As conseqüências amargas e incalculáveis da corrupção repercutem em diversos segmentos da vida em sociedade. Acabam afetando ricos e pobres. Povos antigos por vezes demonstraram sua aversão à corrupção na forma de clamores. Um dos profetas, Habacuque, expressou seu sentimento de indignação com relação às injustiças e corrupções cometidas. Ele escreveu: “…Até quando clamarei a ti por socorro contra a violência e tu não salvarás? Por que me fazes ver o que é prejudicial e continuas a olhar para a mera desgraça? E por que há assolação e violência diante de mim, e por que vem a haver altercação, e por que se sustenta contenda? Portanto, a lei fica entorpecida e a justiça nunca sai. Visto que o iníquo está em torno do justo, por isso a justiça sai pervertida.” Habacuque 1:1-4
Os atuais governos não estão imunes à corrupção. Podem ser minados por influências e pagamento de propinas. Nas licitações, o favorecimento de licitantes, em vez de um tratamento igualitário entre todos, é que corrompe o sistema. Não podemos negar que os clamores da sociedade por justiça e lisura na condução da máquina pública foram responsáveis pela elaboração de novas leis. Apesar de ainda existirem, as práticas de imoralidade administrativa diminuíram bastante com o advento da Lei de Licitações, em 1993. Também a Constituição, além de assegurar os direitos individuais, prima pela obrigatoriedade das licitações.
A igualdade entre os licitantes, princípio que impede a discriminação entre os participantes do certame ainda é o epicentro da licitação. “Seu desatendimento constitui a forma mais insidiosa de desvio de poder”, importando, inclusive, ato de improbidade administrativa. Desde dezembro de 2006 a Lei Federal n° 8.666/93 ganhou destaque com a publicação da Lei Complementar n° 123/06, com a inovação deste tratamento igualitário obrigatório. As microempresas e empresas de pequeno porte passam a ter um tratamento diferenciado, no intuito de promover o desenvolvimento regional dos municípios brasileiros.
Numa espécie de esboço aos primeiros comentários acerca da praticidade ou não desta nova lei, poderíamos comparar o novo modelo como um protótipo, embora já em vigor, tendo um assomo perfeito ao fim que se destina, porém inábil frente a algumas atuais realidades. Tal modelo poderia ser mais aceitável e realista se se permitisse a livre concorrência entre os participantes como na redação original da Lei 8.666/93, embora, da mesma forma, alguns aspectos devam ser questionados. Por exemplo, o legislador permitiu, por menos crível que pareça, a participação dessas pequenas empresas no certame ainda que sua regularidade fiscal esteja maculada. Assim dispõe o art. 42, onde a regularidade fiscal somente será exigida para fins de formalização e assinatura do instrumento contratual.
Como se não bastasse essa violação à igualdade, há ainda a possibilidade de regularização da documentação exigida pela microempresa e empresa de pequeno porte dois dias úteis após o encerramento do certame, caso se consagre vencedora. Menos gravoso tal assertiva legal foi assegurar apenas o seu favorecimento à participação mínima de três concorrentes enquadrados nesta condição de benefício, e aptas a arcarem com as obrigações assumidas, sob pena de descumprimento, como disposto no art. 81 da Lei de Licitações.
No caso de empate, e na dicção do art. 44, §§ 1° e 2° da Lei Complementar, entenda como as propostas até 10% (dez por cento) superiores às apresentadas pela pessoa jurídica não enquadrada como microempresa ou EPP haverá a possibilidade de favorecimento dessas pequenas e microempresas. Isso para os casos de Licitação na modalidade Carta-Convite, ou seja, apenas para as compras que atinjam patamares de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Para a modalidade Pregão, o percentual de empate é de até 5% (cinco por cento) da menor proposta final de lance.
Quando houver uma proposta válida de menor preço e que não seja de microempresas e EPP’s, e estejam dentro da margem de empate, estas poderão novamente ofertar lances a fim de abaixarem seus preços e sagrarem-se vencedoras. Por outro lado, ocorrendo empate entre as microempresas e EPP’s estas ensejarão um sorteio para definir a ordem em que poderão ofertar lances menores que o “vencedor” original. Estranho como pareça, o legislador previu um prazo de 5 (cinco) minutos para formulação de novas propostas inferiores, sob pena de preclusão, para a modalidade Pregão. Se não ofertarem preços menores será adjudicado à vencedora original o produto ou serviço. Para Carta-Convite, pelo menos da intelecção do art. 45, I, o legislador permitiu a apresentação de nova proposta “de preço inferior àquela considerada vencedora do certame”, porém não definiu a forma tampouco o prazo para tal manifestação.
Analisando alguns pomos de discórdia que porventura surgirão, a atual redação da Lei permitirá injustiças. Não necessariamente requer que a nova proposta formulada atinja percentuais inferiores consideráveis. Se assim desejarem, poderão as pessoas jurídicas beneficiadas pela nova Lei em comento patrocinarem percentuais ínfimos apenas para abaixar o preço vencedor. Assim, frustraria não a aquisição de bens e serviços por preços mais acessíveis, até porque esta se concretizou em razão de um preço realmente menor, embora de poucos centavos, mas o caráter competitivo da licitação, deixando de “assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes”.
Deverá sim haver mecanismos que impulsionem o desenvolvimento econômico e social precipuamente nos rincões do Brasil, mas empregá-los em todas as compras talvez não se traduza em benefícios para a região ou município. Microempresas e empresas de pequeno porte têm em seus quadros uma quantidade menor de funcionários, ao passo que grandes empresas, em que pese o pequeno vulto das compras, em alguns casos, com condições de oferta mais vantajosas, poderão nem participar de novos certames. Uma coisa é tratar as microempresas e EPP’s com diferença quando concorrem com grandes empresas, até porque neste caso a grande empresa, com condições de preços melhores, forçaria a queda dos preços; mas outra coisa é concorrerem entre si pequenas empresas que – me parece – dificilmente abaixarão seus preços aos níveis conseguidos pelas grandes empresas, ainda mais porque a Lei se aplica apenas se a oferta vencedora não tiver sido oriunda de microempresa ou EPP, art. 45, § 2°. E se o resultado será uma maior onerosidade para os municípios, deverá ser descartada essa hipótese de preferência na contratação, consoante art. 49, III da Lei Complementar.
Outra novidade é a desconstituição do caráter personalíssimo da obrigação assumida com a possibilidade de subcontratação pela licitante vencedora, desde que microempresa ou EPP e que não transcenda o limite de 30% (trinta por cento) do valor total adjudicado, cujos pagamentos poderão ser feitos diretamente a estas subcontratadas. De mais a mais, para confirmar e garantir o efetivo emprego dos ditames desta Lei reservou-se a possibilidade de realização de certames com garantia de 25% (vinte e cinco por cento) do total do objeto licitado, para bens e serviços de naturezas divisíveis, às beneficiárias desta Lei. Além de garantir, durante um exercício inteiro, um total de igual percentual para que a Administração Pública realize procedimentos licitatórios conforme o beneplácito de favorecimento a essas pequenas e importantes impulsionadoras da economia brasileira.
Não quer dizer, noutra vertente, que os percentuais e formas de licitação dispostos no art. 48 deverão ser sempre utilizados. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira traduz a palavra “poderá”, assim disposta como faculdade da Administração Pública em realizar licitações desta natureza, como, também, “ter ocasião ou oportunidade, a razão ou o motivo de”. Sempre que julgar adequada a ocasião e as razões forem inequívocas e relevantes o Administrador poderá realizar licitações desta forma. Se não vislumbrar a eficiência ao fim público que se destina a licitação, não haverá motivo nem razão para a compra atendendo ao dispositivo legal Complementar.
A sensatez já dita que enormes expectativas envolvem o risco de decepções. Quão duradoura e eficaz será a nova Lei e até que ponto esta contribuirá para o desaparecimento de grandes empresas nos certames só o tempo poderá nos dar a resposta. As opiniões talvez divirjam mais do que a distância que separa o céu da terra. Com a publicação e conseqüente entrada em vigor desta Lei, talvez vejamos o auspício de microempresas e EPP’s interessadas unicamente em protelar o certame, quiçá, solapar os direitos das outras pessoas jurídicas concorrentes, com representantes habilidosamente treinados para tal fim capcioso. Caberá, então, às Comissões de Licitação e aos Pregoeiros o prudente critério de desmascarar falsas lutas pelo direito, muito mais letais que o enfrentamento de realidades inexoráveis à sobrevivência desses pequenos empresários no mercado, guindados a uma posição diferenciada para o bem-estar da região. Para as grandes empresas, receio que a “lei fique entorpecida” e não haja tratamento justo. E a menos que o senso de igualdade passe a operar em cada Administrador público, será inútil clamar por ela.
Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG
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