Treu und Glauben e direito ao reconhecimento da origem genética em inseminação artificial heteróloga: notas sobre a decisão XII ZR 201/13 proferida pelo Superior Tribunal de Justiça da Alemanha

Resumo: A jornada de construção do conjunto de normas-regra e normas-princípio que têm por fito a construção social e florescimento das potencialidades humanas, se confunde, essencialmente, formação ideológica do ser no tempo. Por apanágio das Ciências Sociais, o ordenamento jurídico e esforços hermenêuticos sobre este assumem diferente feição a depender das condições de tempo e local. Segue este raciocínio com perfeição o conjunto de normas relativo ao Direito Civil. Neste contexto, eleva-se ao estudo, especialmente, a disciplina contratual, examinando suas feições históricas, com ênfase ao princípio da boa-fé objetiva e seus deveres anexos, momento em que se debruçará sobre emblemática decisão do Tribunal Constitucional Alemão sobre o reconhecimento da origem genética da filiação em inseminação artificial heteróloga, em que se sopesou a liberdade contratual, os direitos relativos à personalidade, e o princípio Treu und Glauben

Palavras-chave: Direito Contratual; Treu und Glauben; Direito à informação; Reconhecimento genético.

Abstract: A journey of building a set of norms-rule and norms-principle that has by a social construction and flowering of human potentialities, is essentially confused ideological formation has no time. By virtue of the Social Sciences, the legal order and the hermeneutic principles on it take on another feature and one dependent on the conditions of time and place. It follows this reasoning with perfection or set of norms relative to the Civil Right. In this context, a contractual discipline is especially studied, examining its historical features, with an end in principle of objective good faith and its annexed duties, at which point it will focus on the emblematic decision of the Constitutional Court. In heterologous artificial insemination, in which a contractual freedom, personality rights, and the Treu und Glauben principle were weighed.

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Keywords: Contractual Law; Treu und Glauben; Right to information; Genetic recognition.

Sumário: Introdução. 1. Síntese do Acórdão. 2. O Contrato e a virada kantiana. 3. Treu und Glauben e Solidariedade. 4. O dever acessório de informação: digressões sobre a decisão alemã. Considerações finais. Referências.

Áreas do Direito abordadas: Direito Civil e Direito Constitucional.

INTRODUÇÃO

De função propedêutica ao estudo jurídico, o brocardo romano ‘ubi societas ibi jus’ denota a necessidade de um conjunto imperativo e exterior de normas para manutenção social (BOBBIO, 2001, p. 149). Os intemperismos naturais à existência reverberam na construção do ser social, trazendo, por conseguinte, sensíveis mudanças ao ordenamento jurídico como um todo (REALE, 2009). Neste ponto, se observa a diferença do trato entre Ciências Sociais e as Ciências Naturais: a inconstância e a irreprodutibilidade (DAMATTA, 2010). 

Na medida em que as leis de Newton implicam em descrições relativas à natureza, logo, constantes em ambos os hemisférios e equivalente ao que se vivenciava séculos atrás, não se pode dizer o mesmo, por exemplo, do sentimento de justiça, noção pessoalíssima marcada pela impermanência no decorrer do tempo. 

Na esteira das inconstâncias, o dinamismo econômico constitui relevante fator no movimento permanente de construção de uma ordem jurídica contratual. Este movimento de reoxigenação é de suma importância na tutela dos acordos de vontade, tendo em vista que a caducidade de suas normas pode inibir a circulação de riquezas, e, por conseguinte, refletir na estrutura econômica coletiva. 

Busca-se, neste estudo, reverenciar o Direito enquanto construção no tempo, lidando especialmente com os meandros contratuais perscrutando-se por suas origens históricas, feições ao decorrer do tempo. Dedica-se ao aclaramento do fenômeno de rotação de paradigmas, vislumbrando-se a passagem de uma era caracterizada pelos princípios liberais do pacta sunt servanda e Autonomia da Vontade, a um horizonte com notas de intervencionismo estatal, marcado pela cooperação contratual e pela ideia de Autonomia Privada. 

Prima-se pelo estudo das repercussões sociológicas relativas à confiança enquanto elos invisíveis de coesão social. Para tanto, debruçar-se-á sobre os estudos de Émile Durkheim em ‘A divisão social do trabalho’, na tentativa de se elucidar o princípio da boa-fé objetiva enquanto expressão da ideia de solidariedade social.  

Sob este fito, dedicar-se-á análise de emblemática decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça da Alemanha. Nesta, se definiu o dever de informação, acessório ao princípio da boa-fé objetiva, enquanto razão fundamental ao reconhecimento da origem genética por parte da filiação em casos de inseminação artificial heteróloga. 

1. SÍNTESE DO ACÓRDÃO

Em janeiro de 2015, o Bundesgerichtshof – Superior Tribunal de Justiça da Alemanha – proferiu decisão emblemática, reconhecendo o Direito de duas crianças a identificar suas correspondentes origens genéticas. A tez paradigmática se deve ao fato da filiação, em ambos os casos, ser fruto de inseminação artificial heteróloga: os respectivos procedimentos foram devidamente reduzidos a termo contratual, no qual consta cláusula de renúncia à identificação do doador de gametas, razão pela qual permaneciam anônimos à prole. Ressalta-se, ainda, a existência de pacto firmado entre doadores e clínica especializada, através do qual se garantiu a não divulgação de seus dados pessoais.

Os Autores, nascidos em 1997 e 2002, inicialmente, postularam perante a Clínica de Reprodução Assistida responsável pelo procedimento, pugnando o reconhecimento do direito de obter informações acerca de sua ascendência. A negativa os levou à justiça alemã, onde, ainda em primeiro grau, não obtiveram êxito na ação de reconhecimento, sendo alegada a ausência de capacidade jurídica ao pedido, vide § 63 do Personenstandsgesetz (PStG). O Bundesgerichtshof, reforçando o entendimento da Sexta Secção Civil do Tribunal de Hannover, invocou não apenas a Dignidade Humana para que se fosse reconhecido o direito de informação acerca da ascendência biológica, mas, também, o Treu und Glauben no tratamento dos pactos, presente no §242 do Bürgerliches Gesetzbuch alemão.

O Superior Tribunal de Justiça da Alemanha se manifestou pela nulidade da cláusula contratual relativa à renúncia da identificação do doador de gametas. Para a Corte, o dispositivo viola o dever de informação, supedâneo do princípio da boa-fé objetiva, resultando em prejuízo a terceiros, no caso, à filiação biológica, ao impedir a identificação de sua raiz genética.

2. O CONTRATO E A VIRADA KANTIANA

As ideias concernentes à movimentação de riquezas são inerentes a qualquer aglomerado social, manifestando-se através da divisão de bens produzidos, em atividades relativas ao escambo de objetos, assim como em relações de compra e venda. Apesar da noção germinal de contrato se fazer presente desde priscas eras, há de se frisar, contudo, a primazia do período Justiniano ao tratá-lo sob a feição de instrumento solene, revestindo de proteção jurídica pactos de vontade (VENOSA, 2006, p.17).

Nesta esteira, a ideia de contrato orbita em torno de conjunto de normas-regra e normas-princípio de caráter cogente, emitido pelo Estado, capaz de, sistemicamente, manter a harmonia das relações jurídicas referentes à atividade econômica (TARTUCE, 2011, p. 475). Como toda disciplina de natureza social, entretanto, é afeta aos intemperismos políticos e econômicos, de modo que suas facetas são decalcadas para se amoldar, o tanto quanto possível, ao contexto histórico vivenciado.

A construção das feições contratuais no decorrer do tempo traduz o caminho histórico percorrido na valorização do intervencionismo Estatal pela garantia da igualdade, e correto adimplemento das condições instrumentalizadas, ao passo em que se denota, por consequência, crescente conjunto de restrições relativo à liberdade de definir as cláusulas contratuais. Eis, pois, a grande virada de Copérnico na orbita contratual: da Autonomia da Vontade à ideia de Autonomia Privada (ROPPO, 2009). 

Ab initio, a legislação contratual Bizantina dedicou ampla liberdade quanto aos sujeitos e às cláusulas contratuais. Assumia-se a presunção de igualdade entre contratantes, determinada pelo exame da capacidade civil das partes, destacando ao Estado o papel secundário de verificação de legalidade e de cumprimento das condições relativas ao contrato. Assim fora erigido o princípio 'pacta sunt servanda', expressando a obrigatoriedade de cumprimento dos termos elevados a contrato, ponto basilar da concepção de Autonomia da Vontade. Seu apogeu, entretanto, só ocorreu séculos depois, em solo francês. Fruto das revoluções burguesas e da patente influência liberal na edição do Code Civil des Français du 21 mars 1804, a elevação ao patamar ‘semiconstitucional’ (NETO, 2013, p. 71) consubstanciou-se através do emblemático artigo 1.134[1], ao grafar o contrato enquanto lei entre as partes. 

Os contratantes gozavam de ampla liberdade para definição das cláusulas contratuais, creditando-se aos mesmos o dever de cumpri-las em virtude da fixação do instrumento solene, presumindo-se o equilíbrio das relações contratuais independentemente de seu bojo. 

Os fenômenos da reaproximação do Direito e da Moral, e da Publicização do Direito Privado trouxeram nova roupagem à formatação contratual (FARIAS e ROSENVALD, 2009, p. 10), sendo o marco inicial à mitigação do pacta sunt servanda e do absolutismo relativo à Autonomia da Vontade. A chamada ‘virada kantiana’ é despertar neopositivista à uma nova perspectiva hermenêutica, avocando protagonismo às normas constitucionais frente as disposições eleitas inter-partes. Num escorço de ressignificações, o dever de cuidado – manifestação do princípio da boa-fé contratual – passa a assumir papel central na disciplina civil. 

3. TREU UND GLAUBEN E SOLIDARIEDADE 

Os intemperismos ínsitos ao tempo, e suas conseguintes implicações ao emaranhado de relações atinentes à política, economia, e aos fatores reais relativos à eticidade, como exposto, consubstanciam reformulação no que tange a sistemática dos contratos. 

O gradativo reconhecimento das desigualdades informacional e financeira, predicados inerentes às partes, aproxima a disciplina contratual de posturas restritivas à Autonomia da Vontade. Este remodelar de conceitos é caracterizado pela mitigação do pacta sunt servanda frente a elevação do papel ocupado pelo princípio da boa-fé contratual. Apesar de seu recente protagonismo, se trata de requisito funcional ínsito a todo e qualquer acordo de vontades.

Sobre este aspecto, insta guisar o duplo viés assumido pela boa-fé: se observa a conduta do sujeito em âmbito psicológico, aferindo o conhecimento o não das circunstâncias incidentes à vida do acordo pactuado, assim como se examina as condições objetivas relativas aos deveres de lealdade, zelo e cuidado mútuo (REALE, 2003). Neste ponto, se percebe a dissemelhança entre boa-fé subjetiva, e boa-fé objetiva (Treu und Glauben), sendo esta última elevada ao patamar de princípio contratual basilar, com estreito vínculo à ideia de confiança inter partes, cuja origem nos remonta a aspectos de natureza sociológica. 

Os deveres relativos à lealdade, inerentes à qualquer instrumento contratual, guardam estreita relação ao sentimento de solidariedade, definido por Émile Durkheim enquanto tecido garantidor da coesão social (1988, p. 33). Nessa esteira, designando-se o contrato enquanto vestimenta jurídica da economia (ROPPO, 2009, p. 11) o florescimento da ideia de coletividade se consubstancia em ponto nevrálgico à saudável continuidade das atividades de mercado (MACNEIL, p.88). 

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O fenômeno das solidariedades é caracterizado pela ponderação dos sentimentos coletivo e individual, se ramificando em modalidade mecânica – própria de pequenos agrupamentos humanos, em que todas as ações são voltadas à satisfação do interesse coletivo, com rasa divisão de tarefas e homogeneidade ideológica – e orgânica – predicado de construções sociais complexas, em que a lógica individual sobrepõe o sentimento de coletividade, com profunda especialização laboral e heterogeneidade ideológica.  Em ambos os casos, é possível se verificar a continuidade da estrutura social a partir do exame das solidariedades: em coletivos mecânicos, a fluidez é garantida pelas alteridade e uniformidade ideológica, ao passo que sociedades orgânicas perseveram pela interdependência funcional, vide alto grau de especialização de trabalho.

Cá, jaz a importância do Direito na concretização do Treu und Glauben: sedimentar, de modo cogente, conjunto axiológico a ser seguido em vida social. A partir dessa construção, se pode antecipar os comportamentos de terceiros, mantendo a expectativa de adimplemento e exercitando o princípio da confiança, inclusive, em seara contratual.

Destarte, os deveres relativos à informação, presteza e lealdade têm raiz sociológica, brotando de fonte salutar à coesão social. 

4. O DEVER ACESSÓRIO DE INFORMAÇÃO: digressões sobre a decisão alemã

A exaustão enumerativa, apanágio-chave do Code Civil fraçais du 1804, é expressão ideológica proveniente das revoluções burguesas (NETO, 2013, p. 68). Tendente ao respeito à igualdade entre as partes e à liberdade contratual, buscou garantir segurança jurídica aos cidadãos através de técnica legislativa excessivamente descritiva, e de baixa porosidade interpretativa. 

Possivelmente, a maior referência histórica de índole liberal, o Código Civil Napoleônico representa o apogeu principiológico da força obrigatória dos contratos. A abertura da ordem jurídica às técnicas referentes às cláusulas gerais e aos conceitos legais inderterminados retrata, para além da mitigação do pacta sunt servanda, o declínio da metodologia exegética.

A hodierna representação do príncipio da boa-fé objetiva, entendido enquanto dever de cuidado a ser observado no trato pactual (BURCHARTS, 2014, p. 46), denota a utilização de técnica legislativa com elevado grau de abstração, panorama impensável em era napoleônica. Com o fito de melhor descrever a cláusula geral boa-fé, desenvolveu-se estudo atinente aos deveres anexos ou laterais de conduta, naturais a toda e qualquer relação contratual, dentre os quais se destaca o dever de informação (TARTUCE, 2011, p. 502).

A constatação das disparidades à nível de conhecimento sobre o objeto pactuado faz da informação pressuposto primordial à límpida expressão da vontade, ao passo em que o dever de mútuo auxílio faz de sua prestação um compromisso contínuo.  Nessa esteira, a nova ótica contratual traz às partes, muito além do adimplemento objetivo das operações econômicas fixadas, o dever de cooperação contínua para a satisfação dos interesses recíprocos (SOARES, 2013).

No caso em tela, fora reconhecido o direito de duas crianças geradas através de inseminação artificial heteróloga à identificação das respectivas origens genéticas. A intervenção de reprodução assistida se realizou em clínica especializada, e fora reduzida a termo contratual, no qual consta cláusula de renúncia à identificação dos respectivos doadores de gametas.

Para o Bundesgerichtshof, a identificação dos genitores não só consubstancia os reconhecimentos histórico e genético relativos à filiação e, portanto, respeito aos direitos de personalidade e dignidade humana, mas, atento à contemporânea feição da disciplina dos contratos, decidiu o Tribunal pela identificação dos doadores de gametas também em razão do princípio Treu und Glauben.

A perspectiva contratual sob a ótica de vestimenta jurídica das operações econômicas (ROPPO, 2009, p. 11), traz à baila a inafastável lembrança das reverberações sociais atinentes a cada ato celebrado. Decerto, a renúncia à identificação por parte dos contratantes – pais legalmente incumbidos – assim como o pacto de sigilo guardado entre doador de gametas – pai biológico – e clínica de reprodução, não podem afetar a escolha da filiação em tomar conhecimento de si, conforme traduz o princípio do relativismo (TARTUCE, 2011, p. 517). 

A decisão declarara a existência de relação jurídica sui generis entre filiação e clínica especializada em reprodução assistida. Desse modo, esta última deveria exercitar seus deveres contratuais de informação, reconhecendo o vínculo jurídico com a filiação e, em virtude do princípio da boa-fé objetiva, permitir o acesso relativo às respectivas árvores genéticas.

A resolução do imbróglio a partir da cláusula geral boa-fé é expressão de marco de transição na sistemática contratual. Observa-se a mitigação do princípio da obrigatoriedade de cumprimento das disposições acordadas quando, com o fito de salvaguardar a dignidade humana e a boa-fé objetiva, se quebrou o sigilo do doador de material genético para assegurar conhecimento da origem à filiação. Na mesma ocasião, se faz notável a presença Estatal na definição e no cumprimento dos acordos de vontade, percebendo-se, pois, o movimento histórico de reestruturação da Autonomia: ontem, se circunscrevia à vontade livre e praticamente irrestrita; hoje, se depara com obstáculos advindos do fenômeno de publicização do Direito, encontrando limites para a concretização de direitos e garantias fundamentais.    

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O legado heideggeriano, através da ideia de ‘dasein’, designa o humano enquanto ‘ser-no-mundo’, personagem em construção contínua (HEIDEGGER, 2003), sugerindo a ideia de ninho social na representação dos elos firmados entre seus componentes. Pari passu à construção do humano enquanto ser, o Direito, enquanto instrumento germinado com finalidade de realização da paz social (FERRAZ JUNIOR, 2003), não se encontra escuso às ações do tempo. O homem se constrói. Também o Direito. Esse panorama é perceptível em âmbito contratual, e resta caracterizado, nesta esfera apreciativa, a partir da guinada de um conjunto de restrições impostas pelo Estado na concretização dos ideais de igualdade e solidariedade. Este caminhar dos influxos da vontade absoluta, às intervenções protetivas aos direitos e garantias fundamentais, corresponde a mudança do instituto Autonomia da Vontade enquanto paradigma máximo das relações contratuais, para o que se denomina, hodiernamente, por Autonomia Privada.

Sob esta nova ordem, as partes passam a manter relação que supera os deveres de adimplemento das condições firmadas em instrumento solene. A sistemática contratual assume as desigualdades inerentes à qualquer relação humana, devendo cada sujeito se comportar de modo leal e cooperativo. Percebe-se pois o norteamento solidário dado ao contrato, reconhecendo-se seus reflexos à economia como um todo, de modo a se tornar insustentável discursos de índole essencialmente relativista.

O dever de lealdade e cooperação em esfera contratual requer fino trato. Nessa esteira, a doutrina busca esmiuçar em deveres anexos as altíssimas abstração e porosidade ínsitas ao princípio da boa-fé objetiva, entendido enquanto cláusula geral. 

O Bundesgerichtshof, Superior Tribunal de Justiça da Alemanha, ao decidir pelo acolhimento da pretensão de identificação dos pais biológicos, norteou-se pelos Direitos Constitucionais relativos à personalidade e, consequentemente, em elegia à Dignidade Humana. Todavia, em âmbito contratual, seu viés emblemático se deve à mitigação do princípio pacta sunt servanda, frente à boa-fé objetiva. Ao designar o dever jurídico de informação enquanto supedâneo do Treu und Glauben, a Corte reconheceu a não-oponibilidade dos pactos de anonimato aos descendentes biológicos. Portanto, apesar da existência de instrumentos solenes nos quais os pais legalmente constituídos renunciaram ao direito de reconhecimento, e de pactos de não-divulgação realizados entre doadores de gameta e Clínica de Reprodução Assistida, estes não consubstanciam obstáculo ao direito de informação, dever anexo ao princípio da boa-fé objetiva.

A ideia de força obrigatória dos contratos vem sendo remodelada sob os paradigmas do respeito aos direitos e garantias fundamentais. Desse modo, a decisão do Tribunal Alemã denota grande avanço da atuação Estatal na promoção de ideologia extrapatrimonial às relações individuais. 

 

Referências
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SOARES, Marcos Cáprio Fonseca. Reflexões sobre o dever de informação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9130>. Acesso em: 24/11/2016.
 
Notas
[1] “Art. 1.134 As convenções legalmente formadas têm força de lei entre as partes.” (livre tradução) (FRANÇA, 1804)


Informações Sobre o Autor

Glauco Eduardo Salles dos Santos

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão Especialista em Direito Penal com Habilitação ao Magistério Superior Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa Advogado


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