, não é disponibilizado plenamente a tais indivíduos. Tal carência, fonte de prejuízos cotidianos, agrava-se em situações de epidemia, o que clama pela adoção de medidas para conter ao máximo a proliferação do vírus. No atual contexto do país, é necessária a conscientização de que a população refugiada enfrenta os seus mesmos problemas em relação à pandemia e não deve ser excluída das medidas de proteção adotadas pelo governo a fim de que a resposta brasileira ao coronavírus seja eficaz e não seja proveniente somente de uma parcela da população.

Desse modo, podemos concluir que é prioridade, na atual situação impedir a disseminação do COVID-19 entre os refugiados, sendo crucial a instalação de locais para lavagem de mãos e higienização do corpo nos acampamentos em que residem, a realocação deles, para diminuir o número de pessoas aglomeradas, e o fornecimento de equipamentos, roupas e suprimentos médicos, por meio de doações, para tratamento de possíveis enfermos.

Evidentemente, as mazelas dos problemas de acesso ao sistema público de saúde no país aos refugiados não se resumem à contenção do COVID-19, sendo muito mais profundos. É necessária uma adequação do atendimento pelos profissionais de saúde às necessidades dos refugiados, buscando uma adaptação das técnicas utilizadas à cultura dos pacientes. Ainda, é de suma importância a redistribuição de funcionários, para que não ocorra a carência de tais em certas regiões do país, e a disponibilização de intérpretes nos diversos estabelecimentos hospitalares, para que seja possível a adequada comunicação entre enfermos e agentes públicos.

 

BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1992. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004. – 7ª reimpressão.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Ministério do Chefe de Estado, da Justiça e Segurança Pública, da Infraestrutura e da Saúde. Portaria nº 133, de 23 de março de 2020. Dispõe sobre a restrição excepcional e temporária de entrada no País de estrangeiros provenientes dos países que relaciona, conforme recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Diário Oficial da União. Brasilia, 23 de março de 2020.

 

Coronavírus no Brasil: o que estamos fazendo para proteger refugiados. ACNUR. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2020/03/20/coronavirus-no-brasil-o-que-estamos-fazendo-para-proteger-refugiados/. Acesso em: 25/03/2020.

 

Coronavírus e refugiados: o que o ACNUR está fazendo no Brasil e no mundo.

 

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Convenção de 1951. ACNUR. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/convencao-de-1951/.

 

TREMEAU, Vincent. ACNUR. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2019/06/19/deslocamento-global-supera-70-milhoes/.

 

Protocolo de 1967 relativo ao Estatudo dos Refugiados. ACNUR.  Disponível em: https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Internacionais/Protocolo_de_1967.pdf.

 

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Entenda as diferenças entre refúgio e asilo. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/entenda-as-diferencas-entre-refugio-e-asilo. Acesso em 15/03/2020.

 

Coronavirus disease  (COVID-19) Pandemic.World Health Organization. Disponível em:  https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 Acesso em: 10/04/2020

 

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nações Unidas Brasil . Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em 13 /04/2020.

 

Superlotados, campos de refugiados são um dos espaços mais vulneráveis à Covid- 19. O GLOBO. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/superlotados-campos-de-refugiados-sao-um-dos-espacos-mais-vulneraveis-covid-19-1-24328645. Acesso em 05/04/2020.

 

UNAIDS elogia decisão de Portugal de conceder residência temporária a migrantes. NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Disponível em: https://nacoesunidas.org/unaids-elogia-decisao-de-portugal-de-conceder-residencia-temporaria-a-migrantes/. Acesso em: 14/04/2020.

 

 

 

[1] “Refugiados” e “Migrantes”: Perguntas Frequentes. ACNUR. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2016/03/22/refugiados-e-migrantes-perguntas-frequentes/. Acesso em 13/04/2020.

[2] Entenda as diferenças entre refúgio e asilo. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/entenda-as-diferencas-entre-refugio-e-asilo. Acesso em 15/03/2020.

[3] Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nações Unidas Brasil . Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em 13 /04/2020.

[4] O deslocamento global supera hoje 70 milhões, e Chefe da Agência da ONU para Refugiados pede maior solidariedade na resposta. ACNUR Brasil, 2019. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2019/06/19/deslocamento-global-supera-70-milhoes/. Acesso em 05/04/2020.

[5] Coronavirus disease  (COVID-19) Pandemic.World Health Organization. Disponível em:  https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019 Acesso em: 10/04/2020

[6] Superlotados, campos de refugiados são um dos espaços mais vulneráveis à Covid- 19. O GLOBO. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/superlotados-campos-de-refugiados-sao-um-dos-espacos-mais-vulneraveis-covid-19-1-24328645. Acesso em 05/04/2020.

[7] Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados. Refugiados. Disponível em: http://www.refugiados.net/cid_virtual_bkup/asilo1/conv-1.html#art1. Acesso em 05/04/2020

[8] BOBBIO, Norberto. 1992, p. 19-20. Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004.

[9] UNAIDS elogia decisão de Portugal de conceder residência temporária a migrantes. NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Disponível em: https://nacoesunidas.org/unaids-elogia-decisao-de-portugal-de-conceder-residencia-temporaria-a-migrantes/. Acesso em: 14/04/2020.

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