Ultimamente muitas críticas foram feitas por setores do governo contra a atuação do Tribunal de Contas da União que, no desempenho de sua missão constitucional, apontou inúmeras irregularidades na execução da maioria das obras contratadas pela administração pública federal. Nada menos que quarenta e uma obras tiveram recomendação de paralisação, sendo que treze delas referem-se às obras do PAC. Portanto, envolvem execução de obras prioritárias inseridas no plano de ação do governo. Daí a situação de desconforto do Executivo que pode ter as obras efetivamente paralisadas, conforme o caso.
Entretanto, não cabe criticar o TCU pela sua atuação no desempenho de suas atribuições.
Costuma-se dizer que o TCU é um mero órgão auxiliar do Poder Legislativo, talvez pelo fato de a Lei de Responsabilidade Fiscal tê-lo incluído no âmbito do Legislativo para efeito de repartição dos limites de despesas de pessoal por Poder (art. 20). Isso, na verdade, não tem relevância jurídica.
O importante é que a Constituição Federal, além das funções de auxiliar o Congresso Nacional, conferiu ao TCU atribuições próprias como se vê no art. 71.
No que se refere ao exame das contas anuais do Presidente da República o TCU age como mero órgão auxiliar do Congresso Nacional a quem cabe, com exclusividade, aprovar ou rejeitar as contas qualquer que seja o parecer prévio (pela aprovação ou pela rejeição) apresentado pelo Tribunal (art. 71, I da CF). Age como auxiliar do Poder Legislativo, também, quando presta informações solicitadas por qualquer das Casas do Congresso Nacional ou por qualquer de suas Comissões.
Porém, no que diz respeito às contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos o TCU as julga diretamente, sem interferência do Legislativo (art. 71, II da CF). Nesta hipótese, assim como no caso do inciso VIII, em que o Tribunal aplica as sanções legais aos responsáveis pela ilegalidade da despesa pública, o TCU desempenha uma atividade contenciosa. Age com independência, também, quando o Tribunal promove atividade fiscalizadora de natureza preventiva ou repressiva nas hipóteses enumeradas nos incisos IV, V, VI, IX, X e XI do art. 71 da CF.
Verifica-se que o TCU tem o poder de assinalar o prazo para que o órgão ou entidade fiscalizada adote providências para sanar as ilegalidades apontadas (art. 71, IX da CF).
Se não atendido, o Tribunal pode sustar a execução do ato impugnado, porém, comunicando sua decisão às duas casas do Congresso Nacional (art. 71, X da CF).
Contudo, em se tratando de contrato, conforme dispõe o § 1º do art. 71 da CF, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
Portanto, cabe ao TCU, no caso de contrato, promover a representação ao Congresso Nacional solicitando a sustação do ato. Aqui há uma divergência doutrinária quanto à possibilidade, ou não, de o Poder Legislativo sustar ou deixar de sustar o ato impugnado pelo TCU. Alguns autores entendem que o Congresso Nacional não poderá adotar posição diferente do entendimento técnico-jurídico esposado pela Corte de Contas. Sobre o assunto assim nos manifestamos:
“A decisão do Congresso é política e não jurídica, pelo que pode ele deixar de suspender o contrato por motivos de conveniência e oportunidade, permitindo que o contrato prossiga em sua execução. Deliberada a suspensão, o TCU será cientificado dessa decisão para apuração de responsabilidades”.[1]
De fato, sustar a execução do contrato depois executada uma boa parte das obras poderia implicar um prejuízo enorme ao erário, por razões óbvias. Daí porque o Congresso deve sopesar os prós e contras para tomar uma decisão sem se vincular ao pronunciamento técnico-jurídico do TCU. Já imaginou as conseqüências de uma sustação de obras para sediar a Olimpíada de 2016 depois de executadas a sua maior parte? Seria um desastre total em termos de desperdício de recursos financeiros e principalmente em termos de credibilidade do País no concerto internacional. Por isso, não concordamos com os defensores da tese da vinculação da decisão técnico-jurídica do TCU à deliberação do Congresso Nacional.
O certo é que cabe ao Congresso o ato de sustação do contrato, assim como cabe ao Executivo sanar as irregularidades apontadas pelo TCU.
Somente na hipótese de o Congresso Nacional ou o Poder Executivo se omitir, deixando de tomar qualquer providência, no prazo de noventa dias, é que caberá ao TCU decidir a respeito, conforme prescreve o § 2º, do art. 71, da CF.
A Constituição não esclareceu que tipo de decisão deve tomar a Corte de Contas. Porém, pela interpretação sistemática dos textos constitucionais citados essa decisão só pode se referir à anulação do contrato seguida de imputação de débito ou multa pecuniária aos responsáveis pela ilegalidade da despesa. Essa decisão terá o caráter de título executivo, na forma do § 3º, do art. 71, da CF.
É preciso que fique bem claro que essa decisão do TCU só ocorrerá na hipótese de omissão dos Poderes Legislativo e Executivo, pelo que é inadequada a imputação de responsabilidade pelos eventuais prejuízos decorrentes da sustação da execução do contrato pelo TCU, que vem atuando nos limites de suas atribuições constitucionais.
Uma forma de evitar discussões com as da espécie é o TCU agilizar a sua fiscalização preventiva ou concomitante para prevenir desvios e recomendar, se for o caso, as providências que se tornarem necessárias ainda que isso custe a necessidade de reformular a infra-estrutura material e pessoal daquela tradicional Corte de Contas que data de 1890.
Nota:
[1] Conforme nosso Direito financeiro e tributário. 18ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 98.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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